quinta-feira, 4 de abril de 2013

REFLEXÕES SOBRE O FASCISMO DO SÉCULO XXI




Rui Peralta, Luanda

I - O fascismo, no século XX, afirmou-se pela negação do liberalismo e como reacção aos avanços do movimento operário. Caracterizado por um nacionalismo extremo, pelo racismo e pela sua obsessão anticomunista, o fascismo no seculo XX, a partir da Itália, Alemanha e Japão, mas também instalado na Península Ibérica e em países da Europa Central foi responsável pela barbárie da II Guerra Mundial.

Após esse conflito mundial, o fascismo, embora não desaparecendo no panorama politico europeu, não assumiu qualquer papel relevante na Europa, excepto na Itália, com os neofascistas do MSI (Movimento Social Italiano). Em contrapartida instalou-se na América do Sul e Central, sob a capa das ditaduras oligárquicas e militares e assumiu novas formas no continente africano (Mobutu e Bokassa são apenas dois exemplos, mas poderemos encontrar formulações e esboços fascistoides em alguns regimes neocoloniais africanos) e também na Ásia (Os regimes fantoches da Indochina, a fase das ditaduras militares sul-coreanas ou a Indonésia e Filipinas, por exemplo).

II - Na fase neoliberal do capitalismo, o fascismo ressurge a nível global, assumindo várias formas, mas sempre assente nos seus princípios básicos: racismo, xenofobia, anticomunismo, assumindo agora uma nova faceta identitária com um discurso antiglobalização e desconfiado com as competências dos neoliberais em manter a ordem capitalista (da qual continuam a ser os mais leais servidores).

O combate á globalização encetado pela nova extrema-direita resume-se ao combate aos imigrantes, acusados de todos os males que acontecem. Este fenómeno assume grandes proporções na Europa (temática de todas as forças fascistoides da U.E.) e em Israel (através da extrema direita sionista da União Nacional que elegeu os imigrantes africanos como alvo preferencial a seguir aos palestinianos, árabes e berberes).

No mundo islâmico, os grupos salafistas criados pelos USA e pela OTAN para combaterem a ex-URSS no Afeganistão, são hoje bandos fascistas (o fascismo islâmico), utilizando as estruturas de financiamento dos estados do golfo, organizados em redes de grande amplitude como a Al-Qaeda, e criando estruturas locais como o Exercito Livre Sírio, ou regionais, como a Al-Qaeda do Magreb, estando actualmente no norte de África bem implantados e com grande liberdade de movimentos desde a desintegração do Estado Líbio. Convém no entanto não confundir o tradicional fundamentalismo islâmico e correntes integristas com o fascismo islâmico. Este centra-se apenas nas estruturas acima descritas, não abrangendo as Irmandades Islâmicas, forças conservadoras da direita islâmica, partidárias da liberalização económica e do elemento democrático essencial á persecução do capitalismo nos seus países.

Não é apenas o norte do continente africano que assiste ao surgimento de novas estruturas fascizantes, realizadas a partir de elementos identitários, tribalistas, racistas e separatistas, mas toda a plataforma continental no sentido Norte-Sul e Atlântico-Indico. O fenómeno é mais visível em países como a Somália, Mali e Nigéria, com bandos armados activos, mas também no Quénia, onde grupos tribalistas e racistas assumem um papel preponderante nas agitações contra estrangeiros, na Africa do Sul, Ruanda, Burundi, Uganda, RDC, Moçambique e Angola (onde depois de derrotados politica e militarmente dois movimentos onde pulsavam elementos potencialmente fascistas – FNLA e UNITA – ressurge agora sob capas mais camufladas em factores identitários, tribalistas e separatistas, como o Protectorado das Lundas. Sobre este assunto ver Júnior, Martinho).

III - Na América Latina a actividade fascista é visível nos grupos paramilitares na Colômbia (fortemente ligado ao narcotráfico), Salvador e Honduras, para além dos grupos constituídos para desestabilização na Venezuela e Bolívia. Neste continente as velhas oligarquias assumem facilmente o fascismo e organizam bandos fascistas, compostos na sua maioria por elementos pertencentes aos gangues do narcotráfico e com fortes bases de apoio na instituição policial e militar. De qualquer forma a sua actividade é contante nesta região assumindo diversas formas e surgindo nos últimos tempos ao lado dos sectores neoliberais. Continuam a existir fortes sectores de extrema-direita em toda a América Central, Paraguai, Colômbia e organizações tradicionalmente afectas ao fascismo no Chile (Partido Nacional), Uruguai e Argentina.

A Norte do Continente Americano a actividade dos grupos de extrema-direita é discreta no Canadá, folclórica (mas com bastantes toupeiras e acessos diversos aos núcleos de decisão) nos USA e activa no México, onde actuam diversos grupos paramilitares de extrema-direita, que recrutam os seus elementos nos bandos do narcotráfico.

Na Ásia a actividade fascista é menos visível e em muitos locais passa por alguma letargia. No Japão os grupos fascistas escondem-se por detrás das associações de veteranos de Guerra e das associações culturais, religiosas e de apoio e organização ao culto do Imperador. Existem alguns indícios de grupos nacionais-socialistas na Coreia do Sul e Taiwan. Na India as correntes hindus extremistas são uma boa fonte de movimentação dos grupos fascistas.

IV - Se na América, Asia e África a actividade do fascismo oscila entre a actuação de bandos armados, organizações paramilitares e associações culturais e religiosas, na Europa. Israel, Austrália e Nova-Zelândia, as forças da extrema-direita conseguem representação parlamentar, fazendo uso do jogo democrático. Esta ascensão iniciou-se na Europa na década de 80 e já no seculo XXI instala-se em Israel, Austrália e Nova Zelândia. Os temas eleitos pela propaganda fascista - e que marcam agenda eleitoral, levando a reboque os partidos do sistema, á esquerda e á direita - são a imigração e a insegurança.

A reacção ao avanço das forças de extrema-direita tem sido, no essencial, baseada nas lutas anti-racistas, que denunciam a xenofobia e o racismo das forças fascistas, denunciando a propaganda anti-imigrante (As comunidades visadas são geralmente africanas e no caso da Alemanha e Norte da Europa, turcas). Esta luta é impulsionada por organizações de defesa dos Direitos Humanos e por organizações constituídas com o objectivo preciso de combater a ascensão do racismo (por exemplo, a SOS Racisme, em França, constituída em 1984, com o apoio do Partido Socialista). As actividades destas organizações desenrolam-se no âmbito jurídico e na denúncia e condenação dos actos e dos actores da extrema-direita e na mobilização de amplas camadas sociais, através de campanhas antirracista, manifestações, meetings, concertos, campanhas mediáticas, preparação de alojamentos para os imigrantes vítimas de violência ou recém-chegados ao país de acolhimento, etc.

As lutas antifascistas constituem o outro pilar da reacção ao avanço da extrema-direita. É executada por organizações que reivindicam a luta contra o racismo, como as anteriores, mas complementam-na com actividades especificamente antifascistas como a interrupção de comícios e meetings da extrema-direita; a recuperação da memória dos anos 30 e 40 do séculos passado, relembrando o que foi o fascismo e as lutas antifascistas (as deportações, os campos de concentração, as prisões, os fuzilamentos em massa, a resistência), actividades conjuntas com os partidos de esquerda, sindicatos e com as associações de antigos prisioneiros, antigos deportados, antigos combatentes, etc., forte ligação às comunidades imigrantes e às suas associações culturais e recreativas participando nas suas actividades e divulgando-as; e a denúncia dos programas das organizações de extrema-direita, não apenas na vertente do racismo e da xenofobia, mas também nas políticas socias, nas temáticas da Mulher, da Juventude, do Desemprego, através da distribuição de folhetos nos bairros, mercados, á porta das empresas, etc.

V - Em Março deste ano, nuns encontros realizados em Atenas, Alain Bihr apresentou algumas conclusões dos estudos realizados em França sobre a base social de apoio (logo, eleitoral) da extrema-direita (ver Bihr, Alain). Estes dados não são apenas um fenómeno francês, mas de toda a Europa, (assim como em Israel, Austrália e Nova-Zelândia).

Neste estudo pode ser constatado que a base social da extrema-direita é constituída fundamentalmente por A) sectores da pequena-burguesia, com toda a sua pluralidade de camadas e sectores socioeconómicos, proprietários de meios de produção que valorizam através do seu trabalho, utilizando a família e/ou uma mão-de-obra assalariada pouco numerosa. É um vasto universo composto por pequenos-agricultores, artesãos e pequenos comerciantes, profissionais-liberais (médicos, advogados, arquitectos, etc.), para além dos sectores do pequeno capital, a camada inferior da burguesia industrial e comercial, que apenas se distingue pela quantidade de assalariados permanentes e pelo volume de capital investido. B) Sectores do proletariado, ou seja, todas as camadas desprovidas de qualquer meio de produção, forçada a vender força de trabalho para se sustentar. É um amplo universo, composto por trabalhadores agrícolas, mineiros, trabalhadores das indústrias, do sector de transportes, empregados do comércio, do sector de serviços (públicos e privados como os empregados da administração pública central e local, empregados de escritório, banca e seguros, turismo, etc.) e os desempregados.

As camadas proletárias mais atraídas pelo discurso fascista são: os grupos constituídos pelos que não dispõem de estrutura sindical, como os jovens proletários em busca do primeiro emprego; pelos que dispuseram de estrutura sindical, caso dos trabalhadores de sectores e empresas que se encontram em profunda crise e num processo de regressão social, trabalhadores que se encontram (na maioria por motivos de idade) sem alternativa de reconversão profissional, ou de migrarem para outras regiões.

VI - Conhecidas que são as bases de apoio do fascismo no século XXI, podem ser concebidas as estratégias a utilizar no combate. Limitar a luta á defesa dos valores humanistas ou á memória da luta antifascista no passado, é manifestamente insuficiente, além de ser um discurso (importante, é certo) muito pouco atractivo para penetrar nas massas iludidas pela demagogia fascista. Tentar convencer um desempregado sobre a superioridade moral do anti-racismo é algo pouco lhe interessa. Para ele o problema fundamental resume-se a esta questão: Será que o anti-racismo lhe criará o emprego que ele tanto necessita? A desgraça é surda e as lições de moral são contraproducentes, pois nada disso leva a comida aos que necessitam.

Existem factores muito mais práticos e que constituem o quotidiano da vida. Por exemplo os trabalhadores nacionais e os trabalhadores imigrantes partilham o mesmo local de trabalho e entre eles geram-se empatias (a curiosidade de descobrir o outro, a mesma sensação de impotência perante o mundo que os rodeia, dificuldades similares, posições comuns face á questão salarial, etc.). Estas empatias subsistem com o xenofobismo, o que é uma contradição, mas que está patente na forma como os grupos falam entre si dos outros (por exemplo os trabalhadores locais, nas reuniões com os colegas na hora da cerveja, ou com a família, falam muitas vezes dos seus colegas “pretos”, assim como os trabalhadores imigrantes falam, nas suas conversas no núcleo familiar e de amigos, sobre o branco que trabalha ao seu lado, etc.).

A acção e o discurso devem de incidir sobre estes factores geradores de empatia (as condições comuns de trabalho, os níveis salariais, etc.) e orientar a luta para os factores comuns, como as politicas patronais, as politicas salariais, as politica governamentais de austeridade, as restrições aos direitos sociais, etc. As tensões racistas, tão bem exploradas pelos fascistas, nascem da degradação das condições de existência e essas tanto afectam os imigrantes como os locais. Se ambos tomarem consciência dos seus interesses comuns, as tensões naturais criadas pelas diferenças culturais, deixam de predominar, sendo secundarizadas pelo factor do interesse comum.

Outro factor importante tem a ver com o facto de muitas vezes as comunidades imigrantes estabelecerem um gueto, o que impede, por um lado, a integração no modo de vida da sociedade que as acolhe e por outro lado, impede que as comunidades nacionais possam melhor compreender os elementos culturais das comunidades imigrantes. É de extrema importância que as associações culturais, recreativas, desportivas e outros núcleos associativos das comunidades imigrantes estejam presentes nos locais de residência dessas comunidades e que participem de forma activa na divulgação dos seus objectivos e no prosseguimento das suas actividades, de forma a gerar um convívio salutar entre os imigrantes e os nacionais.

Este trabalho associativo comporta ainda uma outra questão: o direito de associação, de organização, o que implica mecanismos básicos e elementares de procedimento democrático (assembleias, reuniões, eleições para os corpos dirigentes, etc.) contrários ao autoritarismo da extrema-direita. A forma participativa destes actos, a autonomia adquirida através destas e outras formas organizativas, leva a que os guetos e barreiras culturais e sociais sejam derrubados, ao mesmo tempo que demonstram a capacidade organizativa e de inserção das comunidades imigrantes, criando sólidos laços com as comunidades nacionais e as suas organizações.

Alem dos aspectos raciais e de inter-relacionamento comunitário é necessário recuperar as memórias das lutas antifascistas, mas fazê-lo de forma que seja entendida pelas amplas camadas populares e pelos diversos grupos etários. Recordar as atrocidades cometidas no passado pelos movimentos fascistas e de extrema-direita e ao mesmo tempo recordar o seu significado, o que representa a supressão de direitos e de liberdades, o que representa o desemprego, o trabalho precário e todas as formas de violência contra as camadas mais desprotegidas da população, que na actualidade são praticadas na forma neoliberal do capitalismo.

VII - Outra vertente é o ataque sistemático às organizações fascistas. Deve ser realizado um intenso trabalho informativo sobre as bases programáticas e os princípios das políticas sociais e económicas das organizações de extrema-direita, de forma a desmascarar o seu carácter demagógico, irrealista, neoliberal (as premissas económicas fascistas em relação ao mercado são neoliberais) e oligárquica. Por outro lado devem ser efectuados boicotes activos às reuniões, meetings, concentrações e comícios da extrema-direita, para que a sua mensagem seja desmascarada.

Perante as condições a que a fase neoliberal do capitalismo lança as populações, o discurso fascista torna-se apelativo, porque imediato. A questão racial, o nacionalismo, os valores tradicionais das sociedades, a família, a religião, são questões que afloram á pele nos períodos conturbadas de crise e estes elementos constituem a base do discurso fascista.

A actualidade do capitalismo caracteriza-se pelas alterações das suas respectivas elites de mercado e por alterações profundas do centro financeiro, o que implica o traçado de novos mapas e de redefinições nas periferias. O fascismo do século XXI, tal como o do século XX, representa os guardiões mais leais da ordem capitalista. Se as novas elites de mercado não se conseguirem impor e dominar o aparelho de Estado, as velhas elites, transformam-se em oligarquias e já não necessitam da democracia para reporem o seu domínio, recorrendo ao fascismo para manter a sua ordem, assumida como natural. Por sua vez as novas elites para se imporem perante as crises criadas pela sua ascensão, pelas resistências proletárias e concomitantes transformações do aparelho económico, podem necessitar de um período ditatorial, assumindo o fascismo esse papel, por detrás da manutenção da ordem e da propriedade.

Urge agir, antes que as alcateias se reúnam…

(Turim / Luanda, Março de 2013)

Fontes
Bihr, Alain La lucha contra el Frente Nacional: elementos de balance y propuestas para su renovación; http://www.vientosur.info/spip.php?article7782; http://alencontre.org/europe/france...
Bobbio, Norberto Teoria Generale della Politca; Giulio Einaudi Editore, 1999
Júnior, Martinho - Ainda o Vale do Cuango I, II, III, IV, http://paginaglobal.blogspot.pt/search/label/MARTINHO%20J%C3%9ANIOR

Portugal: O DEBATE QUE NÃO SE FEZ NO PARLAMENTO




Daniel Oliveira – Expresso, opinião

Sobre o debate de ontem, na apresentação da moção de censura do Partido Socialista, de tão miserável que foi na discussão política das grandes opções que o País tem pela frente, pouco ou nada tenho para dizer. Em filinha, os deputados do PSD resolveram apresentar um avulso de medidas que consideram positivas, tentando que o País se convença que o que a situação dramática que está a viver é uma mera ilusão. Os desafios na nossa relação com a Europa e com a moeda única e o rumo para combater a crise e o desastre social a que assistimos, ou seja, os grandes debates políticos para o País, foram uma nota de rodapé no meio da mercearia de pequenas discussões parcelares e troca de galhardetes. Na maioria, o CDS acabou por ser o único que mostrou ainda ter alguma relação com a realidade.

Sobre a intervenção de Passos Coelho, nada de especial pode ser dito. O delírio é tal, na avaliação da situação nacional, que não parece que estejamos a ouvir alguém que esteja na posse de todas as suas capacidades cognitivas. O primeiro-ministro vive num País imaginado por si próprio, que não está a cair num abismo social e económico sem precedentes na nossa democracia e a agravar todos os indicadores económicos e financeiros relevantes. Passos Coelho é o único português que ainda acredita que as metas do memorando são possíveis de cumprir. Quando alguém não vê a realidade dificilmente pode ter um rumo para a mudar. Interessa-me, por isso, dar mais atenção ao que disse António José Seguro, possível futuro primeiro-ministro.

"Alguns dizem que o PS não faria diferente", reconheceu Seguro. Contrariou: se o PS fosse governo parava com a austeridade. E explicou de onde viriam os recursos para a travar: do crescimento económico. Mas acaba por concluir que, sem uma renegociação das condições de reajustamento (do memorando, portanto) e da dívida é irrealista cumprir as metas definidas e ter folga para incentivar o crescimento.

Essa renegociação passa, como se pode ler na carta que enviou aos parceiros da troika, pelas "condições de ajustamento com metas e prazos reais; do alargamento dos prazos de pagamento de parte da dívida pública; do diferimento do pagamento de juros dos empréstimos obtidos; dos juros a pagar pelos empréstimos obtidos e do reembolso dos lucros obtidos pelo Banco Central Europeu pelas operações de compra da dívida soberana". Medidas acertadas que representam uma importantíssima clarificação e evolução das posições do PS. Mas que, como insiste nesta missiva, não põem em causa o fundamental dos objetivos e estratégias definidos com a troika. E que são a receita para a austeridade que supostamente se quer abandonar.

Percebe-se bem porque não o faz. Francisco Assis, numa das melhores intervenções da bancada socialista (a par com a do deputado João Galamba, noutro sentido), acabou por chegar ao ponto central: a nossa posição na Europa é minoritária e é extremamente difícil conseguir ganhar os parceiros europeus para a indispensável alteração na forma como lida com os países periféricos, a crise e a moeda única. Resta-nos, portanto, iniciar uma luta que dificilmente será vencida. Melhor isto do que a submissão do bom aluno, é verdade. Mas o PS, seja o de Seguro, seja o de Assis, não nos responde ao mais importante: e se essa luta for perdida? Que é o mais provável.

A linha de Assis e Seguro passa por negociar algumas coisas no memorando e nas condições de pagamento da dívida, que nos aliviariam um pouco, ganhando tempo para cumprir a mesma política no mesmo quadro europeu e numa moeda com as mesmas distorções estruturais. Ou seja, aplicar a austeridade de forma mais lenta e faseada para conseguir a mesma desvalorização de salários e preços que substitua a impossível desvalorização cambial.

Os resultados, numa moeda que, mantendo-se como está, agrava os problemas estruturais que os países periféricos já tinham quando a adoptaram, serão os mesmos. Apenas virão mais tarde e de forma um pouco mais ordenada. Teremos de reduzir drasticamente as funções sociais do Estado e aceitar que a nossa estrutura produtiva estará condenada a basear-se em salários baixos, com, na melhor hipótese, um crescimento medíocre durante décadas e a redução profunda da qualidade de vida dos portugueses. Resta a esperança de que, no meio deste processo, aconteça um milagre na Europa.

É este o impasse dos socialistas, que os fragiliza quando apresentam uma alternativa: pondo o cenário de qualquer ruptura com a loucura que domina a Europa de lado, aceitam as condições que são, na prática, o que torna o essencial da política de Vítor Gaspar, em versão grotesca ou suave, numa inevitabilidade.

Claro que há sempre a ténue possibilidade da Europa mudar de rumo a tempo de nos salvarmos. Mas com isso ninguém sério pode contar. Porque não depende de nós. No que de nós depende, a honestidade obriga a não enganar as pessoas. Não há, ao contrário do que alguma esquerda defende, negociações unilaterais. Não há rupturas com a troika sem a forte possibilidade de sermos obrigados a sair do euro. Também não há um regresso ao crescimento dentro do quadro da austeridade. E não há uma ruptura com a via da austeridade no quadro de uma moeda única sem mutualização da dívida.

Fazer cair este governo só poderia ser positivo. Porque pelo menos nos livrávamos da sua infinita estupidez e incompetência. Mas os principais debates estão por fazer. Para iniciar um novo ciclo económico e social não basta iniciar um novo ciclo político. Não basta fazer cair Passos Coelho. É preciso que todos sejam claros nas escolhas que querem fazer. Só assim as pessoas acreditarão que há, realmente, alternativas. E que a crise política provocada pela queda de um governo é o começo de qualquer coisa.

A questão central que aqui levanto - a saída do euro - deverá, se não for a tempo de tratar da deliberação do Tribunal Constitucional, ser tratada na minha coluna do Expresso de sábado.

Portugal: SEGURO ESCREVE À TROIKA DE DOIS EM DOIS MESES




Carlos Abreu - Expresso

Na era das redes sociais e do "email", o líder do PS adotou a carta como meio de comunicação. A última que escreveu, para explicar à "troika" a moção de censura, fê-lo dia 25, mas só hoje a meteu no correio.

Desde de que foi eleito, em julho de 2011, o secretário-geral do Partido Socialista já enviou seis cartas à troika, a primeira das quais a 20 de fevereiro do ano passado, em que pediu baixa de impostos, e a última, escrita no dia 25 e só hoje enviada, para explicar as razões da moção de censura ao Governo.

A primeira missiva, tal como noticiou o Expresso, tinha nove páginas, todas rubricadas pelo secretário-geral do PS, e estava redigida em português e inglês. Foi entregue em mão pelo próprio Seguro à delegação da troika, em Lisboa.

No documento, o líder do PS "reitera a sua adesão à necessidade da disciplina, rigor orçamental e consolidação das contas públicas do nosso país", assegura que vai "continuar a adotar" este "posicionamento responsável", mas sublinha: "Tal não significa, para o PS, adesão às medidas que o atual Governo está a executar, nem identificação com a receita política e ideológica que está a ser aplicada." Os socialistas aproveitam o documento para insistir "na necessidade de Portugal obter mais um ano, no mínimo, para efetuar a consolidação das suas contas públicas".

Cerca de três meses depois, em maio de 2012, por ocasião da quarta revisão do programa de assistência financeira, segue nova carta, desta feita para os líderes da Comissão Europeia, Durão Barroso, Banco Central Europeu, Mário Draghi e Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde.

Em 50 páginas, Seguro propõe um "Plano Nacional de Emprego e Solidariedade, a ser suportado por fundos comunitários", "menos pressão sobre a banca" e a "redução de taxas para as empresas exportadoras ou que apostem em investigação e desenvolvimento", noticiou o "Sol. Dois meses depois ainda continuava sem resposta.

Dose dupla em setembro

Em setembro do ano passado, concluída a quinta avaliação, António José Seguro, voltou à carga e por duas vezes escreveu à troika.

Na primeira carta, entregue aos membros da missão conjunta do FMI, CE e BCE, no dia 5, escreveu: "É urgente uma mudança de políticas", incluindo o ano extra que foi concedido, "de modo a não arruinar a economia nacional e não provocar um caos social".

Na segunda, enviada a 21 de setembro, agora a Barroso, Draghi e Lagarde avalia a aplicação das medidas e alerta, segundo o "Público", para os riscos inerentes ao falhanço das metas definidas. "A situação de Portugal está longe das previsões do memorando da troika e a política prosseguida pelo Governo não está a produzir os resultados esperados", escreveu Seguro.

Os líderes da troika tiveram de esperar cinco meses para voltar a encontrar na caixa do correio mais uma carta do líder dos socialistas portugueses.

Na missiva enviada novamente a Barroso, Draghi e Lagarde, e divulgada na íntegra pelos media portugueses, Seguro começa assim: "Não é a primeira vez que lhe dirijo formalmente uma carta sobre as consequências para os portugueses do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro de Portugal".

E prossegue: "Anteriormente fi-lo para dar conta da posição do Partido Socialista nas reuniões com os representantes da troika, reafirmando o nosso compromisso com os objetivos de consolidação orçamental mas alertando para a necessidade do Programa ser credível e ter em linha de conta com os impactos económicos e sociais da austeridade. Recordo que na carta remetida em setembro de 2012 chamava a atenção para o fracasso da tese da austeridade expansionista e referia uma situação de pré rutura social que aconselhava fortemente a uma reavaliação do modo de ajustamento."

Desta feita, os líderes da troika responderam e um assessor do primeiro-ministro para as questões económicas, Rudolfo Rebêlo, até simulou no Facebook a resposta de Christine Lagarde: "Meu caro Tozé Seguro, Agradeço sua missiva rececionada, aqui, em Washington, dando conta da sua predisposição em renegociar a reestruturação da dívida portuguesa, uma baixa na taxa dos juros e mesmo uma moratória de juros."

Na segunda-feira, dia 25 de março, Seguro disse à Lusa que tinha voltado a escrever à troika, dando a entender que a carta já tinha seguido para Bruxelas (CE), Frankfurt (BCE) e Washington (FMI). Afinal, só hoje é que a última missiva do secretário-geral do Partido Socialista terá seguido para o correio.

Portugal: CENSURA CHUMBADA. GOVERNO DRAMATIZA RUPTURA COM O PS




Liliana Valente com Rita Tavares – Jornal i

PS assume que quer novo governo. CDS deixa PSD a defender sozinho o governo

A moção de censura do PS foi ontem rejeitada pela maioria PSD/CDS, que dramatizou a ruptura com os socialistas falando em “instabilidade política” e num segundo resgate caso o governo caísse. Mas na defesa do executivo, os tons e o empenho foram a dois níveis: o PSD assumiu quase sozinho o ataque ao PS, consumando a ruptura, com o CDS em silêncio nas perguntas a António José Seguro. Paulo Portas assumiu as diferenças de tom ao ser o único a falar na necessidade de “diálogo” e de “consenso”.

À partida para o debate da moção de censura já era certo o seu destino, iria ser chumbada pela maioria, mas mesmo assim, Passos Coelho e o PSD optaram por uma estratégia de questionar o PS sobre as consequências para o país de um cenário de “instabilidade política” caso a moção de censura fosse aprovada. Instabilidade interna e consequências para a credibilidade externa e confiança dos credores e dos mercados numa altura crucial para o país, foi esta a narrativa seguida pelo primeiro-ministro que seria seguida pelos deputados do PSD e no final por Paulo Portas. “Por que razão decide o PS criar, então, um clima de instabilidade política e de divergência face ao exterior que é prejudicial ao bom resultado que precisamos de obter para Portugal?,” questionou Passos.

António José Seguro tinha sido claro nas palavras na intervenção de abertura: o objectivo do PS era o de derrubar o governo por via de eleições para poder despontar “a primavera política”, porque “permitir que este governo permaneça em funções por mais dois anos seria um pesadelo brutal”. Ou seja, sintetizou, “livrar os portugueses deste governo tornou-se num imperativo nacional”. Ontem, com todas as letras, o líder socialista assumiu a intenção: “O PS assume com clareza a responsabilidade política de querer liderar o novo governo de Portugal”.

Mas o governo adia-lhe o plano e recusa sair quando ainda não fez dois anos. Esse “timing” dos socialistas foi aliás um dos pontos mais criticados quer por Passos Coelho quer por Paulo Portas que ficou responsável pela defesa do governo no final do debate. O ministro dos Negócios Estrangeiros apontou cinco “fragilidades” à moção de censura dos socialistas em tom de pergunta e de “lamento” - entre elas o momento, tendo em conta que o executivo está a negociar o alargamento das maturidades - e pediu ao PS para não levar longe demais o tom de “crispação” e a “ruptura política”: “Vale a pena não levar longe de mais esta ideia da ruptura definitiva quando Portugal ainda está sob protectorado. Precisamos mais de consenso do que divisão, precisamos mais de soluções do que de moções”, disse.

Além do momento que, segundo Portas só pode ter sido escolhido “por lapso e ingenuidade”, o líder do CDS apontou como segunda fragilidade as consequências: “Está consciente que a queda do governo levaria a um segundo resgate?”, questionou. Como terceira fragilidade, Paulo Portas lembrou que o PS enviou uma carta à troika, mas que internamente não tem alternativas (ver pág 4-5) e que, como o país ainda está sob assitência, as instâncias internacionais podiam pedir ao PS, como antes pediram ao PSD e ao CDS, uma “carta de conforto” e que por isso se coloca a pergunta: “Para que serviriam as eleições?”. O líder do CDS não terminou sem antes dizer que o PS está equivocado na leitura europeia que faz, dizendo que “é muito simplista pensar que basta derrubar o governo, propor o líder do PS como primeiro-ministro e como que por magia a Europa dá a Portugal mais do que já conseguimos”. E por fim, o ministro recuperou a ideia que tinha deixado num debate no início de Março de que é necessário o “diálogo”, mais que não seja durante o “protectorado”.

O ministro foi, aliás, o único a falar nessa necessidade até porque para o restante governo e para o PSD a ruptura com os socialistas foi ontem consumada. Não o escondeu Passos Coelho que, no discurso de abertura, qualificou de “espantosa”, “perversa” e “injustificada” a moção de censura, que, disse, mostra a preferência dos socialistas “pelo calendário partidário”, tal como não o escondeu Luís Montenegro. O líder parlamentar do PSD fez um discurso mais agressivo ao dizer que “o PS baixou de divisão. Auto-despromoveu-se” colando-o ao BE e PCP. A intervenção de Montenegro mostrou ainda a estratégia de colar a actual direcção do PS ao governo de José Sócrates, numa altura em que o ex-primeiro-ministro vai iniciar os seus comentários. “Censuro, logo contenho o complexo do passado que voltou”, ironizou. Uma crítica que teve resposta do ex-líder parlamentar do PS Francisco Assis que defendeu o passado dizendo que “orgulha” os socialistas.

COLIGAÇÃO 

Às acusações de instabilidade política provocada pela moção, Seguro respondeu com a situação da coligação: “Olhe para o seu lado esquerdo - para o dr. Paulo Portas - e de certeza que encontra instabilidade política. Desde Setembro que vive instabilidade entre os dois partidos.” Passos Coelho recusou a instabilidade dizendo que a maioria “está mais unida que o PS, que é um só partido”. Certo é que até à intervenção de Portas, o CDS deixou o PSD sozinho no ataque ao PS e apenas intervieram dois deputados, Nuno Magalhães e João Almeida, que questionaram membros do governo. O silêncio do CDS não passou despercebido aos socialistas com Carlos Zorrinho, líder parlamentar do PS, a dizer que o CDS “é uma espécie de partido bailarino, ora dentro ora fora”.

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Portugal: A PENOSA CORRIDA DA MARATONA




Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião - foto António Pedro Santos

A censura foi rejeitada, mas os problemas ficam e agravam-se

Além dos enganos económico-financeiros, Vítor Gaspar teve outro do qual poucos se lembram. Foi quando disse, há cerca de um ano, que íamos no quilómetro 27 da maratona, tendo percorrido cerca de 2/3 do caminho, altura em que não se desiste. A desistência, dizia, dá-se entre os 30 km e os 35 km, numa comparação com os ajustamentos económicos, como se isso fosse óbvio.

A imagem foi feliz, mas era um erro crasso. A distância corrida estava mal contada. Quando Gaspar falou ainda nem tinha saído de cima de uma das pontes sobre o Tejo, quanto mais feito 2/3 do percurso. Os erros seguintes, que todos estamos a pagar, foram consequência do primeiro.

Nem mesmo a rejeição da moção de censura do PS verificada ontem na Assembleia atenua a percepção negativa que o país tem de um executivo que está a cair aos pedaços apesar dos esforços para disfarçar. O tempo das figuras de estilo está ultrapassado pelos limites dos sacrifícios e pela sua inutilidade.

A remodelação parece, pois, o único paliativo para dar um segundo alento à coligação. Já se sabe que pouco ou nada resolve, mas dadas as circunstâncias é o que se pode arranjar para limitar estragos. Todos os outros cenários são pouco prováveis ou impraticáveis porque não há condições.

Um governo saído da mesma maioria ou só do PSD e resultante do abandono de Passos não é provável, porque a desistência não está aparentemente no ADN do primeiro-ministro. Se houvesse essa hipótese, a única figura relativamente consensual seria Silva Peneda, como aqui se escreveu há alguns meses e agora tem sido retomado por terceiros, invocando Monti e a Itália.

Convocar eleições legislativas seria talvez o pior e o mais perigoso dos cenários. Não porque não sejam a forma mais legítima de resolver os assuntos, mas simplesmente porque temos autárquicas, europeias e metas imediatas que não permitem convocá-las, dados os prazos que isso implica. Ao contrário de outros países democráticos, e sobretudo dotados de uma classe político-jurídica competente, onde umas legislativas se convocam e fazem num mês, entre nós é bem diferente. Até na Grécia o assunto é tratado em poucas semanas. Vergonhosamente, em Portugal chamar o povo às urnas interrompe tudo e mais alguma coisa durante seis meses, pelo menos. Isto além de as sondagens indicarem que o PS não tem condições para apresentar uma alternativa maioritária.

Em vez da retórica habitual e inútil, talvez uma reforma consistente do sistema eleitoral fosse um contributo que os políticos pudessem dar para evitar os constantes impasses e estrangulamentos.

Isso sim, seria um passo essencial para a melhoria da qualidade da nossa democracia, que anda pelas ruas da amargura.

Passada a moção de censura aguardemos os dois episódios seguintes: a decisão do indolente Tribunal Constitucional e a reacção do governo e do Presidente, que desta vez vai mesmo ter de deixar os bastidores e vir a terreiro falar ao povo.

Timor-Leste: Primeiro-Ministro Xanana Gusmão prepara eleições municipais 2017




04 de Abril de 2013, 12:07

Primeiro-ministro Xanana Gusmão reúne na próxima segunda-feira a equipa que irá monitorizar o processo de descentralização. 

O grupo de trabalho envolve o Ministério da Administração Estatal e irá ser recebido numa primeira audiência com o Primeiro Ministro. 

Esta reunião conta também com a presença de representantes das comunidades dos distritos e tem como objectivo preparar as eleições municipais de 2017. 

O Primeiro-ministro chamou para esta audiência o Ministro da Administração Estatal, Jorge Teme e o Secretário Estado da Descentralização e Administração, Tomás Cabral para explicarem como é que vão coordenar o trabalho com todas as comunidades de todos os distritos. 

“A primeira fase deste processo realiza-se de 8 a 22 de Abril nos distritos de Oecusse, Bobonaro, Suai, Ainaro e Manatuto”, informou o Ministro da Administração Estatal, Jorge Teme , ontem no Palácio de Governo. 

O mesmo informou ainda que nesta primeira audiência vão explicar e apresentar ao público como vai funcionar a descentralização para que o povo tome conhecimento e entenda todo o processo. 

SAPO TL com Suara Timor Lorosa’e 


Angola não vive em ditadura, mas tem efeitos semelhantes -- ex-PM Marcolino Moco




EL – APN - Lusa

Luanda, 02 abr (Lusa) - Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro e secretário-geral do MPLA, partido no poder em Angola, considerou hoje em Luanda que o regime do Presidente José Eduardo dos Santos "não é uma ditadura, mas tem efeitos praticamente semelhantes".

"Há um grande desfasamento entre a proclamação de um Estado democrático e aquilo que se vive hoje, que provavelmente não é uma ditadura, daquelas que se viveu, por exemplo, no Zaire de Mobutu, ou no Uganda de Idi Amin, mas muitos efeitos são praticamente semelhantes", disse.

"Embora ainda ligado ao MPLA, sei despir-me deste casaco. Angola vive uma hora grave", acentuou.

Moco, que interveio no primeiro dia de trabalhos do congresso extraordinário da terceira maior força política angolana, a coligação CASA-CE, liderada por Abel Chivukuvuku, antigo dirigente da UNITA, foi convidado pela organização a apresentar uma comunicação sobre "O Estado, a Democracia e a Cidadania em Angola".

Sobre o exercício da cidadania em Angola, Marcolino Moco referiu-se à frustrada manifestação do passado sábado, impedida de se realizar pela polícia, que alegou falta de autorização legal.

A manifestação de sábado, que resultou na detenção durante algumas horas de 18 pessoas, visava exigir às autoridades informações sobre o paradeiro de dois jovens desaparecidos há cerca de um ano em Luanda, quando tentavam organizar uma manifestação antigovernamental.

"Impedir as pessoas de se pronunciar sobre o seu próprio país, impedir as pessoas de realizarem atos previstos na própria Constituição, no desenvolvimento de uma situação grave, de dois jovens desaparecidos, mas quando alguém fala nisso, vai para a cadeia também ou apanha porrada" foram situações que criticou.

Marcolino Moco classificou, por outro lado, como "imoral" e "escandaloso" que as riquezas de Angola não sejam distribuídas com equidade.

"Temos a situação gravíssima, que é a da espoliação das riquezas do país por parte de uma família. É difícil falar-se nisso, porque há um certo medo, mas é uma situação escandalosa, que eu na minha idade não posso esconder", afirmou.

O ex-secretário geral do MPLA, que foi também o primeiro secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) denunciou ainda como "antiético" e "inaceitável" que José Eduardo dos Santos tenha feito da sua filha Isabel, "a mais rica de África".

"Esse país vive debaixo de um golpe - se calhar não vou chamar de estado, porque senão dizem que estou a exagerar. Há aqui um golpe qualquer, em que as grandes questões não são debatidas", lamentou.

Outro convidado pela CASA-CE para intervir na abertura dos trabalhos, foi o independente Carlos Rosado de Carvalho, economista e jornalista, que apresentou o que considera serem as diferentes características da economia angolana, antes da independência, em 1975, até à atualidade.

Carlos Rosado também comentou a recente designação de Isabel do Santos, filha mais velha do Presidente angolano, como a mulher mais rica de África na lista elaborada pela Forbes com as maiores fortunas.

"Não é significativo, nem representa efetivamente a nova Angola. De facto, não tem nada a ver com Angola, ou pelo menos não tem nada a ver com 99,9 por cento dos cidadãos angolanos, que vivem uma vida muito difícil", comentou.

"Tenho dificuldade em falar de coisas que não sei. Não é comum no mundo, se é que acumulou essa riqueza toda, não é comum uma pessoa acumular tanta riqueza num espaço de tempo tão curto", vincou.

ANGOLA TEM UMA “DEMOCRACIA DE FACHADA”- Abel Chivukuvuku (oposição)




EL – APN - Lusa

Luanda, 02 abr (Lusa) - Angola tem uma "democracia de fachada", com um "autoritarismo caracterizado pelo poder pessoal de um só cidadão", acusou em Luanda Abel Chivukuvuku, líder da terceira maior força política angolana.

Chivukuvuku, que intervinha na abertura do primeiro congresso extraordinário da Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação eleitoral (CASA-CE), disse que a reunião visa lançar as bases que farão daquela força "o fator definidor da agenda política nacional".

"A história recente de Angola demonstra que o país está envolvido em três processos de transição desde 1991, um dos quais culminou razoavelmente e os outros dois estagnaram e foram desvirtuados", defendeu.

Segundo Abel Chivukuvuku, antigo dirigente da UNITA, maior partido da oposição, o primeiro processo, iniciado com os acordos de paz de Bicesse, em 1991, vigorou até abril de 2002, "graças ao contributo de todos os angolanos", defendeu.

"O segundo processo de transição visava a transformação do Estado totalitário de partido único que imperou desde a independência de Angola, até 1991, para um Estado democrático e de direito", acrescentou.

"Infelizmente este processo estagnou e foi conscientemente adulterado. Hoje impera em Angola uma democracia de fachada, quando em verdade se trata de um autoritarismo caracterizado pelo poder pessoal de um só cidadão", vincou.

O último processo de transição, iniciado igualmente em 1991, visava, segundo o líder da CASA-CE, a transformação da economia de planificação central e da propriedade exclusiva do Estado numa economia de mercado e de livre iniciativa.

Abel Chivukuvuku sustentou que este processo foi adulterado e hoje o país tem um "capitalismo anárquico dominado pela oligarquia nepótica e insaciável predadora dos recursos de todos os angolanos".

"O modelo económico, conscientemente implantado pelo detentor do poder pessoal, produziu uma estrutura social de alto risco para a estabilidade que o país precisa", defendeu.

A recente divulgação pela revista Forbes de que Isabel dos Santos, filha mais velha do Presidente angolano, é considerada a mulher mais rica de África, mereceu um comentário do líder da CASA-CE.

"Orgulhamo-nos de termos nossos concidadãos ricos e de entre eles a mulher mais rica de África e apenas uma década. No entanto, entristece-nos a forma como a maioria da população é relegada para a extrema pobreza, quando todos deveriam ter à partida direitos iguais e não só para os que tiveram acesso à riqueza por via paternal ou do exercício de cargos públicos", disse.

Na sua intervenção, Abel Chivukuvuku abriu as portas aos congressistas para se pronunciarem sobre a eleição do líder da coligação durante o congresso, que termina quinta-feira e frisou ser necessário "lançar o processo de transformação institucional" para que a coligação se transforme num partido político.

Os 1100 delegados eleitos, um dos quais proveniente de Portugal, vão debater ainda alterações estatutárias.

A CASA-CE completa quarta-feira um ano e foi a terceira força política mais votada nas eleições gerais de agosto de 2012, em que elegeu oito deputados.

Sob o lema: "Transformar, Crescer e Vencer para Realizar Angola", o congresso extraordinário da CASA-CE, conta com delegados provenientes das 18 províncias de Angola e da diáspora: Portugal, Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Espanha, França e República Democrática do Congo.

Angola: Rafael Marques constituído arguido em continuação do caso "Diamantes de Sangue"




EL – VM - Lusa

Luanda, 03 abr (Lusa) - O ativista e jornalista angolano Rafael Marques foi hoje constituído arguido em Luanda, num processo de difamação movido pelos gestores de uma sociedade mineira, na sequência da publicação do livro "Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola".

Em declarações à Lusa, Rafael Marques disse ter sido ouvido hoje na Direção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), onde foi informado que os três gestores da ITM Mining, um britânico, um moçambicano e um angolano, se sentiram difamados na sua honra.

"O que é estranho neste processo é que são apenas três queixosos. São os únicos que se sentem difamados. Os generais angolanos, que me foram processar em Portugal pelas mesmas razões, não se sentem ofendidos na sua honra em Angola", comentou.

"O que é muito estranho. Reclamando eles (generais) grande patriotismo e prestação de serviços relevantes à pátria, não têm honra a defender em Angola. Apenas em Portugal", acrescentou.

Em causa estão alegadas práticas de tortura e morte de trabalhadores da extração mineira na região diamantífera das Lundas, sobretudo nos municípios do Cuango e Xá-Muteba.

No livro, Rafael Marques acusou de "crimes contra a humanidade" os generais Hélder Vieira Dias, mais conhecido como "Kopelipa", ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente angolano; Carlos Vaal da Silva, inspetor-geral do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA); Armando Neto, governador de Benguela e ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA; Adriano Makevela, chefe da Direção Principal de Preparação de Tropas e Ensino das FAA; João de Matos, ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA; Luís Faceira, ex-chefe do Estado-Maior do Exército das FAA; António Faceira, ex-chefe da Divisão de Comandos; António dos Santos França "Ndalu", ex-Chefe do Estado Maior-General das FAA, e Paulo Lara.

O livro, publicado em Portugal em setembro de 2011, resultou de uma investigação iniciada em 2004.

Na sequência da publicação da obra, aqueles generais apresentaram em Portugal uma queixa-crime "por difamação e injúria", mas o Ministério Público português decidiu pelo arquivamento, tendo os nove oficiais superiores optado pela acusação particular, que corre os seus trâmites.

Rafael Marques manifestou-se ainda surpreendido com o facto de a PGR angolana e a DNIC não investigarem os casos reportados no livro.

"Nem a PGR, nem a DNIC, que ora toma o caso, cuidaram de investigar os casos reportados no livro, os casos de homicídio, os casos de tortura, muitos deles acontecidos dentro da concessão da Sociedade Mineira do Cuango", considerou.

"A DNIC não cuida deste assunto. A PGR não investiga este assunto. Ultrapassam aquilo que é essencial, o fundamental deste caso para então processar o autor sobre uma questão de honra. Honra de quem? As pessoas foram mortas. Agora provem que estão vivas. Provem que os torturados não foram torturados e então a partir daí, só a partir daí, se pode falar em difamação", salientou.

Rafael Marques disse ainda à Lusa que, na sequência da acusação particular apresentada pelos nove oficiais, apresentará no próximo dia 08 em Lisboa a contestação da acusação.

Ainda sobre o mesmo tema, Rafael Marques vai no próximo dia 24 a Bruxelas, a convite da Subcomissão de Direitos Humanos do Parlamento Europeu, apresentar o caso, que classificou como "tragédia", em que as comunidades das Lundas, considerou, "têm estado a viver devido ao poder arbitrário e abusos de direitos humanos cometidos, quer pelas autoridades locais, quer pela indústria diamantífera na Lundas".

Livre circulação no espaço lusófono na Cimeira da CPLP em Díli, diz secretário executivo




JSD – APN - Lusa

Cidade da Praia, 03 abr (Lusa) - A questão da livre circulação no espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é um tema que deverá ter "luz verde" na próxima cimeira da organização, em Díli, disse hoje o secretário executivo dos "oito".

Murade Murargy, que falava aos jornalistas no final da palestra que proferiu na Cidade da Praia e subordinada ao tema "Repensar a CPLP", indicou que a ideia foi levantada pelo presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, num encontro realizado antes da comunicação feita no Ministério das Relações Exteriores cabo-verdiano.

"É preciso sermos otimistas. Falei hoje com o Presidente de Cabo Verde e ele avançou a ideia para que, em Díli, já haja luz verde sobre a livre circulação. Não total, mas, pelo menos, faseada. É nisso que estamos a trabalhar", sublinhou Murargy.

O secretário executivo da CPLP lembrou que a descontinuidade geográfica e a inserção dos diferentes Estados membros em outras organizações regionais tem impedido maiores avanços, mas mostrou-se otimista em que, pelo menos nalgumas categorias profissionais, se possa avançar, faseadamente, nesse sentido.

Murargy está em Cabo Verde desde sexta-feira passada, mas só segunda-feira é que iniciou a visita oficial de três dias a Cabo Verde, que hoje terminou com a palestra.

Quinta e sexta-feira, já fora da esfera oficial, Murargy participa, ainda na Cidade da Praia, na Conferência Luso-Francófona de Saúde (COLUFRAS), que congrega um crescente número de instituições, associações e profissionais da saúde dos países francófonos e lusófonos, principalmente do Brasil e do Canadá.

CPLP tem de almejar novos patamares e assumir novos desafios, diz secretário executivo




JSD – APN - Lusa

Cidade da Praia, 03 abr (Lusa) - O secretário executivo da CPLP afirmou hoje que os oito Estados membros da comunidade lusófona devem pensar no futuro da organização, defendendo que já tem maturidade suficiente para, após 17 anos, almejar novos patamares e assumir novos desafios.

Murade Murargy, numa palestra intitulada "Repensar a CPLP" (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) realizada no Ministério das Relações Exteriores de Cabo Verde, na Cidade da Praia, lembrou que o contexto da criação da organização, em 1996 e então sem Timor-Leste, é diferente do atual.

"Em 1996, vivia-se um contexto mundial de fim da «Guerra Fria», de bipolarização do Mundo (entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética - atual Rússia)", sustentou.

"Angola - continuou - estava em guerra, o Brasil saía de uma crise financeira, Cabo Verde consolidava a democracia, a Guiné-Bissau vivia momentos de prosperidade, Moçambique saía de uma guerra, Portugal continuava a negociar a entrada na União Europeia (UE), São Tomé e Príncipe estava estável e Timor-Leste não existia".

Para Murargy, 17 anos mais tarde, o mundo "mudou" e o contexto dos Estados membros da CPLP também.

"Angola tem uma paz consolidada e desenvolve-se economicamente, o Brasil é a 5.º ou 6.º potência mundial, Cabo Verde mantém-se estável, a Guiné-Bissau entrou num processo complexo e difícil, Moçambique cresce a bom ritmo com a descoberta de novas riquezas, Portugal vive numa crise que é conjuntural, São Tomé e Príncipe continua a tentar consolidar a democracia e Timor-Leste entrou em cena", comparou.

Após os ganhos já conseguidos, a CPLP tem de "almejar novos patamares e assumir novos desafios", defendeu Murargy que, depois, levantou as questões que estão subjacentes a um "debate, para já, inacabado" e que deve ter em conta a perspetiva do que será a organização dentro de 10, 15 ou 20 anos.

"Que futuro para a CPLP? Que desafios se colocam hoje? Que perspetivas têm os Estados membros para a CPLP dos próximos anos? Como deverá ser a CPLP e como deverá atuar de modo a poder responder às expectativas dos cidadãos?", questionou.

Para Murargy, a CPLP não pode confinar-se a uma comunidade linguística, pois a dinâmica das suas atividades demonstra que poderá tornar-se um espaço "muito mais envolvente", abrangendo vários domínios, entre eles o potencial de cooperação nas áreas da formação, educação, cultura, defesa e segurança e económico-empresarial.

"A língua não pode ser vista como um valor meramente cultural, pois tem um valor geopolítico e geoeconómico. Esta equação confere à língua portuguesa uma implantação ímpar", defendeu.

Murargy lembrou que a "proliferação de pedidos" de concessão de estatuto de observador ou de observador associado ou ainda de adesão de um novo membro, no caso a Guiné Equatorial, abre uma "nova etapa histórica" na CPLP.

"A CPLP é um espaço de descontinuidade geográfica dos Estados membros e, consequentemente, pela inserção dos «oito» em diferentes espaços regionais. Esta é uma pertença múltipla que traz um vasto conjunto de oportunidades. Será possível encontrar áreas de convergência entre as prioridades destas organizações e a CPLP que permitam gerar sinergias e ganhos de complementaridade?", concluiu.

Quase 8% dos cabo-verdianos com mais de 15 anos já experimentou drogas ao longo da vida




JSD – JMR - Lusa

Cidade da Praia, 03 abr (Lusa) - Cerca de 8% da população cabo-verdiana acima dos 15 anos já experimentou substâncias ilícitas pelo menos uma vez na vida, indica o Primeiro Inquérito sobre a Prevalência de Consumo de Substâncias Psicoativas em Cabo Verde, hoje divulgado.

O estudo foi elaborado pela Comissão de Coordenação do Combate à Droga (CCCD) de Cabo Verde em parceria com o Sistema das Nações Unidas, através do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e Crime (ONUDC).

Segundo o documento, 7,6% da população cabo-verdiana com mais de 15 anos já experimentou substâncias ilícitas, em que o haxixe ("padjinha", no crioulo de Cabo Verde) é a droga mais consumida (7,2%), seguida pela cocaína (0,9 por cento) e ecstasy (0,3%).

O consumo acontece cada vez mais nas camadas jovens e nos homens (14,7%), indicou a coordenadora nacional do Programa da ONUDC, Cristina Andrade, salientando que, entre o consumo de substâncias legais, o álcool figura no topo.

"O estudo abrangeu todos os (22) concelhos de todas as (nove) ilhas. Existe uma prevalência de consumo quer das drogas lícitas ou ilícitas no género masculino, com exceção dos medicamentos, como calmantes e sedativos, mas, no resto das outras drogas ilícitas, o consumo é feito maioritariamente pelos homens", explicou.

Segundo Cristina Andrade, no caso do haxixe, os jovens começam a consumi-lo cerca dos 15 anos, embora a média esteja situada em redor dos 18.

"No álcool, o consumo é feito mais cedo, aos nove anos, por vezes. De uma forma geral, a tendência mostra que a iniciação ou a experimentação é feita cada vez mais cedo, que há algumas crianças que têm contacto com as drogas, mais as lícitas porque mais aceites socialmente, mas também as ilícitas, como a canábis, e que há também um consumo que nos preocupa, sabendo nós os danos que causa à saúde dos indivíduos e mesmo socialmente, à família e à sociedade", sublinhou.

A coordenadora do Programa da ONUDC em Cabo Verde lembrou que os danos provocados pelas substâncias psicoativas, sejam lícitas ou ilícitas, causam no indivíduo alterações de comportamento, compreensão, consciência e humor.

Nas substâncias lícitas, o álcool tem uma prevalência de 63,5% entre os quase meio milhão de cabo-verdianos, enquanto o tabaco afeta 17,4% da população, com os medicamentos a representarem uma prevalência de 8,8%, o único caso em que a mulher está à frente do homem.

Os dados agora apresentados revelam números "preocupantes", embora Cristina Andrade indique que se trata de uma "base de referência e de monitorização das tendências futuras", que permitirá, ao mesmo tempo, definir políticas e estratégias de redução da procura de drogas no arquipélago.

"Exortamos o Governo a assegurar que as conclusões e os dados sejam devidamente considerados e incorporados de forma sistemática nas estratégias e programas de intervenção sobre droga e crime e que sejam tomadas medidas junto da população em geral e no seio dos grupos mais vulneráveis: crianças e jovens", concluiu.

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