terça-feira, 22 de julho de 2014

Portugal: COMO FAZER MAIS MENINOS?



Rui Sá – Jornal de Notícias, opinião

Na última semana, a apresentação de um estudo feito para o PSD por uma "Comissão para a política da natalidade em Portugal", em paralelo com a divulgação de um estudo sobre o IRS, recolocou em cima da mesa a pergunta: "O que fazer para que os portugueses façam mais meninos?"

Não pondo em causa o mérito destes estudos, fico com a sensação de que as soluções apresentadas não passam de umas aspirinas que, minimizando o impacto da dor não atacam a origem da mesma. E que, ainda por cima, são prescritas por aqueles que incubam carinhosamente o "vírus" que provoca a dramática diminuição da natalidade em Portugal. Embora, no caso das propostas apresentadas pela comissão criada pelo próprio PSD, Pedro Passos Coelho tenha ficado com os cabelos em pé perante propostas de redução do IRS e aumento de apoios sociais, o que o levou rapidamente a afirmar que primeiro está a dívida! Esquecendo-se que o que está em causa é a sobrevivência de Portugal enquanto país e que, se isso não estiver assegurado, bem podem os credores pôr o coração ao alto que os seus créditos foram à vida (ou, então, podem ser trocados por território, que espaço ao abandono não faltará perante tal diminuição da população...).

Em primeiro lugar, e como bem ilustram os dados divulgados, o problema da diminuição da natalidade não é de agora, antes sendo um problema estrutural que se regista desde a década de 80 - que, no entanto, se acentuou dramaticamente nos últimos anos.

Para lá de questões de cultura e de mentalidades (ainda no sábado lia, no JN, uma atriz, com 27 anos, a dizer que queria ter filhos mas "não se sentia ainda preparada"), a questão que se coloca à população em idade fértil é a de saber se tem, ou não, condições para, sustentadamente, gerar, criar e educar os filhos.

Naturalmente que uma das condições é a económica. Tenho três filhos e sei bem o custo associado a cada um. A puericultura, as despesas de educação e de saúde, as roupas e tudo o resto (e é bem verdade que a sociedade de consumo, ou capitalista na minha linguagem, aumenta artificialmente estes custos) consomem uma parte significativa dos salários. Nesse sentido, os benefícios fiscais, a redução das despesas de educação e de saúde, a diminuição de tarifas (caso da água) para famílias "numerosas", etc., podem ser uma ajuda nesta matéria. Mas o problema é que estas propostas entram em profunda contradição com aquilo que é a prática deste (como dos anteriores...) governos e, fundamentalmente, com o discurso oficial daquilo que dizem ser uma "inevitabilidade" nas próximas décadas. Então não é verdade que nos dizem que "vivemos acima das nossas posses"? E que, por causa disso, temos que fechar escolas, infantários, maternidades, hospitais, centros de saúde e tribunais? Então, como dizer a uns pais que estão a ponderar ter um filho que, afinal, o mesmo tem que ser tido a uma centena de quilómetros e a escola que poderá frequentar implica fazer dezenas de quilómetros diariamente? E isto para além da quebra de confiança que se registou nos últimos anos na relação dos portugueses com o Estado: que deixou de ser pessoa de bem, como se verifica em matéria de vencimentos e reformas, reduzidos unilateralmente em incumprimento flagrante dos contratos firmados. Como acreditar, assim, na promessa de uma política fiscal mais "amiga" dos casais com filhos?

Outra linha de propostas apresentadas pela comissão do PSD passa pelas relações laborais, criando um conjunto de benefícios para as mães. Mais uma vez, uma medida que sendo, em si, positiva, não deixa de ser pontual e contraditória com tudo aquilo que este Governo tem feito em matéria laboral. Porque as mães não o são, apenas, durante os dois anos pós-parto! São-no para toda a vida. E os benefícios durante dois anos após o parto não fazem esquecer que, para "dinamizar a economia", se desregulamentam as relações laborais (favorecendo, naturalmente, o lado "mais forte" do patronato). Criando-se "bancos de horas" que permitem alterar completamente os horários de trabalho, obrigando pessoas a trabalhar aos fins de semana (que deviam estar reservados ao apoio e convívio com os filhos) sem qualquer remuneração adicional.

Para já não falar da situação do desemprego e do apelo de Pedro Passos Coelho aos jovens portugueses para deixarem de ser piegas e emigrarem à procura das oportunidades. Fazendo filhos lá fora e contribuindo para a economia e para a demografia de outros países...

Por isso digo: para o aumento da natalidade em Portugal, a rutura com estas políticas pode não ser suficiente, mas sem dúvida que é uma condição necessária.

Portugal: ALTERNATIVAS POLÍTICAS, PRECISAM-SE!



Tomás Vasques – jornal i, opinião

No PS tudo se passa à volta do carisma do líder: quem tem mais charme político para convencer eleitores. Quer António Costa, quer António José Seguro têm entre os seus apoiantes, de tudo, como na loja dos chineses

Muitas vezes são os detalhes que melhor ilustram a crise de um regime. É o caso do todo-poderoso Ricardo Salgado, personagem que tem tatuado na testa o pedigree das elites que nos apascentam há mais de um século. O banqueiro entre os banqueiros, a quem chamavam, com acertada ironia, "o dono disto tudo", até há poucos dias símbolo caseiro da preponderância do mundo da finança sobre o poder político, contando para isso com a cumplicidade de todos os governos, foi literalmente despejado do seu escritório na imponente sede do Banco Espírito Santo para uma sala alugada, pelo próprio, num hotel do Estoril. Aqui, num "quarto alugado", para onde atirou tantas famílias que o desemprego impediu de pagar ao banco as prestações da casa, vai tentar salvar dos escombros da derrocada do grupo empresarial da família um mínimo de dignidade, já que o património ardeu na fogueiras das dívidas, ateada por uma gestão desastrosa e incompetente. Pela queda do presidente do maior banco privado português, que arrastou consigo o grupo empresarial da família, ninguém verterá uma lágrima, nem sequer os seus familiares e amigos. O pior é o que ainda está para acontecer, ou seja: o que vai sobrar de todo este embrenhado descalabro sobre a economia portuguesa e, consequentemente, sobre o dinheiro dos contribuintes, sobretudo sobre as vítimas do costume deste governo: funcionários públicos, reformados e pensionistas. Essas são cenas a desvendar nos próximos capítulos.

Contudo, a crise do regime, simbolizada na crise de um dos seus pilares nas últimas duas décadas - a família Espírito Santo -, está para além deste episódio cujas consequências hoje ainda desconhecemos. Os sinais mais visíveis deste apodrecimento foram fornecidos pela maioria dos portugueses. O sucesso de candidaturas independentes nas autárquicas (muitas das quais de ex-militantes contra os seus próprios partidos), o resultado obtido pela candidatura de Marinho e Pinto nas europeias, a crescente subida da abstenção e dos votos nulos e as consequentes perdas eleitorais dos partidos do "arco parlamentar" indiciam um significativo descontentamento e alheamento do regime que pode provocar, nas próximas eleições legislativas, uma regeneração do sistema político-partidário. As presentes crises internas no PS e no BE são uma consequência dessa crise mais geral, à qual aparentemente escapam, por agora, os partidos do governo, porque estão no poder a distribuir pelos seus, cargos e benesses, e o PCP porque vive numa incubadora e quando obtém mais um por cento de votos atira foguetes como se estivesse a subir a escadaria do palácio de Inverno.

No fundo, com as devidas diferenças, as crises internas do PS e do BE têm a mesma origem. Perante o empobrecimento generalizado da maioria dos portugueses, executado pelo "pior governo de sempre", como recuperar o "paraíso perdido" - ou seja, os eleitores que, por motivos diferentes, deixaram de acreditar nas soluções propostas por cada um destes partidos da oposição. No PS tudo se passa à volta do carisma do líder: quem tem mais charme político para convencer eleitores. Quer António Costa, quer António José Seguro têm entre os seus apoiantes, de tudo, como na loja dos chineses. No BE, aparentemente, a crise interna passa mais pelas opções políticas. Mas, o que parece grave, quer num caso, quer noutro, mas sobretudo no PS, é que não percebam que o "mundo mudou" e que os cidadãos descontentes, sobretudo de uma classe média empobrecida, estão escaldados e já não se deixam convencer facilmente dando indícios de preferirem experimentar outras soluções a ter de aguentar mais do mesmo. E o PCP que não tire o cavalo da chuva porque o recado é para todos os partidos do "arco parlamentar". Ou os actuais partidos da oposição percebem a tempo o estado a que isto chegou, e constroem uma alternativa, ou passam ao lado do descontentamento e dos anseios da maioria dos cidadãos. Não há meio-termo, especialmente em tempos de crise.

Jurista - Escreve à segunda-feira

Portugal: Ministério da Educação incorre num crime de desobediência aos tribunais




O responsável explicou que nestes três casos as providências "foram aceites liminarmente, o Ministério da Educação foi citado", sendo "suspensa imediatamente a eficácia do despacho, neste caso da prova"

O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, considerou que o Ministério da Educação está a incorrer num crime de desobediência aos tribunais ao realizar hoje a Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos (PACC).

Em declarações aos jornalistas em Viseu, Mário Nogueira disse ter confirmado, à hora do início da prova, que o Ministério da Educação não tinha apresentado resolução fundamentada alegando o interesse público junto dos tribunais administrativos e fiscais de Lisboa e Coimbra relativamente às providências cautelares apresentadas pela Fenprof.

"Se assim for, ao realizar-se a prova, estamos perante um crime de desobediência qualificada", frisou, explicando que "o Ministério da Educação tem de provar que, até à hora de se iniciar este ato, tomou as medidas que era obrigado a tomar".

Caso contrário, "o que vai acontecer é que provavelmente vai ser anulado", acrescentou.

Segundo Mário Nogueira, das providências cautelares que foram entregues pela Fenprof para tentar travar a prova de hoje, apenas uma foi indeferida, a do Porto, sendo que no caso das de Lisboa, Beja e Coimbra "o Ministério da Educação foi citado".

O responsável explicou que nestes três casos as providências "foram aceites liminarmente, o Ministério da Educação foi citado", sendo "suspensa imediatamente a eficácia do despacho, neste caso da prova".

Ao ser citado, o ministério deveria apresentar uma resolução fundamentada alegando o interesse público o que, pela informação recebida por Mário Nogueira, terá acontecido apenas no caso de Beja.

O ministro da Educação disse também hoje em declarações à TSF que apresentou na segunda-feira resoluções fundamentadas sobre as providências cautelares relativas à prova de avaliação de professores apresentadas pela Fenprof, assegurando que o exame não está suspenso.

"Os tribunais já decidiram sobre essa suspensão no sentido de a aceitar. A partir do momento em que aceitam a prova, ela não está suspensa", disse Nuno Crato à TSF, sublinhando que se trata de uma "falsa questão".

O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, encontra-se a participar num plenário na Escola Básica 2/3 Azeredo Perdigão, em Viseu, que teve início após um impasse.

Às 08:30, o diretor da escola tinha indicado aos dirigentes da Fenprof o refeitório como o local onde poderia ser realizado o plenário mas uma hora depois foi dada a indicação de que houve "novos desenvolvimentos" e a reunião não se poderia acontecer na escola, tendo sido sugerido um outro espaço a 300 metros.

"Disseram que, estando os professores na sala, se nós quiséssemos poderíamos ir para 300 metros, mas sinceramente, não costumamos praticar atletismo a estas horas da manhã e muito menos quando é para reunir com professores", ironizou Mário Nogueira.

Mário Nogueira ameaçou pedir a identificação de quem estivesse a impedir a realização do plenário, recorrendo aos agentes da PSP que estavam junto à escola, mas isso não foi necessário e o plenário começou cerca das 10:15.

O secretário-geral da Fenprof criticou ainda o facto de haver professores que pretendiam participar no plenário a quem foi dito que não lhes justificariam as faltas.

"Os professores foram convocados como se fosse serviço de exames e não há serviço de exames nenhum. E foi dito há pouco, quando queriam sair da sala, que só poderiam ausentar-se com atestado médico, o que é mentira", contou, lamentando a "pressão" que está a ser feita aos professores.

Lusa, em jornal i

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FMI: Ajustamento externo em Portugal feito à custa do desemprego




O ajustamento externo feito em países como Portugal e Espanha foi feito à custa de fatores internos, sobretudo das elevadas taxas de desemprego, concluíram os autores de um estudo hoje publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

"O progresso do reequilíbrio externo foi feito à custa do equilíbrio interno, nomeadamente pelas taxas de desemprego muito altas", lê-se no relatório, que sublinha que "a procura relativamente fraca dos outros países do euro (...) está a abrandar o ajustamento", lê-se no documento que analisa os processos de ajustamento de Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia.

Esta é uma das conclusões que constam do relatório 'Ajustamento em países da área do euro com défices: progressos, desafios e políticas', publicado hoje pelo FMI, mas cujas conclusões não vinculam a organização.

Os autores do documento sublinham que "os grandes défices das contas correntes na Grécia, na Irlanda, em Portugal e em Espanha diminuíram drasticamente ou tornaram-se excedentários sobretudo por causa das importações" e que as contas externas ajustaram sobretudo pelos fatores internos.

Quanto à evolução salarial, os autores consideram que, "em Portugal e em Espanha, os salários não caíram" e que "as reduções dos custos unitários do trabalho (5-10%) advieram em primeiro lugar da quebra do trabalho".

"As reformas para remover a rigidez descendente dos salários nos países com défices [como Portugal] podem aumentar a velocidade do ajustamento e conter os seus custos em termos de desemprego (à medida que os salários se tornam mais sensíveis às mudanças no emprego)", segundo o documento.

No entanto, os autores alertam que este tipo de reformas pode "ter um impacto adverso na procura e, por isso, desacelerar o regresso ao equilíbrio interno", considerando ainda que reduzir a carga fiscal, "baixando os impostos sobre o trabalho e aumentando os impostos sobre o consumo", pode ajudar neste processo.

No médio prazo, os economistas que assinam este estudo defendem que "são necessárias reformas estruturais adicionais no mercado de produto e no mercado de trabalho para aumentar a produtividade e o potencial de crescimento", uma recomendação que o Fundo já vinha fazendo a Portugal ao longo do Programa de Assistência Económica e Financeira, entretanto concluído.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Rússia diz ter detectado caça ucraniano voando próximo a MH17 antes da queda




Tuíte do veículo RT reproduz imagens cedidas pelo Ministério da Defesa russo, supostamente indicando que radar russo detectou presença de caça ucraniano em direção à aeronave malaia

Opera Mundi, São Paulo

Segundo oficial russo, aeronave militar ucraniana estava a cerca de 5 km do Boeing malaio; Moscou também nega ter fornecido armamentos a separatistas

As Forças Armadas russas informaram nesta segunda-feira (21/07) que seu sistema de radar detectou um caça ucraniano voando em direção ao Boeing MH17 da Malaysia Airlines no dia da tragédia, quinta-feira (17/07). Além de pedir explicações à Ucrânia, militares russos também afirmam que a aeronave ucraniana é equipada com poder de fogo que seria capaz de atingir, àquela distância, a aeronave civil.

"Um caça da Força Aérea ucraniana foi detectado ganhando altitude, sua distância do Boeing malaio era de 3 a 5 km", declarou hoje em uma conferência de imprensa o tenente-general Andrey Kartopolov, chefe da Diretoria de Operações Principais do quartel-general do Exército russo, citado pela agência Efe.

Segundo Kartopolov, a aeronave militar modelo SU-25 pode atingir até 10 km de altitude e é equipada com mísseis R-60 ar-ar, capazes de atingir um alvo a até 12 km de distância — "seguramente até 5 km", observou o oficial.

"Nós gostaríamos de pedir explicações quanto ao porquê do caça militar estar voando junto a um corredor da aviação civil praticamente na mesma hora e no mesmo nível de uma aeronave cheia de passageiros", afirmou Kartopolov, acrescentando que a presença do caça ucraniano pode ser confirmada por imagens capturadas pelo centro de monitoramento do Exército russo.

Moscou nega ter enviado armamentos

A Rússia também afirmou que não forneceu aos grupos separatistas do leste ucraniano os sistemas de mísseis do tipo Buk, supostamente utilizado para derrubar o avião malaio, com suas 298 pessoas a bordo. Moscou também nega que "qualquer outro tipo de armamento" tenha sido entregue aos separatistas da região de Donetsk.

A inteligência norte-americana rebate a afirmação russa ao dizer ter "detectado aumento na quantidade de armamento pesado chegando nas mãos de separatistas e cruzando a fronteira entre Rússia e Ucrânia".

O Ministério da Defesa russo também afirmou que as Forças Armadas ucranianas possuem bases para lançar mísseis terra-ar em locais muito próximos ao território controlado por separatistas. "Temos imagens aéreas de certos locais onde a Defesa Aérea ucraniana esteve instalada no sudeste do país", disse Kartapolov.

A Rússia também afirma que um satélite de monitoramento norte-americano sobrevoava a região separatista onde o avião caiu no dia da queda. Moscou pediu para os EUA divulgarem as imagens obtidas pelo suposto satélite.

Um grupo de especialistas ouvidos pela agência de notícias russa Itar-Tass classificou como "falsa" a gravação sonora divulgada pela Ucrânia, em que combatentes dos grupos separatistas ucranianos supostamente conversavam sobre a derrubada do avião malaio. Após estudar a gravação, o grupo de experts chegou à conclusão que a fita foi produzida a partir de diversas gravações diferentes.

"Esta gravação de áudio não é um arquivo integral e foi produzida a partir de vários fragmentos", disse Nikolai Popov, especialista em som e análise de voz.

Cessar-fogo no local da queda

O presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, ordenou hoje um cessar-fogo em um raio de 40 quilômetros ao redor do local onde supostamente foi abatido há quatro dias o Boeing 777 da Malaysia Airlines.

"Eu dei a ordem. Os militares ucranianos não devem fazer operações nem abrir fogo em um raio de 40 quilômetros a partir do local da tragédia", disse o líder ucraniano aos jornalistas, após visitar a embaixada da Malásia em Kiev.

Por sua vez, Andrei Purguin, um dos líderes dos separatistas de Donetsk, região onde caiu o avião malaio, assegurou que "os milicianos garantiram a segurança na região da catástrofe desde o primeiro dia após o acidente".

"No entanto, junto ao lugar da tragédia se concentram muitas forças ucranianas. Temo que não se possam evitar escaramuças locais. São possíveis provocações da parte ucraniana", advertiu Purguin.

(*) Com informações da Agência Efe

Massacre: Quase 600 mortos depois, multiplicam-se apelos a um cessar-fogo em Gaza



SOFIA LORENA - Público

Dois civis israelitas, 25 soldados do Exército de Israel e 572 palestinianos foram mortos desde dia 8. Movimentações internacionais aceleram e podem, finalmente, estar no caminho certo.

Quando a noite caiu na Faixa de Gaza a única certeza dos habitantes é que poderiam morrer antes do amanhecer. O mesmo sabiam os combatentes do Hamas e os militares israelitas que entraram na madrugada de sexta-feira no pequeno enclave palestiniano, às ordens do Governo de Benjamin Netanyahu.

Um cessar-fogo começa finalmente a surgir como possível, mas vai demorar pelo menos mais alguns dias a negociar. Entretanto, morre-se.

Pelo menos 572 palestinianos foram mortos na Faixa de Gaza desde dia 8 de Julho, quando Israel lançou uma operação (inicialmente com ataques – a partir do seu território e de navios – e bombardeamentos) destinada a impedir o lançamento de rockets. Segundo a ONU, mais de 72% destas vítimas são civis (o maior grupo são crianças). Os feridos eram já ao final do dia de segunda-feira 3350. Do lado israelita, 25 soldados foram mortos (todos desde sexta-feira) e dois civis morreram vítimas de rockets palestinianos.

“Desejaríamos que os israelitas tomassem medidas ainda mais importantes para assegurar a protecção dos civis”, disse o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, reafirmando o direito de Israel a “defender os seus cidadãos” e considerando inaceitável que o Hamas continue a disparar rockets na direcção de civis israelitas”. O que disse Earnest é o que tem dito Barack Obama, juntando o pedido aos israelitas para se esforçarem mais na tentativa de evitar matar civis.

Cada dia tem sido pior do que o anterior. Na sexta-feira, morreram mais de 60 palestinianos, sábado quase 90, domingo 120, incluindo 70 num só bairro, Shajaya, subúrbio da Cidade de Gaza, descrito por Israel como “uma fábrica de bombas”. Segunda-feira, enquanto mais de 100 palestinianos morriam (28 de uma só família), começaram a multiplicar-se os apelos a um cessar-fogo. Obama fez um. O Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se para aprovar uma declaração onde pede o fim imediato das hostilidades. Ban Ki-moon, secretário-geral da organização, foi mais longe na linguagem e descreveu o ataque israelita a Shajaya como “uma acção atroz”.

Ban falava ainda no Qatar, primeira paragem de um pequeno périplo no Médio Oriente. Ao contrário dos outros líderes que têm ido à região, o líder da ONU preferiu iniciar em Doha a sua viagem, seguindo só depois para o Cairo e Israel. O mundo ocidental continua a insistir na mediação egípcia, mas é no Qatar, onde vive exilado o líder do Hamas, Khaled Meshaal, que algo pode ser conseguido junto do movimento, que é classificado como organização terrorista por Israel, EUA e a União Europeia.

Segunda-feira foi o dia em que finalmente o líder da Autoridade Palestiniana,Mahmoud Abbas, se encontrou com Meshaal. No fim, pediram o fim “da agressão israelita” e pareceram ter afinado agulhas. Agora, já não é só o Hamas que exige o fim do bloqueio a Gaza (da Faixa não se pode sair nem para Israel, onde o impedem checkpoints e uma vedação fortificada, nem para o Egipto nem para o mar, patrulhado por Israel), com a abertura do posto fronteiriço de Rafah (Egipto) ou a libertação de prisioneiros detidos por Israel.

“Isto não são condições mas compromissos que Israel deve honrar”, afirmou depois do encontro Saeb Erakat, o homem que costuma negociar em nome da Fatah, de Abbas as tentativas internacionais para obter a paz. Esta guerra, que Israel começou por chamar “operação” e agora descreve como “campanha”, “é uma guerra dirigida, não contra Gaza, mas contra o conjunto do povo palestiniano, da sua reconciliação e do projecto de dois Estados”, um palestiniano, um israelita, disse ainda Erakat.

Apoio internacional “muito forte”

Recorde-se que o actual conflito acontece menos de três meses depois de as duas facções da Palestina terem chegado a um consenso para formar um governo de unidade que deveria ter assumido a gestão da Cisjordânia e de Gaza. Ao mesmo tempo, segue-se a um esforço liderado pelo secretário de Estado de Obama, John Kerry, para negociar um acordo de paz (Israel recusou continuar nas negociações após a reconciliação da Fatah, que governa a Cisjordânia ocupada, com o Hamas, eleito nas legislativas de 2006 na Faixa de Gaza).

Depois do Qatar, Abbas enviou representantes seus para o Cairo, a tempo de lá chegarem para discutir com Ban e com Kerry, que aterrou na capital egípcia segunda-feira à noite. O Governo de Netanyahu diz que as suas forças “estão a avançar no terreno de acordo com os planos” e que “a operação vai continuar a ser alargada até estarem alcançados os seus objectivos – restaurar a calma para os cidadãos israelitas durante um longo período”.

Domingo, o primeiro-ministro israelita congratulara-se pelo “apoio internacional muito forte” que a sua ofensiva estava a receber. Depois da carnificina de domingo, o tom internacional mudou um pouco. E é possível que Netanyahu esteja disposto a pôr fim às operações militares até sexta-feira, a última deste Ramadão (o mês sagrado do jejum para os muçulmanos praticantes), podendo declarar vitória e apresentar aos israelitas a destruição de dezenas de túneis e de rampas de lançamento de rockets.

Certo é que nos próximos dois dias vão existir conversas significativas entre o Cairo e Jerusalém. Depois de Ban passar pelo Qatar e de Abbas falar com Meshaal, o governo egípcio afirmou estar disposto a incluir algumas das condições do Hamas numa proposta que apresentou há uma semana e que avançava apenas com um cessar-fogo (e que anunciara, sábado, já não estar em cima da mesa).

Quase metade de Gaza é “zona a evitar”

Entretanto, morre-se. Esta segunda-feira, Israel atingiu pela terceira vez um hospital na Cidade de Gaza. Trata-se do Al-Aqsa, um hospital público que já existia quando o Hamas chegou ao poder em Gaza. Fica no bairro de Deir al-Balah, até agora considerado mais seguro do que outras zonas e, por isso mesmo, um lugar para onde muitos tinham fugido.

Pelo menos cinco pessoas morreram e 70 ficaram feridas neste ataque. A Cruz Vermelha e os Médicos Sem Fronteiras estavam a tentar retirar do Al-Aqsa pacientes e feridos – nenhum hospital de Gaza tem neste momento condições para receber mais gente ou tratar pessoas com condições mínimas (para além da água e da electricidade, já falta um pouco de tudo). Mark Regev, porta-voz de Netanyahu ouvido pela Al-Jazira, afirmou não ter dúvidas que “o Hamas usa hospitais”, explicando não estar “ao corrente desta situação específica”.

Certo é que por mais que Israel insista que informa sempre as populações antes de cada ataque, os habitantes da pequena Faixa (1,8 milhões) sentem não ter para onde ir. A ONU diz que há mais de 100 mil deslocados e abriga 85 mil nas suas instalações, mas avisa que está a ficar sem stocks (comida, água, colchões, cobertores…), acrescentando que nem as morgues têm espaço. Quando alguém pergunta a um habitante sobre os avisos israelitas, ouve sempre como resposta a pergunta “Fugir para onde?”, escreve a correspondente da BBC, Lyse Doucet, no site da emissora. Segundo a ONU, 43% de Gaza está já “afectada pelos avisos de evacuação” ou foi declara “zona a evitar”.

Na foto: Médicos palestinianos acodem a um rapaz ferido num bombardeamento israelita - REUTERS/IBRAHEEM ABU MUSTAFA

GUINÉ EQUATORIAL: A DEMOCRACIA DO PETRÓLEO



José Filipe Pinto – jornal i, opinião

Salazar contou a anedota moderna do inglês. Incisiva: "É necessário arranjar dinheiro, honestamente, se puder ser, não podendo ser, é necessário arranjar dinheiro"

O próximo dia 23 de Julho vai ficar na história da Lusofonia como a data da entrada da Guiné-Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Oitenta e seis anos atrás, em Coimbra, Salazar, malgrado o seu ar sisudo, contou a anedota moderna do inglês. Curta. Incisiva. Dizia assim: "É necessário arranjar dinheiro, honestamente, se puder ser, não podendo ser, é necessário arranjar dinheiro".

E o que têm em comum dois factos à partida tão díspares? Mais do que aquilo que seria previsível e desejável, como à frente se verá.

Assim, Díli vê chegar a bom porto a pretensão do presidente Teodoro Obiang Nguema, depois de um processo longo e que já tinha logrado um primeiro sucesso em 2006, quando o país obteve o estatuto de associado da CPLP.

Um percurso acidentado devido às reticências de alguns membros, com Portugal à cabeça, relativamente ao regime vigente na Guiné-Equatorial e tutelado, desde 1979, pelo atual presidente que conta com o filho como segundo vice-presidente para a Defesa e Segurança do Estado.

Por isso, na Cimeira de Luanda, em 2010, os representantes portugueses invocaram a necessidade do cumprimento dos estatutos e a delegação da Guiné-Equatorial regressou a penates com uma espécie de caderno de encargos e sem a qualidade de membro efetivo da CPLP.

Isso porque os estatutos estipulam que a organização só pode admitir como membro um país que tenha o português como língua oficial e manifeste, sem reservas, adesão aos princípios que norteiam a CPLP, ou seja, regime democrático, boa--governação e respeito pelos Direitos Humanos. Como a CPLP está impedida de qualquer ingerência na vida interna dos membros, percebe-se a imposição de condições a priori .

Porém, em Maputo, em 2014, o Conselho de Ministros viria a dar luz verde à pretensão equato-guineense, através de uma recomendação à X Conferência de Chefes de Estado e de Governo a realizar em Díli.

Face ao exposto, uma primeira leitura apontaria para a circunstância de os membros da CPLP considerarem que a Guiné-Equatorial tinha cumprido as exigências formuladas.

Uma interpretação que, no entanto, está longe de consensual, apesar de o português ter passado a ser a terceira língua oficial da Guiné-Equatorial - depois do espanhol e do francês - e da entrada em vigor de uma moratória que suspendeu - coisa diferente de proibiu - a pena de morte.

Na verdade, de acordo com relatórios de organizações internacionais credíveis e testemunhos dos jornalistas que têm a sorte de obter um visto de entrada no país, a Guiné-Equatorial não apresenta um desempenho passível de ser considerado democrático.

Por isso, o índice Mo Ibrahim de boa- -governação coloca a Guiné-Equatorial na 45.a posição entre os 52 países africanos considerados, com uma avaliação negativa - 40,9% - e a agravante de a rúbrica de Participação e Direitos Humanos se quedar pelos 25,6%.

Trata-se de um país rico, mas onde, apesar de o presidente defender que não há pobreza mas penúria, a percentagem de pobres é superior a 70%. Um país onde as enormes receitas do Estado só são suficientes para proporcionar água potável a metade da população.

Como explicar, então, a entrada na CPLP?

Em primeiro lugar, alguns membros da organização estão longe de constituírem um modelo aceitável de boa-governação.

Em segundo, a "democracia do petróleo", mais a mais contando com o apoio do gás natural, da pesca e da construção de infra-estruturas, dispõe, como trunfo adicional, de capitais para investir na Lusosfera. A "diplomacia do livro de cheques". Uma organização deveria ter interesses e princípios. Algumas elites e a crise encarregaram-se de dispensar os segundos.

Afinal, os dois factos iniciais têm muito em comum.

Professor Catedrático em Ciência Política - Especialista em Lusofonia

ENTRAR NA CPLP É REGRESSAR A CASA - MNE da Guiné Equatorial




Malabo, 22 jul (Lusa) - O ministro dos Assuntos Exteriores da Guiné Equatorial, Agapito Mbo Mokuy, considerou, em entrevista à agência Lusa, que a entrada do país na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) constitui um "regresso a casa".

Em entrevista à agência Lusa, o ministro recordou que o país foi colonizado mais tempo por Portugal do que por Espanha, pelo que os laços entre a lusofonia e a Guiné Equatorial são "muito fortes e históricos".

"Hoje em dia, integrar a CPLP é somente voltar a casa", completando uma "realidade histórica", salientou Agapito Mbo Mokuy.

O país foi descoberto no século XV por navegadores portugueses, que fundaram a atual capital, Malabo, na antiga ilha de Fernão Pó (atual Bioko). Em 1777, o território que compõe a atual Guiné Equatorial foi entregue à Coroa espanhola no âmbito do Tratado de São Ildefonso, permitindo a regularização das fronteiras interiores do Brasil, que estavam muito além dos limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas, de 1494.

No processo de adesão à CPLP, a Guiné Equatorial foi obrigada, entre outras condições, a ter o português como língua oficial e está em curso um programa de ensino no país.

Agapito Mbo Mokuy, que está já a ter aulas de língua portuguesa, mostrou-se confiante no sucesso do ensino, considerando que "o espanhol é muito similar ao português e por isso será muito fácil aprender".

No entanto, a "aprendizagem do português não tem que ser o único objetivo" na entrada da Guiné Equatorial, que aposta mais na "integração económica e política dos países da CPLP".

"É verdade que estamos a aprender o idioma, mas o que temos como objetivo final é esta integração económica e política" dos países da CPLP que "usam o português como veículo e idioma de comunicação".

PJA // VM - Lusa

CPLP: Começou XIX Conselho de Ministros com presença de MNE da Guiné Equatorial




A XIX reunião ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) começou hoje em Díli com a presença do chefe da diplomacia da Guiné Equatorial, Agapito Mba Mokuy.

"O ministro dos Negócios Estrangeiros vai ficar no encontro até ao início do debate político", disse fonte da organização do encontro.

Agapito Mba Mokuy entrou na sala depois dos restantes representantes dos países da CPLP e sentou-se ao lado dos representantes da Guiné-Bissau.

Durante o encontro, o Conselho de Ministros vai analisar a criação de um grupo para estudar a exploração e produção conjunta de hidrocarbonetos na organização.

Timor-Leste, que assume quarta-feira a presidência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), propôs aos Estados-membros a criação de um consórcio para a exploração de hidrocarbonetos 'onshore' em território timorense.

O assunto vai ser hoje analisado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP, segundo uma versão da agenda do encontro a que a agência Lusa teve acesso.

Outro tema em análise vai ser a Confederação Empresarial da CPLP.

Os chefes da diplomacia vão também discutir a concessão da categoria de observador associado da CPLP à Geórgia, Namíbia, Turquia e Japão.

Da agenda dos trabalhos, consta igualmente a apresentação do Relatório do Representante Especial da CPLP na Guiné-Bissau.

A Guiné-Bissau foi suspensa da organização em 2012 e regressa agora aos trabalhos depois de realizadas eleições gerais que culminaram na tomada de posse dos novos Presidente, José Mário Vaz, e primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, que chega hoje a Timor-Leste para estar presente na cimeira de chefes de Estado e de Governo da organização na quarta-feira.

Outros assuntos em destaque da agenda do Conselho de Ministros são a eleição do novo diretor executivo do Instituto Internacional de Língua Portuguesa e a proposta de recondução do secretário-executivo da CPLP, o moçambicano Murade Murargy, no cargo.

Apesar do assunto não constar da agenda, o Conselho de Ministro deverá também falar sobre a possível entrada da Guiné Equatorial na CPLP, depois de terem recomendado em fevereiro em Maputo a adesão daquele país à organização durante a cimeira de chefes de Estado e de Governo de Díli.

O Presidente Teodoro Obiang, que tinha previsto chegar a Díli hoje às 07:00 locais (23:00 de segunda-feira em Lisboa) adiou a chegada à capital timorense para as 17:00 locais (09:00 em Lisboa), segundo informações de responsáveis timorenses à agência Lusa.

Lusa, em Sapo TL

Na foto: Agapito Mba Mokuy

A FORÇA IDENTITÁRIA DO FUTEBOL (i)



Inocência Mata – Afropress, colunistas

Que existe uma estreita relação entre futebol e política, já ninguém contesta. Basta ver a forma como certos regimes se apropriam do futebol, e o manipulam, em diferentes momentos políticos da história. Um exemplo bem conhecido é o do uso que o Estado Novo fez do futebol e de seus símbolos (Eusébio, por exemplo)  em Portugal; ou como o futebol foi durante muito tempo o lugar onde os defensores de uma imagem asséptica da nação brasileira, sem dissensos e sem contradição, apresentando um Pelé como símbolo da democracia racial (ideia que o próprio internalizou e defende até hoje!), ou, hoje, o uso que no Brasil tem vindo a ser feito desse desporto, por parte do regime e de seus opositores, sobretudo estes que sempre haviam visto no futebol um instrumento de alienação popular pelo poder que detinham e representavam e que hoje o instrumentalizam para contestar o poder que perceberam que já não controlam na totalidade. A adesão sentimental que o futebol desperta, que não raro resulta em idolatria (decorrente da alienação social),  pode, portanto, ser manipulada, enquanto cultura de massas, para servir o poder dessa elite que apregoa a “cultura” color-blind (quando lhes convém, claro), tanto através do fenómeno da alienação quanto através do sentimento de “paixão nacional”.

Que existe uma profunda relação entre futebol e identidade, também ninguém contesta. Podemos até pensar que a nossa opção de torcida é racional, sobretudo em jogos em que competem selecções nacionais, mas optarmos torcer por uma equipa em vez da equipa adversária é uma opção grandemente identitária e não tão “racional” ditada por razões meramente técnicas. E isso acontece mesmo em jogos nacionais, isto é, quando joga o Progresso do Sambizanga e o Primeiro de Agosto, em Angola, ou o Sporting e o Futebol Clube do Porto, em Portugal.

Pode é parecer menos natural, porque menos visível, a relação entre futebol e ideologia, embora essa relação já esteja muito estudada por historiadores da cultura, sociólogos e politólogos. No seu livro Sociologia do futebol: dimensões históricas e sociológicas do esporte das multidões[ii], Richard Giulianotti mostra a relação entre futebol e ideologia, particularmente, no nacional-socialismo, no Estado Novo português, na ditadura militar brasileira, e antes, a ideologia do imperialismo britânico do século XIX. Exactamente por se tratar de um fenómeno cultural de massas, o futebol não é isento de ideologia, aqui entendida como “um conjunto estruturado de imagens, de representações, de mitos, determinando certos tipos de comportamentos, de práticas, de hábitos e funcionando (...) como um verdadeiro inconsciente”[iii].

Vem tudo isso a propósito do profundo, desvastador mal-estar sentido pelos, eu ousaria dizer, 99% dos meus ouvintes neste momento [no dia 09 de Julho] com a estrondosa derrota do Brasil neste Mundial de 2014. Eu estava estado de choque e desliguei a televisão ao quarto golo sem resposta; sofri, deprimi-me, amaldiçoei o mau comportamento do Thiago Silva, a lesão do Neymar, a solidão do Júlio César, as opções do Scolari. E porquê tudo isto? Tive de fazer um esforço para encarar aquilo como realmente é: um jogo e nada mais, que não iria mudar a minha vida! Ora, alguém insinuou-me que tal se deveu, sobretudo tratando-se de portugueses, ao facto de se ter estado à espera que o Brasil “vingasse” outra estrondosa derrota, a de Portugal. Eu não creio que esta relação (desolação è vingança) seja tão linear: mesmo que Portugal tivesse derrotado a Alemanha por 4 – 0, estou convencida de que os portugueses estariam a torcer pelo Brasil – portanto, a desolação também sentida por portugueses, poderá ter a ver com aquela derrota, mas esta não a explica, pelo menos na totalidade (na verdade, como explicar a desolação sentida por são-tomenses, angolanos, cabo-verdiano, timorenses, chilenos, costa-riquenhos, sul-africanos, tunisinos, quenianos, e outros “periféricos”?). Outro argumento que li é que nós, “os lusófonos”, sentimos todos a derrota (faço parênteses para dizer que nunca uso este termo, porém ele existe e infelizmente é utilizado para referir uma determinada comunidade, mas isso é outro assunto que não cabe no âmbito desta crónica): pois será assim, será pelo facto de sermos lusófonos – ainda que a comunidade linguística possa ser um grande e fortíssimo elemento de aproximação? Olhe que torci pela França, no Mundial de 1998, na final com  o Brasil, e não foi por motivos tácticos como podem estar a pensar: o facto de então a equipa francesa ter muitos descendentes de africanos – o que fazia com que eu jocosamente dissesse ser aquela a equipa dos meus “sobrinhos” – o que fazia com que a Direita francesa, designadamente Le Pen, dissesse que não se reconhecia naquela equipa, era mais importante do que uma qualquer “solidariedade lusófona”… Assim como numa das partidas do Mundial de 2006, num jogo entre o Brasil e o Gana, eu torci pelo Gana, tendo uma amiga brasileira ficado “estupefacta” (expressão dela!) porque, dizia ela, era lógico que eu deveria torcer pelo Brasil (eu, por meu turno, fiquei estupefacta não ter ela percebido as minhas motivações). O facto de eu ser africana e, logicamente para mim, me sentir mais proxima de qualquer equipa Africana, não lhe dizia nada… Além  de que, e voltando a este Mundial, se a Alemanha estivesse a jogar contra a Costa Rica ou contra a Colómbia, por quem torceríamos – pelos menos,  a esmagadora maioria dos que me lêem? Volto a ousar afirmar a minha convicção de que seria pela Costa Rica ou pela Colómbia. E porquê? Será porque o futebol funciona também como mecanismo de comunicação entre iguais – sendo que, neste caso, os iguais são os povos periféricos, os do dito sul?

Agora que o Mundial está (quase) no fim, lambidas as feridas e todo o mundo pronto a escolher a sua equipa, portanto, não obstante todas as críticas sobre o poder alienante do futebol, que eu subscrevo, o futebol é, sim, lugar de construção identitária – e isso no sentido positivo dessa construção.

[i] Crónica lida aos microfones da RDP-ÁFRICA (Lisboa) no dia 09 de Julho de 2014, com o título “O que pode o futebol”. Adaptada.
[ii] Richard Giulianotti. Sociologia do futebol. Dimensões históricas e sociológicas do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.
[iii] Claude Prévost. Literatura, política, ideologia. Lisboa, Moraes Editores, 1976 (p. 171-172).

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