quinta-feira, 11 de julho de 2013

Portugal – E PARA BARALHAR A CONFUSÃO: ANÍBAL CAVACO SILVA!



Daniel Oliveira – Expresso, opinião

O Presidente da República explicou que, por causa da 8ª avaliação, da troika e do risco de um segundo resgate, Portugal não poderia viver mais tempo em instabilidade política. Por isso mesmo, não marcaria eleições para Setembro. Era o que se esperava. E que faz então Cavaco Silva? Só podemos tentar adivinhar, porque metade do País está a tentar desencriptar a sua mensagem, que neste momento se esperaria que fosse transparente. Certo, certo, é que não marcou eleições. Mas avisou que qualquer solução não deverá durar mais do que um ano. Ou seja, será ainda mais fraca do que até agora. E que não aceita a nova proposta de governo, frágil e sem futuro, apesar de, coisa realmente extraordinária, nunca o ter dito. Sobra um governo de iniciativa presidencial? Parece que também não. Não sobra, para dizer a verdade, nada. Apenas uma vontade muito grande do Presidente que todos venham a estar de acordo com a sua própria opinião sobre a forma de sair desta crise.

Cavaco quer um governo estabilíssimo, que inclua PSD, CDS e PS. Quem sabe moderada por uma personalidade credível, perfil que, segundo a sua própria opinião, apesar do seu cargo, o exclui. Tão estável, tão estável, que ainda antes de poder nascer já caiu. Talvez porque seja difícil convencer alguém a saltar para dentro de um barco que se afunda. Talvez porque quando nem os dois parceiros naturais de coligação se entendem, seja improvável que o entendimento passe a resultar a três. Talvez porque, sabe-se lá porquê, depois das duas últimas semanas (que não mereceram grande referências do Presidente), só um louco acredite em qualquer compromisso com Paulo Portas e Pedro Passos Coelho. Talvez porque, como costuma acontecer nas democracias, nem todos concordem na melhor forma de sair desta crise (há quem chame a esta divergência, natural em democracias, de "tricas políticas").Talvez porque ninguém, nem o próprio Cavaco, acredite nesta ideia peregrina.

Não acredito (mas a realidade tem conseguido superar sempre a nossa imaginação) que alguma coisa saia desta proposta de Cavaco Silva a não ser o que já saiu. E o que saiu foi, a juntar à incomunicabilidade entre o governo e o País, entre Passos e Portas, entre Passos e Seguro, um conflito institucional entre a legitimidade do Parlamento e a legitimidade da Presidência, que ninguém sabe bem como resolver. Sem mostrar disponibilidade para clarificar a situação política, através de eleições, sem aceitar a solução que lhe foi proposta pelos parceiros da coligação e sem apresentar ele próprio uma solução alternativa clara e para agora, Cavaco baralhou tudo ainda mais.

É possível que, durante a próxima semana, mesmo nas vésperas da tal 8ª avaliação que preocupava Cavaco, os três partidos se entretenham a fingir que estão realmente a pensar no assunto e a tentar arranjar forma de deixar nas mãos do vizinho a responsabilidade por esta improvável solução não se concretizar. A responsabilização prévia dos três, feita pelo próprio Cavaco, leva-me a acreditar que até ele sabe que assim será. Mas ele gosta de dizer que tentou. Tentou sempre. Mas, sempre por causa dos outros, que não lhe dão ouvidos, não conseguiu. E, com isto, o Presidente garante-nos mais umas semanas de instabilidade e incerteza. Pior, era difícil.

O que moveu Cavaco neste estapafúrdio e inútil ralhete aos partidos? Uma vingança, por ele e pelo PSD, pela humilhação a que Portas o sujeitou? Ficar bem na fotografia, recebendo elogios pela sua imensa responsabilidade e sabedoria, tentando, como sempre, fingir que está de fora da classe política, sem ter, na realidade, de se decidir por coisa nenhuma? Deixar a vida política pendurada nas suas missas moralizadoras e sem consequências práticas compreensíveis? Provavelmente as três. Seguramente, sempre e a única coisa que move Cavaco Silva: ele próprio, a proteção da sua imagem e a afirmação da sua autoridade.

Em troca deste presente, pede apenas três coisas: que os partidos desistam de querer ser alternativas uns dos outros, como costuma acontecer nas democracias, que sejam eles a resolver o que ele é incapaz de, no uso dos seus poderes constitucionais, decidir e que o próximo governo, seja ele qual for, governe a prazo sob a sua tutela. Não quer mais nada, senhor Presidente? Talvez um agradecimento do País por ter deixado tudo ainda mais irresolúvel do que antes. E o país político e comentador, que teve de fazer uma tradução para o restante, até aplaudiu: um cartão amarelo aos partidos, surpreendente, prova de força, trocou as voltas a todos. Muito bem!

Sem querer fazer ninguém perder tempo com essa minudência que é Portugal, o que melhorou com esta rábula? Ficámos mais próximos de uma solução? Ganhámos estabilidade? Clarificou-se alguma coisa? Olhe por que prisma olhar, só vejo mais confusão, mais instabilidade, mais perigos. E um Presidente, inchado, à espera dos aplausos pela sua jogada de mestre. Nem melhor, nem pior do que Paulo Portas. Até se desembrulhar mais esta confusão, governa o governo que já não governa, com ministros que realmente já não o são, para impedir um segundo resgate que, com este ou outro nome, já anda a ser preparado.

Portugal: PASSOS NÃO SE DEMITE



Ângela Silva - Expresso

Primeiro-ministro evita rotundo "não" a Cavaco. Ministros furiosos acusam Presidente de reabrir a crise.

Pedro Passos Coelho aguardará que Cavaco Silva inicie as diligências com vista a um entendimento de médio prazo alargado ao PS. Apesar do enorme mal-estar instalado no Governo o primeiro-ministro não tenciona demitir-se, apurou o Expresso.

Depois de ter dito, após a demissão de Paulo Portas, que não abandonava o Governo nem o país, Passos vai manter-se em funções. O Conselho de Ministros está reunido e deverá tomar uma posição de abertura à proposta do Presidente. Mas o facto de Cavaco Silva ter recusado a solução preparada entre os parceiros de coligação para reforçar a estabilidade do Executivo deixou vários ministros furiosos.

"O Presidente reabriu a crise e se os mercados voltarem a ter um safanão o responsável é ele", comentava ontem um governante. A suspeita na maioria é que Cavaco quer mesmo forçar um Governo presidencial, sem os atuais líderes do PSD e do CDS.

Apanhados de surpresa pela decisão do chefe de Estado, que os deixa a prazo e com a ameaça de eleições antecipadas em 2014, PSD e CDS tentaram ontem ganhar tempo e vão reunir as respetivas direções.

Evitar precipitações e não dar um rotundo não à proposta do Presidente da República é a prioridade. Mas nos bastidores do Executivo é grande o descrédito na viabilidade de um acordo alargado ao PS.

Relacionado em Expresso

Portugal: UM PRESIDENTE QUE NOS DEIXA NA DÚVIDA




Diário de Notícias, editorial

O Presidente da República exigiu ontem três coisas concretas ao PSD, ao PS e ao CDS: negociarem a marcação da data de umas eleições antecipadas para depois de junho de 2014, negociarem um pacote de medidas imediatas que permita o cumprimento do Programa de Ajustamento e o regresso aos mercados no início de 2014, negociarem um acordo de médio prazo que garanta, seja qual for o Governo, que não haja oposição dos partidos subscritores numa lista concreta de objetivos financeiros e económicos que implicam, certamente, a aplicação de mais medidas difíceis para o País.

Será compreensível, face aos contornos inesperados da crise política deflagrada no interior dos partidos do Governo, que Cavaco Silva, receoso dos perigos da marcação de eleições para setembro, tente procurar um compromisso de médio prazo para reforçar junto da troika e dos mercados bolsistas a convicção de que, sejam quais forem as futuras alterações de elenco governativo que Portugal vier a atravessar, está sempre garantida a aplicação de uma política financeira e económica coerente, estável, previsível, respeitadora dos compromissos assumidos, claramente apoiada pelas instituições europeias.

Ao tentar precaver o médio prazo com a tentativa de imposição aos partidos que assinaram o Programa de Ajustamento de um compromisso que o próprio Presidente da República reconhece ter grandes dificuldades políticas de concretização, Cavaco Silva aparenta, no entanto, ter descurado as questões do curto prazo.

Em primeiro lugar, a solução presidencial deixa o Governo de Pedro Passos Coelho sem margem e sem aval para aplicar a remodelação que projetou com Paulo Portas - e que reforçaria os poderes deste -, fazendo prolongar no tempo as contradições que estiveram na base da crise política e que culminaram na saída de Vítor Gaspar, na nomeação de Maria Luís Albuquerque e no pedido, não aceite, de saída do líder do CDS-PP. É, portanto, um governo de enorme fragilidade aquele que terá de exercer o poder até junho de 2014.

Em segundo lugar, o Presidente exige aos partidos um acordo, que apelidou de salvação nacional, numa altura em que a crispação está no auge, com toda a oposição a pedir eleições e com os partidos do Governo num estágio de relações entre si muito degradado. Tudo indica que, no curto prazo, a viabilidade de um entendimento desse tipo é de dificuldade extrema.

Em terceiro lugar, imagine-se o mau ambiente político - e as repercussões que isso terá no Governo, na economia, nos mercados, na troika e na Europa - se se prolongar no tempo, indefinida e sem solução à vista, a negociação que Cavaco pediu ontem aos partidos...

Ao dar prioridade ao médio prazo, o Presidente da República não solucionou o curto prazo e, com isso, arrisca-se a não ser o fator de estabilidade política que pretende ser. Pelo contrário, ao fazer prolongar a indefinição, ao comunicar o seu pensamento de uma forma que suscitou na generalidade dos analistas muitas dúvidas e interpretações divergentes, ao não separar a solução para a definição clara e rápida do poder executivo da assinatura do pacto de regime que pretende obter, Cavaco Silva corre o enorme risco de ser ele próprio um fator de instabilidade.

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CARNAVAL CANIBAL - Manuel Maria Carrilho

Portugal: CRISE POLÍTICA. SEGURO CONVOCA SECRETARIADO NACIONAL PARA AS 18 HORAS



Jornal i

O líder socialista, António José Seguro, convocou o secretariado nacional para esta quinta-feira às 18h.

Esta convocação surge depois do apelo de Cavaco Silva a um "compromisso de salvação nacional" entre os três partidos que assinaram o memorando de entendimento com a troika.

Já ontem, em reacção ao apelo do presidente da República, Alberto Martins, afirmou que o partido "não rejeita nenhum diálogo quando está em jogo o futuro dos portugueses" e que os socialistas iriam "aguardar as iniciativas do presidente da República". Reiterou contudo que os socialistas estão indisponíveis para integrar um Governo sem antes haver eleições.

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Relacionado com opinião Página Global

Portugal – Manuel Alegre: DECISÃO DE CAVACO É UMA “TRETA POLÍTICA”



Cláudia Reis – Jornal i

Manuel Alegre diz que PS não é o responsável pela crise

Manuel Alegre criticou a proposta de Cavaco Silva de formação de um governo de salvação nacional que reúna PSD, CDS e PS. Para o histórico socialista, a decisão do Presidente da República não passa de uma "treta política".

Em declarações à Antena 1, Alegre afirmou: "É uma treta política e é uma fuga à responsabilidade e à situação actual. O Presidente meteu os partidos todos no mesmo saco, como se todos fossem igualmente responsáveis. A verdade é que se trata neste momento da responsabilidade do PSD e do CDS-PP por uma crise política que pôs em causa o regular funcionamento das instituições".

Manuel Alegre disse ainda que o "Presidente da República não é o tutor da democracia, nem pode condicionar o livre arbítrio dos partidos e a autonomia dos partidos", lembrando que o PS não é o responsável pela crise que atravessa o país.

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PORTUGAL: “CAVACO SILVA IMPÕE SOLUÇÃO PRESIDENCIAL”



Público, Lisboa - Presseurop

A 10 de julho, o Presidente da República português, Aníbal Cavaco Silva exigiu que a coligação no poder, que junta os partidos social-democrata, PSD [centro-direita], e o partido de direita CDS-PP, chegue a acordo com a oposição socialista para tomar medidas que permitam que Portugal regresse aos mercados no início de 2014, escreve o jornal Público. Os três partidos que assinaram o memorando com a troika deverão chegar também a acordo sobre a realização de eleições antecipadas após o final da situação de resgate em que o país se encontra, em junho de 2014, disse o Presidente.

Para ultrapassar a crise política da passada semana, o Presidente defende que deve haver um “compromisso de salvação nacional” e que o Governo de coligação deve manter-se em funções com plenos poderes.

No seu editorial, o Público escreve que Cavaco Silva decidiu tomar o poder. E impôs uma agenda aos três partidos do arco da governação, como se estes não tivessem a legitimidade do voto. As consequências desse gesto são imprevisíveis.

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Brasil: EMPRESA DO ESPIÃO SNOWDEN FOI CONSULTORA-MOR DO GOVERNO FHC




No governo de Fernando Henrique Cardoso, a Booz-Allen, na qual trabalhava o espião Edward Snowden, foi responsável por consultorias estratégicas contratadas pela esfera federal. Incluem-se aí o "Brasil em Ação" (primeiro governo FHC) e o "Avança Brasil" (segundo governo FHC), entre outras, como as dos programas de privatização (saneamento foi uma delas) e a da reestruturação do sistema financeiro nacional.

Carta Maior

A rápida reação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso às denúncias de que os EUA mantiveram uma base de espionagem no país, durante o seu governo, suscita interrogações e recomenda providências.

Dificilmente elas serão contempladas sem uma decisão soberana do Legislativo brasileiro, para instalação de uma CPI que vasculhe o socavão de sigilo e dissimulação no qual o assunto pode morrer.

Entre as inúmeras qualidades do ex-presidente, uma não é o amor à soberania nacional.

Avulta, assim, a marca defensiva da nota emitida por ele no Facebook, dia 8, horas depois de o jornal "O Globo" ter divulgado que, pelo menos até 2002, Brasília sediou uma das estações de espionagem nas quais funcionários da NSA e agentes da CIA trabalharam em conjunto.

‘Nunca soube de espionagem da CIA em meu governo, mesmo porque só poderia saber se ela fosse feita com o conhecimento do próprio governo, o que não foi o caso. De outro modo, se atividades deste tipo existiram, foram feitas, como em toda espionagem, à margem da lei. Cabe ao governo brasileiro, apurada a denúncia, protestar formalmente pela invasão de soberania e impedir que a violação de direitos ocorra...”, defendeu-se Fernando Henrique.

O jornal afirma ter tido acesso a documentos da NSA, vazados pelo ex-agente Edward Snowden, que trabalhou como especialista em informática para a CIA durante quatro anos, nos quais fica evidenciado que a capital federal integrava um pool formado por 16 bases da espionagem para coleta de dados de uma rede mundial. 

Outro conjunto de documentos, segundo o mesmo jornal, com data mais recente (setembro de 2010), traria indícios de que a embaixada brasileira em Washington e a missão do país junto às Nações Unidas, em Nova York, teriam sido grampeadas em algum momento. 

Espionagem e grampos não constituíram propriamente um ponto fora da curva na gestão do ex-presidente.

Durante a privatização do sistema Telebrás, grampos no BNDES flagraram conversas de Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações, e André Lara Resende, então presidente do BNDES, articulando o apoio da Previ para beneficiar o consórcio do banco Opportunity – que tinha como um dos donos o economista Pérsio Arida, amigo de Mendonça de Barros e de Lara Resende.

O próprio FHC foi gravado , autorizando o uso de seu nome para pressionar o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.

Em outro emaranhado de fios, em 1997, gravações revelaram que os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do Acre, ganharam R$ 200 mil para votar a favor da emenda da reeleição, que permitiria o segundo mandato a FHC.

Então, como agora, o tucano assegurou que desconhecia totalmente o caso, que ficou conhecido como ‘a compra da reeleição’.

As sombras do passado e as do presente recomendam a instalação de uma CPI como a medida cautelar mais adequada para enfrentar o jogo pesado de interesses que tentará blindar o acesso do país ao que existe do lado de dentro da porta entreaberta pelo espião Snowden.

O PT tem a obrigação de tomar a iniciativa de convoca-la. 

Mas, sobretudo, o PSDB deveria manifestar integral interesse em sua instalação.

Soaria no mínimo estranho se não o fizesse diante daquilo que o ex-presidente Fernando Henrique definiu como exclamativa ilegalidade: “Se atividades deste tipo existiram, foram feitas, como em toda espionagem, à margem da lei...”

O Congresso não pode tergiversar diante do incontornável: uma base de espionagem da CIA operou em território brasileiro pelo menos até 2002. 

A sociedade tem direito de saber o que ela monitorou e com que objetivos.

Há outras perguntas de vivo interesse nacional que reclamam uma resposta.

O pool de espionagem apenas coletou dados no país ou se desdobrou em processar, manipular e distribuir informações, reais ou falsas, cuja divulgação obedecia a interesses que não os da soberania nacional?

Fez o que fez de forma totalmente clandestina e ilegal? Ou teve o apoio interno de braços privados ou oficiais, ou mesmo de autoridades avulsas?

Quem, a não ser uma Comissão Parlamentar, teria acesso e autoridade para responder a essas indagações de evidente relevância política nos dias que correm? 

Toda a mídia progressista deveria contribuir para as investigações dessa natureza, de interesse suprapartidário, com a qual o Congresso daria uma satisfação ao país depois da lenta e hesitante reação inicial do Planalto e do Itamaraty, cobrada até por FHC. 

Carta Maior alinha-se a esse mutirão com algumas sugestões de fios a desembaraçar. 

Por exemplo: o repórter Geneton Moraes Neto acaba de publica no G1 (um site do sistema Globo) um relato com o seguinte título: "O dia em que o ministro Fernando Henrique Cardoso descobriu o que é “espionagem”: secretário de Estado americano sabia mais sobre segredo militar brasileiro do que ele" (http://g1.globo.com/platb/geneton/).

A reportagem, que vale a pena ler, remete a uma entrevista anterior, na qual FHC comenta seu desconhecimento sobre informações sigilosas do país dominadas por um graduado integrante do governo norte-americano.

O tucano manifesta naturalidade desconcertante diante do descabido.

A mesma naturalidade com a qual comenta agora seu esférico desconhecimento em relação às operações da CIA durante o seu governo.

Ter sido o último a saber, no caso citado por Geneton, talvez seja menos grave do que não procurar, a partir de agora, informar-se sobre certas coincidências, digamos por enquanto assim.

Há questões que gritam por elucidação.

A empresa que coordenava o trabalho de grampos da CIA, a Booz-Allen, na qual trabalhava Snowden, é uma das grandes empresas de consultoria mundial.

No governo FHC, ela foi responsável por consultorias estratégicas contratadas pela esfera federal.

Inclua-se aí desde o "Brasil em Ação" (primeiro governo FHC) até o "Avança Brasil" (segundo governo FHC) e outras, como as dos programas de privatização (saneamento foi uma delas) e a da reestruturação do sistema financeiro nacional. 

Todos os trabalhos financiados pelo BNDES. Alguns exemplos:

- Caracterização dos Eixos Nacionais de Desenvolvimento. Programa Brasil em Ação. BNDES. Consórcio FIPE/BOOZ-ALLEN. 1998;

- Alternativas para a Reorientação Estratégica do Conjunto das Instituições Financeiras Públicas Federais. 

- Relatório Saneamento Básico e Transporte Urbano. Consórcio FIPE/BOOZ-ALLEN & Hamilton. BNDES/Ministério da Fazenda. São Paulo. 2000

Vale repetir: a mesma empresa guarda-chuva do sistema de espionagem que operou no Brasil até 2002, a Booz Allen, foi a mentora intelectual de uma série de estudos e pareceres, contratados pelo governo do PSDB, para abastecer uma estratégia de alinhamento (‘carnal’, diria Menen) do Brasil com a economia dos EUA.

Mais detalhes desse ‘impulso interativo’ podem ser obtidos aqui: 


Na aparência, sempre, a perfeita identidade com os inoxidáveis interesses nacionais.

O estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, por exemplo, foi realizado por um consórcio sugestivamente abrigado sob o nome fantasia de "Brasiliana". 

Por trás, o comando a cargo da Booz-Allen & Hamilton do Brasil Consultores, com suporte da Bechtel International Incorporation e Banco ABN Amro.

O ‘mutirão’ (até a consultoria do banco) foi pago com dinheiro público pelo governo federal, sob a supervisão das equipes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. 

Os resultados do trabalho levaram a dois eixos centrais da concepção tucana de desenvolvimento: o "Brasil em Ação" e o "Avança Brasil".

Reconheça-se, tudo feito às claras, em perfeita sintonia entre o Estado brasileiro e a empresa guarda-chuva do sistema de espionagem em operação dupla no país.

Na pág. 166 de uma publicação do BNDES, a "contribuição" da Booz-Allen está explicitamente citada:


Uma análise de como a turma da versátil Booz-Allen teve robusta influência na modelagem do sistema financeiro nacional (leia-se, menos bancos públicos, conforme o cânone da concepção de Estado mínimo) pode ser avaliada e aqui:


Um fato curioso e que não pode ser desconsiderado na avaliação criteriosa de uma incontornável CPI sobre o assunto: a ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil Donna Hrinack, tão logo se despediu do cargo no país, sentou-se na cadeira de assessora qualificada da Kroll.

A Kroll, como se sabe, é uma empresa internacional de espionagem que operou a serviço de Daniel Dantas e de seu fundo, o Opportunity.

Trata-se, coincidentemente, de um dos braços financeiros mais importantes do processo de privatização no Brasil, estreitamente associado ao Citybank e, claro, a toda a "carteira" de acionistas que injetou dinheiro na farra neoliberal dos anos 90.

A Kroll foi usada para bisbilhotar autoridades e chegou a espionar ministros do governo Lula, como ficou evidente com a Operação Chacal, da Polícia Federal, deflagrada em 2004.

Como se vê, as revelações de Snowden, ao contrário do que sugere a nota de FHC, definitivamente, não deveriam soar como algo inusitado aos círculos do poder, em Brasília. Se assim são tratadas, há razões adicionais para suspeitar que um imenso pano quente será providenciado para evitar que as sombras fiquem expostas à luz.

A questão, repita-se, não se esgota em manifestar a indignação nacional pelo que Snowden denunciou. 

O que verdadeiramente não se pode mais adiar é a investigação pública do que foi espionado, com que finalidade e a mando de quem.

Isso quem faz é uma Comissão Parlamentar de Inquérito. 

Fotos: EBC 

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A SAGA AMERICANA – PARTE 1. O CONTROLO DOS RECURSOS (II)




Rui Peralta, Luanda (ler parte anterior)

IV - O último relatório oficial sobre o número de bases militares norte-americanas foi apresentado em 2008 e elaborado pelo Pentágono. Naquele ano foram inventariadas 865 bases em 46 países, que albergavam 200 mil soldados. Actualmente, os que se dedicam a este assunto referem mil duzentas e cinquenta bases em mais de uma centena de países. Não existe qualquer confirmação ou desmentido oficial sobre este número e o Pentágono refere que apenas publicará novo inventário em 2018.

Na América Latina, os USA contam actualmente com 27 bases, oficialmente reconhecidas, às quais devem-se adicionar as seguintes bases que nunca são mencionadas nos relatórios oficiais do Pentágono, mas que surgem nos relatórios da CIA e da NSA: América Central - Base Comalapa em Salvador; Soto-Cano (também conhecida por Palmerola), nas Honduras, base na qual foi planeado o golpe que derrubou o presidente Zelalla; Base Libéria na Costa Rica, que depois de abandonada foi reactivada, recentemente. América do Sul - três bases no Peru, em local incerto; Base militar Mariscal Estigarribia, em Chaco, Paraguai, com capacidade para alojar 20 mil soldados, situada na tripla fronteira, na reserva aquífera de Guarani, a maior reserva de água doce do mundo. Caribe - Base de Guantánamo, em Cuba, utilizada, actualmente, como centro de tortura e campo de detenção; Base militar de Reina Beatriz, em Aruba e por ultimo a de Hatos, em Curazao. Temos assim 37 bases, mas ainda á que acrescentar as instaladas no Panamá (desconhecidas) e o número incerto de bases na Colômbia (os números oficiais referem 7 bases).  
  
As bases militares podem ser de quatro tipos: aéreas, terrestres, navais e de comunicação e vigilância. As instalações militares norte-americanas são repartidas em cinco unidades espaciais, ocupadas pelos 4 Comando Combatentes Unificados. Cada unidade espacial e cada comando unificado, está sob comando de um general. Partindo desta estrutura organizativa, os USA dividem, actualmente o mundo em vários comandos, a saber: Comando Norte, na base Paterson, da Força Aérea, no Colorado; o Comando do Pacifico, em Honolulu, Havai; o Comando Sul, em Miami, Florida; o Comando Europeu, em Estugarda, Alemanha; o Joint Forces Command, em Norfolk, Virgínia; os Comandos Operacionais Especiais, em McDill, base da Força Aérea, na Florida; o Comando de Transporte, na base da Força Aérea de Scott, Ilinóis e o Comando Estratégico, na base da Força Aérea de Offutt, no Nebrasca. 
 
Durante a administração Bush foi desenhada a estratégia contra o que foi designado por “Estados Canalhas” que formam um “arco de instabilidade” mundial, desde a zona andina, atravessando o norte de África, passando pelo Médio Oriente, até chegar as Filipinas e Indonésia. Este “arco de instabilidade” coincide com o “anel de petróleo”, outrora grande parte do que designavam de Terceiro Mundo. A instalação de bases militares foi reforçada em toda esta região. As bases contam com uma força militar activa, cujo número é variável consoante a natureza das missões a desempenhar e os níveis de segurança de cada zona e por núcleos permanentes dos serviços de inteligência, com grande capacidade operativa e tecnológica, com comando independente do militar e não sujeitos á sua ordem, sendo os militares obrigados á cooperação total com estes serviços e a prestarem-lhes todo o apoio solicitado. Algumas unidades especiais militares estão exclusivamente ao serviço dos núcleos de inteligência e reportam directamente às agências e não ao Pentágono.

Como escreveu Thomas Friedman, editorialista do New York Times, “a mão invisível do mercado não funcionará nunca sem o punho invisível”.

V - Para o “punho invisível” funcionar e cumprir a sua função de suporte á “mão invisível” (pobre Adam Smith, quantas voltas não daria no tumulo, se soubesse o que fizeram á “mão invisível” quando lhe atribuíram tamanho punho) é indispensável contar com uma rede mundial de bases, bem distribuídas em todos os continentes. As bases principais, de longo prazo, são colocadas em zonas com eixos de transporte rápido, onde se recolhe informação mundial, pontos de vigilância permanente, em que são cruciais as vastas operações de espionagem, simultâneas e de longa duração. Estas áreas permitem dispor de uma rede de comunicações interconectada, composta por aviões, helicópteros, transportes ferroviários, viaturas, viaturas de combate, barcos, submarinos, que contam com uma infraestrutura física essencial para o seu funcionamento, mediante o controlo de aeroportos, portos marítimos e fluviais, rede de estradas, autoestradas, rede ferroviária e centrais de telecomunicações. 

De importância similar são os porta-aviões, para as chamadas intervenções rápidas. Os USA contam actualmente com 12 porta-aviões, distribuídos por todos os mares do globo. A cada porta-aviões corresponde uma frota, constituída por diversos tipos de embarcações de superfície e submarinos. Cada porta-aviões transporta uma média de 50 aviões, capazes de realizar entre 90 a 170 ataques por dia. Todas as frotas são constituídas, para além dos submarinos, por torpedeiros, contratorpedeiros e dois cruzadores lança-mísseis. Para terem capacidade ofensiva terrestre, as frotas dos USA são completadas por forças anfíbias (os marines), compostas pelos três ramos do exército (cavalaria, infantaria e artilharia) e por grupos de operações especiais (comandos, ou forças especiais navais e aéreas, mas de intervenção terrestre).

As frotas são ainda complementadas por grupos de embarcações rápidas, constituídos pelos FSS (Fast Sealift Ships), em número de oito e pelos Roll on/Roll off em número de 20, dois grupos de deslocação rápida de tropas (Os FSS demoram18 dias, dos USA ao Golfo Pérsico). Estes grupos de suporte são ainda reforçados com mais 58 embarcação de diversos tipos e funções, para além de um número indeterminado de pequenas embarcações da Guarda Costeira. A capacidade aérea de suporte e transporte de tropas, veículos e equipamentos é reforçada pelos 134 enormes C-17 Globemaster.

Os USA utilizam quatro modelos de bases: Bases de grandes dimensões, com instalações militares completas, permanentemente ocupadas por efectivos militares (e famílias), modelos de bases-colónias, vitais para os longos processos de desculturação provocados pela guerra cultural; bases de médias dimensões, que contam com amplas instalações, ocupadas por forças que se renovam a cada semestre; bases pequenas, as CSL (Cooperative Security Locations), constituídas por pouco pessoal, mas de grande capacidade operativa em telecomunicações, informação e inteligência; por fim as micro-bases, locais de trânsito utilizados pela força aérea.     

VI - No que respeita ao seu objectivo de domínio, da parte central e sul do continente americano, a política norte-americana desenrola-se com base em três factores: o interesse vital para a sua economia em apoderar-se do petróleo da Venezuela (e agora das reservas do Brasil, daí este país dever dar mais atenção á politica social, para evitar dinâmicas internas de contestação social que se cruzem com as dinâmicas externas, uma fase critica das guerras de classe) e dos recursos naturais da região Andina-Amazónica; a pretensão de impedir processos de integração da América Latina que escapem ao seu controlo (como a ALBA); e por ultimo a necessidade de impedir processos de transformação na região que tenham como pano de fundo a reapropriação dos recursos, baseados no reforço das soberanias nacionais realizadas pelo aumento da capacitação das soberanias populares (estabelecendo um maior equilíbrio entre a representatividade e a participação directa).

Estes factores apresentam-se interligados, o que obriga os USA a analisarem cruzadamente os dados. É impossível para os USA controlarem o petróleo da Venezuela, caso não revertam o processo de transformação bolivariano, que reforça a soberania popular e a reapropriação dos recursos, logo reforça a soberania nacional. Mas para isso acontecer torna-se necessário intervir nos processos de integração regional, logo em impedir a concretização da ALBA.
 
Um estudo dos Serviços Geológico dos USA (NGS) calculou que a franja do Orinoco, na Venezuela, constitui uma reserva de 513 mil milões de barris, quase o dobro do petróleo da Arabia Saudita (cujas reservas são avaliadas em 266 mil milhões de barris). Estes dados fazem relevar a importância estratégica da Venezuela para os USA e implicam a ampliação dos “jogos americanos”. Por isso uma das tendências dominantes no complexo militar-petrolífero dos USA considera que para controlar o petróleo venezuelano é necessário o domínio directo sobre a Colômbia. O porta-voz principal desta tendência dominante, o senador republicano Paul Coverdale, um dos projectistas do Plano Colômbia, referiu, em 2000, a necessidade de dominar a Venezuela, partindo de um ponto dominado, a Colômbia, apetrechando este pais de forma a dominar, numa primeira fase o Equador, cortando os pontos de apoio á Venezuela e isolando-a, para depois, numa guerra prolongada, destruir gradualmente este país e estabelecer o domínio sobre os recursos petrolíferos venezuelanos.

Tudo isto poderia estar a ser dito da boca para fora, depois do senador ter tomado uns copitos (marijuana não deve fumar, atendendo a que é republicano, devendo preferir as beberragens texanas) se não tivesse sido recentemente ratificado pelo Comando Sul do Pentágono, que indica sem grandes rodeios, a necessidade de reforçar militarmente a Colômbia, neutralizando as guerrilhas, de qualquer forma, mesmo através de negociações politicas e partir para a desestabilização do Equador, com o objectivo de dominar a Venezuela.

VII - Nos objectivos geoeconómicos dos USA, são evidentes não apenas o controlo do petróleo Venezuelano e a supervisão das reservas brasileiras e equatorianas, mas também o gás da Bolívia, a água, a biodiversidade e os recursos florestais da Colômbia e do Brasil e de todos os recursos naturais da região andino-amazónica. Esse domínio apenas será possível se os países latino-americanos não se puderem integrar regionalmente e estabelecerem políticas e economias regionais, mercados regionais e estratégias regionais de desenvolvimento. A construção de uma estrutura confederativa que integrará os antigos territórios do império espanhol no continente americano, como forma de assegurar a sua prosperidade e soberania, é um objectivo histórico dos movimentos de libertação nacional da América Latinas, desde os seus primórdios (tal como aconteceu com os movimentos de libertação nacional em África e com o movimento operário na Europa). 
      
As políticas de integração e as intenções de unidade sempre falharam por uma questão muito simples: o capitalismo (entendido como o domínio do mercado pelos grupos que acumulam capital, em detrimento das relações sociais do mercado) só se pode desenvolver á escala nacional e os grupos detentores de capital nestes países do centro e do sul da América nunca ultrapassaram a estrutura oligárquica, ao contrário do que aconteceu aos seus congéneres do Norte (onde as relações sociais de mercado subsistiram e estiveram na causa imediata das respectivas independências, mantendo-se autónomas, até á segunda metade do seculo XX, não permitindo um controlo do mercado por parte dos grupos acumuladores de capital) que por isso desenvolveram as estruturas integradas dos USA e do Canadá.

Na última década os projectos de integração latino-americanos voltaram a constar na agenda de alguns países, impulsionados pelas transformações ocorridas na Venezuela, que assumiu um projecto bolivariano de transformação. Os novos projectos de integração foram plasmados na ALBA (Aliança Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América), um projecto de unidade política, económica e cultural, o mais importante desde os tempos da Gran Colômbia. Para além da ALBA existem projectos de integração dos mercados, como o MERCOSUR (Mercado Comum do Sul) e a nível económico e politico como a UNASUR (União das Nações Sul-Americanas) e a CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe).

Todos estes projectos de integração, construídos no meio de muitas dificuldades e contradições internas, são mal recebidos por Washington, que coloca em campo os seus habituais lambe-botas locais, como no caso das Honduras, onde se perpetrou um golpe contra o presidente eleito, que tinha nas suas bases programáticas o objectivo de vincular o país á ALBA. O torpedeamento da integração é feito, também, através de regimes como o colombiano, que jogam um papel fundamental nas acções de Washington para impedir os projectos de integração. Por exemplo, a Comunidade Andina das Nações (CAN), foi atomizada quando, em 2006, a Colômbia e o Peru negociaram bilateralmente com os USA, o Tratado de Livre Comercio, sem consultarem os outros estados membros e violando todos os compromissos assumidos no âmbito da CAN.

Mas nem sempre estes meios de impedimento são diplomáticos, ou golpes institucionais. Em 2008 a Colômbia efectuou bombardeamentos em território equatoriano, alegando que ali se encontravam bases das FARC-EP, avisando que tornaria a realizar acções militares no Equador e na Venezuela, sempre que achasse necessário. Por outro lado, é frequente que os grupos paramilitares da extrema-direita colombiana penetrem em território equatoriano e venezuelano e aí realizem acções militares, para aterrorizarem comunidades indígenas, ou procurarem e executarem colombianos, refugiados nesses países.  
        
VIII - A administração Obama acusa os governos da Venezuela, Bolívia e Equador de múltiplos delitos. Estes países são acusados de “entorpecer” a luta contra as drogas, de refugiarem “terroristas”, de não respeitarem a liberdade de imprensa, de estarem em vias de transformar-se em regimes totalitários opostos á “livre empresa” e á “propriedade privada” e que impõem um “modelo politico populista”. Estas acusações, feitas e redigidas por altos responsáveis da administração Obama, fazem parte da guerra de quarta geração, que neste momento é travada na América Latina.

Neste tipo de guerra o governo norte-americano aparece á margem, dando a impressão de não estar envolvido nos acontecimentos, recorrendo a governos subordinados e a forças politicas subsidiadas (da extrema-direita á “esquerda”), para concretizarem as acções de agressão, de instabilidade politica e desestabilização interna nos países que sigam vias próprias de desenvolvimento. Nesta guerra irregular, não reconhecida e não declarada, mas tão mortífera e destrutiva como as guerras convencionais, todos os meios são utilizados e todas as instituições servem como factor de desestabilização. Por exemplo, quando a Colômbia acusou na ONU, Hugo Chávez e Rafael Correa de serem terroristas, estivemos perante uma dessas acções calculadas, por muito inverosímeis que possam parecer.
   
Outra das tácticas usadas na guerra de quarta geração são as grandes movimentações, como as Revoluções de Veludo, ou as Revoluções Laranjas, experimentadas na Europa de Leste (exemplo da Checoslováquia) e países da ex-União Soviética (Ucrânia e Geórgia, por exemplo) ou as mais agressivas e violentas, como a experimentada na Roménia, que levou á queda do fascizante socialismo á romena e ao fuzilamento da destruturada família do sapateiro Ceaucescu. Estas tácticas foram recentemente revistas e aperfeiçoadas nas primaveras Árabes da Tunísia e do Egipto e o modelo romeno foi revisto na agressão á Líbia, para ser reutilizado e readaptado na Síria e futuramente (talvez em modelo misto) no Irão.

Estas são operações políticas complexas, onde se cruzam as dinâmicas internas e externas, para que as dinâmicas sociais internas possam ser aproveitadas de forma directa pelas dinâmicas externas, mesmo sendo ambas as dinâmicas artificialmente criadas, ou baseadas em falsos pressupostos criados por acções pré-determinadas (estamos perante esse fenómeno no Egipto e de forma menos evidente, por enquanto, no Brasil).  
    
A guerra de quarta geração tem uma outra característica. Mistura, propositadamente conceitos como o de narcotráfico, terrorismo e movimentos guerrilheiros, afirmando que todas as organizações irregulares compartem as mesmas tácticas, estratégias e mecanismos de financiamento. O grande impacto desta mistura de conceitos, produto de uma lógica militar, é que serve de pretexto á renúncia de reformas sociais, politicas, económicas e administrativas. Por outro lado, ao misturar estes conceitos de narcotráfico, terrorismo e guerrilha, os USA justificam o seu envolvimento nas lutas internas.

Curiosamente os primeiros a utilizar actividades criminosas, aliadas a grupos de resistência foram os USA, na Segunda Guerra Mundial, durante a invasão da Sicília, quando os grupos democratas-cristãos na resistência, sob orientação dos norte-americanos, foram colocados ao lados dos “capos” da MAFIA siciliana, para realizarem actos de sabotagem, enquanto as tropas aliadas desembarcavam. Nessas acções os norte-americanos colheram importantes lições e durante décadas foram experimentando esta fórmula, das mais variadas maneiras, desde a guerra da Coreia, ao Vietname, Cuba e restantes países da América Latina, sendo a fórmula aperfeiçoada de forma intensiva, ao ponto de em alguns países latino-americanos as ligações de um vasto espectro das forças politicas (do centro-direita e centro-esquerda, á extrema-direita) ao submundo serem uma praxis normal. A própria CIA utiliza as estruturas do narcotráfico para realizar acções de desestabilização, constituírem a base dos grupos paramilitares e mesmo como estruturas de financiamento a partidos políticos e presidentes (caso de Uribe na Colômbia).

A guerra irregular de quarta geração constitui, desta forma, o cenário da actualidade latino-americana, sobre o qual os diversos actores interpretam os seus papéis.

(continua)

Fontes
Vega Cantor, René Colombia en la Geopolitica Imperialista http://www.rebelion.org
Egremy, Nidya Contrainsurgencia para el siglo XXI http://www.rebelion.org
Ruiz Tirado, Wladimir La tendencia militarista del imperio: uribismo y pentagonismo se dan la mano, http://www.rebelion.org
Johnson, Chalmers El imperio estadounidense de las bases, http://www.nodo50.org/.../imperio_bases.html
Modak,, Frida ¿Para qué 20 bases militares de EE.UU.?  http://www.nodo50.org
Zibechi,, Raúl Crisis militar en Sudamérica: Los frutos del Plan Colombia, http://www.cipamericas.org/es/archives/1417
Calle, Fabián  La crisis Venezuela-Colombia: las capacidades militares que esconden las palabras  http://www.nuevamyoria.com;
María Chiani, Ana Plan estratégico de Estados Unidos para América latina y el Caribe  http://www.observanto.com
Fernando Isaza Delgado, José y Campos Romero, Diógenes Algunas consideraciones cuantitativas sobre la evolución del conflicto en Colombia Revista de Economía Colombiana, No. 322, febrero de 2008
Otero Prada, Diego El papel de Estados Unidos en el conflicto armado colombiano. De la Doctrina Monroe a la cesión de siete bases militares Ediciones Aurora, Bogotá, 2010
Dieterich, Heinz Las guerras del capital. De Sarajevo a Irak, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2003


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