Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
Isto das dívidas
soberanas é um bocado como as vacas loucas e o antrax, é por ondas. Qualquer
dia se calhar ninguém fala disto, como ninguém falou antes."A frase é de
um dos entrevistados do DN de amanhã, quadro de uma multinacional alemã
despedido em 2012 que agora, usando as poupanças, joga na bolsa para sustentar
a família.
Vítor - chama-se
Vítor, 40 anos - julga ter aprendido a seguir "a mão invisível":
"Há ciclos. E nestes três anos houve gente a fazer muito, muito dinheiro.
Houve bancos e empresas portuguesas que subiram 300%. E enquanto os resultados
do País eram cada vez piores, os juros da dívida desciam cada vez mais. Um dos
ativos mais lucrativos, aliás, foi a dívida grega - os especuladores perceberam
que o caminho era sempre a descer, e portanto valia a pena comprar."
Porque, explica, "deve-se comprar no caos e vender quando está tudo
eufórico".
Mas, claro, quando
a esmola é muita o pobre deve desconfiar: "Houve uma altura em que éramos
os piores do mundo, e agora somos os melhores, e sem ter mudado nada. Tenho
receio do que pode suceder." O que pode suceder, risco para o qual muitos
economistas não engajados na teoria da "austeridade salvífica"
alertam, é que não tendo a descida dos juros qualquer relação com o estado da
economia dos países, tudo pode mudar de um momento para o outro - e sem aviso.
Numa entrevista
dada nesta semana ao Público, o britânico Philippe Legrain, conselheiro de
Barroso entre 2011 e fevereiro de 2014 ("Nunca seguiu os meus
conselhos", comenta), reforça a teoria da conspiração de Vítor. Os resgates
da Grécia, Portugal e Irlanda foram resgates aos bancos alemães e franceses,
diz Legrain: não foi reestruturada a dívida grega, em 2010, quando se revelou o
estado das contas da Grécia, porque isso implicava grandes perdas para os
bancos dos dois países do "diretório". "Emprestar dinheiro a uma
Grécia insolvente transformou os maus empréstimos privados dos bancos em
obrigações entre governos", explica este economista, que publicou neste
ano um livro sobre a crise europeia. "O que começou por ser uma crise
bancária que deveria ter unido a Europa nos esforços para limitar os bancos
acabou por se transformar numa crise da dívida que dividiu a Europa entre
países credores e países devedores. E em que as instituições europeias funcionaram
como instrumentos para os credores imporem a sua vontade aos devedores."
Em 1936, a três dias de ganhar
o segundo mandato, Roosevelt, o presidente que regulou o sistema bancário que
causara a Grande Depressão de 1929 e ergueu a América da miséria com o New
Deal, disse: "Sabemos agora que o governo pelo dinheiro organizado é tão
perigoso como o governo da máfia." Setenta e oito anos depois, o dinheiro
organizado brinda à vitória. E os servos, alvares, emulam-no.