Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
1 Os 27 Estados da
União Europeia resolveram, a pedido do Presidente Van Rompuy, realizar um novo
encontro, em Bruxelas, para debater o Orçamento da União para o período de
2014-2020. Na véspera tinham-se encontrado os representantes dos Estados da
zona euro sem se ter dado nenhum passo em frente. E no dia seguinte, no encontro dos
líderes, os diversos Estados da União também não se entenderam. Ou melhor:
entenderam-se para dizer não, protelando para fevereiro de 2013 a nova Cimeira.
Quer dizer, as Cimeiras vão-se sucedendo e a situação europeia vai-se agravando
perigosamente, sem remédio. Se assim continuarmos, cairemos no abismo, como
avisaram Schmidt e Delors.
O primeiro-ministro
inglês, David Cameron, manifestou-se contra o texto apresentado por Rompuy. Era
de esperar. A Inglaterra foi sempre contra a União, desde o tempo de Churchill.
Mas então os tempos eram outros e o Reino Unido tinha acabado de sair
vitorioso, da II Grande Guerra. Os tempos mudaram desde então. A CEE transformou-se
em União Europeia:
o mais original projeto político e social, de liberdade, de paz e de bem-estar
das populações que já houve, desde sempre. Um projeto de paz e de solidariedade
que, infelizmente, deixou de avançar, desde que a crise financeira e económica,
que veio dos Estados Unidos, nos contaminou em 2008. Tornando-se depois crise
económica, política, social, ambiental e de civilização.
Começou com a
Grécia, a Irlanda e Portugal - os três primeiros Estados vítimas dos mercados
usurários. A Alemanha e alguns Estados mais ricos do Norte, podiam ter evitado
essa crise facilmente. Não o fizeram, por falta de visão, relativamente ao
futuro. E também por causa dos respetivos lideres nacionais e dos dirigentes
das instâncias europeias, sem qualquer visão do futuro. Depois, juntaram-se aos
Estados vítimas mais: Chipre, a Espanha e a Itália. E, como a opinião europeia
já começou a compreender, vão juntar-se aos Estados vítimas talvez: a França, a
Bélgica, a Holanda e vários outros Estados, em situação crítica, vindos do
antigo Leste.
A pergunta que se
põe hoje às populações europeias é simples: como vamos sair - sem cair no
abismo, pela desagregação da Europa - deste colossal imbróglio, que só
beneficia os magnates que dominam os mercados usurários? A resposta não é
difícil: mudando a política europeia e a chamada austeridade, que nos tem sido
imposta pelos que dela beneficiam.
Mas é isso
possível? Claro que é, se houver vontade política para o fazer. O Governo
alemão deve compreender que se continuar a deixar degradar a União Europeia,
vai ser a principal próxima vítima, com a descida da sua economia, em 2013. Já
há hoje um manifesto sinal de que assim será. A Inglaterra, que sempre teve um
pé na Europa e outro na América, também não pode continuar a ameaçar a União de
abandono. Desaparecido o império e com os Estados Unidos voltados para a Ásia
emergente - e sobretudo para a China, com graves problemas sociais de corrupção
a resolver -, o que será o Reino Unido, sem a Europa? É uma pergunta que deve
pensar David Cameron e o velho Partido Trabalhista, de Wilson e de Callaghan,
se quiser voltar ao poder.
O mundo está em mudança. E a União
Europeia, se quiser sobreviver, como tal, também tem de mudar para evitar a
desagregação e a queda do euro. Os grandes Estados europeus, a Alemanha, a
França e o Reino Unido, sem esquecer a Itália e a Espanha, que também se devem
considerar grandes, sem a União Europeia não são nada, em termos mundiais. É
nisso que os grandes Estados europeus devem refletir. Mudando de política,
voltando a uma Europa solidária, com um Governo próprio, que terá de eliminar a
burocracia de Bruxelas, que, para manter os chorudos lugares, só tem servido
para paralisar a política europeia.
2 A PENÍNSULA
IBÉRICA EM DIFICULDADES
Os dois Estados ibéricos,
Portugal e Espanha, estão em graves dificuldades, ao mesmo tempo. Mas por
razões diferentes: Portugal envolvido pela troika e dada a subserviência do seu
Governo, em relação à chanceler Merkel, adepta por enquanto da austeridade que
nos está a conduzir à ruína, a vender por quase nada o melhor do nosso
património e a pôr em estado de desespero a esmagadora maioria da nossa
população.
A Espanha, que
impediu a troika de se intrometer nas questões internas espanholas, com grandes
dificuldades financeiras - e o desemprego mais elevado da Europa -, com
problemas altamente difíceis de resolver, como o das eleições na Catalunha,
contrárias ao centralismo de Madrid. No momento em que escrevo ainda não tenho
conhecimento dos resultados dessas eleições. Mas não serão, seguramente, bons.
Curiosamente os
dois chefes de Governo - Mariano Rajoy e Pedro Passos Coelho - pertencem ao
mesmo partido europeu (o PP), mas têm conceções diferentes para atacar a crise:
cada vez mais austeridade, em obediência à troika, no caso de Passos Coelho; e
menos austeridade, sem esquecer a recessão económica (o que implica algum
crescimento) e reduzindo o mais que for possível o desemprego, um flagelo
intolerável, Mariano Rajoy.
O diálogo entre
ambos não tem sido fácil, ao que parece. Mas encontraram-se no sábado passado
na Cimeira de Bruxelas, e tiveram um breve tête-à-tête, que a televisão
registou, sem se saber o que disseram. O silêncio, em Portugal, é a regra deste
Governo, que faz o que quer, mas diz apenas o que deseja e explica o menos que
pode daquilo que faz...
Rajoy encontrou-se
com François Hollande e também com Monti, numa linha de opinião mais ou menos
concertada e a caminho de uma Europa diferente; e Passos Coelho, não precisava
de falar muito com a Senhora Merkel, porque é, reconhecidamente, o seu
discípulo dileto. Assim estamos, quando era tão importante que a Península, no
seu conjunto, desse um murro na mesa dos burocratas de Bruxelas...
3 E A SITUAÇÃO
PORTUGUESA?
Não vai mal. Vai
péssima. Piora, dia a dia, semana a semana, mês a mês, ano a ano. Desde que o
atual Governo está no poder. Vejam-se as estatísticas (que ainda vão
aparecendo) e não os números confusos de que nos fala o ministro das Finanças -
não para as pessoas - que por mais que queiram, não são capazes de o entender
(eu incluo-me infelizmente, nesse número, seguramente, muito elevado)...
Mas há que pensar
também que o Governo, entre si, não se entende. O ministro de Estado e dos
Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, está com o desejo evidente de abandonar
este Governo, cuja política não assume, porque é contrária ao que sempre
anunciou ao seu eleitorado. Porquê? Pela pressão que sobre ele é feita. Poderia
agora ir visitar as feiras e dar beijinhos às peixeiras? Resposta: ele que se
atreva...
O PSD, se não me engano,
são hoje dois Partidos: o que aprova a política do Governo (muito minoritário)
e o que a desaprova totalmente, embora por razões diferentes (maioritário).
Esta cisão foi-se aprofundando por múltiplas razões e também à medida que os
militantes do PSD, responsáveis pelas autarquias (municípios e freguesias)
foram percebendo a impopularidade que cairia sobre eles com a proximidade das
eleições autárquicas. E desde que se começou a falar da chamada reforma
autárquica, inventada pelo ministro Relvas.
Mas no seio do
Governo começa também a haver ministros a dar sinal de dissidência. Cito o caso
do ministro Álvaro Pereira - que é valente, visto ter sido até agora o único
que afrontou as vaias, saindo do carro que estava a ser batido e, sem medo,
enfrentou os populares. É significativo, porque voltou agora a ter a coragem de
dizer que era necessário "menos austeridade, e mais crescimento e
emprego". Quer dizer, boa parte do Governo Passos Coelho não se entende
entre si.
Será que o Governo
e o seu chefe, Passos Coelho, que raramente comunica com o povo, tem
consciência do que a esmagadora maioria dos portugueses pensa do seu Governo e
dele próprio? Se a tivesse, seguramente que há muito teria tido a honradez de
se demitir.
Veremos como vai
correr a votação do Orçamento para 2013. Tendo em conta que o medo impera hoje
nas pessoas, mesmo com lugares importantes. E muitos outros estão desorientados
sem saber o que fazer ou para onde podemos ir. Veremos o que faz o Presidente
da República, que teima em estar calado, quando mais seria preciso que falasse.
Veremos o que faz o Tribunal Constitucional. De qualquer maneira, como escrevi
há dias, o Governo está cada vez mais impopular (se é possível). E se teimar em
continuar como tem estado, vai acabar muito mal. O desespero leva à violência,
como a história nos ensina.
4 DOIS LIVROS CUJA
LEITURA RECOMENDO
Na semana passada
foram lançados vários livros - nunca os editores portugueses estiveram tão
ativos -, entre os quais me permito distinguir dois que nos interessam
especialmente no difícil momento que atravessamos: um de Manuel Carvalho da
Silva intitulado Vencer o Medo e o outro do académico Fernando Rosas, Salazar e
o Poder. São livros que se completam: um sobre o ditador Salazar, que governou pela
censura e pela polícia política, durante 48 tristes longos anos. E o outro,
Vencer o medo, que põe a descoberto um fenómeno trazido pela atual crise que
nos afeta de novo, após a Revolução dos Cravos: o medo do que vem aí e que
procura paralisar muitas pessoas interessadas pela política, mas que têm medo
de criticar o Governo - e de reclamar a sua demissão - apenas com medo do que
lhes pode acontecer.
Quem tal diria,
depois de quase quarenta anos de Democracia, Liberdade e Direitos Humanos?
Carvalho da Silva fala de ideias para vencer a crise, a começar pela queda
necessária deste Governo, de que ninguém gosta.