José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Quatro anos
chegaram para desvanecer a esperança com que tantos americanos - e tantos
outros não americanos - encararam a primeira eleição de Obama. Na verdade, se
algo marca a sua reeleição na semana que agora finda é a nítida sensação de que
ela ocorreu em clima de profunda desilusão. Foi essa desilusão que, apesar das
facilidades dadas por uma candidatura republicana refém do fundamentalismo
estúpido do Tea Party - com pérolas como a das "violações legítimas"
ou a da inspiração comunista da teoria da evolução -, determinou que a
reeleição do grande vencedor de há quatro anos tenha sido conseguida em
tremendo esforço e por uma unha negra.
Em 2008, Obama
soube capitalizar a necessidade vital de esperança da sociedade americana. A
agressão neoconservadora à grande maioria da sociedade americana - através da
drenagem da economia para as guerras infinitas, do estímulo à especulação
financeira crescentemente irresponsável ou da protecção dos mais ricos dos
ricos no pressuposto fantasioso de que isso geraria estratégias de emulação
pelo povo pobre - tinha deixado os Estados Unidos estilhaçados e tinha
destruído boa parte dos laços de pertença de pessoas e de comunidades. Foi face
a isso que Obama se assumiu como o american dream ele mesmo, redentor suave de
todas as fraturas, de todas as culpas, de todos os traumas. Como em tantos
melodramas de Hollywood, o personagem Obama alimentou a crença em que o
capitalismo americano se poderia reconciliar consigo próprio e renascer.
Os últimos quatro
anos foram a perda da inocência dessa crença. Obama não atacou as causas da
crise financeira, antes transferiu os seus efeitos fazendo-a ser paga pelos
cidadãos americanos e pelos não americanos apanhados pelas ondas de choque do
sub-prime. Obama não afrontou o poder de Wall Street, antes designou altos
quadros da Goldman Sachs e do Citibank para cargos estratégicos na condução da
política económica americana. Obama não resolveu a chaga da falta de um sistema
público de saúde, antes criou um mercado de serviços de saúde em que o Estado
paga as faturas mas se coíbe de prestar ele próprio cuidados fundamentais.
Obama não tratou os imigrantes de forma diferente, antes duplicou o número de
'ilegais' deportados por Bush para os seus países de origem. Obama ordenou a
retirada do Iraque, mas manteve como Secretário da Defesa o homem que Bush
nomeou para coordenar a máquina de guerra e redobrou a campanha no Afeganistão.
A nova era não veio.
"O melhor
ainda está para vir", proclamou na noite da reeleição. Obama anuncia, à
sua maneira profética, o mesmo que os governantes europeus anunciam com menos
elegância oratória: que, sangrado o doente, virá a saúde eterna. Mas, na
verdade, o que ele promete é apenas a continuidade da sangria. Obama é um
democrata clintoniano e não rooseveltiano. Nunca o ouvirão dizer - como disse
esse seu antecessor - que compreende as razões dos que odeiam os ricos. Não,
como Clinton, ele dará continuidade à orientação antissindical, à política de
rebaixamento dos salários, à cumplicidade com Israel contra a Palestina, à
manutenção do império dos combustíveis fósseis e ao dogma de que os bancos são
demasiadamente grandes para falirem.
Um Obama assim é a
prova da perversão de um sistema político em que os democratas dão por
garantido o voto da esquerda e, por isso, apostam sempre na sedução à direita.
De tal forma que ficam eles próprios seduzidos pelo objecto da sedução. Talvez
esta seja a mais útil contribuição das eleições americanas para Portugal.