Rui Peralta, Luanda
I - O fascismo, no século XX, afirmou-se pela negação do liberalismo e como reacção aos avanços do
movimento operário. Caracterizado por um nacionalismo extremo, pelo racismo e
pela sua obsessão anticomunista, o fascismo no seculo XX, a partir da Itália,
Alemanha e Japão, mas também instalado na Península Ibérica e em países da
Europa Central foi responsável pela barbárie da II Guerra Mundial.
Após esse conflito
mundial, o fascismo, embora não desaparecendo no panorama politico europeu, não
assumiu qualquer papel relevante na Europa, excepto na Itália, com os
neofascistas do MSI (Movimento Social Italiano). Em contrapartida instalou-se
na América do Sul e Central, sob a capa das ditaduras oligárquicas e militares
e assumiu novas formas no continente africano (Mobutu e Bokassa são apenas dois
exemplos, mas poderemos encontrar formulações e esboços fascistoides em alguns
regimes neocoloniais africanos) e também na Ásia (Os regimes fantoches da Indochina,
a fase das ditaduras militares sul-coreanas ou a Indonésia e Filipinas, por
exemplo).
II - Na fase
neoliberal do capitalismo, o fascismo ressurge a nível global, assumindo várias
formas, mas sempre assente nos seus princípios básicos: racismo, xenofobia,
anticomunismo, assumindo agora uma nova faceta identitária com um discurso
antiglobalização e desconfiado com as competências dos neoliberais em manter a
ordem capitalista (da qual continuam a ser os mais leais servidores).
O combate á
globalização encetado pela nova extrema-direita resume-se ao combate aos
imigrantes, acusados de todos os males que acontecem. Este fenómeno assume
grandes proporções na Europa (temática de todas as forças fascistoides da U.E.)
e em Israel (através da extrema direita sionista da União Nacional que elegeu
os imigrantes africanos como alvo preferencial a seguir aos palestinianos,
árabes e berberes).
No mundo islâmico,
os grupos salafistas criados pelos USA e pela OTAN para combaterem a ex-URSS no
Afeganistão, são hoje bandos fascistas (o fascismo islâmico), utilizando as
estruturas de financiamento dos estados do golfo, organizados em redes de
grande amplitude como a Al-Qaeda, e criando estruturas locais como o Exercito
Livre Sírio, ou regionais, como a Al-Qaeda do Magreb, estando actualmente no
norte de África bem implantados e com grande liberdade de movimentos desde a
desintegração do Estado Líbio. Convém no entanto não confundir o tradicional
fundamentalismo islâmico e correntes integristas com o fascismo islâmico. Este centra-se
apenas nas estruturas acima descritas, não abrangendo as Irmandades Islâmicas,
forças conservadoras da direita islâmica, partidárias da liberalização
económica e do elemento democrático essencial á persecução do capitalismo nos
seus países.
Não é apenas o
norte do continente africano que assiste ao surgimento de novas estruturas
fascizantes, realizadas a partir de elementos identitários, tribalistas,
racistas e separatistas, mas toda a plataforma continental no sentido Norte-Sul
e Atlântico-Indico. O fenómeno é mais visível em países como a Somália, Mali e
Nigéria, com bandos armados activos, mas também no Quénia, onde grupos
tribalistas e racistas assumem um papel preponderante nas agitações contra
estrangeiros, na Africa do Sul, Ruanda, Burundi, Uganda, RDC, Moçambique e
Angola (onde depois de derrotados politica e militarmente dois movimentos onde
pulsavam elementos potencialmente fascistas – FNLA e UNITA – ressurge agora sob
capas mais camufladas em factores identitários, tribalistas e separatistas,
como o Protectorado das Lundas. Sobre este assunto ver Júnior, Martinho).
III - Na América
Latina a actividade fascista é visível nos grupos paramilitares na Colômbia
(fortemente ligado ao narcotráfico), Salvador e Honduras, para além dos grupos
constituídos para desestabilização na Venezuela e Bolívia. Neste continente as
velhas oligarquias assumem facilmente o fascismo e organizam bandos fascistas,
compostos na sua maioria por elementos pertencentes aos gangues do narcotráfico
e com fortes bases de apoio na instituição policial e militar. De qualquer
forma a sua actividade é contante nesta região assumindo diversas formas e
surgindo nos últimos tempos ao lado dos sectores neoliberais. Continuam a
existir fortes sectores de extrema-direita em toda a América Central, Paraguai,
Colômbia e organizações tradicionalmente afectas ao fascismo no Chile (Partido
Nacional), Uruguai e Argentina.
A Norte do
Continente Americano a actividade dos grupos de extrema-direita é discreta no
Canadá, folclórica (mas com bastantes toupeiras e acessos diversos aos núcleos
de decisão) nos USA e activa no México, onde actuam diversos grupos
paramilitares de extrema-direita, que recrutam os seus elementos nos bandos do
narcotráfico.
Na Ásia a
actividade fascista é menos visível e em muitos locais passa por alguma
letargia. No Japão os grupos fascistas escondem-se por detrás das associações
de veteranos de Guerra e das associações culturais, religiosas e de apoio e
organização ao culto do Imperador. Existem alguns indícios de grupos
nacionais-socialistas na Coreia do Sul e Taiwan. Na India as correntes hindus
extremistas são uma boa fonte de movimentação dos grupos fascistas.
IV - Se na América,
Asia e África a actividade do fascismo oscila entre a actuação de bandos
armados, organizações paramilitares e associações culturais e religiosas, na
Europa. Israel, Austrália e Nova-Zelândia, as forças da extrema-direita
conseguem representação parlamentar, fazendo uso do jogo democrático. Esta
ascensão iniciou-se na Europa na década de 80 e já no seculo XXI instala-se em
Israel, Austrália e Nova Zelândia. Os temas eleitos pela propaganda fascista -
e que marcam agenda eleitoral, levando a reboque os partidos do sistema, á
esquerda e á direita - são a imigração e a insegurança.
A reacção ao avanço
das forças de extrema-direita tem sido, no essencial, baseada nas lutas
anti-racistas, que denunciam a xenofobia e o racismo das forças fascistas,
denunciando a propaganda anti-imigrante (As comunidades visadas são geralmente
africanas e no caso da Alemanha e Norte da Europa, turcas). Esta luta é
impulsionada por organizações de defesa dos Direitos Humanos e por organizações
constituídas com o objectivo preciso de combater a ascensão do racismo (por
exemplo, a SOS Racisme, em França, constituída em 1984, com o apoio do Partido
Socialista). As actividades destas organizações desenrolam-se no âmbito
jurídico e na denúncia e condenação dos actos e dos actores da extrema-direita
e na mobilização de amplas camadas sociais, através de campanhas antirracista,
manifestações, meetings, concertos, campanhas mediáticas, preparação de
alojamentos para os imigrantes vítimas de violência ou recém-chegados ao país
de acolhimento, etc.
As lutas
antifascistas constituem o outro pilar da reacção ao avanço da extrema-direita.
É executada por organizações que reivindicam a luta contra o racismo, como as
anteriores, mas complementam-na com actividades especificamente antifascistas
como a interrupção de comícios e meetings da extrema-direita; a recuperação da
memória dos anos 30 e 40 do séculos passado, relembrando o que foi o fascismo e
as lutas antifascistas (as deportações, os campos de concentração, as prisões,
os fuzilamentos em massa, a resistência), actividades conjuntas com os partidos
de esquerda, sindicatos e com as associações de antigos prisioneiros, antigos
deportados, antigos combatentes, etc., forte ligação às comunidades imigrantes
e às suas associações culturais e recreativas participando nas suas actividades
e divulgando-as; e a denúncia dos programas das organizações de
extrema-direita, não apenas na vertente do racismo e da xenofobia, mas também
nas políticas socias, nas temáticas da Mulher, da Juventude, do Desemprego,
através da distribuição de folhetos nos bairros, mercados, á porta das
empresas, etc.
V - Em Março deste
ano, nuns encontros realizados em Atenas, Alain Bihr apresentou algumas
conclusões dos estudos realizados em França sobre a base social de apoio (logo,
eleitoral) da extrema-direita (ver Bihr, Alain). Estes dados não são apenas um
fenómeno francês, mas de toda a Europa, (assim como em Israel, Austrália e
Nova-Zelândia).
Neste estudo pode
ser constatado que a base social da extrema-direita é constituída
fundamentalmente por A) sectores da pequena-burguesia, com toda a sua
pluralidade de camadas e sectores socioeconómicos, proprietários de meios de
produção que valorizam através do seu trabalho, utilizando a família e/ou uma
mão-de-obra assalariada pouco numerosa. É um vasto universo composto por
pequenos-agricultores, artesãos e pequenos comerciantes, profissionais-liberais
(médicos, advogados, arquitectos, etc.), para além dos sectores do pequeno
capital, a camada inferior da burguesia industrial e comercial, que apenas se
distingue pela quantidade de assalariados permanentes e pelo volume de capital
investido. B) Sectores do proletariado, ou seja, todas as camadas desprovidas
de qualquer meio de produção, forçada a vender força de trabalho para se
sustentar. É um amplo universo, composto por trabalhadores agrícolas, mineiros,
trabalhadores das indústrias, do sector de transportes, empregados do comércio,
do sector de serviços (públicos e privados como os empregados da administração
pública central e local, empregados de escritório, banca e seguros, turismo,
etc.) e os desempregados.
As camadas proletárias
mais atraídas pelo discurso fascista são: os grupos constituídos pelos que não
dispõem de estrutura sindical, como os jovens proletários em busca do primeiro
emprego; pelos que dispuseram de estrutura sindical, caso dos trabalhadores de
sectores e empresas que se encontram em profunda crise e num processo de
regressão social, trabalhadores que se encontram (na maioria por motivos de
idade) sem alternativa de reconversão profissional, ou de migrarem para outras
regiões.
VI - Conhecidas que
são as bases de apoio do fascismo no século XXI, podem ser concebidas as
estratégias a utilizar no combate. Limitar a luta á defesa dos valores
humanistas ou á memória da luta antifascista no passado, é manifestamente
insuficiente, além de ser um discurso (importante, é certo) muito pouco
atractivo para penetrar nas massas iludidas pela demagogia fascista. Tentar
convencer um desempregado sobre a superioridade moral do anti-racismo é algo
pouco lhe interessa. Para ele o problema fundamental resume-se a esta questão:
Será que o anti-racismo lhe criará o emprego que ele tanto necessita? A
desgraça é surda e as lições de moral são contraproducentes, pois nada disso
leva a comida aos que necessitam.
Existem factores
muito mais práticos e que constituem o quotidiano da vida. Por exemplo os
trabalhadores nacionais e os trabalhadores imigrantes partilham o mesmo local
de trabalho e entre eles geram-se empatias (a curiosidade de descobrir o outro,
a mesma sensação de impotência perante o mundo que os rodeia, dificuldades similares,
posições comuns face á questão salarial, etc.). Estas empatias subsistem com o
xenofobismo, o que é uma contradição, mas que está patente na forma como os
grupos falam entre si dos outros (por exemplo os trabalhadores locais, nas
reuniões com os colegas na hora da cerveja, ou com a família, falam muitas
vezes dos seus colegas “pretos”, assim como os trabalhadores imigrantes falam,
nas suas conversas no núcleo familiar e de amigos, sobre o branco que trabalha
ao seu lado, etc.).
A acção e o
discurso devem de incidir sobre estes factores geradores de empatia (as
condições comuns de trabalho, os níveis salariais, etc.) e orientar a luta para
os factores comuns, como as politicas patronais, as politicas salariais, as
politica governamentais de austeridade, as restrições aos direitos sociais,
etc. As tensões racistas, tão bem exploradas pelos fascistas, nascem da
degradação das condições de existência e essas tanto afectam os imigrantes como
os locais. Se ambos tomarem consciência dos seus interesses comuns, as tensões
naturais criadas pelas diferenças culturais, deixam de predominar, sendo
secundarizadas pelo factor do interesse comum.
Outro factor
importante tem a ver com o facto de muitas vezes as comunidades imigrantes
estabelecerem um gueto, o que impede, por um lado, a integração no modo de vida
da sociedade que as acolhe e por outro lado, impede que as comunidades
nacionais possam melhor compreender os elementos culturais das comunidades
imigrantes. É de extrema importância que as associações culturais, recreativas,
desportivas e outros núcleos associativos das comunidades imigrantes estejam
presentes nos locais de residência dessas comunidades e que participem de forma
activa na divulgação dos seus objectivos e no prosseguimento das suas actividades,
de forma a gerar um convívio salutar entre os imigrantes e os nacionais.
Este trabalho
associativo comporta ainda uma outra questão: o direito de associação, de
organização, o que implica mecanismos básicos e elementares de procedimento
democrático (assembleias, reuniões, eleições para os corpos dirigentes, etc.)
contrários ao autoritarismo da extrema-direita. A forma participativa destes
actos, a autonomia adquirida através destas e outras formas organizativas, leva
a que os guetos e barreiras culturais e sociais sejam derrubados, ao mesmo
tempo que demonstram a capacidade organizativa e de inserção das comunidades
imigrantes, criando sólidos laços com as comunidades nacionais e as suas
organizações.
Alem dos aspectos
raciais e de inter-relacionamento comunitário é necessário recuperar as
memórias das lutas antifascistas, mas fazê-lo de forma que seja entendida pelas
amplas camadas populares e pelos diversos grupos etários. Recordar as
atrocidades cometidas no passado pelos movimentos fascistas e de extrema-direita
e ao mesmo tempo recordar o seu significado, o que representa a supressão de
direitos e de liberdades, o que representa o desemprego, o trabalho precário e
todas as formas de violência contra as camadas mais desprotegidas da população,
que na actualidade são praticadas na forma neoliberal do capitalismo.
VII - Outra
vertente é o ataque sistemático às organizações fascistas. Deve ser realizado
um intenso trabalho informativo sobre as bases programáticas e os princípios
das políticas sociais e económicas das organizações de extrema-direita, de
forma a desmascarar o seu carácter demagógico, irrealista, neoliberal (as
premissas económicas fascistas em relação ao mercado são neoliberais) e
oligárquica. Por outro lado devem ser efectuados boicotes activos às reuniões,
meetings, concentrações e comícios da extrema-direita, para que a sua mensagem
seja desmascarada.
Perante as
condições a que a fase neoliberal do capitalismo lança as populações, o
discurso fascista torna-se apelativo, porque imediato. A questão racial, o
nacionalismo, os valores tradicionais das sociedades, a família, a religião,
são questões que afloram á pele nos períodos conturbadas de crise e estes
elementos constituem a base do discurso fascista.
A actualidade do
capitalismo caracteriza-se pelas alterações das suas respectivas elites de
mercado e por alterações profundas do centro financeiro, o que implica o
traçado de novos mapas e de redefinições nas periferias. O fascismo do século
XXI, tal como o do século XX, representa os guardiões mais leais da ordem
capitalista. Se as novas elites de mercado não se conseguirem impor e dominar o
aparelho de Estado, as velhas elites, transformam-se em oligarquias e já não
necessitam da democracia para reporem o seu domínio, recorrendo ao fascismo
para manter a sua ordem, assumida como natural. Por sua vez as novas elites
para se imporem perante as crises criadas pela sua ascensão, pelas resistências
proletárias e concomitantes transformações do aparelho económico, podem
necessitar de um período ditatorial, assumindo o fascismo esse papel, por
detrás da manutenção da ordem e da propriedade.
Urge agir, antes
que as alcateias se reúnam…
(Turim / Luanda,
Março de 2013)
Fontes
Bihr, Alain La
lucha contra el Frente Nacional: elementos de balance y propuestas para su
renovación; http://www.vientosur.info/spip.php?article7782;
http://alencontre.org/europe/france...
Bobbio, Norberto Teoria
Generale della Politca; Giulio Einaudi Editore, 1999
Júnior, Martinho - Ainda
o Vale do Cuango I, II, III, IV, http://paginaglobal.blogspot.pt/search/label/MARTINHO%20J%C3%9ANIOR