A Itália está a
transformar-se rapidamente num dos principais postos em que os Estados Unidos
se apoiam para fazer a guerra a nível mundial. Já no decurso deste século, o
exército deslocou o seu centro de gravidade da Alemanha, onde estava a grande
maioria das forças norte-americanas na região desde o final da Segunda Guerra
Mundial, para o sul da Europa. Nesse processo, o Pentágono transformou a
península italiana numa plataforma de lançamento para futuras guerras em
África, Médio Oriente e outras.
O Pentágono passou
as últimas duas décadas a pagar centenas de milhões de dólares de impostos em
bases militares em Itália, transformando o país num centro cada vez mais
importante para o poder militar dos Estados Unidos. Especialmente desde o
começo da “Guerra Global contra o Terror” em 2001, o exército deslocou o seu
centro de gravidade da Alemanha, onde estava a grande maioria das forças
norte-americanas na região desde o final da Segunda Guerra Mundial, para o sul
da Europa. Nesse processo, o Pentágono transformou a península italiana numa
plataforma de lançamento para futuras guerras em África, Médio Oriente e
outras.
Com bases em
Nápoles, Aviani, Sicília, Pisa e Vicenza, entre outras, os militares gastaram
mais de 2000 milhões de dólares só desde a Guerra Fria e essa cifra não inclui
outros milhares de milhões mais em projectos de construção, operações e gastos
de pessoal. Enquanto o número de tropas na Alemanha se reduziu de 250 mil para
cerca de 50 mil, há 13 mil soldados norte-americanos (e 16 mil familiares) nas
bases da Itália em números que coincidem com os do apogeu máximo durante a
Guerra Fria. Isso significa, por sua vez, que a percentagem de forças dos
Estados Unidos na Europa, com sede na Itália, triplicou desde 1991, de 5% a 15%
(de todas as estacionadas na Europa).
No mês passado,
tive a oportunidade de visitar a nova base dos Estados Unidos na Itália,
situada em Vicenza, perto de Veneza. Tem três meses de funcionamento e é o
local de uma força de reacção rápida, a Equipa de Combate da 173.ª Brigada de
Infantaria (Airborne), e o componente do exército do Comando África dos Estados
Unidos (AFRICOM). A base estende-se por um quilómetro de norte a sul, e supera
todo o resto na pequena cidade. De facto, em mais de 145 hectares, a base é
quase exactamente do tamanho do National Mall em Washington ou o equivalente a
uns 110 campos de futebol americano. O preço da base supera os 600 milhões de
dólares desde o ano fiscal de 2007. Mas há mais bases, e portanto mais despesa
militar dos Estados Unidos na Alemanha do que em qualquer outro país
estrangeiro (excepto, até há pouco, o Afeganistão). No entanto, a Itália
tornou-se cada vez mais importante no jogo do Pentágono para mudar a composição
global das suas 800 bases, ou mais, no estrangeiro. O novo pólo é na direcção
do sul e não tanto para leste da Europa. O especialista Alexander Cooley
explica: «Os funcionários de defesa dos Estados Unidos reconhecem que o
posicionamento estratégico da Itália no Mediterrâneo e perto da África do
Norte, a doutrina antiterrorista do exército italiano, assim como a disposição
política favorável do país para com as forças norte-americanas são factores
importantes na decisão do Pentágono de manter uma base ampla e a presença de
tropas ali. As únicas pessoas que foram prestando atenção a esta acumulação são
os movimentos italianos da oposição local de Vicenza, que estão preocupados em
que a sua cidade se converta numa plataforma para guerras futuras dos Estados
Unidos.
A maioria dos
turistas pensa na Itália como o país da arte do Renascimento, as antiguidades
romanas, pizzas excelentes, massas e vinho. Poucos pensam nela como a terra das
bases norte-americanas. Mas há em Itália 59 «sítios de base» identificados pelo
Pentágono, algo que só é superado neste país pela Alemanha (179), Japão (103),
Afeganistão (100 e em decrescendo) e Coreia do Sul (89).
Publicamente, os
funcionários norte-americanos afirmam que não há bases militares dos Estados
Unidos na Itália. Insistem que as nossas guarnições, com toda a sua
infra-estrutura, equipamento e armamento, são apenas convidados no que
oficialmente são bases italianas designadas para o uso da OTAN. Mas, todos
sabem que isso é essencialmente uma subtileza legal.
Ninguém que visite
a nova base em Vicenza pode duvidar de que seja uma instalação dos Estados
Unidos do princípio ao fim. A guarnição está numa antiga base da força aérea
italiana chamada Dal Molin. (Em finais de 2011, as autoridades italianas
puseram-lhe o nome de «Caserna de Din», evidentemente, para afastar recordações
da oposição maciça contra a base). Do exterior, poderia ser confundida com um
complexo hospitalar gigante ou um campo universitário. 31 edifícios pêssego e
creme com telhados vermelho claro dominam o horizonte apenas com os picos dos
Alpes do Sul com pano de fundo. Uma vala de rede metálica coroada por um renque
de puas rodeia o perímetro, com uma rede de malha verde que oculta certos
pontos da base.
Mas, se conseguir
entrar, vai encontrar dois quartéis com capacidade para 600 soldados cada.
(Fora da base, o Exército está a alugar cerca de 240 casas de construção nova
nas comunidades circundantes). Verá também duas garagens de seis pisos que
podem albergar 850 veículos, e uma espécie de complexos de grandes oficinas e
algumas áreas pequenas de treino, incluindo um campo de tiro interno ainda em
construção, assim como um ginásio com uma piscina climatizada, uma «zona de
entretenimento para o soldado» uma cafeteria de estilo italiano e uma cantina
grande. Esses serviços são na realidade bastante modestos para uma base grande
dos Estados Unidos. A maioria das casas de construção nova ou reabilitada,
escolas, centros médicos, lojas e outros serviços para os soldados e suas
famílias estão na cidade Viale della Pace, na base Caserna dele e perto em
Villagio della Pace.
Mais longe de
Vicenza, o exército está a trabalhar em força para actualizar as suas bases
italianas. Até princípios de 1990, a base aérea dos Estados Unidos em Aviano, a
noroeste de Vicenza, era um sítio pequeno conhecido como «Sleepy Hollow». A
partir da transferência dos F-16 para Espanha em 1992, a Força Aérea
transformou-se numa zona de estacionamento importante para todas as operações
em tempo de guerra importante desde a Primeira Guerra do Golfo. No processo,
gastou-se pelo menos 610 milhões de dólares em mais de 300 projectos de
construção (Washington convenceu a OTAN que proporcionasse mais da metade
desses fundos, e a Itália cedeu 210 hectares de terreno gratuitamente).
Para não ficar
atrás a Marinha colocou mais de 300 milhões a partir de 1996 para a construção
de uma nova base de operações no aeroporto de Nápoles. Perto dali, tem um
contrato de arrendamento de 30 anos num «local de apoio» estimado em 400
milhões de dólares ou seja, um grande centro comercial rodeado por amplos
jardins, bem cuidados. (A base encontra-se no coração da máfia napolitana e foi
construída por uma empresa que se ligou à Camorra). Em 2005, a Marinha mudou a
sua sede europeia de Londres para Nápoles, já que desviou a sua atenção do
Atlântico Norte para África, e Médio Oriente e o Mar Negro. Com a criação do
AFRICOM, cuja sede central permanecerá na Alemanha, Nápoles é agora local de
uma mescla das Forças Navais da Europa e das Forças Navais dos Estados Unidos
da África. É revelador que o seu «site» na Web mostre com destaque a hora em
Nápoles, Djibouti, Libéria e Bulgária.
Entretanto, a
Sicília tornou-se cada vez mais importante para os Estados Unidos para a “Era
da Guerra Global contra o Terror”, uma vez que o Pentágono está a transformar a
ilha num nó importante das operações militares dos Estados Unidos para a África
já que se encontra a menos de 100 quilómetros de distância através do
Mediterrâneo. Desde o ano fiscal de 2001, o Pentágono gastou mais 300 milhões
de dólares na construção da Estação Naval Aérea de Signonelle. É agora a
segunda estação naval dos Estados Unidos na Europa e foi utilizada pela
primeira vez em 2002 para a utilização de aviões de vigilância não tripulados,
Global Hawk. Em 2008 os Estados Unidos e a Itália assinaram um acordo secreto
que permite oficialmente o estabelecimento ali de bases de drones. Desde então,
o Pentágono gastou 31 milhões de dólares nessa base. A base de drones,
oficialmente da OTAN, tem uma capacidade de vigilância até 10 mil milhas.
Desde esta base e
desde 2003, utilizam-se aviões F-3 de vigilância para monitorizar grupos
insurgentes no norte e oeste de Africa. E desde 2011, o AFRICOM espalhou uma
equipe de trabalho de cerca de 180 homens na Marinha e na Força Aérea para
proporcionar capacidade antiterrorista aos militares africanos no Botswana,
Libéria, Djibuti, Burundi, Uganda, Tanzânia, Quénia, Túnis e Senegal. Sigonella
alberga também um dos três serviços globais de emissão de comunicações por
satélite e logo será a sede da base conjunta de informações e análise de dados,
assim como centro de formação, da OTAN. Em Junho, o subcomité do Senado dos
Estados Unidos recomendou mover as forças e operações especiais CV-22 Osprey da
Grã-Bretanha para a Sicília, já que «Sigonella se transformou na plataforma de
lançamento chave para missões relacionadas com a Líbia, e dada a turbulência
actual nessa nação, assim como o aparecimento das actividades de treino de
terroristas no norte de África». Em Niscemi, muito perto, a Marinha espera
construir uma instalação para um satélite de comunicações de ultra-alta
frequência, apesar da oposição crescente dos sicilianos e outros italianos
afectados pelos efeitos da estação e da sua radiação electromagnética sobre os
seres humanos e os arredores, onde existe uma reserva natural. No meio desta
acumulação, é verdade que o Pentágono encerrou realmente algumas bases na
Itália como Comiso, Brindisi e Madalena. Embora o Exército tenha cortado parte
do pessoal em Camp Darby, uma instalação subterrânea de armas e armazenagem de
equipamento ao longo da costa da Toscana, a base continua a ser uma logística
importante e com um pré-posicionamento central que permite o deslocamento
mundial de tropas, armas e equipamento de Itália por mar. Desde 2005,
investiram quase 60 milhões de dólares em novas construções.
E que fazem todas
estas bases na Itália? Foi assim que um funcionário militar dos Estados Unidos
em Itália (que pediu para não ser identificado) me explicou o assunto: «Sinto
muito, mas isto não é a Guerra Fria. Não estão aqui para defender um ataque
(soviético) a Vicenza. Estão aqui porque concordámos que precisam de estar aqui
para fazer outras coisas, quer no Médio Oriente ou nos Balcãs ou em África». Um
papel cada vez mais importante na estratégia global da guarnição do Pentágono,
em grande parte devido à posição do país no mapa. Durante a Guerra Fria, a
Alemanha Ocidental foi o coração dos Estados Unidos e da OTAN na Europa devido
à sua posição nas rotas mais prováveis de qualquer ataque soviético na Europa
ocidental. Acabada a Guerra Fria, a importância geográfica da Alemanha
reduziu-se muito. Na realidade, as bases e tropas norte-americanas no centro da
Europa estavam cada vez mais cercadas pela sua geografia, já que a Força Aérea
necessita sempre de obter direitos de voo dos vizinhos. Pelo contrário, as
tropas com sede em Itália têm acesso directo a águas internacionais e ao espaço
aéreo do Mediterrâneo. Isso permite-lhes deslocarem-se rapidamente por mar ou
por ar. Como declarou o Subsecretário do Exército, Keith Eastin, ao Congresso
em 2006, colocando a Brigada Aerotransportada 173 em Dal Molin «posiciona-se
estrategicamente a unidade ao sul dos Alpes, com acesso fácil ao espaço aéreo
internacional para deslocação rápida e operações de alerta.”
Já afirmámos que o
Pentágono se aproveitou da situação da Itália desde a década de 1990, quando a
base aérea de Aviano desempenhou um papel importante na primeira Guerra do
Golfo e nas intervenções dos Estados Unidos e da OTAN nos Balcãs (um salto
curto através do Mar Adriático a partir de Itália). A administração Bush, por
sua vez, fez das bases na Itália alguns dos seus postos «permanentes» de avanço
na Europa. Nos anos de Obama, uma participação militar crescente na África
tornou a Itália uma opção ainda mais atractiva.
Para além da sua
situação, os funcionários norte americanos gostam da Itália, porque como me
declarou o mesmo funcionário militar, «é um país que oferece uma flexibilidade
operativa boa. Por outras palavras, proporciona a liberdade para fazer o que se
quiser com restrições mínimas e sem problemas.”
Além de oferecer
custos menores de operação, o mais sensível à pressão política e económica de
Washington, é mais permissiva no que diz respeito às normas ambientais e
laborais e dá ao Pentágono mais liberdade para iniciar uma acção militar
unilateral com um mínimo de consulta aos países de acolhimento.
A Itália é o
segundo país mais endividado da Europa e o seu poder económico e político é
fraco em comparação com o da Alemanha. Portanto não é de estranhar, como me
sugeriu o funcionário do Pentágono em Itália, que a situação das forças segundo
o acordo com a Alemanha seja longo e detalhado enquanto o acordo com a Itália
continua a ser o de 1954 (e até secreto). “Os alemães são mais exigentes com as
regras, enquanto os italianos são mais interpretativos».
A liberdade com que
os militares dos Estados Unidos utilizaram as suas bases italianas na guerra do
Iraque é disso um exemplo. Para começar, o governo italiano permitiu às forças
norte-americanas a sua utilização para uma guerra que estava fora do contexto
da OTAN e que violava os termos do acordo de 1954. Um telegrama publicado por
Wikileaks, de 2003, enviado pelo embaixador em Itália Melvin Sembler, revelava
que o governo do primeiro-ministro Sílvio Berlusconi deu ao Pentágono
«praticamente tudo o que este queria». «Conseguimos o que pedimos» escreveu
Sembler, «no acesso, base, transito e voos, assegurando que as forças poderiam
fluir com facilidade através de Itália para chegar ao combate».
Por seu lado, a
Itália parece ter-se beneficiado directamente desta cooperação. (Alguns dizem
que a mudança das bases da Alemanha para a Itália estava destinado a ser uma
forma de castigo pela sua falta de apoio à guerra do Iraque). Segundo uma
informação de 2010 do semanário de segurança Jane, o papel da Itália na guerra
do Iraque, ao proporcionar 3 mil tropas ao esforço aliado, abriu contratos de
reconstrução do Iraque a empresas italianas, assim como o reforço de relações
entre os dois aliados. O seu papel na guerra do Afeganistão oferece sem dúvida
vantagens semelhantes. Essas oportunidades surgiram no meio do aprofundamento
dos problemas económicos, e num momento em que o governo italiano estava a
transformar a produção de armas numa faceta importante para reactivar a sua
economia. Segundo Jane, os fabricantes de armas italianos como a Finmeccanica
avançaram de forma agressiva para entrar nos Estados Unidos e outros mercados.
Em 2009, as exportações de armas italianas aumentaram mais de 60%.
Em Outubro de 2008
os dois países renovaram um Memorando de Aquisições de Defesa Mútua (um acordo
de nação mais favorecida» para as vendas militares. Sugeriu-se que o Governo
italiano possa ter cedido Dal Molin aos Estados Unidos de modo gratuito em
parte para assegurar um papel destacado na produção «da arma mais cara já
construída», o avião de combate F-35, entre outros acordos militares. Outro
telegrama brilhante de 2009 da encarregada de negócios da embaixada de Roma,
Elizabeth Dibble, classifica a cooperação militar dos países «uma associação
permanente». Mencionava como a Finmeccanica (que é 30% propriedade estatal)
«vendeu equipamento de defesa dos Estados Unidos em 2008 no valor de 2.300
milhões de dólares [e] tem uma participação forte na solidez da relação entre
os Estados Unidos e a Itália».
Há em tudo isto
ainda outro factor relevante. Pelas mesmas razões que os turistas americanos
acorrem ao país, as tropas norte americanas desfrutam ali da dolce vita. Além
da vida cómoda à volta das bases, cerca de 40 mil visitantes militares por ano
de toda a Europa, e ainda mais chegam ao complexo militar de Camp Darby e à
praia americana da Riviera italiana.
A Itália não vai
tomar o lugar da Alemanha como base do poder militar dos Estados Unidos na
Europa. A Alemanha está há muito tempo integrada no sistema militar dos Estados
Unidos e os estrategas militares tudo fizeram para que assim permanecesse. O
Pentágono justificou a mudança de tropas para Vicenza como uma forma de
consolidar a 173 Brigada num único lugar e que, e que apesar de tudo, uma
terceira parte da Brigada permanecesse na Alemanha.
Mas a Itália está a
transformar-se rapidamente num dos principais postos em que os Estados Unidos
se apoiam para fazer a guerra a nível mundial. Enquanto se chama a atenção para
o pivô da Ásia de que fala Obama, o Pentágono concentra as suas forças numa
série de bases como Djibouti no Corno de África e Diego Garcia no Oceano
Índico, Bahrein e Qatar no Golfo Pérsico, Bulgária e Roménia na Europa de
Leste, Austrália, Guam e Hawai no Pacífico, e Honduras na América Central.
Também na Itália as bases tornam mais fácil intervir militarmente em conflitos
de que pouco sabemos, desde a África até ao Médio Oriente. Em vez de
perguntarmos porque temos bases na Itália e dezenas de outros países pelo mundo
inteiro, um número crescente de políticos, jornalistas e outros continuam a
afirmar que as bases nos ajudam a preservar a «segurança» dos Estados Unidos,
um caminho de violência perpétua numa insegurança perpétua.