sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

2018: pontos críticos estão na Eurásia e no Oriente Médio

MK Bhadrakumar*

O leitmotif da política exterior dos EUA em 2018 será uma tentativa de última fronteira para ‘conter’ o ressurgimento da Rússia no cenário mundial. O ‘relatório anual’ do secretário de Estado dos EUA Rex Tillerson no New York Times na 4ª-feira deixa isso abundantemente claro. Tillerson destacou China, Rússia e Irã, mas reservou suas palavras mais duras para a Rússia. Eis o que escreveu:

Sobre a Rússia, não temos ilusões quanto ao regime com o qual lidamos. Os EUA hoje têm relações pobres com uma Rússia ressurgente, que invadiu países vizinhos – a Geórgia e a Ucrânia – na última década e minou a soberania de nações ocidentais, intrometendo-se nas nossas eleições e em eleições de outros. A indicação de Kurt Volker, ex-embaixador na OTAN, para o posto de representante especial para a Ucrânia reflete nosso compromisso com restaurar a soberania e a integridade territorial do país. Sem resolução pacífica da situação na Ucrânia, que deve começar com a Rússia aderindo aos Acordos de Minsk, não pode haver negócios normais com a Rússia.

Tillerson soou surpreendentemente retroativo em relação à. Destacou os “interesses dos EUA” no relacionamento com a China e mencionou temas chaves – a alavancagem de Pequim sobre a Coreia do Norte, comércio, direitos de propriedade intelectual e “atividades militares incômodas no Mar do Sul da China e noutros locais”. Mas considerou o surgimento da China numa perspectiva de longo prazo, com gestão “cuidadosa” do relacionamento “para os próximos 50 anos.” Nas palavras de Tillerson.

Componente central de nossa estratégia para a Coreia do Norte é persuadir a China a exercer seu poder de alavancagem econômica decisiva sobre Pyongyang. A China aplicou algumas importantes sanções e proibições, mas pode e deve fazer mais. Também continuaremos a perseguir interesses dos EUA em outras áreas de nosso relacionamento, incluindo os desequilíbrios no comércio, o roubo de propriedade intelectual e preocupantes atividades da China no Mar do Sul da China e noutros pontos. A ascensão da China como potência econômica e militar exige que Washington e Pequim considerem cuidadosamente o modo de administrar nosso relacionamento para os próximos 50 anos.

Claro, Pequim reagiu com gentileza: “China e EUA partilham ampla gama de interesses comuns, apesar de algumas diferenças. Mas nossos interesses comuns superam em muito nossas diferenças. A cooperação China-EUA conforma-se aos interesses fundamentais dos dois países e do mundo em geral, e cooperar é a única escolha certa para nós. No que tenha a ver com desacordos, devemos buscar resolvê-los de modo construtivo, baseado no respeito mútuo, de modo a evitar interromper o desenvolvimento de relações bilaterais de longo prazo. Esperamos que os EUA possam trabalhar com a China para focar a cooperação e lidar com as diferenças sobre uma base de respeito mútuo, para que relações bilaterais possam avançar de modo firme e constante.”

Ucrânia será o “ponto quente” das relações EUA-Rússia ano que vem. 2017 está terminando, com o governo Trump levantando as restrições ao fornecimento de armamento letal à Ucrânia. Já atravessou o Rubicão. A Rússia vigiará de bem perto, acompanhando o modo como se desenvolve a ajuda militar dos EUA a Kiev. Os russos absolutamente não deixarão passar sem resposta qualquer tentativa dos EUA para alterar o equilíbrio militar no Donbass.

Enquanto isso, não se deve descartar a possibilidade de que os EUA imponham sanções punitivas à Rússia em 2018. Herman Gref, chefe-executivo do Sberbank e voz influente entre as elites em Moscou, disse ao Financial Times essa semana que, se forem imposta sanções duras – contra oligarcas russos e/eu empresas estatais russas –, a situação “fará a Guerra Fria parecer brincadeira de crianças.”

Em entrevista com Interfax na 5ª-feira, o ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov disse que Moscou confia em “abordagens pragmáticas e avaliações realistas” vis-à-vis os EUA. “Não acalentamos quaisquer ilusões (…). Responderemos a qualquer ação hostil contra a Rússia e nossos cidadãos do modo que seja melhor para nós (…). De fato, quanto antes alguns políticos norte-americanos perderem as ilusões de que a Rússia possa ser dobrada por medidas restritivas, ou algum show de força, melhor para todos, inclusive para eles.”

A questão crucial é que os EUA não têm qualquer poder de alavancagem sobre a Rússia – tampouco sobre China e Irã, por falar disso. O artigo de Tillerson passa a impressão de superpotência incapaz de qualquer ato decisivo. Até a referência ao Paquistão mostra insegurança: “O Paquistão deve contribuir dando combate a grupos terroristas em seu território. Estamos preparados para uma parceria com o Paquistão para derrotar organizações terroristas que buscam paraíso seguro, mas o Paquistão tem de dar sinal de que deseja ser nosso parceiro.”

Os EUA não tem mapa do caminho que mereça confiança. Na verdade, a guerra fria contra a China continuará, mas especialistas indianos não devem ficar muito entusiasmados com a ideia de que 2018 seja ano “cinético” naquela paróquia do Indo-Pacífico. O governo Trump não tem como controlar aquela guerra fria. Basicamente, os EUA têm 3 opções: conter a ascensão da China como potência militar: fazer recuar a influência econômica da China mediante uma aliança regional liderada pelos EUA como o acordo da Parceria Trans-Pacífico; ou aceitar a ascensão da China e partilhar com ela a ordem internacional, como participante. Caso é que Washington não tem estratégia que se consiga identificar.

Isso posto, os EUA atolarão na Eurásia e no Oriente Médio, dois teatros – que são também inter-relacionados. Que ninguém se engane: a Rússia está decidida a fazer avançar um acordo na Síria, em 2018. E derrota nesse campo, diante da comunidade internacional, será pílula bem amarga de engolir, para o establishment do Departamento de Estado dos EUA. Moscou anunciou essa semana que a base naval em Tartus e a base aérea Hmeimim na Síria serão expandidas e convertidas em bases permanentes com capacidade para abrigar navios e aeronaves armados com recursos nucleares. É sinal de projeção de poder, muito mais ampla do que a União Soviética algum dia conseguiu no Oriente Médio.

Com mais seis anos de renovado mandato como presidente, depois das eleições de 18 de março na Rússia Vladimir Putin será o macho alfa. Interessante: até a data da eleição é muito simbólica e transborda o desafio estratégico contra os EUA: dia 18 de março comemoram-se quatro anos da reintegração da Crimeia à Federação Russa!

*MK Bhadrakumar, Indian Punchline | em Oriente Mídia | Traduzido por Vila Vudu

NÃO HAVERÁ “REVOLUÇÃO COLORIDA” NO IRÃO


Virtualmente tudo que alguém precisa saber sobre como [tentar] inventar uma revolução colorida no Irã pode ser lido em Which Path to Persia [Que trilha para a Pérsia], publicado em 2009 pela Brookings.

Mas, antes, um pouco de informação sobre o contexto nesse início de 2018.

O presidente Rouhani fez a coisa certa ao ir à TV iraniana e pelo menos reconhecer a insatisfação popular ante as graves dificuldades econômicas. A inflação está realmente alta no Irã - e o recente aumento nos combustíveis e nos preços da alimentação, de mais de 40%, não ajuda. É parte do orçamento da Equipe Rouhani para 2018, que corta subsídios para os mais pobres - traços chaves do governo de Ahmadinejad. O desemprego entre os jovens, por exemplo, chega a horrendos 40%, maior até que na Espanha.

Mas Rouhani deveria ter oferecido melhor contextualização para a relação direta entre as dificuldades econômicas e as sanções que EUA impõem ao Irã, ainda ativas, para nem falar das proverbiais ameaças contra empresas ocidentais estão novamente operando no Irã.

Rouhani prometeu depois de assinar o acordo nuclear em 2015, que aquele acordo traria mais empregos e melhoraria a economia do Irã. Washington tem feito de tudo para pressionar cada vez mais, de modo a assegurar que nada de bom aconteça. Protestos legítimos contra as dificuldades econômicas, por sua vez, sempre foram parte do cenário político no Irã - de fato há décadas.

O que aconteceu agora é que esses protestos foram completamente sequestrados pelos suspeitos de sempre - que de fato influenciam uma pequena minoria de cidadãos iranianos. Na sequência, os peixes grandes pularam no aquário, de Avaaz à ONG Human Rights Watch, mais toda a Think-tank(e)lândia e até o próprio Trump.

O que nos leva à essência do que está acontecendo nesse exato momento: reencenação de toda a parte III, capítulo 6 ("A Revolução de Veludo: todo o apoio a um levante popular") e capítulo 7 ("Inspirar uma insurgência: apoiar a minoria no Irã e grupos de oposição") do supracitado Which Path to Persia [Que trilha para a Pérsia].

Se se assume que a Equipe Rouhani é de certo modo um governo neoliberal - e é, comparada aos anos de Ahmadinejad -, o que se tem é uma tentativa para dirigir protestos legítimos: o estado da economia manobrado para se converter num movimento "revolucionário" que pode visar à mudança de regime mediante o que, para todas as finalidades práticas seria uma guerra civil.

Não vai funcionar. A sociedade civil iraniana é muito sofisticada e esperta para cair numa armadilha óbvia, simplória, como essa.

Até agora já está claro que esses clamores "revolucionários" são instigados de fora. Em 24 horas de tuítos, por exemplo, 74% deles eram de fora do Irã; 35% em árabe; sauditas tuitaram mais que iranianos, e no Reino Unido estavam quase tão ativos quanto na Arábia Saudita.

Para que não reste qualquer dúvida quanto à ação externa, assistam ao professor Marandi da Universidade de Teerã -, meu amigo pessoal e homem de absoluta integridade -, que desmonta um ex-palhaço da BBC que ainda sonha com "a carga do homem branco".

E há também a CIA. Pense num exército de analistas e especialistas preparando e agora já implementando diretamente ações clandestinas no Irã - dirigidos pelo sinistro Mike D'Andrea, ex-diretor do Centro de Contraterrorismo da CIA.

Infelizmente tenho de declinar de mais um convite para ir ao Irã precisamente esse mês, por força de outros compromissos. Espero poder estar lá dentro de mais ou menos duas semanas. Outros analistas também irão. Certo é que essa instrumentalização dos protestos está sendo concebida também como provocação. Os suspeitos de sempre já tuitaram o próprio jogo - em tom de "todo o mundo está assistindo". Mesmo assim, haverá resposta à violência, como Rouhani deixou sugerido: imaginem a resposta policial na França ou na Alemanha, por exemplo.

Os suspeitos de sempre talvez até saibam que não conseguirão a 'mudança de regime' com que sonham. Agora, o que esperam obter é mais sanções econômicas contra o Irã - pela União Europeia (cabe pois à União Europeia não se deixar prender na arapuca). Teerã, seja como for, já trabalha para aumentar os negócios em toda a Eurásia: Novas Rotas da Seda, União Econômica Eurasiana, sem privilegiar necessariamente a União Europeia. Depois dependerá de a Equipe Rouhani ser criativa - e menos neoliberal - no front econômico.

Pepe Escobar, por Facebook | Pravda.ru | Em Irã News

Portugal | “HÁ PROMISCUIDADE NA SAÚDE” – em entrevista na TSF

António Arnaut, advogado e político agora com 82 anos, abriu as portas de casa à TSF e referiu a existência de pressão dos privados na saúde, mas também de promiscuidade entre público e privado, colocando em causa as PPP (Parcerias Público-Privadas).

O "pai" do Serviço Nacional de Saúde (SNS) critica também a falta de reconhecimento político do SNS para o bem-estar e para coesão social. "Os políticos não recorrem ao Serviço Nacional de Saúde" e por isso "não veem com olhos de ver o valor do SNS para o bem-estar e a coesão social. Não compreenderam o sentido que tem na defesa da dignidade", num país que tem cerca de dois milhões de pobres e outros dois milhões em risco de pobreza.

António Arnaut refere ainda que é preciso garantir as carreiras profissionais no setor da Saúde.

Este sábado António Arnaut apresenta, com João Semedo, uma nova lei de bases da saúde para defender a democracia, a sublinhar a necessidade de melhorar a qualidade e resposta do SNS. Arnaut considera que os tempos de espera para consultas e cirurgias são incompreensíveis.

Este livro, defendem os autores, é o primeiro passo para colocar o país, e sobretudo os políticos, a discutir a situação atual do Serviço Nacional de Saúde.

Miguel Midões | TSF | Foto: Fernando Fontes/Global Imagens

PORTUGAL | Saúde 2017 – Trapalhadas e negócios, como é habitual


É preciso fazer reverter esta política e voltar a investir no desenvolvimento do SNS segundo os seus princípios fundadores, como manda a Constituição. É essa a melhor solução para os utentes e para os profissionais e a única que pode assegurar segurança no futuro.

Jorge Seabra | AbrilAbril | opinião

Não há bicho-careta de ministro ou secretário de Estado das últimas décadas que, hipocritamente, não papagueie que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) constitui «uma grande vitória da democracia», «uma espantosa construção do Portugal de Abril», parecendo que a repetição da verdade serve apenas para disfarçar as mentiras que virão a seguir.

Não há ministro ou secretário de Estado que, perante os espantosos resultados obtidos pelo SNS na sua fase ascendente, não tenha procurado modernizá-lo, flexibilizá-lo, empresarializá-lo, tornando-o cada vez pior, mais pesado, mais partidarizado, mais burocratizado e com menos dinheiro, estrangulando carreiras, equipas e serviços, encerrando, fundindo e desarticulando hospitais e centros de saúde, apaparicando negócios e outsourcings, fazendo crescer os lucros da grande privada a quem também se quer deixar o «mercado» dos cuidados continuados.

Com o fim dos governos do «arco de poder» (PS, PSD, CDS), e a travagem da brutal agressão dos seguidores da troika, a esperança de uma reversão na ofensiva contra o SNS, ressurgiu.

É verdade que as nomeações do ministro Adalberto Fernandes (gestor da PPP do Hospital de Cascais) e do ex-secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado (administrador da IASIST, empresa espanhola que vende software aos hospitais), –ambos com declarações públicas a regurgitarem elogios à Saúde privada – levantaram dúvidas sobre o seu empenhamento no reforço do serviço público.

Mas as pessoas e os governos são também a sua circunstância, novas relações de força podem criar outras vontades, e talvez na Saúde fosse de esperar uma ruptura com hábitos antigos.

Nada disso, infelizmente, aconteceu. E se, em 2017, houve uma inegável melhoria nas condições de vida da maioria dos portugueses, na Saúde muito pouco se avançou e apenas se confirmaram as piores espectativas.

Contratos soltos para resolver urgências no Sul com médicos do Norte, e consultas no interior com médicos do litoral, gratificações para mais horas e mais doentes a quem já está no burn out do esgotamento (desprezando os preocupantes estudos que o comprovam), ameaças de obrigar os novos especialistas a ficarem à força no SNS para «pagarem o que se gastou com eles», travando a fuga que o cansaço e a falta de estímulo criaram, mostram que, também para o actual Ministério da Saúde, «qualidade», «melhoria» e «ensino» resumem-se à ideia de «educar» pelo chicote e encontrar bodes expiatórios para a desestruturação e desnatamento do SNS.

Não é, pois, estranho que continue a sangria. Em 2015, segundo cálculos fornecidos pelas ordens, havia cerca de 21 000 profissionais de Saúde emigrados. Entre 2014 e 2016 emigraram 1225 médicos e, segundo um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, quatro em cada dez ponderem abandonar o SNS. Em 2014, houve mais pedidos de declarações à Ordem dos Enfermeiros para fins de emigração (2850) do que enfermeiros formados (2633). Dez por cento dos Técnicos de Saúde formados na Escola Superior de Tecnologia de Saúde em 2013/2014 emigraram. O contrário do que acontecia antes da febre de «melhorias» com que os sucessivos governos das últimas décadas atacaram o SNS.

Desiludidos com o não cumprimento das expectativas quanto às condições de trabalho e às progressões e carreiras, em 2017 abundaram os protestos e greves que mobilizaram praticamente todos os grupos profissionais da Saúde (médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares), assistindo-se também ao recrudescer dos velhos métodos de manipulação da comunicação social, usando os piores truques para falsear as reivindicações em causa e dividir os seus protagonistas.

Reapareceram parangonas insidiosamente acusatórias a toda a largura das primeiras páginas, como a do Público de 15 de Dezembro – «As infecções hospitalares baixam e 73% dos médicos já lavam as mãos», (depreendendo-se que 27% nunca as lavam...) – ultrapassando a fasquia da mais completa e dolosa idiotice, ignorando a complexidade do problema e a multiplicidade de factores favorecedores , como a falta de funcionários de limpeza, as más condições de instalações e equipamentos, doentes acamados em macas, a quebra de coerência nos procedimentos de equipas contratadas ad hoc, ou o exagero no ritmo de ocupação dos blocos operatórios, para além… da falta de sabão e/ou de desinfectantes nos locais apropriados!

Declarações ameaçadoras como as do ex-secretário de Estado, Manuel Delgado, com a superioridade moral que se lhe reconhece, afirmando que «o SNS é o serviço público que mais ausências tem ao trabalho. É uma vergonha nacional e internacional (...), e vamos apertar a malha», são exemplo desses eflúvios de manipulação e demagogia em que se induz a ideia de que, se o SNS tem uma resposta deficiente, é por falta de qualidade e dedicação dos seus profissionais.

Na realidade, nada de novo. Um discurso agressivo e divisionista contra médicos, enfermeiros e trabalhadores do SNS, que tem subindo de tom desde que os governos do «arco do poder» foram atacando as sua traves mestras, desviando as atenções da sua própria responsabilidade em todo o processo de degradação do SNS e dos fretes que vão fazendo à grande privada.

Como nas doenças, os sinais clínicos major e minor da continuação, no ano que agora acaba, da política de ataque ao serviço público estão aí:

Dos primeiros, o apontar para a continuação das parcerias público-privadas em Braga e em Cascais, cuja renegociação (e não o seu fim) foi justificada por uma «rigorosa avaliação técnica do custo-benefício», como se não fosse uma opção política. No último caso, aliás, a decisão foi adiada por mais dois anos, beneficiando o grupo privado com o prolongamento do contrato. De resto, há novas PPP em marcha, como a da construção e manutenção do novo Hospital de Lisboa Oriental, avaliada em 415 milhões de euros.

Sinais minor não faltam, para além dos já citados. Da hipócrita e descabida encenação moralista da proibição de jornadas científicas com patrocínios de farmacêuticas nas instalações do SNS (beneficiando a indústria hoteleira e dificultando a formação contínua que o Estado não assegura), ao retalhar dos cuidados primários com desresponsabilização do Poder Central, entregando uma fatia da sua gestão às autarquias num viciado processo de «municipalização», à recente criação dos Centros de Responsabilidade Integrada (CRI) nos serviços hospitalares, permitindo a formação, no seu seio, de grupos autónomos de médicos, gestores e enfermeiros para a execução de «empreitadas», que contratam, com a Administração, o tratamento de um certo número de doentes por um período de três anos, actuando como uma empresa encravada no interior do Serviço.

Nada melhor para fragmentar ainda mais o SNS e promover a divisão de equipas e serviços, quebrando a sua homogeneidade técnico-científica e o ensino das novas gerações, já tão sacrificados pela acéfala corrida aos números da «produtividade» e pelos contratos de empresas externas com médicos à hora e ao quilómetro.

Nas palavras do Presidente Marcelo, referindo-se aos sectores público e privado da Saúde, há «dois  grandes hemisférios que se dividem relativamente à Saúde em Portugal», e «é por aí que passa a procura de uma fórmula intermédia…» (Diário de Notícias, 17 de Novembro).

Também o Presidente parece ignorar o papel central e prioritário do SNS inscrito na Constituição, que recusa falsos eclectismos de soluções «intermédias». E a resposta do Ministro da Saúde no modernaço e polémico focus group com o Governo, em Aveiro, já depois do súbito ataque de descentralização do Infarmed, não deixa dúvidas sobre o sentido privatizador que lhe vai na alma.

A uma pergunta sobre o atraso de uma consulta, Adalberto Fernandes assegurou que, a partir de Janeiro de 2018, haverá nova legislação «muito severa, muito determinada», não para investir mais no SNS de forma a este poder responder ao problema, mas para assegurar que os doentes tenham um atendimento eventualmente mais rápido, pago (pelo Estado) numa instituição privada.

Vão, pois, multiplicar-se uma espécie de cheques-consulta que, aparentando boas intenções, agravam o problema, consolidando o esvaziamento e desinvestimento no SNS, exportando massivamente doentes para a grande privada, deixando umas migalhas para as pequenas clínicas «locais», que assim pensam erroneamente subsistir.

A Saúde  privada, contudo, como diz o insuspeito Josep Figueras, director do Observatório Europeu de Políticas e Sistemas de Saúde, para além de outras insuficiências, «não assegura o tratamento dos 10% dos doentes que consomem 80% dos recursos» (jornal i de 26 de Novembro).

«Dois  hemisférios», de facto. Um público, subfinanciado e a definhar, que, cada vez mais, parece ser vocacionado para os pobres. Outro, o dos grandes grupos privados, com rendas asseguradas pelo Estado e pela ADSE , que enchem os cofres de novos e velhos «donos disto tudo», com PPP, convenções, contratos e sobrefacturação, levando o dinheiro que falta ao SNS, assim ajudado a tornar-se «insustentável».

A esse bolo, ainda se juntam as elevadas percentagens cobradas aos médicos e técnicos «liberais» pelos gabinetes de consulta, que, apesar da falsa fama de ganhos passados, se vêm «uberizados» com honorários esmagados pelos grandes grupos que tudo decidem e neles mandam.

Na Saúde, parecem pois quererem manter-se as tropelias do business as usual, dentro e fora do SNS, aproveitando também o inevitável definhamento da pequena privada «artesanal», cujo fim os grandes grupos privados e o Estado procuram acelerar com a longa manus cúmplice da ERS (Entidade Reguladora da Saúde), integrando-as nas «grandes  superfícies».

É preciso mudar. É preciso fazer reverter esta política e voltar a investir no desenvolvimento do SNS segundo os seus princípios fundadores, universalistas e solidários, para que o serviço público possa dar uma resposta atempada e de qualidade a todos os cidadãos. Como manda a Constituição. É essa a melhor solução para os utentes e para os profissionais e a única que pode assegurar segurança no futuro.

E, em 2017, ainda não foi isso que aconteceu.

Imagem: Inácio Rosa / Agência Lusa

Portugal | Quem já se deu mal com a fiscalização das contas partidárias?

O caso que levou a Judiciária a procurar um doador com nome «sonante e anedótico»

Corria o final do ano de 2004 quando funcionários do CDS-PP depositaram 1 milhão de euros em notas na conta do partido. Em quatro dias, foram feitos 105 depósitos, para evitar que os alarmes anti-corrupção disparassem.

Em Janeiro de 2005, as regras sobre o financiamento dos partidos mudaram e, nos últimos dias de 2004, o CDS-PP tinha um problema: tinha 1 060 250 euros em notas no cofre da sua sede nacional. A solução: em quatro dias, de rajada, depositar tudo na conta do partido aos poucos, para evitar que o banco tivesse que alertar as autoridades por suspeitas de corrupção.

O CDS-PP estava, então, no governo demissionário de Santana Lopes e nunca se soube de onde vieram as notas depositadas nesses dias. Os recibos foram comprados e passados já em 2005, onde constava um nome «sonante e anedótico», como caracterizou a Polícia Judiciária (PJ): Jacinto Leite Capelo Rego.

Em 2004, o partido registou 1,3 milhões de donativos, um valor nunca mais repetido. Aliás, desde 2007 que só há registo de pouco mais de 100 mil euros em donativos ao CDS-PP – que é o partido mais dependente do financiamento público (em 96%, em média, entre 2011 e 2015).

Depois das descobertas da PJ na sua contabilidade, o CDS-PP parece ter apostado em deixar de recolher fundos – entre 2011 e 2015, em média, registou apenas 75 700 euros de receitas próprias, entre donativos, quotização, angariação de fundos e outras. Se cada militante pagasse uma quota de um euro, bastavam 6300 para compor a totalidade das receitas do CDS-PP.

António Carlos Monteiro, deputado do CDS-PP, acusou esta tarde o PCP de não querer fiscalização sobre as suas contas. Mas, no passado recente, foi no CDS-PP que foram encontrados recibos em nome de «Jacinto Leite Capelo Rego» – que, apesar de amplamente citado no espaço mediático e investigado pela PJ, até hoje não foi encontrado.

AbrilAbril
Imagem: Paulo Portas, presidente do CDS-PP em 2004, e António Carlos Monteiro, deputado que acusou o PCP de não querer fiscalização às suas contas, numa reunião partidária, na sede nacional do partido, em Lisboa. 20 de Julho de 2013 | CréditosTiago Petinga / Agência LUSA

Portugal | 14,6 MIL MILHÕES DE EUROS E O NOVO BANCO DOS CTT


Informa o Diário de Notícias que entre 2008 e 2016 o salvamento de bancos (privados, sobretudo) custou 14,6 mil milhões de euros aos contribuintes portugueses , montante que equivale a quase 8% do PIB português

Este é o triste saldo da re-privatização da banca e demonstra a posteriori a clarividência, lucidez e coragem do grande General Vasco Gonçalves, primeiro-ministro em 1975 que nacionalizou a banca portuguesa. O desastre actual é a consequência directa da reprivatização da banca. A trafulhice e o roubo são inerentes à banca privada. 

O trabalho sujo de privatização da banca prosseguiu com o governo do PSD-CDS, que ao privatizar os correios permitiu que a sua administração constituisse um novo banco privado, o Banco CTT. As consequências disso já estão à vista. Os serviços postais degradam-se, trabalhadores são despedidos em massa e esta administração privada dos CTT tenta transformar funcionários de correios em bancários. 

O actual governo PS teve e ainda tem uma excelente oportunidade para reverter esta malfeitoria do governo PSD-CDS:   basta devolver os CTT à esfera pública, à qual sempre pertenceu desde há séculos e é onde deve estar.   No entanto, António Costa, declarou na AR que isso não consta na sua agenda.   Se assim for, A. Costa será um simples continuador do governo P. Coelho.   Aquilo de que Portugal menos precisa é de mais um banco privado a pilhar o país.

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