segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O SOCIAL E O POLÍTICO (2)




Rui Peralta, Luanda

I - Nos movimentos e revoltas populares dos últimos anos, ocorridos na América Latina e na Índia, podem ser detectadas organizações e estruturas mobilizadoras que superaram a divisão entre o social e o político. É o caso dos camponeses de Chiapas, no México, organizados no Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Defendem o seu território assediado pelo governo e pelas corporações do agronegócio e da mineração e salvaguardam a sua produção. Pelo caminho realizaram assembleias, procederam a consultas e estabeleceram as bases de um projecto anticapitalista, como projecto de nação, evitando desta forma participar nas eleições e inserirem-se no regime democrático, praticando no entanto o procedimento democrático nas regiões por eles ocupadas.

Isto não implica o descarte da participação eleitoral, nem da intervenção parlamentar, mas sim um marcar de posição de força que deve ser efectuada antes da participação eleitoral e parlamentar, demonstrando que o capital näo é a única força extraparlamentar e obrigando-o a uma tomada de posição num campo de batalha que já não é escolhido pelo capital e onde os cenários já não são os elaborados pelos seus encenadores. Esta posição não foi apenas assumida pelos camponeses de Chiapas e o seu EZLN. Foi também a dos cocaleros do Chapare, pelos indígenas de Omasuyo, pelas populações de El Alto e mais centenas de exemplos da Bolívia, que optaram pelo cenário eleitoral mas sem delegarem a formulação do seu programa nem a sua representação.

II - O exemplo boliviano é impar nesta questão. A intervenção eleitoral neste país realizou-se sobre a base de um enorme movimento social dos povos indígenas, maioritários no país, num cenário de confrontação violenta, onde estradas foram cortadas, fazendas ocupadas, cidades bloqueadas, o parlamento foi cercado, o movimento grevista alastrou-se por todo o país e existiram choques violentos com a polícia e o exército, que apresentaram sintomas de desagregação. Esta intensa batalha terminou com a imposição, pela primeira vez em meio milénio, de um presidente aymara, Evo Morales. Este foi um processo eleitoral que o Capital não conseguiu controlar e que representou uma enorme conquista popular, que se estendeu nas lutas pela divisão e recuperação de terras e pela defesa da soberania sobre os recursos naturais.

Como explica o Vice-presidente García Linera: "El primer componente central del "evismo" es una estrategia de lucha por el poder fundada en los movimientos sociales. Esto marca una ruptura con las estrategias previas que ha conocido nuestra historia política y buena parte de la historia política continental y mundial. Anteriormente, las estrategias de los sectores subalternos estaban construidas a la manera de una vanguardia política cohesionada que lograba aglutinar en su base social a estos movimientos (...) En otros se trató de una vanguardia política democrática-legal o armada que lograba arrastrar o empalmarse con movimientos sociales que la catapultaban (...) El "evismo" modificó ese debate, al plantearse la posibilidad de que el acceso al poder sea obra de los propios movimientos sociales" (Álvaro García Linera, Vice-presidente boliviano; Los fundamentos del "evismo", Revista DEF n° 9, Argentina, Maio, 2006).

Na Bolívia, desde a guerra da água em Cochabamba, afirmava-se um movimento que não separava as questões sociais das políticas, porque desconhecia a tradição europeia do braço sindical / braço político (o movimento iniciado em Cochabamba desconhecia esta questão, mas não o movimento mineiro, que nas insurreições mineiras dos anos cinquenta e sessenta do século passado foi vitimado por esta divisão, o mesmo se podendo dizer do falhanço das negociações entre o Exército de Libertação Nacional, liderado pelo Che e o Partido Comunista Boliviano).

III - A participação dos povos indígenas nas lutas nacionais não divide os seus programas em mínimo e máximo. Essa é uma divisão tradicional das correntes socialistas urbanas que a herdaram da social-democracia europeia do século XIX e que foi aplicada á letra pelos partidos comunistas no século XX e ainda na actualidade. Ao dividir-se em sindicato e partido a acção proletária, faccionava-se o programa em mínimo, que abarcava as reivindicações possíveis de obter sob o jugo do Capital, adjudicadas ao sindicato e geridas nas instituições burguesas e em máximo, o tal programa que conduziria ao socialismo, sempre mencionado nos discursos de aniversário do partido e que seria construído em data incerta e longínqua (os amanhãs que cantam, sempre cantados em coros desafinados e que eram sempre amanhãs, mas nunca hoje. Alias nos casos em que os amanhãs que cantam foram transformados em hoje cantado, a realidade revelou-se tão alienante como o capitalismo e anunciadora de um depois de amanhã catastrófico).

Na Índia os maoistas forneceram cobertura política a um movimento que eles, efectivamente não controlam e que os obriga a uma praxis politica e social que os afasta das suas deambulações ideológicas. Aliás, foi por terem compreendido quão nefasta é esta falsa divisão entre o social e o político, que a sua implementação nas zonas insurrectas foi conseguida e a sua presença aceite pelas comunidades da cintura florestal. Mas o mesmo näo se passa na estrutura urbana da organização maoista indiana, que mantém o seu aparelho tradicional assente nesta falsa dicotomia. O resultado revela-se desastroso nas zonas urbanas, permitindo que o governo do capitalismo BRICS indiano controlo em absoluto os meios de informação e propaganda e que a oligarquia assuma, nas cidades, o controlo da rebelião, impedindo a comunicação entre as organizações urbanas e as regiões insurrectas (por exemplo os trabalhadores das minas, como as suas organizações estão controladas pelo capital, no sentido em que aceitam as regras do jogo, apesar de trabalharem na cintura florestal, que é simultaneamente a cintura mineira, não participam na insurreição).

IV - No Equador o processo eleitoral que levou Correia á presidência foi consequência de um movimento popular, fortemente mobilizado, que já tinha provocado a derrocada de três presidentes e a cedência constante de uma burguesia em decomposição. O mesmo passou-se na Venezuela, com a chegada de Chávez á presidência e com a sua consolidação, afirmada no dia em que uma tentativa de golpe de estado tentou derrubá-lo, o que provocou um movimento dos bairros pobres, cujos moradores ocuparam as ruas, cercaram o Palácio de Miraflores e derrotaram o golpe, repondo o presidente Hugo Chávez.

No Brasil (um dos motores mundiais do capitalismo BRICS, tal como a India) o Movimento dos Sem Terra (MST), em 2005, realizou uma Marcha Nacional pela Reforma Agrária, percorrendo duzentos quilómetros, de Goiânia a Brasília, com o objectivo de apresentar ao governo do Partido dos Trabalhadores (PT), liderado por Lula da Silva, um programa económico contrário á orientação neoliberal imposta pelo governo. No mesmo ano coordenou, em diversos estados do Brasil, acções de movimentos sociais contra o modelo económico capitalista do governo, “demonstrando a capacidade dos movimentos de pensarem mais além das balizas específicas de reivindicação”, conforme o comunicado do MST em 06 de Janeiro de 2006.

O MST é independente da Central Unitária de Trabalhadores (CUT) e do PT, opõe-se á orientação governamental que favorece os monopólios agroindustriais e luta pela reforma agraria, eternamente prometida pelo PT e formalmente decretada na Constituição, mas escamoteada pelos negócios efectuados com as grandes corporações agroindustriais. É um movimento responsável pelas ocupações de fazendas e terras em vários estados brasileiros, que nasceu das reivindicações do proletariado rural e é hoje uma das estruturas organizativas mais combativas e um incontornável ponto de referência. Eis um bom exemplo da força extraparlamentar do proletariado.

Também no Uruguai as organizações sociais e os militantes políticos quebraram a falsa divisão durante os movimentos pela defesa da água, plebiscitando e aprovando uma reforma da constituição, em Outubro de 2004, que impedia a privatização da água. Embora este movimento näo tivesse tido continuidade e fosse dissolvido nesse amplo imbróglio pantanoso que é a Frente Ampla, esta importante experiencia, que pela primeira vez no mundo impõe que uma Constituição expresse a proibição de privatização de um bem vital, revela a necessidade dos movimentos assumirem-se politicamente de forma autónoma, demonstrando o nefasto que é delegarem as suas competências a partidos de esquerda, sujeitos ao capital, porque beneficiários da lei de ferro da circulação das elites no capitalismo, efectivado, no seu elemento político, pelo regime democrático.

Oito anos passaram-se até que em 2012, um novo e importante movimento contra a actividade mineira em céu aberto e pela defesa da terra e dos recursos naturais, surgiu no cenário social e político do Uruguai. Este movimento realizou três grandes marchas nacionais, a ultima em Outubro de 2012. Enquanto isso a Frente Ampla apoia as corporações mineiras e a esquerda que não se revê nesta Frente, permanece alheada dos movimentos populares, debatendo as formas de participar no próximo processo eleitoral…

Na Argentina, mais especificamente na província de La Rioja, as populações do Vale de Famatina – um paraíso produtor de azeitonas – confrontam-se, desde 2006, com a corporação mineira Barrick Gold, devido ao projecto mineiro desta corporação no Vale de Famatina, que se for avante, irá destruir os glaciares e envenenar as águas dos degelos. As populações do Vale, às quais se juntaram as populações vizinhas de Chilecito, Pituil e Campana, lançaram-se contra este projecto, bloqueando os caminhos e impedindo que as multinacionais instalem-se na Cordilheira dos Andes. Enquanto isso as populações de Andalgalá, em Catamarca, bloquearam as vias para os nevados de Aconquija, nos Andes, contra o projecto mineiro da Água Rica. Estas populações adquiriram experiência nas lutas contra a mineira Alumbrera, desde 1997, um empreendimento de extração de ouro, que revelou-se destrutivo do ecossistema, afectando as actividades rurais da região e obrigando á deslocalização de populações.

Também em Chubut, em Dezembro de 2012, as lutas das populações pelo seus direitos ambientais, obrigaram a suspender os planos mineiros do governo provincial. Muitos mais exemplos de lutas ocorreram e desenvolvem-se nestas cordilheiras, impondo uma lei de defesa dos glaciares e periferias glaciares, que os parlamentares argentinos trataram de amenizar o seu impacto, criando não uma lei, mas uma manta de retalhos, um documento amorfo e incongruente. De qualquer forma este foi um momento de triunfo dos movimentos e das assembleias populares argentinas, que assumiram as questões políticas sem intervenção dos partidos parlamentares.

V - Estes são apenas alguns exemplos de movimentos, que batalham em todo o mundo, embora quase todos os exemplos aqui apresentados, tivessem origem na América Latina (sendo a única excepção a Índia e mesmo neste exemplo, apenas foi focada, de forma ligeira, a questão da luta armada na cintura florestal). A especial incidência na América Latina (que näo deve desfocar o tema, nem nos deve fazer esquecer os exemplos registados noutros continentes e a norte do continente americano, que serão motivo de abordagem na terceira parte deste texto) é motivada pelo facto de esta região viver um momento histórico de implicações mundiais. A deslocação do centro financeiro mundial, ainda para parte incerta e a redefinição das novas periferias, no âmbito da geoeconomia capitalista, por um lado e os processos emancipatórios e revolucionários levados a cabo na América Latina e Caribe, säo a razão principal deste enfoque.

Nesta região existem, segundo o Mapa de conflito mineiros do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mais de 173 projectos empresariais de mineração a céu aberto, onde intervêm 244 empresas. Estas explorações estão em conflito com mais de 200 comunidades indígenas afectadas. Os seis países com maiores populações indígenas agredidas por estes projectos são a Argentina, com 39 comunidades, o Brasil e o Chile, com 34 cada, o Peru, Com 22 e a Colômbia com 20. As causas principais de conflicto säo a expulsão e desapropriação de terras, a violação de direitos ambientais, a contaminação de águas e solos, a inundação de terras, contaminações diversas das produções agrícolas, ameaças ás populações, publicidade enganosa e dolo. A isto á que somar os conflitos provocados pela expansão do agronegócio, as reivindicações camponesas, já históricas, os levantamentos dos trabalhadores mineiros, a luta armada na Colômbia e outras lutas antioligárquicas de carácter urbano, com raízes históricas nesta região.

As variantes de transcender o social e de não aceitar os espaços estanques do social e do político, começam a sentir-se com frequência. A consciência de que os espaços parlamentares não são mais do que teatros de sombras, onde o capital manipula a luminosidade e a qualidade da sombra, é hoje, mais do que nunca, assumida pondo em causa este acordo tácito, que aprisiona a acção proletária ao capital.

As agroindústrias e as mineiras a céu aberto, propriedade na sua maioria de transnacionais, contaminam e destroem a biodiversidade, afectam as comunidades indígenas, provocam os trabalhadores rurais sul-americanos, centro-americanos e caribenhos e são responsáveis pelo empobrecimento das áreas rurais e cinturas florestais do continente. Dos dez países com maior biodiversidade cinco estão na América Latina: o Brasil, a Colômbia, o Equador, o México e o Peru. Todo o ecossistema está gravemente ameaçado e só uma radical reforma agrária, que impeça a privatização da terra e da água e que defenda o ar que todos nós, á escala mundial, respiramos, pode deter este cenário de depredação no continente americano.

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LOBISTAS EXERCEM FORTE INFLUÊNCIA EM PROJETO DE LEI DA UNIÃO EUROPEIA





Especialistas detentores de informações importantes ou agentes em causa própria? Projetos de lei europeus incluem passagens copiadas na íntegra de textos elaborados por lobistas.

Um projeto de lei para 500 milhões de cidadãos da União Europeia é obviamente algo complicado. A fim de evitar efeitos colaterais indesejados, os deputados consultam peritos a respeito das sugestões apresentadas. Estes, no entanto, não são sempre independentes, e a partir do momento em que aconselham no interesse de uma empresa ou organização, passa-se a falar de trabalho de lobby.

Recentemente, o deputado do Partido Verde Jan Philipp Albrecht, relator do Parlamento Europeu para a reforma da legislação sobre proteção de dados, queixou-se do fato de as firmas procurarem esclarecer os parlamentares sobre seus pontos de vista com tamanha avidez. Uma avidez bem maior do que a de outros grupos de interesse, como, por exemplo, organizações não governamentais: em 2012 ele recebeu nove vezes mais convites de lobistas do setor econômico do que de outros grupos, revela Albrecht.

Nesse processo, aparentemente alguns deputados se deixam convencer. Isso é pelo menos o que deduz Marco Maas a partir da análise dos requerimentos para alterações de projetos de lei da UE. Segundo essa análise – realizada pela plataforma LobbyPlag, de que Maas é um dos fundadores – trechos inteiros dos textos foram simplesmente copiados de sugestões apresentadas por lobistas.

Comparando-se com o número de passagens reproduzidas de documentos das empresas com das de documentos das ONGs, logo fica claro que a influência do empresariado "é muito, muito maior do que a das ONGs".

Há controvérsias

Uma vez que o principal interesse da LobbyPlag é a reforma da lei de proteção de dados, em sua plataforma online só se encontram documentos da UE relativos a esse projeto. Portanto, não é possível generalizar a partir dos resultados a que seus organizadores chegaram.

Num grande estudo sobre o papel do lobby na legislação europeia, a politóloga Heike Klüver, da Universidade de Constança, diz não ter encontrado nenhum desequilíbrio entre o empresariado e grupos com metas de maior interesse público.

"Costuma-se sugerir que associações empresariais são muito mais fortes, e que o empresariado domina a legislação, enquanto outros grupos da sociedade mal são escutados", descreve Klüver. No entanto, em sua pesquisa, ela concluiu que isso não se aplica diretamente à União Europeia.

Ela analisou 56 processos legislativos, comparando quanto sucesso tiveram associações empresariais e ONGs em impor seus interesses. "Não pude constatar nenhuma diferença significativa", afirma, acrescentando: "Quando se considera que os parlamentares precisam estudar uma série de projetos de lei, mas que normalmente só dispõem de uma secretária, um ou dois consultores e um estagiário, fica óbvio que eles simplesmente precisam de input externo".

Sugestões para piorar

Maas também percebe que os deputados precisam de ajuda na elaboração das leis. Mas ele se irrita porque, por vezes, os esboços são piorados pelos lobistas, como no caso de um projeto sobre proteção de dados.

"O projeto original previa, por exemplo, que uma empresa de fora ficasse submetida a rigorosas normas de proteção de dados ao se estabelecer na Europa. O novo projeto prevê que a empresa possa escolher qual país adotará como sede, e assim simplesmente escolher qual lei de proteção de dados mais lhe convém", diz o co-fundador da LobbyPlag. A seu ver, regras rigorosas são sistematicamente abrandadas.

Através de publicações de outros pesquisadores, Heike Klüver também tomou conhecimento de passagens de texto que foram copiadas das sugestões dos lobistas. "Em alguns estudos de caso no Parlamento Europeu, colegas meus encontraram esse tipo de reprodução. Mas esse não é nenhum fenômeno que diga respeito exclusivamente às associações empresariais, ele ocorre também com as ONGs", relativiza a pesquisadora da Universidade de Constança.

Registro facultativo em Bruxelas

Em geral, os lobistas perseguem dois tipos de estratégia, explica Klüver: externas e internas. As primeiras são, por exemplo, campanhas na mídia ou manifestações em que os defensores de interesse procuram estabelecer contato direto com os deputados. "Isso pode se dar na forma de comunicados ou de consultações, em fóruns formais, oficiais, ou em workshops."

Além disso, há as estratégias internas, como audiências no Parlamento e redes informais. "Aí as pessoas se encontram, por exemplo, para almoçar ou jantar, ou as associações de lobistas organizam recepções", relata a pesquisadora.

Em sua opinião, o lobby é uma parte importante das representações de interesses na sociedade, além de melhorar a capacidade de resolução de problemas de certas instituições. A Comissão Europeia até possui um cadastro de lobistas. No entanto, o registro é facultativo para os profissionais, fato que a cientista política critica.

"Nenhum lobista me diz o que fazer"

Por sua vez, a Comissão Europeia, na condição iniciadora dos processos legislativos, rechaça qualquer acusação de falta de transparência. "A Comissão nunca utiliza de forma direta textos que possivelmente nos tenham sido apresentados por um grupo de lobby", assegura um dos porta-vozes do órgão, Frederic Vincent.

Segundo ele, todas as contribuições da sociedade civil seriam divulgadas no website da Comissão. E no texto final do projeto de lei, a ser submetido ao Parlamento e ao Conselho Europeu, ficaria explicitado quais sugestões foram adotadas.

Na última segunda-feira (11/02), a comissária da UE para a Agenda Digital, Neelie Kroes, já postara na rede social Twitter: "Nenhum lobista me diz o que devo fazer, nem norte-americano, nem nenhum outro".

Autoria: Jennifer Fraczek (av) - Revisão: Francis França

OS PANHONHAS E Cia. IRRESPONSÁVEL




Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião

Portugal, além de vítima dos panhonhas, está a ser também vítima do fogo amigo

António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde de Sócrates, definiu prodigiosamente, na edição de sábado do i, a atitude do governo português perante a troika. Em entrevista à jornalista Rita Tavares, Correia de Campos admite que “a troika precisa de nós”, mas “tem pela frente uns panhonhas que são os nossos actuais governantes, que não são capazes de bater o pé”. É impossível contestar o argumento de que o governo português tem gerido a sua relação com a Europa utilizando – ainda por cima como estratégia mais ou menos publicamente assumida – o método “panhonhas”. O dicionário Houaiss explica os sinónimos de “panhonha” e todos eles abarcam o modo da relação governamental com Bruxelas e Berlim: “pessoa sem ânimo; pessoa apalermada; maria-vai-com-as-outras, pamonha”. Existe ainda a versão de “pamonho”: “Aquele que é pouco inteligente ou desajeitado”.  

A metáfora do “bom aluno”, tão do agrado do PSD desde os tempos do prof. Cavaco em São Bento, tem sido vendida pelo próprio governo pela necessidade de seguir religiosamente uma receita que – nas cabeças alucinadas das tríades que compõem a troika – haveria de trazer a recuperação económica do país a breve curso. O “bom aluno” não contesta o professor, venera-o, bebe-lhe o discurso – mesmo quando é falso e copiado de modelos que já deram provas de falhanço em muitos pontos do globo. Na sexta-feira, pela primeira vez, Pedro Passos Coelho admitiu que, eventualmente, talvez a famosa “espiral recessiva” existisse mesmo, embora se tenha apressado a concluir que ainda não a tinha visto – mesmo depois do desemprego a bater nos 17% e das falências em massa.

Os “panhonhas” estão a destruir um país que estava a conseguir atingir níveis de civilização inimagináveis em 1974. É esse património inteiro que vai para o lixo por intervenção dos panhonhas e da sua companhia irresponsável – a troika, composta pelo FMI, Comissão Europeia e BCE,  que, às terças-feiras, mostram o seu terror com o desemprego e a recessão e às sextas-feiras insistem em obrigar os países a cumprirem as metas económicas que conduzem ao desemprego e à recessão. A ditadura do défice zero, o “custe o que custar”, a redenção moral através do sofrimento – papagueada sempre por quem tem o rabo sentado num orçamento confortável – vai destruir em Portugal 30 anos de recuperação da ditadura e, na Europa, 50 anos de prosperidade económica. O problema não está só nos panhonhas, está nas suas companhias irresponsáveis. O “must” de panhonha europeu será talvez François Hollande, aquele em que os socialistas depositavam bastantes esperanças para poder inverter o domínio dos destruidores de emprego e pessoas. A Europa encarregou-se de se autodestruir e Portugal, além de vítima dos panhonhas, é também vítima do “fogo amigo”.

Seguro diz ser altura de a ‘troika’ ouvir uma voz que não diga que "tudo está a correr bem"




ACC – SMA - Lusa

O secretário-geral do PS considerou hoje em Bruxelas que é “inaceitável” que o primeiro-ministro diga que a situação em Portugal esteja “em linha com o previsto”, pelo que é altura de a ‘troika’ ouvir outras vozes.

“Hoje a realidade em Portugal entra pelos olhos dentro de qualquer pessoa, e aquilo que é inaceitável é que, perante um aumento brutal da taxa de desemprego, perante 923 mil portugueses que estão desempregados, 40 por cento dos jovens portugueses desempregados, um primeiro-ministro tenha como resposta dizer que tudo está em linha com o previsto”, declarou António José Seguro, em declarações aos jornalistas em Bruxelas.

Segundo o dirigente socialista, que hoje enviou uma carta à ‘troika’, na qual pede que, na 7.ª avaliação do programa de resgate, a arrancar em breve, sejam enviados a Portugal "responsáveis políticos", a postura do primeiro-ministro, de “fazer de conta que nada se está a passar no país”, é “inaceitável, e por isso Portugal tem de ter uma voz que defenda os interesses dos portugueses”.

“Considero que chegou a altura de os responsáveis políticos da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional terem um debate político com todas as instituições em Portugal, com os parceiros sociais, com o PS, com o Governo, e que possam de viva voz ouvir as nossas posições, para que de facto haja uma alteração do quadro de consolidação das contas públicas”, sustentou.

Seguro, que se encontra em Bruxelas por ocasião da comemoração do 20.º aniversário da fundação do Partido Socialista Europeu (PSE), manteve já hoje dois encontros bilaterais, com o candidato do SPD a chanceler da Alemanha, Peer Steinbruck, e com o primeiro-ministro da Bélgica, Elio di Rupo, aos quais fez o retrato do que classificou como uma “situação de pré-rutura social” no país, face a “um elevado número de desempregados e uma quebra muito grande da economia”.

“O primeiro-ministro pode fazer de conta que nada se está a passar no país, pode até dizer que tudo está a correr bem. Não é a minha opinião e estou convencido que não é a opinião da esmagadora maioria dos portugueses, e por isso nos temos que mudar de solução para esta crise (…) Fazer de conta que nada disso existe é uma irresponsabilidade, e eu não faço isso. E por isso venho aqui, como tenho ido a muitas capitais europeias, dar testemunho de que o meu país precisa de mais tempo para consolidar as contas públicas”, reforçou.

Comentando o encontro mantido à tarde com o candidato socialista a chanceler da Alemanha, Seguro revelou ter dois desejos, sabendo que um não pode ser concretizado, já que as eleições apenas deverão realizar-se em setembro.

“Desejo muito duas coisas: que ele (Steinbruck) ganhe as eleições, e também desejaria, coisa que não vai acontecer, que as eleições pudessem ser já amanhã, porque estou convencido com a mudança de governo na Alemanha muita coisa mudará na Europa”.

Antes de participar na comemoração do aniversário do PES, António José Seguro será ainda recebido na sede da Comissão Europeia pelo chefe do executivo comunitário, José Manuel Durão Barroso, pelas 20:00 locais.

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Portugal: PROTESTOS INTERROMPEM DISCURSO DE RELVAS NO PORTO




LIL - HB – JPF – Lusa com foto José Coelho

O ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, foi hoje interrompido quando discursava no Clube dos Pensadores no Porto por protestos de cerca de duas dezenas de pessoas, que cantaram "Grândola Vila Morena" e exigiram a sua demissão.

25 de Abril sempre! Fascistas nunca mais", "gatunos" e "demissão", gritaram os manifestantes, interrompendo, cerca das 21:40, o discurso de Miguel Relvas, que falava há cinco minutos.

O ministro ainda tentou dirigir-se aos manifestantes, mas a sua voz foi abafada pelos protestos. "Sim, vamos todos cantar", disse Miguel Relvas, que só conseguiu voltar ao seu discurso depois de o grupo ter saído por sua iniciativa da sala.

"Nestas circunstâncias [estas manifestações] não me desencorajam, não tenho qualquer tipo de preconceito", afirmou Relvas após os protestos.

Portugal: PASSOS COELHO RECEBIDO COM PROTESTOS EM AVEIRO




MSO - SMA - Lusa com foto Paulo Novais

O primeiro-ministro foi hoje recebido em Aveiro com palavras e cartazes de protesto por meia centena de pessoas, mobilizadas pela União de Sindicatos de Aveiro, afeta à CGTP-IN.

Passos Coelho entrou e saiu sem se abeirar dos manifestantes, mas na conferência da "Global Compact Network", em que participou, respondeu à questão levantada por Francisco Gonçalves, vice-presidente da União de Sindicatos de Aveiro (USA).

Enquanto no exterior os sindicatos filiados na CGTP exibiam tarjas "contra as desigualdades" e a denunciar que "os ricos estão mais ricos e os pobres a morrer", no auditório houve tempo para perguntas ao primeiro-ministro, oportunidade que o dirigente da USA aproveitou para o confrontar com os elevados índices de pobreza.

Passos Coelho respondeu que o diagnóstico está feito e é preciso criar oportunidades para que as pessoas possam aceder a maior rendimento e repensar o processo redistributivo, e que a situação que se vive não é uma opção, mas o resultado da restrição financeira.

"Quando hoje dizemos que o Estado tem de ser mais parcimonioso na distribuição da sua despesa significa que temos uma restrição financeira a que não podemos deixar de atender. Não é uma questão de estar bem ou mal, mas do que é possível fazer e essa observação sobre o que é o limite das possibilidades é muito relevante para não sermos demagógicos e não prometermos às pessoas distribuir aquilo que não temos", disse.

O primeiro-ministro considerou que, para além das contingências, a redistribuição da riqueza tem de ser redesenhada "para que aqueles que mais precisam, dentro das disponibilidades do país", possam receber compensações.

"As pessoas ficam num nível muito estratificado de rendimento, e depois não corrigimos após a redistribuição que é feita de múltiplas formas, através das políticas públicas, no essencial a Educação e a Saúde, e das prestações sociais. Uma vez realizada essa redistribuição, nós mantemos um nível de pobreza bastante acentuado, o que significa que nem criamos oportunidades económicas à cabeça, nem corrigimos suficientemente bem no processo redistributivo", disse.

Sem assumir como o modelo ideal para Portugal, o primeiro-ministro citou o exemplo da Irlanda que, deixando "o mercado funcionar mais livremente e em que as oportunidades são mais fortes, com um nível de rendimento gerado maior, depois a intervenção corretiva do estado na redistribuição do rendimento, traz a taxa de pobreza abaixo da média europeia", no caso irlandês.

"É um modelo. O que quero anotar é que se pretendemos alterar a situação não nos basta olhar discretamente para estes elementos e atuar de forma discricionária. Temos de o fazer em conjunto", apelou.

Portugal: PCP denuncia estratégia “premeditada” para “destruir” Estaleiros de Viana




PYJ – JGJ – Lusa com foto Arménio Belo

O deputado comunista Honório Novo denunciou hoje existir uma estratégia "coletiva" e "premeditada" para "destruir" os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), mas insiste na necessidade de ser preparado um plano alternativo.

"Estamos perante um ato de premeditação coletiva no sentido de destruir esta empresa, através de um processo de reprivatização inqualificável ou por vias que não criam alternativas", afirmou o deputado do PCP, após uma visita aos ENVC.

Honório Novo reuniu-se com a administração da empresa e representantes dos 625 trabalhadores, encontro que teve o "objetivo" de "alertar a opinião pública para um verdadeiro ato de sabotagem económica" praticado sobre a empresa pública, que se encontra parada, apesar de ter um contrato de 128 milhões de euros por executar, há cerca de dois anos.

"Viemos aos estaleiros confirmar uma situação absolutamente escandalosa, de degradação empresarial que está a ocorrer de há dois ou três anos a esta parte e que se tem agravado nos últimos meses. É uma aposta irresponsável do Governo num processo de reprivatização que está a conduzir a uma situação insustentável", disse ainda.

A indefinição sobre o futuro dos estaleiros já levou os trabalhadores a convocarem uma manifestação pública para a próxima quarta-feira, em defesa da viabilização da empresa.

O protesto, o quarto do género em cerca de dois anos, decorrerá precisamente no mesmo dia em que o ministro da Defesa José Pedro Aguiar-Branco vai prestar esclarecimentos aos deputados, no parlamento, sobre a situação dos ENVC, precisamente sob proposta de Honório Novo.

"Há cada vez mais necessidade de gizar um plano alternativo ao da privatização que modernize a capacidade de resposta dos estaleiros", sublinhou ainda o deputado do PCP, a propósito da chamada do ministro ao parlamento.

Os ENVC estão em processo de reprivatização há mais de um ano, mas o negócio foi suspenso em dezembro devido à investigação lançada pela Comissão Europeia aos apoios estatais de 180 milhões de euros, atribuídos aos ENVC entre 2006 e 2010.

Estas dúvidas já levaram o grupo brasileiro Rio Nave a desistir do negócio, permanecendo na corrida à venda da empresa apenas os russos da RSI Trading.

CrIse da Dívida: PORTUGAL VENDE OS SEUS MÓVEIS




LE TEMPS, GENEBRA - Presseurop

Os dirigentes europeus contavam com Portugal para dar o exemplo em matéria do sucesso da política de austeridade, quando aplicada de forma séria. Que pena! Apesar das restrições sem precedentes, Portugal é obrigado a vender "as joias da coroa", para travar a espiral do défice.


O Estado português está a ruir a pouco e pouco. Em abril de 2011, quando recebeu um empréstimo da troika (UE, BCE e FMI) de €78 mil milhões para evitar a bancarrota, o país comprometeu-se a fazer privatizações. Mas sob a chefia de [Pedro] Passos Coelho, o bom aluno da disciplina orçamental exigida, a colocação à venda as "joias da coroa" – ou do que delas resta – foi acelerada. Com o objetivo de reduzir drasticamente o défice orçamental. No fim de 2012, para satisfação da troika, o país fechou as contas com um défice de 5,6% do PIB, em comparação com os 6,7% do ano anterior. O objetivo é chegar aos 3%, no fim de 2014.

Tal como aconteceu com outras empresas portuguesas, mergulhadas em plena recessão e sujeitas a cortes orçamentais brutais, os estaleiros navais de Viana do Castelo foram postos à venda. Desde 2012, sucederam-se os candidatos noruegueses, chineses e brasileiros à compra do número um nacional do setor. Mas as negociações com a Empordef, a holding estatal proprietária, arrastaram-se. "É por causa desta indecisão que está tudo parado", irrita-se [o presidente da empresa] António Costa. No final, o grupo russo RSI, do magnata Andrei Kissilov, sem qualquer experiência no setor naval, deverá ganhar a corrida até março, por €10 milhões. De passagem, o Estado deverá pagar a fatura mais pesada de €280 milhões. Triste destino o destes estaleiros navais emblemáticos – nacionalizados após a Revolução dos Cravos de 1974 – que, até aos anos de 1990, tinham inúmeras encomendas e chegaram a ter 2800 empregados.

Ansiedade e nervos à flor da pele

Contra o pano de fundo das enormes gruas paradas, centenas de trabalhadores dirigem-se, de cabeça baixa e a passo rápido, para a cantina da empresa. São 13 horas e o almoço está à espera. Para sermos mais precisos, são 526 trabalhadores dos estaleiros navais de Viana do Castelo (Norte de Portugal), situados entre o Rio Lima e o Oceano Atlântico. Esta manhã, como todos os dias, chegaram às 8 horas, para não fazer nada – para jogar às cartas, discutir, matar o tempo. Só uns 30 trabalharam vagamente na reparação de um navio. Desde 2007, a situação da empresa é de declínio lento e, nos últimos meses, a atividade é praticamente nula, devido à falta de encomendas. É verdade que foi assinado com a Venezuela um contrato de dois navios de carga – a entregar em 2014 – no valor de €128 milhões. Mas os trabalhos foram suspensos, sem se saber realmente porquê.

"Aquilo a que estamos a assistir aqui é terrorismo psicológico", comenta, junto à entrada, o presidente do comité de empresa, António Costa. O seu rosto tem uma expressão tensa e cansada. "Os nervos estão à flor da pele e alguns têm crises de ansiedade. Não fazer nada, não saber nada, dá cabo do moral." António Costa começou a trabalhar aqui aos 14 anos. A maioria passou décadas nestes cais: uma vida inteira. "A maior parte gostaria de pedir a reforma antecipada, aos 55 anos, mas, com a nova lei, é impossível", diz, num tom triste, o seu camarada José Pereira. Partidário da austeridade a qualquer custo, o Governo conservador de Passos Coelho suprimiu as pré-reformas e aumentou a idade legal da reforma para os 65 anos.

Para os cerca de 80 mil habitantes de Viana, como para o resto do país, a grande vaga de privatizações é preocupante. "Algumas destas empresas estatais são joias, outras joias falsas, mas são todas grupos estratégicos. E perdemo-las para sempre", diz Bernardo S. Barbosa, diretor do semanário local A Aurora do Lima. O presidente da Câmara, o socialista José Maria Costa, partilha uma preocupação nacional crescente: o sentimento de perda de soberania. Num amplo salão municipal, este engenheiro de formação mostra-se furioso com a política do Executivo. "Quando nos despojam de grupos públicos tão importantes, em proveito de empresas estrangeiras e, portanto, de interesses privados, estão, de caminho, a pôr de lado o controlo do nosso destino. Receio mesmo que, a prazo, isso venha a condicionar a nossa liberdade e a nossa democracia."

Destino dos estaleiros suscita angústia

Localmente, é o destino dos estaleiros navais (ENVC) que suscita maior angústia. Depois do hospital público, do município e da empresa alemã Enercon (que emprega 1200 pessoas no fabrico de aerogeradores), os estaleiros são o maior empregador desta região do Alto Minho. Sobretudo, desde que haja encomendas, a sua atividade tem um efeito multiplicador sobre todas as empresas da zona – dos transportes às PME que fabricam peças de montagem, passando pelo comércio local. "Desde que os estaleiros estão parados, é uma tristeza", comenta Lucília Passos Cruz, trabalhadora da indústria hoteleira. "Quando as coisas estavam a andar, os trabalhadores estrangeiros enchiam os restaurantes e os hotéis. Agora, resta-nos o turismo e o surf." Muitos estão convencidos de que há alternativas. "Em vez de vender os estaleiros em saldo, o Estado podia manter o controlo e associar-se a armadores estrangeiros", diz o presidente da Câmara, José Maria Costa. "Países como o Brasil, o México e o Chile precisam muito de barcos. Era possível criar mais de 3000 empregos." Branco Viana, presidente da União Sindical, é da mesma opinião: "O Estado devia, pelo menos, ficar com 35% das ações. Os russos prometeram não tocar nos empregos. Mas, dentro de cinco anos, podem perfeitamente abandonar a empresa e deixar os 526 operários entregues à sua sorte. E nós, os sindicatos, para quem haveremos de virar-nos, para protestar? O Estado poderá estar-se nas tintas!"

Traduzido por Fernanda Barão

VISTO DE LISBOA

Desapareceram 626 mil empregos em cinco anos

Portugal está a perder mais de 100 mil empregos por ano e dentro de cinco anos a economia portuguesa terá perdido mais postos de trabalho do que o número de pessoas que vivem em Lisboa escreve o semanário Expresso. As estimativas do Banco de Portugal para os níveis de emprego no futuro são muito sombrias. No final de 2013 Portugal deverá ter 626 mil empregos a menos do que em 2008, o primeiro ano da crise financeira.

Segundo os dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística a 13 de fevereiro, o desemprego em Portugal atingiu 16,9 por cento no último trimestre de 2012.

“Foi um período negro para o mercado de trabalho português”, escreve o Expresso, acrescentando que a grande preocupação são os mais de 500 mil desempregados que não recebem qualquer subsídio. Para muitos deles, a consequência dessa situação é a pobreza.

O SOCIAL E O POLÍTICO (1)




Rui Peralta, Luanda

IA crise em que vivem as centrais operárias desde finais do século XX está relacionada com a implementação do neoliberalismo na nova fase da globalização, fenómeno que produziu em massa trabalhadores supérfluos e informais, o que debilitou os níveis de sindicalização e de actividade sindical mundial. Mas este factor de “acumulação flexível” (conceito de David Harvey in The Condition of Postmodernity; Basil Blackwell Ltd. 1989) não é o único factor responsável pela actual crise sindical. Existem razões mais profundas, históricas, que cruzam-se com os fenómenos contemporâneos que originaram a acumulação flexível e que nesse cruzar de fenómenos que atravessam as dinâmicas das sociedades, revelam-se funestos.

É este o caso do paradigma da divisão entre “braço político” e “braço sindical” iniciado pela social-democracia em finais do século XIX e que permaneceu nos partidos operários, fossem reformistas, socialistas ou comunistas, até a actualidade. O preço desta divisão sindicato / partido foi regido pela aceitação da actividade parlamentar como o único âmbito, ou o principal campo de batalha entre trabalho e capital. Esta divisão artificial entre o político e o sindical criou a ilusão de que o “braço político” poderia representar, na sua acção legislativa, os interesses dos trabalhadores, organizados em sindicatos, o “braço sindical”.

O resultado final foi que o “braço político” subordinou os interesses do “braço sindical” ao parlamento, ou seja, submeteu os interesses dos trabalhadores á mecânica das instituições políticas do capitalismo e criou na consciência proletária factores alienígenas á sua cultura política, como a representação (que existiam nas assembleias proletárias, mas como factor operacional, sendo os representantes proletários nas negociações com o patronato, sujeitos a um apertado controlo e com mandatos temporalmente reduzidos) e a democracia (que na cultura politica proletária existia não como regime, mas como procedimento). Desta forma passaram as organizações proletárias a serem submetidas á estratégia do capital e aos Jogos Capitalistas (sobre este ponto ler o excelente trabalho de István Mészáros, Para Além do Capital).

IIEste paradigma em nenhum momento projectou o “braço político” como impulsionador da luta proletária. Pelo contrário. O seu papel limitou-se a manter as revindicações sociais dentro dos limites do regime, de forma a nunca por em risco a acumulação de Capital. Foram assim amputados os interesses do proletariado e confinada aos sindicatos as lutas reivindicativas. Desta forma os representantes parlamentares do proletariado impuseram aos seus representados a imposição vital do Capital: a inadmissibilidade de numa sociedade democrática a existência de qualquer actividade social que tivesse objectivos políticos.

As organizações revolucionárias do século XX aceitaram, sem excepção, este modelo, limitando-se algumas delas a criticarem o reformismo sindical ou o cretinismo parlamentar, mas não compreendendo que ambas eram consequência da divisão sindicatos / partidos, agora apenas dois vértices de um triângulo que se complementava com o parlamento, o triângulo funcional do capitalismo. Foram assim os proletários domesticados e nas suas acções näo iam além das reivindicações circunstanciais, que não colocavam em causa a dominação do capital, circunscrevendo a actividade das suas organizações ao parlamento e á aceitação das instituições burguesas e às regras do jogo.

IIINa democracia contemporânea (alguns chamam-na democracia burguesa, esquecendo-se de que a democracia é a única forma natural da sociedade capitalista e da cultura politica burguesa, por isso a falência do socialismo real) o Capital é a única força extra – parlamentar, que não pode ser politicamente limitada, pois o Capital é a única força responsável pelo controlo social e pelo metabolismo do capitalismo, razão pela qual a única forma de representação política compatível com o seu metabolismo é aquela que nega a possibilidade de contestar o poder material do Capital.

Ao ser a única força extra – parlamentar aceite, o Capital não teme as reformas decretadas no interior da sua estrutura politica. O parlamento como último vértice do triângulo funcional do sistema é o cenário de batalha mais inócuo, na guerra de classes. É como deixar o inimigo escolher o campo de batalha, ficar com as melhores colinas e com o melhor terreno. Esta situação agrava-se no actual momento, em que o Capital não tem condições de conceder (bem pelo contrário, necessita de cortá-los) benefícios mínimos, direitos, liberdades e garantias, á classe oposta.

O poder extra – parlamentar do Capital só pode ser enfrentado pela força da acção proletária, naturalmente extra – parlamentar na sua essência. A destruição do domínio social do Capital implicará o domínio social do Proletariado, pois ambos são as únicas forças de domínios social, as únicas que actuam no domínio das superestruturas culturais e as únicas que säo simultaneamente sociais e politicas, logo, extra – parlamentares.

De um lado o Capital e o regime democrático, do outro o Proletariado e o procedimento democrático. De uma lado a manutenção da estrutura parlamentar baseada na negociação (o espelho das assembleias de accionistas das empresas) do outro a destruição do aparelho e a estrutura de assembleia, colocando o Estado apenas como instrumento funcional provisório de domínio e criando as estruturas de uma nova praxis politica.

IVDe todas as temáticas da tradição proletária, é nas relações partidos / sindicatos / parlamento que a interacção entre sujeito social sujeito político tem maior realce, na perspectiva do conceito de social e politico na nova cultura politica. Mas esta imposição entre social e politico é levantada a partir de que lógica?

Quando Hegel definiu a liberdade como consciência da necessidade, estava também a afirmar que a política surge e inventa-se no social. Foi nas lutas contra a opressão que a consciência da necessidade foi formulada e com ela a enunciação de novas liberdades e formas de conquistá-las. A consciência politica proletária não nasceu nas cúpulas das organizações que se sentavam no lado esquerdo dos hemiciclos parlamentares, nem na cabeça dos autoproclamados grandes lideres (outro factor alienígena á cultura proletária, o de liderança), mas sim na praxis social. A política não é um produto da elucubração distanciada da realidade, mas sim fruto da acção dos homens na transformação dessa mesma realidade.

Na democracia a existência do Estado como instituição que representa a garantia do interesse geral, o que coloca o Estado como o Publico (Do Estado sou Eu, dos reis absolutistas, passou-se ao Estado somos Nós, do regime democrático), gerou a ilusão (gerada por outra ilusão, a do interesse geral) de que existe uma relação de forças particular. Uma linguagem do conflito, onde os antagonismos sociais se manifestam num jogo de alianças e contenção, de oposições e de acordos. Para muitos, a luta de classes é ali expressa na forma de luta política entre partidos.

Essa forma mediada da luta política entre partidos, que muitos veem como a forma como a luta de classes se comporta na esfera politica democrática é näo mais do que a forma como o Capital encena o questionamento ao seu domínio e rejuvenesce politicamente. Aceitar esta ilusão do interesse geral, do Estado democrático de Direito, da sociedade pluralista, da democracia, é participar neste rejuvenescimento das estruturas políticas do capital. O capitalismo é caracterizado pela sua grande mobilidade orgânica, no sentido vertical e horizontal. As elites circulam e quanto mais rapidamente circularem, mais rapidamente se desenvolvem os novos ciclos de capital. Aceitar o cenário democrático é participar neste aleatório e alienatório jogo de interesses, representado nas dicotomias governo / oposição e esquerda / direita, figuras retiradas daquela que é a esfera real de movimentação do capitalismo, a económica (a esta dicotomias politicas ilusórias, correspondem as dicotomias reais económicas do sucesso / insucesso, inovação / decadência, ou lucro versus falência).

VPodemos hoje verificar, como os Estados criminalizam os protestos sociais (a repressão efectuada na Europa ao movimento estudantil e novas formas de ocupação de ruas, ou á criminalização das lutas pelas terras e pela reforma agrária, nas periferias latino americanas, africanas e asiáticas e mesmo no centro do capitalismo BRICS, como o caso do Brasil, da Índia e da África do Sul), a forma como assassinam camponeses (América Latina, Ásia e África), como rotulam os proletários como terroristas (Índia e Colômbia, por exemplo, embora possamos recorrer á História recente e reanalisar os fenómenos da Alemanha e Japão, com a Facão do Exercito Vermelho, ou na Itália, como as Brigadas Vermelhas, sem esquecer os Panteras Negras nos USA, ou as formas de luta do proletariado palestiniano, substancialmente diferentes da forma de condução da luta de libertação nacional pelas burguesias árabes), enquanto em paralelo descriminam formas de corrupção financeira e económica (veja-se a vergonha da exportação de capitais, com especial incidência em África) e o nepotismo, que surge com cada vez maior naturalidade á escala mundial (praticado á direita e á esquerda).

Este longo processo de criminalização e descriminalização, praticados pelos globais estado de direito, é consequência do processo em curso de movimentação dos centros financeiros e de redefinição das periferias, uma fase complexa do metabolismo capitalista, da sua mobilidade e flexibilidade, da sua renovação permanente e do seu mecanismo de reengenharia á escala global. A complexidade destas fases é enorme, global e pluridimensional. Novas fronteiras são traçadas, grupos sociais são proletarizados, elites ascendem e grupos de poder desaparecem, Os contractos sociais säo revistos, as constituições refeitas, a formalidade do Direito é levada ao extremo e a realidade jurídica passa a assentar, á falta de melhor e até á estabilização do processo, no contracto imposto pelas nova realidades económicas.

VINo campo proletário surge um novo sujeito social-politico, que toma consciência das novas realidades do campo de batalha, que redimensiona as suas necessidades e as articula, não segundo o eixo da divisão do social e do político, mas de outra forma, onde o social e o político tornam-se um só, näo pelo redimensionamento do social, mas pela redefinição do político. Pela primeira vez em mais de um seculo é compreendida a dimensão extraparlamentar do Capital, pela sua força adversaria, o proletariado e pela primeira vez, no mesmo período de tempo, este assume consciência de que, para alem do Capital, é a única força com a mesma dimensão extra – parlamentar.

Ao readquirir esta compreensão o proletariado está a levar a cabo uma imensa revolução cultural que o liberta dos conceitos alienígenas de democracia e representatividade, que o aprisionam no contexto parlamentar. Claro que estes conceitos não são ainda assumidos em toda a sua plenitude, mas a experiencia que está em curso através de movimentos como os Ocupas, a Revolução Cidadã no Equador, o processo bolivariano na Venezuela, a nova Bolívia, os Sem Terra no Brasil, a insurreição da cintura florestal na India, a longa experiencia da luta armada e de outras formas de luta na Colômbia, os novos cibermovimentos, as novas culturas alternativas, as movimentações dos povos indígenas na América Latina e na Asia, o momento de radicalização vivida na luta de classes na Africa do Sul, os movimentos eco-alternativos, a continuidade da Revolução Cubana, agora em fase de livrar-se do seu empecilho burocrático e assumir de uma forma popular a sua identidade socialista, enfim a actual pluridimensionalidade de organizações, estratégias, formas de luta, reivindicações, protestos, processos revolucionários em curso, é uma consequência da reapropriação da consciência da nova cultura politica, onde a divisão social / politico é inexistente.

POR QUE A FOME VOLTA A RONDAR O MUNDO




Aumento da população e fim das políticas de equilíbrio geraram cenário gravíssimo. Um ano de más colheitas poderá produzir crise alimentar

Lester R. Brown - Outras Palavras - Tradução: Bruna Bernacchio

O mundo transita de uma era de abundância de alimentos a uma de escassez. Na última década, as reservas mundiais de grãos reduziram-se em um terço. Os preços internacionais da comida mais que dobraram, desencadeando uma febre pela terra e dando origem a uma nova geopolítica alimentar.

Os alimentos são o novo petróleo. A terra é o novo ouro. Essa nova era caracteriza-se pela carência dos alimentos e propagação da fome.

Do lado da demanda, o aumento demográfico, uma crescente prosperidade e a conversão de alimentos em combustíveis para automóveis, combinam-se para elevar o consumo a um grau sem precedentes.

Do lado da oferta, a extrema erosão do solo, o aumento da escassez hídrica e temperaturas cada vez mais altas fazem com que seja mais difícil produzir. A menos que se possa reverter essas tendências, os preços dos alimentos continuarão em ascensão, e a fome seguirá propagando-se, abalando o sistema social.

É possível reverter essas tendências a tempo? Ou por acaso os alimentos são o elo frágil da civilização do começo do século XXI — em boa medida, como o foi em tantas civilizações anteriores, cujos vestígios arqueológicos estudam-se agora?

Essa redução do abastecimento alimentar do mundo contrasta drasticamente com a segunda metade do século XX, quando os problemas dominantes na agricultura eram a superprodução, os enormes excedentes de grãos e o acesso aos mercados por parte dos exportadores desses produtos.

Nessa época, o mundo tinha duas reservas estratégicas: grandes excedentes de grãos (com uma quantidade no lixo, ao iniciar-se cada nova colheita); e, no quadro de programas agrícolas estadounidenses, para evitar a sobreprodução, uma ampla superfície de terras cultiváveis sem utilização. Quando as colheitas mundiais eram boas, os Estados Unidos mantinham mais terras ociosas. Em contrapartida, quando eram inferiores ao esperado, voltavam a utilizá-las.

A capacidade de produção excessiva foi utilizada para manter a estabilidade dos mercados mundiais de grãos. As grandes reservas amorteceram a escassez de cultivos no planeta.

Quando as monções não sopraram na India em 1965, por exemplo, os Estados Unidos enviaram a quinta parte de sua colheita de trigo ao país asiático, para evitar uma onda de fome catastrófica. Graças às abundantes reservas, isso teve pouco impacto sobre o preço mundial de grãos.

Ao iniciar-se esse período de abundância alimentar, o mundo tinha 2,5 bilhões de pessoas. Agora, há 7 bilhões.

Entre 1950 e 2000 houve subidas eventuais no preço dos grãos, ocasionadas por eventos como uma seca severa na Rússia, ou uma intensa onda de calor no Meio Oeste dos Estados Unidos. Mas seus efeitos sobre o preço tiveram vida curta.

No prazo de um ano, as coisas voltaram à normalidade. A combinação de reservas abundantes e terras de cultivo ociosas converteram esse período em um dos que permitiram maior segurança alimentícia na história.

Mas isso não duraria. Em 1986, o constante aumento da demanda mundial de grãos e os custos orçamentários inaceitávelmente altos fizeram que fosse eliminado o programa estadounidense de reserva de terras agrícolas.

Atualmente, os Estados Unidos têm algumas terras ociosas no marco do seu Programa de Reserva para a Conservação. Mas trata-se de solos muito suscetíveis à erosão. Acabaram-se os dias em que havia propriedades com potencial produtivo prontos para começar a produzir rapidamente, se fosse necessário.

Agora, o mundo vive apenas com o olhar no ano seguinte, sempre esperando produzir o suficiente para cobrir o aumento da demanda. Os agricultores de todas as partes realizam esforços imensos para acompanhar esse acelerado crescimento da demanda, mas têm dificuldades para alcançá-lo.

A escassez de alimentos conspirou contra civilizações anteriores. A dos sumérios e a dos maias foram apenas duas das muitas cujo declínio, aparentemente, deu-se quando enveredaram por um modelo agrícola que era ambientalmente insustentável.

No caso dos sumérios, o aumento da salinidade do solo, em consequência de um defeito no sistema de irrigação — muito bem planejado exceto por este aspecto — acabou devastando seu sistema alimentar e, por consequência, sua civilização. Quanto aos maias, a erosão do solo foi uma das chaves do seu desmoronamento, como o foi para tantas outras civilizações anteriores.

Nossa civilização  também está nesse caminho. Mas, diferente dos sumérios, o que acontece na agricultura moderna é o aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera. E, como os maias, também se está manejando mal a terra e gerando perdas sem precedentes do solo a partir de erosão.

Mais recentemente, também enfrentamos tendências novas, como a redução do volume dos aquíferos, o fim da atividade agrícola dos grãos, nos países mais avançados, e o aumento da temperatura. Nesse contexto, não surpreende que a ONU informe agora os preços dos alimentos dobraram, com relação ao período entre 2002 e 2004.

Para a maioria dos cidadãos dos Estados Unidos, que gastam em média 9% de sua renda em alimento, isso não é um grande problema. Mas para os consumidores que gastam entre 50 e 70% de seus rendimentos com comida, a duplicação dos preços é um assunto muito sério.

A propagação da fome está estritamente ligada à redução das reservas de grãos e ao aumento do preço dos alimentos.

Nas últimas décadas do século passado, a quantidade de pessoas famintas no mundo se reduziu, caindo a 792 milhões em 1997. Em seguida, voltou a aumentar, chegando a 1 bilhão. Lamentavelmente, se continuarmos agindo como de costume, as filas dos famintos continuarão crescendo.

O resultado é que para os agricultores do mundo está se tornando cada vez mais difícil garantir que a produção acompanhe a crescente demanda de grãos.

Os estoques mundiais de grãos estão caindo há uma década e não foi possível reconstruí-los. Se não for possível fazê-lo, é de se esperar que, em consequência de um ano de colheitas pobres, a fome se intensifique e se propaguem pelo mundo distúrbios vínculados à má alimentação.

O mundo está entrando em uma era de escassez alimentar crônica, que conduz a uma intensa competição pelo controle de terra e de recursos hídricos. Em outras palavras, uma nova geopolítica dos alimentos está começando.

* Lester Brown é presidente da Earth Policy Institute e autor de “Planeta Cheio, Pratos Vazios: A Nova Geopolítica da Escassez de Alimentos”. W.W.Norton: Outubro de 2012)

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