domingo, 23 de janeiro de 2022

Angola | O PARTIDO DA GUERRA E A FRENTE DA DESGRAÇA

Artur Queiroz*, Luanda

A História Universal tem milhares de páginas que nos mostram reacções humanas, no mínimo, absurdas. Escravos que se revoltaram contra os seus libertadores, servos da gleba que beijavam os pés dos senhores implorando mais chicotadas, mulheres que louvavam os seus violadores e agressores, povos inteiros que suplicavam aos ocupantes a botifarra no pescoço.

Em Angola temos inúmeros exemplos que cobrem todos estes episódios. Filhas e filhos que endeusam Savimbi apesar de ser o assassino das suas mães. Pais, irmãos e irmãs são savimbistas, apesar de terem visto suas filhas e filhos atirados para as fogueiras da Jamba. Quadros políticos de alto nível da UNITA que foram libertados pelo Governo, hoje glorificam Savimbi e caluniam os libertadores. Temos uma situação particular que deve ser única no mundo. 

A gravíssima crise económica, financeira e social em que estamos mergulhados tem uma causa, a guerra, há muitos anos identificada mas absolutamente ignorada quando responsáveis políticos analisam a conjuntura. E ao atirarmos este facto indesmentível para baixo do tapete ou para a lixeira, estamos a exonerar a UNITA das suas responsabilidades, apesar de ter estado presente nas guerras de agressão contra Angola e o Povo Angolano,  desde 1966,. Não é preciso recuar tanto, basta irmos a Novembro de 1994. 

No momento em que estava a ser assinado o Protocolo de Lusaka, Jonas Savimbi recebia no Bailundo, Andulo e outras plataformas logísticas mais ou menos fronteiriças, toneladas de armamento para fazer a guerra em nome dos restos do colonialismo português e da Irmandade Africâner. A UNITA impôs a Angola mais oito anos de guerra sem quartel. Lamentavelmente, temos angolanas e angolanos com altas responsabilidades em todos os sectores da vida nacional que não percebem o que isto significa. 

FMI elogia Angola por continuar reformas e diz que país merece "crédito"

Diretor do FMI diz que esforços do Governo angolano para implementar reformas darão frutos. Na apresentação de relatório sobre perspetivas económicas para África, Abebe Selassie afirma que é preciso dar crédito ao país.

O diretor do departamento africano do Fundo Monetário Internacional (FMI) disse hoje que é preciso "dar crédito a Angola" por ter continuado a implementar as reformas apesar das dificuldades, e acrescentou que brevemente os esforços darão frutos.

"Quando o programa de ajustamento financeiro começou, em 2018, ninguém antecipava a pandemia e as terríveis consequências que teria, mas em termos das reformas de que o país precisava, Angola merece muito crédito por ter persistido apesar do terrível custo da pandemia no seu povo e na economia, incluindo a grande queda do petróleo do último ano e meio", disse Abebe Aemro Selassie quando questionado pela Lusa sobre a razão de Angola manter uma recessão este ano pelo sexto ano consecutivo.

Angola | CARLOS SÃO VICENTE COMEÇA A SER JULGADO ESTA SEMANA

Detido há 14 meses em Luanda, o empresário começa a ser julgado na quarta-feira pelos crimes de peculato e branqueamento de capitais. O filho, também envolvido no processo, insiste na ilegalidade da prisão.

Está marcado para o dia 26 de janeiro, no Tribunal da Comarca de Luanda, o início do julgamento do empresário luso-angolano Carlos de São Vicente, detido em Angola há 14 meses, após ultrapassados todos os prazos legais para a sua prisão preventiva.

A família, bem como os advogados de defesa, insistem na ilegalidade da prisão. O filho, Ivo São Vicente, empresário também envolvido no processo, acaba de endereçar uma carta aos líderes dos partidos políticos portugueses candidatos a primeiro-ministro nas eleições do dia 30, a alertar para a situação "muito preocupante" do pai no estabelecimento prisional de Viana, em Luanda.

"Eu vejo as cartas que ele escreve. Ele preocupa-se muito com a deterioração [da saúde] mental dele próprio, porque naquela prisão não se consegue dormir. As condições não são boas. Sempre deu tudo pelo país e estar a ser tratado desta maneira é uma agonia", afirma Ivo São Vicente, em entrevista à DW.

Os advogados de Carlos São Vicente, preso desde setembro de 2020, já tinham apresentado um novo pedido de libertação e de habeas corpus, tendo acusado Angola de "total desrespeito" pela lei ao manter a sua prisão preventiva, mesmo depois de esgotados todos os prazos legais.

Ministro da Saúde são-tomense demite-se e diz que decisão é irreversível

Edgar Neves, envolvido em várias polémicas com os profissionais do setor, diz que está na hora de passar o testemunho a quem possa ter melhores ideias e mais meios financeiros para a Saúde em São Tomé e Príncipe.

O ministro da saúde de São Tomé e Príncipe, Edgar Neves, demitiu-se de funções, sublinhando que está na hora de passar o testemunho a quem possa ter melhores ideias e mais meios financeiros, assegurando que se trata de uma decisão irreversível.

O anúncio público foi feito este sábado (22.01), numa declaração de alguns minutos, depois de na quinta-feira, dia 20 de janeiro, Edgar Neves ter apresentado a demissão ao primeiro-ministro do país, Jorge Bom Jesus.

"É hora de passar o testemunho a outros que provavelmente possam ter melhores ideias e mais meios financeiros para melhorarmos o sistema e o serviço nacional de saúde (SNS), para o bem de todos os são-tomenses", anunciou.

Sem apontar uma razão concreta para o seu pedido de demissão, Edgar Neves não deixou de fora os opositores ao governo que "não descansaram em tratar da pior forma possível alguns dirigentes deste país, utilizando tudo e mais alguma coisa", mesmo em contexto de pandemia.

"Infelizmente é mais fácil para muita gente falar daquilo que é negativo e esquecem-se de se pronunciar sobre o que é positivo", criticou.

Edgar Neves explicou que tomou a decisão depois de uma "consulta profunda", feita de forma "madura e estruturada", e de falar com a família, amigos mais íntimos e com o partido. "Considero ter dado o meu contributo como cidadão e enquanto profissional da saúde para mitigação dos males que assolam o nosso país", disse o ministro da saúde demissionário, tendo em conta as atuais dificuldades financeiras do país.

Governo do Burkina Faso nega golpe de Estado após tiros em quartéis

Autoridades pedem calma à população depois de motins em algumas casernas do país. Sede do partido no poder foi incendiada por apoiantes dos militares revoltosos. Governo ressalta confiança nas Forças Armadas.

O Governo do Burkina Faso negou este domingo (23.01) que esteja a decorrer um golpe de Estado por parte do exército daquele país, mas confirmou que se ouviram tiros em vários quartéis, durante a madrugada.

Num comunicado de imprensa, o porta-voz do Governo do Burkina Faso, Alkassoum Maïga, pediu calma à população e ressaltou a sua confiança nas Forças Armadas do país.

"Algumas informações nas redes sociais tendem a fazer-nos acreditar numa tomada de poder pelo Exército neste dia 23 de janeiro de 2022. O Governo, embora reconhecendo a autenticidade de [que houve] tiros em determinados quartéis, nega essa informação e apela à população para ficar calma", diz o texto, citado pelas agências de notícias Efe e AFP.

A declaração foi emitida depois de vários meios de comunicação locais terem divulgado informações sobre tiros ouvidos em quartéis militares nas zonas de Ouagadougou e na cidade de Kaya.

Já esta tarde, segundo a Associated Press (AP), o ministro da Defesa Aime Barthelemy Simpore, em declarações à televisão estatal RTB, reconheceu os motins em algumas casernas do país, mas desmentiu que o presidente Roch Marc Christian Kaboré tenha sido detido pelos soldados revoltosos, ainda que o seu paradeiro permanecesse desconhecido. 

OS SINAIS SUGEREM QUE OUTRA REVOLTA SE APROXIMA NO EGITO

# Publicado em português do Brasil

Osama Gaweesh | Middle East Monitor

Muitas organizações de direitos humanos, ativistas políticos e relatórios apontam inequivocamente que o povo do Egito vive sob um estado policial brutal desde o golpe militar de 2013. Do Observatório dos Direitos Humanos ao Centro Árabe em Washington DC , ficou muito claro que o Egito se tornou um lugar sombrio e aterrorizante para seu povo, especialmente ativistas políticos.

O número de detidos políticos, execuções e incidentes de tortura pela polícia não tem precedentes na história moderna do Egito , mesmo sob o regime ditatorial do ex-presidente Hosni Mubarak. Segundo a Anistia Internacional, "as autoridades egípcias estão usando razões absurdas para prender os críticos sob o pretexto de contra-terrorismo". Vale ressaltar que a revolta do Egito em 2011 se deveu a uma situação semelhante, mas menos óbvia.

Um olhar mais atento à delegacia de Matareya nos dá uma indicação das consequências possivelmente desastrosas da brutalidade policial se outra revolução irromper. Os habitantes de Matareya têm um apelido para a delegacia: "o matadouro" . Isso fala muito. Ganhou a reputação de estar na vanguarda da violência policial e da tortura. Sob Mubarak, dissidentes políticos, delinquentes e traficantes de drogas viveram seus piores momentos lá. Quando a revolução estourou em 25 de janeiro de 2011, foi uma das primeiras delegacias do país a ser atacada por jovens armados até os dentes.

ISRAEL NÃO É UM “ESTADO” NORMAL

# Publicado em português do Brasil

Sayid Marcos Tenório | Middle East Monitor

O Movimento de Resistência Islâmica Hamas adotou um novo programa em maio de 2017, no qual se declara um movimento nacional palestino, islâmico, de libertação e resistência que visa libertar a Palestina e enfrentar o projeto colonial sionista do chamado “Estado Judeu”.

De acordo com a definição programática do movimento, a Palestina é a terra e o lar do povo palestino. É uma terra árabe islâmica sagrada e abençoada que tem um lugar especial no coração da Ummah islâmica , formada a partir do território que se estende desde o rio Jordão, a leste, até o Mediterrâneo, a oeste, e de Ras Al-Naqurah, no norte para Umm Al-Rashrash no sul.

O movimento declara que a ocupação colonial da Palestina histórica, bem como a expulsão e banimento do povo palestino que começou com a Nakba em 1948, não anula o direito do povo palestino à totalidade da terra. Ao mesmo tempo, não reconhece nenhum direito do Estado judeu sobre ela.

Essas formulações programáticas seriam contrárias ao direito de existência de Israel?

Para o Hamas, independentemente das catástrofes que atingem o povo palestino desde 1948, a identidade palestina não será apagada ou negada devido à divisão, ocupação e política sionista de deslocamento e limpeza étnica. Os palestinos nunca perderão sua identidade e direitos nacionais, mesmo que adquiram uma segunda nacionalidade.

EUA | Após um ano de Biden, por que ainda temos a política externa de Trump?

# Publicado em português do Brasil

Medea Benjamin e Nicolas JS Davies * | Dissident Voice

O presidente Biden e os democratas foram altamente críticos da política externa do presidente Trump, por isso era razoável esperar que Biden remediasse rapidamente seus piores impactos. Como membro sênior do governo Obama, Biden certamente não precisava de instrução sobre os acordos diplomáticos de Obama com Cuba e Irã, os quais começaram a resolver problemas de política externa de longa data e forneceram modelos para a ênfase renovada na diplomacia que Biden estava prometendo.

Tragicamente para a América e para o mundo, Biden falhou em restaurar as iniciativas progressistas de Obama e, em vez disso, dobrou muitas das políticas mais perigosas e desestabilizadoras de Trump. É especialmente irônico e triste que um presidente tão estridente em ser diferente de Trump tenha relutado tanto em reverter suas políticas regressivas. Agora, o fracasso dos democratas em cumprir suas promessas em relação à política interna e externa está minando suas perspectivas nas eleições de meio de mandato de novembro.

Aqui está nossa avaliação do tratamento de Biden de dez questões críticas de política externa:

Prolongando a agonia do povo do Afeganistão. Talvez seja sintomático dos problemas de política externa de Biden que a conquista marcante de seu primeiro ano no cargo tenha sido uma iniciativa lançada por Trump para retirar os Estados Unidos de sua guerra de 20 anos no Afeganistão. Mas a implementação dessa política por Biden foi manchada pelo mesmo fracasso em entender o Afeganistão que condenou e perseguiu pelo menos três administrações anteriores e a ocupação militar hostil dos EUA por 20 anos, levando à rápida restauração do governo talibã e ao caos televisionado dos EUA. cancelamento.

GRÃ-BRETANHA E IRLANDA NÃO PODEM ESCAPAR DOS LAÇOS QUE OS UNEM

Apesar do passado violento e do presente tóxico, a Grã-Bretanha e a Irlanda não podem escapar dos laços que os unem

# Publicado em português do Brasil

Fintan O'Toole* | The Guardian | opinião

O cinquentenário do Domingo Sangrento nos lembra que história e geografia significam que agora, como então, os destinos dos dois países estão entrelaçados

Há quase 50 anos, na madrugada de 2 de fevereiro de 1972, a embaixada britânica em Dublin foi destruída por um incêndio . Isso não foi um acidente. Uma enorme multidão se reuniu em protesto do lado de fora do adorável terraço georgiano na Merrion Square durante todo o dia anterior. Eles aplaudiram quando os jovens subiram pelas varandas e quebraram uma janela. Eles jogaram um pouco de gasolina e acenderam. Uma fuzilaria de coquetéis molotov foi desencadeada da multidão. As pessoas gritavam o slogan que aprenderam com os distúrbios de Watts em Los Angeles em 1965: queime, baby, queime. A polícia não fez nada para impedir o ataque.

Eu tinha 14 anos na época, então não estava lá. Mas alguns dos meus amigos mais velhos estavam e eu gostaria de ter estado com eles. O ataque foi organizado pelo IRA, mas a maioria dos irlandeses comuns e pacíficos o aprovaram. Parecia a coisa certa a fazer, uma resposta razoável ao massacre no fim de semana anterior em Derry de 13 civis desarmados pelo primeiro batalhão do Regimento de Paraquedistas do exército britânico. Uma mulher que esperava por um ônibus em Dublin disse ao Irish Times : “Senti-me indignada que os britânicos fizessem isso e senti que, quaisquer que fossem os erros e acertos, eles saberiam como nos sentimos quando incendiamos sua embaixada”.

A indignação não foi apenas a atrocidade em Derry em si. Foi também a maneira como os britânicos mentiram sobre isso, alegando falsamente que os pára-quedistas estavam sob fogo e estavam se protegendo contra terroristas. O inquérito oficial de Widgery , que essencialmente repetiu essa mentira, deixou claro que o estado britânico não tinha interesse em reconhecer o que havia acontecido, muito menos punir alguém pelo que o legista de Derry, major Hubert O'Neill, chamou de “ puro assassinato não adulterado ”. Contra tal impermeabilidade, incendiar a embaixada realmente parecia ser a única maneira de deixar o establishment britânico saber como a maioria dos irlandeses se sentia.

O DILEMA EXISTENCIAL DO BANCO CENTRAL EUROPEU

# Publicado em português do Brasil

Jürgen Stark, Thomas Mayer, Gunther Schnabl* | Project Syndicate

Durante anos, o Banco Central Europeu tem sucumbido a interesses políticos e perseguido objetivos além do escopo de seu mandato principal: manter a estabilidade de preços. Mas agora que as pressões inflacionárias estão aumentando, a credibilidade do BCE está em jogo.

FRANKFURT – Nosso regime de moeda fiduciária requer uma âncora institucional que garanta de forma crível e decisiva um nível de preços estável e confiança de longo prazo no euro. A credibilidade é o maior ativo de um banco central, porque garante a confiança no poder de compra do dinheiro. E a credibilidade, por sua vez, repousa na independência do banco central em relação à influência política e em seu compromisso com a estabilidade monetária.

Visto sob esta luz, o Banco Central Europeu está em águas perigosas há vários anos. Ameaçou a sua independência política e comprometeu o seu objectivo primordial. As ações claramente destinadas a antecipar a pressão política não deixam dúvidas de que ultrapassou seu mandato.

Por exemplo, durante a crise da dívida soberana do euro que começou no final de 2009, o BCE participou ativamente na reestruturação da União Económica e Monetária (UEM) da Europa. Com o seu Programa de Mercados de Segurança , abandonou importantes princípios de política monetária, incluindo a proibição do financiamento monetário da dívida pública e a exigência de uma política monetária única para a zona euro. O BCE também assumiu um papel de liderança no resgate de estados membros da UE duramente atingidos pela crise, embora isso fosse responsabilidade dos respectivos governos nacionais. Assim, as fronteiras entre a política monetária e fiscal foram deliberadamente borradas, levando a uma estreita coordenação entre as duas.

Com o compromisso unilateral do então presidente do BCE, Mario Draghi, de “ fazer o que for preciso para preservar o euro ”, o BCE se estabeleceu como credor de último recurso para a zona do euro. A tentativa de vincular condições a esse papel no programa de “transações monetárias definitivas” do BCE falhou. De fato, o programa nunca foi ativado, e desde então foi substituído pelo Programa de Compra de Ativos e pelo Programa de Compra Emergencial Pandêmica .

OS ESTADOS DA NATO COMETEM UM SUICÍDIO ENERGÉTICO?

– O absurdo da política de "descarbonização" imposta pela UE

F. William Engdahl [*]

Há uma grande contradição na postura militar cada vez mais agressiva dos EUA e da NATO em relação à Rússia e à China, quando comparada com as políticas económicas nacionais da Agenda Verde, claramente suicidas, dos EUA bem como dos Estados da UE na NATO. Uma surpreendente transformação das economias industriais mais avançadas do mundo está em curso e ganhando força. O coração desta transformação é a energia e a exigência absurda de uma energia “zero carbono” até 2050 ou antes. Eliminar o carbono da produção de energia não é possível neste momento, ou talvez nunca. Mas a pressão para isso significará destruir as economias mais produtivas do mundo. Sem uma base energética viável, os países da NATO tornam-se uma piada militar. Não podemos falar de energia “renovável” para o solar, o eólico e de armazenamento em baterias. Devemos falar de Energia Não Confiável. É um dos delírios científicos mais colossais da história.

Em 31 de dezembro, o novo governo de coligação alemão fechou permanentemente três das seis centrais nucleares restantes. Fizeram-no numa altura em que as reservas de gás natural estavam extremamente baixas, entrando o inverno rigoroso, quando qualquer frente fria severa poderia levar a apagões do sistema elétrico. Devido à recusa alemã em permitir a importação de gás russo através do segundo gasoduto, Nord Stream 2, a Alemanha enfrenta um aumento de 500% no preço à vista da eletricidade em comparação com janeiro de 2021.

Portugal | AS CRIANÇAS QUE SE LIXEM

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Maria fez seis anos em Agosto de 2019 e entrou para o primeiro ano nesse Setembro. Estava muito entusiasmada com a perspectiva de aprender a ler e a escrever, descobrir os números. Sucede que, em Março de 2020, uns meses depois, a sua escola fechou. Aulas online nesta idade? A professora fala, fala, pergunta, estimula, interage e, no fim, a Maria diz-lhe: o seu gato é muito bonito. Em casa, os pais têm disponibilidade limitada - entre o teletrabalho da mãe e o fecho do negócio do pai (medidas covid), que o atirou para uma depressão e, de seguida, para uma frustrante procura de emprego, só restos sobram. Dinheiro para explicadores? Não há. Em Setembro de 2020, Maria foi para o segundo ano da escola. Pouco tinha aprendido e o início de 2021 trancou-a outra vez em casa. Novo calvário. Agora, em setembro de 2021, com oito anos, Maria ingressou no terceiro ano da escola. Não sabe escrever nem ler. É analfabeta. Contas de somar lá vai fazendo algumas, gosto pela escola há pouco e adição aos telemóveis há muita. Ainda tinha ginástica num clube perto de casa, mas, após sucessivos abre e fecha, os pais desistiram. Não tem mais grupos de amigos e no prédio poucos falam.

"As grandes empresas pagam hoje muito menos do que deveriam pagar" - CGTP

ENTREVISTA

Isabel Camarinha é a secretária-geral da CGTP-IN.

Dia 30 há eleições legislativas. Como convencer um abstencionista a ir votar?

O voto de quem trabalha e trabalhou é determinante para escolher os 230 deputados que vão ser eleitos. Dar força aos que no Parlamento defendem os interesses do trabalho, aos que têm propostas concretas com vista ao urgente aumento geral dos salários e das pensões de reforma, às 35 horas de limite máximo do horário semanal sem perda de salário, para combater a precariedade, para reforçar os SNS e os serviços públicos, para pôr Portugal a produzir, é essencial. Ao contrário do que se tenta passar "não são todos iguais". A prática e o projecto, demonstra o carácter distintivo das diferentes forças. É preciso avançar nos direitos, afirmar a soberania do país e assim elevar as condições de trabalho e de vida no nosso país. A abstenção apenas conta para manter tudo como está e o país precisa de um novo rumo. É preciso votar e, ao fazê-lo, escolher os deputados que estão ao lado dos trabalhadores e reformados nas suas justas reivindicações.

Qual a primeira medida na sua área que o governo deveria tomar?

A revogação das normas gravosas da legislação laboral, nomeadamente a da caducidade e a reintrodução do princípio do tratamento mais favorável. A par desta medida, deveria ser aumentado de forma muito mais significativa o salário mínimo nacional para que se atinjam os 850 euros no curto prazo.

Portugal | VALE TUDO PARA NÃO AUMENTAR SALÁRIOS

Tiago Cunha | AbrilAbril | opinião

Todos os dias, milhões de trabalhadores saem de suas casas, apanham o transporte em direcção aos seus empregos, «produzem mais» e regressam sem que tenha havido uma alteração substancial dos seus salários.

Aparentemente há um consenso sobre a necessidade de aumentar os salários no nosso país. Todos dizem que as retribuições são baixas, que o salário mínimo é reduzido, que os salários em geral deveriam aumentar.

As estatísticas demonstram que aumenta a pobreza1, também daqueles que trabalham, e crescem as reclamações em sectores da economia de que falta gente para trabalhar. Perante este «consenso», fica a questão: porque não aumentam então os salários?

A hipocrisia de mãos dadas com o cinismo

O grande patronato e os que lhe dão voz no plano partidário e político, respondem a esta pergunta com uma premissa: temos de produzir mais, para depois se poder aumentar as retribuições2, fazendo depender da primeira condição – «produzir mais» –, o aumento dos salários. A frase é repetida vezes sem conta.

A normalidade com que é aceite este argumento não pode deixar de chocar aqueles que o ouvem no final de um dia de trabalho, que o ouvem uma e outra vez durante dias e meses, que o ouvem depois de terem passado sete, oito, nove ou dez horas a trabalhar e, precisamente, a «produzir mais».

Todos os dias, milhões de trabalhadores saem de suas casas, apanham o transporte em direcção aos seus empregos, «produzem mais» e regressam sem que tenha havido uma alteração substancial dos seus salários, que estão estagnados para uns e crescem muito pouco para outros, com a agravante de se irem degradando as suas condições de trabalho ao sabor das alterações introduzidas na legislação laboral, que cada vez mais responde às «necessidades» do capital em prejuízo das dos trabalhadores.

Ao mesmo tempo, acumula-se cada mais riqueza nas mãos de uns poucos sob a forma de dividendos «libertos» de quaisquer obrigações fiscais, de avultados lucros não taxados ou taxados a taxas efectivas muito mais reduzidas que aquelas previstas na lei, de rendas que resultam do negócio imobiliário a grande escala ou ainda de juros que têm por base a gritante concentração realizada ao longo dos tempos.3

De forma hipócrita e cínica, argumenta-se que os salários, para aumentarem, estão sujeitos a uma premissa que, na prática, serve para manter e incrementar a acumulação e centralização da riqueza numa minoria, num processo constantemente facilitado pela introdução de normas e regras que travam os salários, para que a aquilo que é «produzido a mais» seja apropriado por outros que não os que produzem.

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