sábado, 25 de junho de 2011

QUANTO CUSTA UM HOMEM?




LEONARDO SAKAMOTO* - BLOG DO SAKAMOTO

Quem já não passou raiva por ser desrespeitado no trabalho, ficando com a sensação de que não lhe deram o devido valor? Agora, imagine se alguém realmente te avaliasse, feito compra de burro de carga, e colocasse um preço. Já falei do seu Antonio aqui, mas estou resgatando a história completa para que os leitores tenham uma idéia de até onde vai a ignorância – é longo, mas como é feriado prolongado para muita gente, há tempo para ler. A fala de Antônio, com a ajuda do documentarista Caio Cavechini, foi transcrita do jeito que foi dada – livre, sem as correntes da língua portuguesa.

Creio que o resgate é válido ainda mais em tempos de crescimento econômico, que faz surgir reivindicações de ambos os lados – melhores salários, condições de serviço mais dignas, participações nos lucros, mas também reclamações quanto ao custo trabalhista e a necessidade de flexibilizar a legislação. Isso ficou claro nesta semana quando o Supremo Tribunal Federal tratou do tema da proporcionalidade do aviso prévio com as previsíveis reações de entidades empresariais e sindicais.

A história de Antônio é limite, mas exemplifica bem a medida do desafio que temos para cortar as heranças escravagistas presentes em nossa sociedade, que não se resumem ao odioso trabalho escravo contemporâneo, mas perpassam as relações de compra e venda de força de trabalho. A Casa Grande e a Senzala, seja no campo ou na cidade, continuam vivas e a visão de inferioridade do trabalho imposta pela classe social dominante ainda guarda relação com a que havia por aqui há 150 anos. Da mesma forma, o posicionamento de parte dos trabalhadores, por vezes preferindo o conformismo ao embate, por desalento, cansaço ou falta de perspectivas, também não mudou como deveria. Foram-se os rótulos, ficaram as garrafas. 

Anos atrás, Antônio, foi vendido como escravo no Maranhão e obrigado a trabalhar para Miguel de Souza Rezende, fazendeiro mais de uma vez flagrado pelo governo federal utilizando mão-de-obra escrava. Antônio, vítima de tráfico de seres humanos, foi comprado para limpar o pasto e derrubar floresta amazônica. Morador de Açailândia, na banda Oeste do Maranhão, terra de carvoarias e fazendas de gado, conseguiu o direito a uma indenização. Pouco mais de R$ 10 mil. O fazendeiro recorreu – básico, ao invés de pagar a merreca. Lembrando que, no Brasil, o acesso à Justiça é diretamente proporcional à capacidade de se pagar por ela.

Segue o relato:

“Rapaz… dessa fazenda, como eu fui parar lá… Que naquela época era mais difícil serviço aqui dentro. Hoje não, já tem muito. A todo canto a gente acha um servicinho pra fazer. Pra quem quer trabalhar, pra quem não quer, não acha não. É roubar… Então, eles vieram atrás de gente para levar lá pro Miguel Rezende. Então, ele chegou e o cara foi na rua e aí anunciou que queria 42 peão. Então esses 42 peão foi junto, tudo. Com dois dias eles deram conta de ajuntar esses 42 peão.

No dia que nós saímos para a casa do Miguel Rezende, em Imperatriz, nós cheguemos lá, nós fumos vendido! Oitenta reais pra cada cabeça, os 42. O vagabundo morava lá no Casqueiro, num sei se ainda mora, num cabaré ali. Então ele pegou esse dinheiro lá com patrão e passou nós já pra outro. Quando nós cheguemos em João Lisboa, nós fomos pedir que queríamos merendá ele disse: “que merendá, nada! Cês pegarem muito chiado, cês pega tapa logo”. Barroso… Aí nós fiquemos por ali. Aí nós fumo pegá a mercadoria para botar no tapa. Aí o cantineiro, rapaz, disse que nós num podia ficar sem comer não, “eles merendaram em açailândia”. Aí ele passou um bocado de pacote de bolacha pra nós. Quando nós chegamos lá na sede, foi dez horas da noite. E o que comemos mesmo foi só um banho e dormimos com essas bolachinhas. No outro dia, todo mundo se arregaçou de se caminhar três quilômetros de pé, atravessemos o rio, fumo pro outro lado. Quando chegou lá, todo mundo com fome-de-manhã-caiu-na-cacaia-pra-cortar-pau-de-motosserra-uns-carregando-outros-só-limpando-outros-derribando.

Aí nos fizemos o barraco. Quando deu seis horas, nós cabamos de fazer um barracos de 30 metros assim, de comprido. Com os caibros no chão, coberto com plástico de uma lona preta. Aí pegou uma empreita, pra nós era quatro. Desses 40, nós fiquemos em quatro. Aí nós peguemos dez alqueires em branco. Quando deu com 25 dias eu falei pro Barroso, Barroso eu quero um dinheiro para mandar pra a minha família em casa, porque lá não ficou nada, vocês não me deram nada. Então pra comer eu tenho que trabalhar e mandar dinheiro. Ele disse: “hum, rapariga de filha de uma égua nenhuma desses que têm aqui não vai nenhum dinheiro. Tirando antes de 90 dias não vai nenhum dinheiro pra essas raparigas de vocês na rua”. Aí parou, trabalhemos o resto do dia. Jantemos, quando foi o outro dia, tornemos a ir pro serviço, trabalhar. Quando completou 30 dias eu disse: meninos, quem quiser ir embora mais eu, nós vamos. Aí o cantineiro avisou nós: “rapaz não sai de nenhum de vocês, se saírem vocês morrem. Tem muito jagunço na fazenda”. Nessas alturas, tinha um rapaz que era veeado, de Chapadinha. Esse rapaz nós escutemos os tiros seis horas. E esse rapaz, até hoje, ele nunca voltou pro barraco.

Rapaz, eu não tenho medo de homem não! Eu posso morrer, mas eu vou me embora. Eu não vou ficar aqui trabalhando a vida todinha, escravizado, para não mandar nada pra minha família. Aí quando nós acabemos de arrumar ali, eles tinham ido prum jogo lá no Jabuti, que é um povoadozinho de sem-terra. Aí chegou a corriola todinha que estava pra lá bebendo cachaça. Chegou tudo. Chegou o cantineiro e passou logo pra eles: “olha tem quatro homem que vai sair”. Aí ele começou logo a bordar taca mais os jagunços dentro do barraco, batendo, jogaram o cavalo no Deodete, o cavalo pisou no aqui assim dele, arrancou as duas unhas dele, ficou só a carne. Aí começaram o quebra-quebra.

Aí nós saímos, eles ficaram em argumento com os outros e eu sai com mais três. O menino que ficou com as unhas arrancadas ficou lá, eu disse depois nós volta pra buscá ele. Deixa esfriar mais. Aí quando nós sai, quando nós andemos uns 200 metros, vieram aqueles cães grandes, dois cachorros grandes, do tamanho de um bezerro. Dois se jogou pra dentro do capim.

Eu sou aquele homem que embora eu quero ver meus pés dentro dum caixão, mas não corro com medo dum homem, eles chegaram e me cercaram. Barroso era o mais de frente, eu peguei e meti a faca na barriga dele. Eles disseram mata o homem. Eu disse não mata o homem, se ele me mata, ele me mata, aí ele me atira, no que ele me atirá, vocês atirá nele, ele me mata, porque tinha uma faca entrando na minha barriga. Aí fiquemos ali, mata num mata, mata num mata, mata num mata. Aí chegou o gerente e disse pra eles: “rapaz, vocês libera esse homem, libera esse velho, porque se vocês mata ele, tem 42 homem, esses homem entrega essa fazenda”. Aí liberaram nós.

Aí quando nós viajemos um pouco, de noite, pra todo canto tinha piquete, pra todo canto piquete para matar nós. Ainda voltei pra pega o homem doente, carreguemos ele nas costas um pouco, aí ele melhorou, rasguemos uma camisa, marremos no pé dele. Nós viajemos três quilômetros perdidos, voltemos viajemos outros três, e os meninos dentro de uma coxas velha de farinheira.

Um friiiiio! E foooome! E de lá nós tiremos pra sair no… no Córrego Novo. Três dias comendo mamão véio e verde, raizinha de macaxeira e baiguinho de feijão verde. E foi nesses três dias o que nós comemos.

Mais isso já tava com seis anos, já tava esquecido… Alembrar do passado é sofrer duas vezes… O cara massacrado, panhar, cheguei em casa todo inchado de boca de arma, todo massacrado, a comida ficou a quinze reais cada pratinho de refeição, as bolachas ficou a seis reais, cada um pacote – naquele tempo não tinha esse preço. O de comer e esse serviço que nós fazemos nós não recebemos um tostão inté hoje. Nós já fomos em audiência duas vezes em São Luís, três vezes em Imperatriz, três aqui em Açailândia.Quando eu caí doente, eu não pude ir pra Brasília, foram no meu lugar, duas vezes. Aí parou, pra mim já tava esquecido. Agora, lembrar disso magoou de novo. Pra mim foi mesmo que tenha sido agora como perguntando nós, falando aqui.

Rapaz, eu hoje adepois que me aposentei, eu não sai mais para trabalhar pra fora pra ninguém. Que sempre eu tenho uma famizinha de trabalhar. Porque na idade que eu tô…tá faltando três meses para 75 anos…eu trabalhando é saúde pro meu corpo. Porque se eu parar, pronto, a carne vai indo, engorda, amolece o bucho e não tem coragem nem de andar! Eu trabalho todo o dia como eu tô te falando tem dia que eu faço diária de 50, 60. Mas minha morada é seca, seca mesmo, eu não paro não. Essa mulher, tem de dois anos que estamos junto, essa mulher foi uma grande coisa que Deus me deu. Porque eu vivia com quatro vagabunda ali, cuidando da filha que destruíam tudo o que eu tinha. Hoje tá com dois anos que eu tô nessa casinha, mas eu num acabei de fazer ela, porque eu vivo empregando em lote: essa áréa pro lado é minha, lá na esquina é minha, esse lote que travessa pro lado é meu. Tô com 11 lotes, e eu não devo a ninguém desses lotes.

Pra adquirir terra só se vir uma reforma pra cortar terra. Mas invasão que nem eu vejo a polícia matando, batendo, não quero não. Eu fico mesmo aqui dentro da minha areazinha, roçando pra riba e pra baixo, mas não vou não. Mas se vier reforma eu ainda vou tentar. Cortada e entregada, que eu não tenho mais idade, a mulher ainda tem idade, mas eu não tenho não.

Eu desde da idade de 11 anos que meu pai me executava em mexer com lãzinha do Ceará lá pelos campos de Caxias. Desde os 11 anos que eu mexo com roça. Meu pai morreu, minha mãe morreu, tá tudo enterrado ali em Caxias. Nós somos 32 irmãos dentro de três famílias de meu pai. E eu não sei aonde tem nenhum, vivem largado no mundo. Minha mulher morreu, outra também morreu e tá enterrada no município de Caixas, a ex vagabunda eu larguei aqui. Hoje, eu vivo só mais essa aí e uma criancinha que eu tô criando. Dali eu tenho um filho, tenho dois netos, tenho uma filha que tá pra acolá.

A Federal tá baixando aí, tá dando regulagem na turma. Tem alojamento, tem tudo. E hoje só entra pra dentro de uma fazenda pra roçar juquira, carteira assinada… 90 dias… no contrato. Quando sai ainda paga os direitos dele. Mas aqui nego já sofreu demais, demais. Hoje, ta mió… Os fazendeiros fazem isso porque são poderoso. Eles são poderoso. Então não tem cuma, o cara tem que ir roçar juquira, fazer qualquer coisa pra dar de comida pra família. Aqui mesmo nessas pontas de ruas que eles chama de pólo moveleiro aqui tem gente, menino, que se ele ferve a água de manhã, de noite ele não tem para ferver a água para os filhos. Anda pedindo nas casas pra poder escapar, porque não tem um emprego”.

*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Já foi professor de jornalismo na USP e, hoje, ministra aulas na pós-graduação da PUC-SP. Trabalhou em diversos veículos de comunicação, cobrindo os problemas sociais brasileiros. É coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Moçambique: NO 35º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA PR SAÚDA MOÇAMBICANOS




NOTÍCIAS (Moçambique)

O PRESIDENTE Armando Guebuza congratula os moçambicanos no solo pátrio e no seio das comunidades no exterior pela passagem hoje do trigésimo sexto aniversário da proclamação da independência nacional. 

O estadista considera que se trata de uma conquista nobre, irrepetível, memorável, na nossa propriedade colectiva.

Em mensagem no contexto da celebração, Guebuza afirma que através deste acto político e jurídico, proclamado pelo saudoso Presidente Samora Moisés Machel, cujo ano este ano celebramos, reconquistámos os nossos direitos inalienáveis de liberdade, dignidade e cidadania própria.

Na missiva explica que congratulamo-nos pelo facto de cada um de nós estar a lograr imprimir, no tecido da nação moçambicana, o orgulho pela nossa História e pelos feitos dos obreiros da nossa nacionalidade e de todos aqueles que ao longo destes 36 anos têm contribuído para a defesa da soberania e integridade territorial, para a valorização da nossa independência nacional e para a projecção da Pátria Amada na família das nações soberanas do mundo.

Num outro passo, o Chefe do Estado afirma que nestes anos da independência Moçambique tem vindo a registar sucessos em vários domínios. Apontou que cresceu a auto-estima e cristalizou-se a unidade nacional e a consciência de que a paz é um bem comum essencial para o desenvolvimento; multiplicaram-se as infra-estruturas sociais e económicas e aumentou, de forma exponencial, o número de compatriotas que delas beneficiam; elevou-se o prestígio no seio da comunidade internacional e aumentou a contribuição para a paz, segurança e desenvolvimento da região, do continente e do mundo.

No capítulo dos ganhos, o Presidente da República referiu que temos mais compatriotas com casas melhoradas, bicicletas e motorizadas, mais compatriotas a fazer formação presencial ou por correspondência em diferentes áreas do saber. Deu ainda exemplos de funcionários e agentes do Estado a cultivar valores do profissionalismo e da meritocracia, moçambicanos a revelarem-se talentosos a nível nacional e internacional, nas ciências, artes e cultura, no desporto, nas tecnologias de informação e comunicação, na gestão de organizações da sociedade civil e inter-governamentais, regionais e internacionais.
  
Como complemento das obras, o que o moçambicano realiza sob a direcção do Governo, Guebuza mencionou que mais compatriotas têm a instituição de ensino, a fonte de abastecimento de água e a unidade sanitária mais perto de si, têm ainda acesso à energia eléctrica, ao telefone celular ou fixo e as vias de acesso reabilitadas.

Porém, o Presidente considera estar claro que o país ainda não alcançou a meta, porque o que conseguiu ainda não abrange a todos os moçambicanos. Para além disso, a implementação de um serviço ou de uma infra-estrutura cria novas necessidades e desafios.

“Continuemos todos empenhados sempre com confiança no fim vitorioso desta nossa causa, a causa do maravilhoso povo moçambicano, a causa de não sermos pobres”, exortou.

LITERATURA E INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE



O PAÍS (Moçambique)

Paulina Chiziane tem destacado a situação e vida das mulheres, bem como as  diferentes tradições existentes no país

Moçambique comemora hoje 36 anos da independência, conquistada cinco séculos depois do domínio português. Às 00h00 de 25 de junho de 1975, Samora Machel, primeiro presidente moçambicano, proclamou a “independência total e completa” do país. 

Introdução

As literaturas africanas de língua portuguesa têm procurado,  conscientemente ou não, uma relação equilibrada com as influências deixadas pela presença dos portugueses. Este processo pode ser chamado de descolonização, que é visível em várias formas nas  literaturas em questão. O processo também pode ser visto, tendo fases diferentes que são aqui apresentadas, com exemplos da literatura moçambicana.

Caminho da independência

A par de outras expressões culturais, a literatura pode em grande medida antecipar mudanças sociais. Em Moçambique, numa primeira  fase, aparecem expressões que discutem a condição dos colonizados,  como em Godido e Outros Contos, de João Dias (1952), que descrevem  a vida quotidiana dos negros, em Nós Matámos o Cão Tinhoso, de Luís  Bernardo Honwana (1964) e as que formam poemas de resistência cultural nos trabalhos de Noémia de Sousa e de José Craveirinha. Mas do panorama literário moçambicano a caminho da independência, também fazem parte os escritores de origem portuguesa que se arredaram destas questões. Assim, a literatura antecipa mudanças, discutindo temas que mais tarde se tornam centrais nas sociedades que lutam contra o  colonialismo. Trata-se da emergência de uma nova literatura que expressa a voz dos colonizados, de uma nova forma em relação à  literatura colonial que, nesta fase, e embora de forma subtil, pode ser  vista como uma plataforma onde as situações sociais são discutidas. Em relação às formas de expressão, é interessante considerar que os autores escrevem contos, e que o conto, ao contrário do romance, deve mais ao contexto da literatura oral do que à influência dominante da  tradição ocidental.

Em direcção ao equilíbrio

Nas últimas décadas têm-se discutido vários temas na literatura  moçambicana. Por exemplo, Ungulani Ba Ka Khosa, no seu Ualalapi (1987) discute o passado moçambicano e a personagem de Ngungunhane, mas também aponta críticas às políticas dos  primeiros anos da independência moçambicana. Por seu lado, Paulina Chiziane tem destacado a situação e vida das mulheres, bem como as  diferentes tradições existentes no país. Mia Couto ficou conhecido pelo uso criativo da língua portuguesa, inspirado na criatividade dos  contadores de histórias.

Pode considerar-se que a obra de Khosa marca uma nova pluralidade cultural no contexto moçambicano. Ele e vários outros escritores e poetas questionam a uniformidade da poesia de combate. Tanto o colonialismo como a luta anti-colonial começam a ter menos peso e mesmo nas obras que discutem o passado, o foco passa a incidir sobre a situação actual. Escritores, usando a língua que antigamente era  europeia, expressam realidades do seu país, recuperando as tradições,  conhecimentos e valores que ficaram na sombra do colonialismo e eurocentrismo.

Conclusão

Sendo assim, o lugar da herança portuguesa é posto em causa, questionando-se a superioridade cultural europeia e avivando-se as culturas locais e a tradição oral. Sendo possível ver que a literatura antecipou a independência, é possível pensar que ela também pode antecipar e discutir as relações actuais e futuras  entre as ex-colónias e a ex-metrópole. Neste processo, é possível ver-se uma “provincialização” de Portugal ao nível cultural, político e epistemológico. Este processo também pode oferecer novas  perspectivas para a cultura lusófona em geral e para a cultura  portuguesa.

*Texto adaptado do original “A Herança Portuguesa e a Literatura Moçambicana”, de Ana Poysa

HÓSPEDES DE GUERRA





AZAEL MOYANA – O PAÍS (Moçambique)

As variedades existentes em cada tipo de máscara estão intimamente ligadas à dança  Mapiko, que carrega um significado religioso

As variedades existentes em cada tipo de máscara estão intimamente ligadas à dança  Mapiko, que carrega um significado religioso. É esta dança que será exaltada, este sábado, pela comunidade Makonde, residente em Maputo, durante a celebração dos 36 anos da independência de Moçambique.

Numa diversidade rítmica que caracteriza o Mapiko, cujo som vem de um conjunto de batuques que têm a função de marcar o compasso da dança, comando do movimento dos bailarinos, a comunidade Makonde, residente em Maputo, celebra em apoteose o 36° aniversário da Independência Nacional. Hoje, 25 de Junho de 2011, na frondosa mangueira da zona militar (capela), este grupo étnico empresta o seu talento artístico com um mistifório de Mapiko do bairro Ferroviário das Mahotas, Boane e Manhiça. São cerca de 10 grupos que vão dar corpo à tertúlia. Trata-se, porém, de uma data simbólica, não só para a nação moçambicana, mas, especialmente, para esta comunidade que em datas festivas relativas à revolução concentra-se para exaltar o nome e a memória daqueles que deram sangue por um Moçambique independente.

A festa dos Makondes

Atanásio Nyusi ou simplesmente “Shot”, como é carinhosamente tratado, revelou que “para nós, comunidade Makonde, o dia 25 de Junho são suas datas numa só, primeiro, porque foi a 25 de Junho que houve a unificação de três famosos movimentos políticos, nomeadamente, MANU, UNAMI e UDENAMO, que culminou com a fundação da Frelimo, em 1962. Segundo, por ser o dia em que se conquistou a Independência Nacional. É assim que o Makonde se identifica com esta data, pelo facto de a guerra ter começado na nossa região, porque Tanzania é perto de Cabo Delgado. As pessoas fugiam via Suazilândia, mas o destino era Tanzania e sempre desciam até Cabo Delgado, daí que tal como a história evidência melhor, a comunidade Makonde foi hóspede da Luta de Libertação Nacional”, explicou Shot, para depois acrescentar que “não quero dizer, no entanto, que os outros povos de Moçambique não sofreram com a guerra, e nem tirar mérito a quem quer que seja, mas os makondes viveram ao lado do fogo cruzado entre o colono e a força moçambicana.

Recordo-me que os portugueses, em 1970, meteram a ofensiva ‘‘Nó Górdio”, dirigida por Kaúlza de Arriaga, onde a orientação militar era de eliminar todas as pessoas que tinham tatuagens no rosto, ao invés de capturá-las - essas pessoas eram os Makondes. Esta é uma das razões que fez com que a Frelimo mandasse encerrar as sessões de tatuagens sob pena de se eliminar de vez a comunidade makonde”.

Com um semblante meio desanimado, mas alegre para mais uma sessão de Mapiko, Txot revelou ainda ao nosso jornal que “36 anos depois da guerra, os grupos culturais da comunidade Makonde sentem-se realizados, apesar de o país ser pobre. A realização cai ao de cima, porque o objectivo da luta armada era conquistar o nosso direito de viver livremente, daí que o makonde sempre celebrou as datas festivas que identificam a sua região. O dia 25 de Junho é mais forte para nós, porque nos recorda uma vivência com a guerra, que não estavámos mais a aguentar, sendo que é o 25 de Junho que fez os makondes chegarem à Maputo”.

Por trás do Mapiko

Por outro lado, o nosso interlocutor revelou alguns segredos do Mapiko. Shot conta que na dança Mapiko são usadas máscaras que se dividem em dois tipos: facial (só cobre o rosto) e capacete (que cobre toda a cabeça). “As variedades existentes dentro de cada tipo de máscara realçam o facto das mesmas estarem intimamente ligadas à dança Mapiko, que tem um significado religioso e cerimonial ligado ao ritual de iniciação masculina. O conjunto máscara e dança formam uma coreografia muito rítmica e cadenciada, transmitida pelo dançarino que se apresenta vestido com trajes convincentes, coberto de objectos sonoros (chocalhos), acompanhado por vários percursionistas, criadores dos seus próprios tambores, cobertos de peles de animais. Esta dança tem como pano de fundo um grupo de cantores (homens e mulheres)”, conta Shot, para depois acrescentar que “Mapiko é uma junção de musica, dança, escultura e teatro, representando gradualmente o imaginário relativo à existência do mundo sobrenatural e à convicção na ligação lógica entre o dançarino principal e as suas crenças.

Importa referir que este sábado, a turma dos Makondes começa a amarrar o Mapiko e o ritual começa com a entoação de canções e batucadas, isto por volta das 16h00. É, portanto, nesta altura que a festa entra na sua melhor fase e é nesta altura que o Mapiko sai para espalhar o seu charme artístico.

Independência: PR Guebuza apela à determinação dos moçambicanos contra a pobreza




LUSA

Maputo, 25 jun (Lusa) -- O Presidente moçambicano, Armando Guebuza, apelou hoje em Maputo à "determinação" para que o país supere o desafio da pobreza, quando passam hoje 36 anos após a proclamação da independência nacional.

Em declarações aos jornalistas, após depositar uma coroa de flores na Praça dos Heróis Moçambicanos, por ocasião da passagem do aniversário da independência do país, Armando Guebuza realçou que o maior obstáculo que o país deve vencer é o atraso económico e social.

"A celebração do aniversário da independência é um momento de reflexão e é um momento de ação. Vamos trabalhar, vamos produzir, porque temos todo o potencial para o fazer", sublinhou o chefe do Estado moçambicano.

Angola: JORNALISTAS AGREDIDOS NO HUAMBO




António Capalandanda, em Huambo - VOA NEWS

Repórter do semanário "Folha 8" detido cerca de uma hora depois de ameaças do governador local

Dois jornalistas dos semanários “Angolense” e “Folha 8” foram hoje agredidos no Huambo e proibidos de publicar matérias relacionadas com as actividades da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga os alegados casos de intolerância política no planalto central.

Em declarações à “Voz da América”, Nelson Sul de Angola enviado do semanário “Angolense” disse que os repórteres tentaram entrevistar o governador do Huambo Faustino Muteka a propósito do trabalho da Comissão Parlamentar que terminou esta quarta feira, salientando que o governante negou tecer qualquer comentário tendo proferido ameaças de represálias caso eles publicassem a matéria.

Disse ainda que ao abandonarem as instalações da Comissão Parlamentar onde se encontrava o governante, agentes dos serviços de segurança os ameaçaram com armas de fogo.

Israel Samalata repórter do “Folha 8” conseguiu escapar, mas Nelson Sul de Angola foi apanhado pelos supostos agentes secretos, tendo sido retido por 48 minutos.

Samalata afirmou que, enquanto vasculhavam os seus arquivos e o telefone celular em plena rua, um dos homens apontou-lhe uma pistola nas costas.

Nelson diz que não podia fazer qualquer movimento estranho que desse a entender às pessoas que andavam pelas artérias da cidade de que estava a ser coagido sob pena de ser morto.

Afirmou também que os agentes retiraram o número do seu bilhete de identidade e foram-se embora.

O gravador que lhe foi retirado na rua foi encontrado três horas depois nas instalações da Comissão Parlamentar de Inquérito tendo sido devolvido mais tarde pelos guardas protocolares.

Israel Samalata repórter do “Folha 8” disse que, agora que foram recuperados os meios, estão a estudar a possibilidade de abrirem um processo contra Faustino Muteka, pelas ameaças proferidas.

A VOA tentou sem sucesso ouvir as reacções das autoridades no Huambo.

Refira-se que, a Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada durante a 19ª sessão Ordinária da Assembleia Nacional a pedido da União Nacional para Independência Total de Angola, UNITA, para investigar supostos actos de intolerância protagonizados pelo partido no poder e que resultaram em mortes de membros da oposição no Huambo.

Cabinda: RAUL TATI DIZ QUE LUANDA NÃO QUER SOLUÇÃO PACÍFICA




José Manuel, em Cabinda – VOA NEWS

Tati referiu também que a detenção de activistas cívicos e políticos cabindenses revela o desinteresse de Luanda em resolver definitivamente a questão de Cabinda.

O activista politico cabindense, padre Raul Tati , declarou à “Voz da América” que a questão de Cabinda entrou num impasse visto que o governo angolano não quer negociar uma solução pacifica para o enclave.

Tati referiu também que a detenção de activistas cívicos e políticos cabindenses revela o desinteresse de Luanda em resolver definitivamente a questão de Cabinda.

Na entrevista conduzida pelo correspondente da VOA em Cabinda, José Manuel, Tati  queixa-se igualmente da situação económica da província dizendo que isso é mais um indício do desinteresse do governo pelos problemas cabindenses.

As declarações de Raul Tati surgem na sequência da detenção ontem de Agostinho Chicaia, antigo líder da Associação Cívica de Cabinda Mpalabanda.

Chicaia foi detido pelas autoridades da República Democrática do Congo, no aeroporto de Kinshasa, no momento em que ia apanhar o avião para Harare, no Zimbabué.

Chicaia está detido sem saber o motivo das acusações, mas recorda-se que as autoridades angolanas o indiciaram de crimes contra  a segurança do Estado num processo em que dois outros réus já foram absolvidos.

Activista de Cabinda detido em Kinshasa a pedido das autoridades angolanas





José Manuel, António Capaladanda e Alexandre Neto, em Cabinda, Benguela e Luanda - VOA NEWS

Agostinho Chicaia está detido sem saber o motivo das acusações

A posição de Raúl Tati

Agostinho Chicaia, antigo líder da Associação Cívica de Cabinda Mpalabanda, foi detido pelas autoridades da República Democrática do Congo, no aeroporto de Kinshasa, no momento em que ia apanhar o avião para Harare, no Zimbabué.Chicaia está detido sem saber o motivo das acusações, mas recorda-se que as autoridades angolanas o indiciaram de crimes contra  a segurança do Estado num processo em que dois outros réus já foram absolvidos.

A detenção de Agostinho Chicaia já provou diversas reacções de várias personalidades angolanas de destaque.O padre Raúl Tati, activista cabinda, acusou o vizinho Congo Democrático de intrometer-se no conflito em Cabinda ao orientar a detenção do presidente da extinta Mpalabanda.Tati considera a detenção de Chicaia como "repugnante e que faz paret das políticas de Luanda em silenciar a sociedade civil cabindense.A propósito,Raúl Tati apela à  ponderação sob pena de se intentarem mecanismos contra aquele Estado.

A posição de José Patrocínio

José Patrocínio, coordenador da associação cívica Omunga considera que a detenção de Agostinho Chicaia pode reflectir o clima de perseguição e de intimidação que os activistas cívicos em Angola enfrentam.Em declarações à "Voz da América", Patrocínio revelou que a sua organização, em conjunto com AJPD e a Fundação Open Society-Angola, estão a tentar obter informações do Congo Kinshasa sobre o paradeiro e as condições em que se encontra Agostinho Chicaia.

“Isso pode representar o clima de pressão que estamos a viver. Isso parece ser mais uma estratégia de tentar limitar a actividade dos activistas cívicos em Angola”, considera o líder da Omunga.

Uma perspectiva histórica

Recorda-se, a propósito, que a Lei 7/78 dos Crimes Contra a Segurança do Estado foi explicitamente revogada pela Assembleia Nacional.Mesmo assim, ela continua a criar transtornos aos activistas angolanos.

Depois da libertação da cadeia do Yabi, na Província de Cabinda, Francisco Luemba foi retido no aeroporto de Luanda, quando pretendia seguir para Lisboa.O advogado permaneceu uma noite nas celas da DNIC- Direcção Nacional de Investigação Criminal - mas  foi posto em liberdade no dia seguinte, depois de um arranjo administrativo que retirou o seu nome das listas das pessoas procuradas em Angola.

A revogada lei continua,porém,a ser usada pelos órgãos de repressão,principalmente fora da capital do país,funcionando como instrumento para intimidar.

Apesar dos passos dados pelos advogados ainda no início do ano, sete presos do Protectorado das Lundas continuam na cadeia da Kakanda, como confirmou Gideão dos Santos, porta-voz do movimento.

Bento Bembe,por nós contactado,disse desconhecer a detenção de Agostinho Chicaia ocorrida na segunda-feira.Bembe disse que estava a tomar conhecimento da notícia por nosso intermédio.

Mas,qual a interpretação jurídica que pode ser feita destes incidentes todos.Reis Luís é jurista. Segundo o especialista, uma lei revogada não deve produzir efeitos jurídicos.

Sobre que passos poderia tomar para acabar com as actuais tropelias,Bento Bembe não foi claro,se poderia levar avante alguma iniciativa.O Secretário de Estado dos Direitos Humanos angolano nega, por outro lado, que ainda existam vítimas da revogada lei 7/78, mas admite que é preciso continuar a analisar as causas das detenções que ainda prevalecem.

* Com reportagens sonoras em VOA News

Angola: V Fórum da criança recomenda mais verbas para nutrição e educação gratuita




NME - LUSA

Luanda, 25 jun (Lusa) -- O V Fórum Nacional sobre a Criança, que decorreu esta semana em Luanda, recomendou o aumento de verbas para a aplicação de vários projetos ligados ao desenvolvimento das crianças, entre os quais a nutrição infantil e o acesso gratuito ao ensino.

Uma das recomendações saídas do encontro, que terminou na sexta-feira, visa a institucionalização do Fundo Nacional para a Criança, "logo que as condições para o efeito o permitam, com o objetivo de captar recursos provenientes de diferentes fontes, com vista ao financiamento de atividades que se desenvolvem em obediência ao princípio do interesse superior da criança".

Até que o mesmo se efetive, refere o documento, recomenda-se o aumento das "dotações orçamentais do Instituto Nacional da Criança (INAC), quer a nível nacional como provincial".

Outra preocupação com as crianças tem sido os elevados casos de má nutrição no país, tendo sido recomendado que sejam promovidas ações que capacitem as autoridades tradicionais e organizações comunitárias de base, na utilização dos produtos locais na preparação de dietas saudáveis e equilibradas.

O acesso ao ensino gratuito até ao final de 2011 e uma revisão das metas e estratégias do Plano Nacional de Educação para todos são também outras das preocupações com as crianças angolanas.

No discurso de encerramento, o ministro da Assistência e Reinserção Social de Angola, João Baptista Kussumua, promotor do encontro, disse que foram atingidos os objetivos pelo qual se realizou a reunião, pedindo aos participantes a "congregação de sinergias" para levar avante o lema do fórum: "Por um futuro melhor, cuidemos da criança".

"Precisamos todos de redobrar esforços, utilizar os melhores mecanismos locais de fortalecimento de ações multidisciplinares, de estabelecimento de alianças estratégicas entre o poder político e a comunidade, o sector privado e a sociedade civil para assegurar o bem-estar da criança", sublinhou na sua mensagem João Baptista Kussumua.

O V Fórum Nacional sobre a Criança reuniu durante três dias membros do Conselho Nacional da Criança, integrados por vice-ministros, secretários de Estado, Conselheiros, organizações da sociedade civil e agências das Nações Unidas.

*Foto em Lusa

Empresários portugueses "estão a demorar" a chegar - Câmara do Comércio guineense





MSE - LUSA

Bissau, 25 jun (Lusa) -- Os empresários portugueses estão a demorar a chegar à Guiné-Bissau, disse hoje à agência Lusa Baltazar Cardoso, vice-presidente da Câmara do Comércio guineense.

"Estão a demorar. O nosso mercado está aberto e os empresários portugueses podem vir que o país está virgem e tem tudo por explorar, especialmente no turismo", afirmou Baltazar Cardoso, também deputado do Partido da Renovação Social (PRS), na oposição.

Segundo aquele responsável, os chineses e os libaneses estão na Guiné-Bissau e a "dominar um mercado tradicionalmente português".

"Aqui todo o mundo consome produto português. É o costume, é a cultura. Nós habituamo-nos a isso", lembrou Baltazar Cardoso, sublinhando ainda que a Guiné-Bissau é hoje uma porta para um mercado de mais de 200 milhões de habitantes e com uma moeda estável, o da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

"Por causa dos Descobrimentos (...) há cultura portuguesa no Senegal, na Guiné-Conacry, no Benim", sublinhou.

Questionado sobre se a instabilidade que se tem registado no país não tem desmotivado o interesse económico português, Baltazar Cardoso responde que hoje existe outra mentalidade na Guiné-Bissau e que as pessoas sabem que só com a paz há desenvolvimento.

"A Guiné-Bissau tem sofrido muito, mas a classe política e castrense já têm outra mentalidade e nós sabemos que só com a paz é que o país vai para a frente", realçou.

"O mercado guineense é de Portugal e (os empresários) devem deixar de ter medo", disse. 

Crise: DÉFICIT MAIOR É DE DEMOCRACIA, NÃO DE AJUSTE FISCAL




SAUL LEBLON – CARTA MAIOR

A dimensão sistêmica da crise não é um atributo apenas da esfera econômica, mas argui a capacidade da esquerda de intervir para mudar o rumo da engrenagem em pane, em vez de se comportar apenas como um dente constitutivo da sua mecânica. O capitalismo não se auto-destrói. Assim como não existe autorregulação dos mercados não há auto-imolação do capital. Se as respostas não vierem da esquerda, a direita fará o serviço, como tem feito na periferia européia com mão-de-obra social-democrata. 

Por que uma camareira não teve medo de denunciar o dirigente máximo do FMI, mas os partidos e governos vergam diante do Fundo e das imposições dos mercados financeiros?

A pergunta soa irônica. Mas encerra uma cortante ilustração dos dilemas embutidos numa crise em que os mercados financeiros encontram liberdade para pautar as ‘soluções’ - e explicações - para o colapso que criaram, poupando-se de maiores ônus em detrimento da economia e da sociedade.

A pirueta não seria possível sem a rede de segurança que tem sido estendida pelos governantes e legendas de esquerda, colonizados pela capacidade argumentativa das finanças em repetir à exaustão nos últimas quatro décadas: ‘não há alternativa’.

A indiferenciação entre direita e a esquerda no manejo da crise tem sedimentação histórica. O que se vê hoje é a fotografia de corpo inteiro de uma longa captura da social-democracia pelo cânone neoliberal, o que permitiu às finanças desreguladas tornarem-se o eixo ordenador da economia e de todas as instâncias da sociedade.

A comparação entre a coragem da camareira e a submissão aos ditames dos mercados toma emprestado um raciocínio do economista Robert Kuttner, em seu artigo ‘O paradoxo do progresso social e da reação econômica’, publicado por Carta Maior.

O texto de Kuttner chama a atenção para um aspecto pouco explorado do escândalo envolvendo Dominique Strauss Kahn: a questão do poder real subjacente aos protagonistas.

Afinal, como foi que uma camareira do sofisticado Sofitel da Times Square de Nova Iorque, que cobra diárias de US$ 3 mil, teve a coragem de denunciar o então diretor máximo do FMI por abuso sexual?

A resposta, explica Kuttner , remete em boa parte à organização dos conselhos de base que tornaram os trabalhadores da rede de hotéis e motéis de Nova Iorque uma das categorias mais poderosas do país. ‘O sindicato dela é um dos mais fortes sindicatos da América – não é forte por conta dos dirigentes sindicais, mas porque está imerso no local de trabalho”, detalha o economista cujo texto contrasta os avanços acumulados nas últimas décadas na esfera dos costumes e da tolerância e a regressividade econômica.

"Como é que demos passos tão pesados para trás em questões econômicas?", pergunta Kuttner. "Isso se deve ao poder", responde. “Os proprietários da riqueza financeira se tornaram cada vez mais poderosos politicamente; os movimentos que lhes são contrários se tornaram drasticamente enfraquecidos".

A trinca aberta entre a base da sociedade e aqueles que deveriam vocalizar esse conflito , mas, sobretudo, a desorganização dessas bases e a negligência deliberada de muitos partidos em fortalecê-las redundou no divórcio explícito revelado pela atual crise.

Na Europa, a distância entre o sentimento das ruas e o que decidem e implementam governantes e parlamentos atingiu proporções caricatas.

O fosso é proporcional à virulência do que se busca despejar nos ombros da sociedade como condição para a rolagem de empréstimos de bancos e credores. Quando multidões cercam parlamentos e tem seus anseios rechaçados por eles é porque um ciclo da história se esgotou.

Em recente entrevista à Carta Maior, o filósofo Vladimir Safatle, afasta a interpretação algo ingênua de quem vê nessa clivagem uma saturação ‘da forma partido’, supostamente substituída por ferramentas digitais mais ágeis, como o Twiter e o Facebook na expressão do conflito social.

Safatle ressalta que as principais mobilizações de massa que ocorrem nesse momento acontecem, de fato, à margem dos partidos, não raro, a sua revelia. “O que limita seus resultados”, pontua. “Não creio que podemos ‘mudar o mundo sem conquistar o poder’. Quem gosta de ouvir isto são aqueles que continuam no poder. (...) Só se contrapõe ao domínio do mundo financeiro através de um aprofundamento da democracia plebiscitária”, defende na entrevista.

O déficit de democracia emerge, portanto, como o mais importante desequilíbrio revelado pela crise, em contraposição ao poder capilar, estrutural, midiático e institucional acumulado pelo capital financeiro.

Tal hegemonia, explica o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em textos inéditos de seu novo livro publicados por Carta Maior (“capítulo V, ‘Sistema de Crédito, Capital Fictício e Crise’), não é um acidente de percurso. Trata-se de um desdobramento estrutural da tendência ao mesmo tempo expansionista e concentradora do capitalismo, o que torna a tarefa de contrastá-la um desafio de reposicionamento estratégico da esquerda. A começar pelo seu conceito de democracia, hoje acomodado aos limites do formalismo parlamentar.

A dinâmica que leva à concentração de poder e de capitais em mãos do sistema financeiro --sancionada politicamente pelas medidas desregulatórias da dupla Tatcher /Reagan— gera uma inevitável ‘superprodução’ de capitais fictícios que deu origem à especulação avassaladora seguida da crise atual.

Mais que isso, porém, ela colonizou a agenda política, que cuidou de terceirizar os destinos da economia e da sociedade aos desígnios das finanças, ou à “eficiência ímpar dos mercados autorreguláveis para alocar recursos e gerar resultados, com maior eficiência e menor custo”.

Apenas um governo parece ter entendido a saturação desse processo ao devolver ao poder plebiscitário da sociedade as decisões relativas à superação da crise financeira. “Somos uma democracia, não um sistema financeiro” , disse o presidente da pequena Islândia, Ólafur Grímsson.

Ser uma democracia, não uma subseção do sistema financeiro, ou uma ‘democracia real’ como pedem as multidões em Portugal, Espanha e Grécia, em pleno apogeu do capital financeiro, não é tarefa que se improvise.

O crepúsculo ideológico do neoliberalismo acentuado pelos desdobramentos da crise, ainda não foi suficiente para reduzir a distância entre o poder dos blindados financeiros e os tímidos ensaios de democracia participativa. Imaginar que isso poderá ser feito à margem de estruturas organizativas, a exemplo de partidos políticos enraizados em instâncias democráticas, não parece ser uma escolha acertada à luz do jogo bruto em curso.

Jogá-lo para valer implica a construção de linhas de passagem que exigem direção, coordenação e profunda capilaridade social.

Em entrevista a um programa de televisão brasileira em 2002, o filósofo István Mészàros, de insuspeita radicalidade analítica, antecipava que o desafio enfrentado pela esquerda na atualidade não é ‘simplesmente vencer um bando de capitalistas” e substituí-lo por outro grupo capturado pela mesma lógica dos mercados.

“Sem estratégia não se pode ter tática”, discorreu Mészàros:

“Sem uma perspectiva estratégica desses problemas você não pode ter soluções do dia-a-dia... eles não podem ser simplesmente tratados no nível de um artigo que apenas relata o que está acontecendo(...) No lugar disso, deve ser apresentada uma perspectiva histórica. Marx argumenta que os capitalistas são simplesmente personificações do capital. Não são agentes livres; estão executando imperativos do sistema. Então, o problema da humanidade não é simplesmente vencer um bando de capitalistas. Pôr simplesmente um tipo de personificação do capital no lugar do outro levaria ao mesmo desastre; cedo ou tarde terminaríamos com a restauração do capitalismo. Os problemas que a sociedade está enfrentando não surgiram apenas nos últimos anos. A única solução possível é a reprodução social com base no controle dos produtores. Essa sempre foi a idéia do socialismo”.

“Precisamos”, emenda Vladimir Safatle, na mesma direção, na entrevista à Carta Maior, "(construir) um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulação no momento em que as possibilidades de ascensão social (da chamada classe C) baterem no teto”.

Naturalmente, Safatle condensa na palavra ‘discurso’ o sentido amplo da práxis política. O que inclui a mobilização organizativa capaz de revitalizar as fronteiras da democracia e do socialismo para além dos limites embolorados dos nossos dias.

A dimensão sistêmica da crise, portanto, não é um atributo apenas da esfera econômica, mas argui a capacidade da esquerda de intervir para mudar o rumo da engrenagem em pane, em vez de se comportar apenas como um dente constitutivo da sua mecânica.

O que se assiste por enquanto é a degradante marcha em sentido contrário. Cada passo hesitante que governantes supostamente progressistas dão para impedir que a crise se espalhe é mais um passo que pavimenta o seu avanço. O fatalismo construído ao longo de décadas de recuos e concessões aos mercados e a seus dogmas, e o correspondente desarmamento organizativo que se seguiu, explicam a sobrevida de um hegemonia neoliberal em frangalhos.

O capitalismo não se auto-destrói. Assim como não existe autorregulação dos mercados não há auto-imolação do capital. Se as respostas não vierem da esquerda, a direita fará o serviço, como tem feito na periferia européia com mão-de-obra social-democrata.

Na crise de 29, quando a Bolsa de Nova Iorque derreteu e o desemprego atingiu um em cada quatro norte-americanos (em 1933 a taxa de desemprego foi de 24,9%), a relação de forças existente no mundo era bem distinta da atual.

Doze anos antes uma revolução operária havia instalado o primeiro governo revolucionário numa das maiores nações do planeta. A Alemanha atingida pela confluência entre a crise internacional e as reparações da Primeira Guerra, também viu eclodir um poderoso movimento socialista que quase tomou o poder. Seu fracasso levou à ascensão do nazismo.

Desempregados e veteranos da Primeira Guerra Mundial ergueram uma favela na principal avenida de Washington. Enfrentaram o Exército quando o governo tentou removê-los. Famílias famintas, desempregados rurais e urbanos entraram em conflito com as forças da ordem em vários outros pontos do país. Entre 1929 e 1933, o PIB dos EUA recuou 27%. Nove mil bancos quebraram. A taxa de desemprego só retornaria a um dígito com o esforço de mobilização provocado pela Segunda Guerra, em 1941. Foi um tempo de miséria e desmonte econômico. Mas simultaneamente havia um vigoroso movimento de organização social , com expansão do sindicalismo e das idéias socialistas no mundo.

Foi essa relação de forças que impôs uma solução heterodoxa para a crise de 29, que hoje assumiria ares de uma revolução. O New Deal estabeleceu uma dura regulação estatal dos mercados financeiros, abriu frentes de trabalho, multiplicou direitos operários, incentivou a sindicalização em massa, criou bônus de alimentos, financiamento de moradias e investimento público maciço em infra-estrutura. É a ausência dessa mesma correlação de forças e de estrutura organizativas correspondentes que fazem de Obama um simulacro risível do democrata Franklin Roosevelt que governou o país nos anos 30. Em contrapartida, é a existência desse contraponto organizativo que, segundo o perspicaz ponto de vista de Robert Kuttner, explica por que uma camareira do Sofitel de Nova Iorque não teve medo de denunciar o dirigente máximo do FMI, enquanto partidos e governantes servem obsequiosamente às imposições dos mercados financeiros. O jogo, portanto, é muito claro. Trata-se de saber se os partidos de esquerda pretendem jogá-lo ou perder por WO.

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HUGO CHÁVEZ, EM CUBA, ROMPE SEMANAS DE SILÊNCIO ATRAVÉS DO SEU TWITTER




LUÍSA TEIXEIRA DA MOTA - PÚBLICO

Presidente da Venezuela está hospitalizado em Cuba

Habituados a ouvir a voz do seu Presidente quase diariamente, os cidadãos venezuelanos andam, no mínimo, desconfiados.

As declarações públicas de longas horas de Hugo Chávez deram lugar, nas últimas semanas, a um silêncio inédito. E a incerteza da data em que o chefe de Estado regressará de Cuba – onde se encontra hospitalizado desde dia 10 de Junho –, conjugada com a ausência de relatórios médicos de Havana, contribuíram para uma forte especulação acerca do seu estado de saúde.

As teorias que circulam na Internet, motivadas pela falta de informações oficiais, são as mais variadas: uns acreditam que Chávez terá feito uma lipoaspiração, outros pintam o cenário negro de um cancro ou da extracção de um rim.

Na quarta-feira, Adán Chávez, irmão do Presidente, assegurou que Hugo Chávez estaria de volta ao país no prazo de “dez a doze dias”. E ontem o Presidente da Venezuela decidiu romper o silêncio. Mas fê-lo sem se pronunciar sobre o seu estado de saúde ou sobre o dia em que voltaria à terra natal, através da sua conta de microblogging Twitter. “Bom dia meus candangueros [nome que dá aos seus seguidores]! Hoje é o dia do meu exército e o sol amanheceu brilhante! Um abraço gigante aos meus soldados e ao meu povo amado”, escreveu o Presidente. Horas depois, novos tweets apareceram na conta que durante 20 dias esteve inactiva.

Mas nem as declarações virtuais de Chávez, nem as do seu irmão parecem suficientes para acalmar a controvérsia que se gerou em torno da sua ausência.

A oposição critica sobretudo o facto de o Presidente não ter pronunciado uma única palavra sobre o agravamento da crise energética no país - com cinco estados a sofrer um apagão no fim de semana passado - nem sobre os sangrentos confrontos que fizeram, pelo menos, 19 mortos na prisão de El Rodeo, no estado de Miranda.

“Os incompetentes gabinetes dos ministros estão a tornar isto num completo mistério ou num segredo de Estado que cria incerteza e ansiedade na população”, lia-se no editorial de quinta-feira do jornal de oposição, El Nacional. “Ninguém percebe porque é que o estado de saúde do Presidente está a ser escondido.”

Mas para o analista político Luís Vicente León, o desaparecimento temporário de Chávez poderá acabar por ser uma vantagem para o seu Governo: “o vácuo vai amplificar a magia do seu regresso... para mostrar que o superhomem ultrapassa todas as adversidades”, escreveu citado pela Reuters.

Portugal: Passos Coelho não poupou dinheiro porque o Governo não paga bilhetes na TAP




PAULO MIGUEL MADEIRA - PÚBLICO

Os membros do Governo não pagam bilhete na TAP quando viajam em serviço e o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, não poupou dinheiro ao Estado com a sua opção de viajar esta semana para Bruxelas em classe económica.

A informação de que os membros do Governo não pagam bilhetes na transportadora aérea nacional (uma empresa pública) foi avançada pelo Jornal de Negócios e confirmada pelo PÚBLICO junto de um membro de um anterior Governo.

Esta prática já vem de longa data, mas a TAP não quis explicá-la ao PÚBLICO. “A TAP não fala sobre viagens dos seus clientes nem sobre as condições que têm ou não têm”, disse o director de comunicação da empresa, António Monteiro.

Todos os membros do Governo, do primeiro-ministro aos secretários de Estado, estão isentos de pagamento das viagens em serviço na TAP (tal como acontece também na CP). No entanto, isso já não acontece com os membros dos seus gabinetes, cujos bilhetes são pagos, mas que normalmente já viajavam em económica. Se houver necessidade de membros do Governo viajarem noutras companhias aéreas, a nova política de Passos Coelho já levará a poupança de verbas.

Na quinta-feira, Passos Coelhos confirmou que ele próprio e todos os restantes membros do Governo viajarão para a Europa sempre em classe económica, para “dar o exemplo”, conforme disse na altura à agência Lusa, cumprindo assim uma promessa que tinha feito antes das eleições.

O Jornal de Negócios contactou o gabinete do primeiro-ministro, onde um assessor não quis comentar o assunto, tendo adiantado que a fuga de informação não partiu do Governo.

Ao pôr os membros do Governo a viajar em económica para os destinos na Europa (não se sabe como será no longo curso), Passos Coelho não poupa directamente dinheiro mas liberta lugares na TAP em classe executiva, onde os preços dos bilhetes é muito superior, podendo por esta via permitir que nalguns casos a empresa venda bilhetes nesta classe que de outro modo estariam indisponíveis.

O NOVO GOVERNO PORTUGUÊS




AFONSO PINHEIRO – PERSPECTIVA LUSÓFONA

Portugal já tem um novo Governo com uma matriz de Direita e Liberal. O Governo em si, é consensual, com um perfil muito técnico mas com pouco peso político. A leveza política poderá explicar-se pela juventude e independência, em termos políticos, Portugal acaba de fazer uma mudança geracional.

O nome mais sonante neste executivo é sem sombra de dúvidas Paulo Macedo que ficou com a pasta da saúde, penso que finalmente vai-se resolver o problema do despesismo na saúde, é uma pena que seja a custa do utente. Um outro nome relevante no Governo poderá ser Nuno Crato, apesar, do Ministério da Educação, ser muito particular, nomeadamente, com uma profunda aversão a mudança e com muita propensão a contestação. No entanto, são os dois nomes que mais chamam a minha atenção.

Depois existem duas grandes incógnitas, nas Finanças e na Economia. É verdade que o novo Ministro das Finanças tem um impressionante Curriculum, talvez, do ponto vista técnico, será a pessoa mais bem preparada para ocupar este Ministério, neste preciso momento, no entanto, tem pouco peso político. O mesmo acontece na Economia, um reputado académico, com um excelente perfil técnico mas com pouco peso político, com a agravante de viver desfasado da realidade portuguesa. Ambos têm em comum serem independentes.

Penso que a ausência de peso e experiência política poderá passar factura ao novo Governo porque o programa imposto pela Troika é extremamente exigente e vai produzir tensões acentuadas no tecido social português, já por si, bastante debilitado. O preço do Bailout vai ser alto, a questão, é saber se a população está disposta a pagar a factura, nomeadamente, sem ter garantias que mais sacrifícios impliquem um futuro melhor. Principalmente, após uma década traumática de sacrifícios que não produziram os resultados desejados, aliás, apenas contribuíram para acentuar a divergência de Portugal em relação aos seus parceiros europeus. É do desempenho destes dois ministros que depende o futuro deste Governo e de Portugal.

Em relação aos demais Ministros são escolhas consensuais, têm todas as condições para realizar um bom lugar, apesar, de serem claras escolhas partidárias. Apenas, sinto algumas reservas, em relação aos 2 Ministros do CDS/PP, parecem-me que estão deslocados. Especialmente, a futura Ministra da Agricultura.

Esta escolha de Ministros faz-me pensar que o CDS/PP esta menos comprometido no Governo porque tem pastas residuais, com menos visibilidade e menos impacto mediático. Por uma questão de honestidade intelectual, sou forçado a reconhecer que o actual Governo de Passos Coelho é superior ao anterior Governo de José Sócrates. Apenas desejo que este Governo tenha sucesso e que dentro de um ano Portugal não seja uma nova repetição da Grécia.

Afonso Pinheiro

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