Paula
Santos – Expresso, ontem
Na
passada sexta-feira o país tomou conhecimento da declaração de
inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional de três normas do Orçamento de
Estado para 2014, a
saber, o corte nos salários dos trabalhadores da administração pública, o corte
de 6% no subsídio de desemprego e 5% no subsídio de doença e o corte nas
pensões de sobrevivência.
1.
Vamos aos factos - durante o período de governação do atual Governo, suportado
pelo PSD e CDS-PP, nunca houve um orçamento de estado constitucional, ou dito
de outra forma, todos os orçamentos de estado propostos pelo Governo e
aprovados pela maioria PSD/CDS-PP continham normas inconstitucionais.
Portanto,
a questão da legitimidade deste Governo volta a colocar-se. confirma-se que
este Governo, que já não tinha legitimidade para continuar em funções porque a
maioria na Assembleia da República não corresponde à vontade expressa pelo povo
nas eleições para o Parlamento Europeu, não tem ainda legitimidade porque
pretende continuar a governar à margem da Constituição da República Portuguesa.
Se
há um aspeto que caracteriza a governação de PSD e CDS-PP é o constante
desrespeito e violação da lei mãe - a Constituição da República Portuguesa.
2.
Perante esta decisão do Tribunal Constitucional, em vez de a respeitar e se
preparar para a cumprir, o Governo anda mais preocupado em sacudir as suas
responsabilidades para o Tribunal Constitucional. As declarações públicas de
membros do Governo, de dirigentes do PSD e do CDS são exemplo da tentativa de
responsabilizar o Tribunal Constitucional pelas medidas inconstitucionais
aprovadas exatamente por PSD e CDS-PP. Mas de quem é a responsabilidade da
inconstitucionalidade das normas? O Governo e o PSD e o CDS que as propuseram e
aprovaram, ou o Tribunal Constitucional que simplesmente analisou a sua
conformidade com os princípios constitucionais?
E
quem tem de corrigir o erro é quem o cometeu, o Governo, o PSD e o CDS-PP e não
o Tribunal Constitucional.
Aliás,
o próprio Primeiro-Ministro deu-se ao desplante de chantagear o Tribunal Constitucional
com as consequências da sua decisão, dias antes de a conhecer, procurando
condicioná-la, "esquecendo-se" de uma questão central, já uma vez bem
frisada pelo próprio Tribunal Constitucional - são as leis da república que se
têm de submeter à Constituição e não é a Constituição que tem de se submeter às
leis.
Tais
atitudes e afirmações responsabilizam quem as proferiu, mas evidenciam bem o
desprezo e a desconsideração do Governo, do PSD e do CDS-PP pelas instituições
democráticas e constitucionais.
3.
O país tomou ontem conhecimento de que o Primeiro-Ministro dirigiu um pedido à
Presidente da Assembleia da República para que peça esclarecimentos adicionais
ao Tribunal Constitucional sobre a decisão proferida. Mas alguém acredita que
Passos Coelho tenha efetivamente dúvidas sobre o conteúdo da decisão? O que
estará por detrás deste pedido? Parece cada vez mais claro que o objetivo do
Governo é não dar cumprimento à decisão tomada pelo Tribunal Constitucional.
Tudo indicia que o Governo se prepara para encontrar pretextos para o fazer,
pretendendo até instrumentalizar a Assembleia da República para prosseguir o
confronto com o Tribunal Constitucional.
4.
E diante de mais uma declaração de inconstitucionalidade o que pretende o
Presidente da República fazer para garantir o normal funcionamento das
instituições democráticas. Há muito que o seu funcionamento foi colocado em
causa.
O
Presidente da República fez um juramento de cumprir e fazer cumprir a
Constituição da República Portuguesa. Então porque não demite o Governo, fora
da lei, dissolve a Assembleia da República e convoca eleições legislativas
antecipadas? É isto que se exige do Presidente da República.
Durante
o período de vigência do dito "memorando de entendimento" das
troicas, o Governo foi implacável para quem vive do seu trabalho, mas um
cordeirinho para os que acumularam riqueza, à custa da exploração e do
empobrecimento do povo.
Da
aplicação das medidas que constavam do memorando resultaram mais 670 mil
desempregados, 470 mil empregos destruídos, 600 mil portugueses atirados na
pobreza (atingindo cerca de três milhões de portugueses no total), mais de 200
mil portugueses obrigados a emigrar e quase 100 mil empresas liquidadas.
O
povo português foi muito claro nas últimas eleições - rejeitou a política de
favorecimento dos grupos económicos e financeiros, de empobrecimento e
exploração e de retirada de direitos e reclamou uma profunda alteração de
política, por uma política que sirva os interesses do povo e do país.
É
a essa expressão de vontade que tem de corresponder um novo Governo.