sábado, 23 de março de 2013

UM SÓ POVO, UMA SÓ NAÇÃO! – a polémica Martinho Júnior vs Protetorado da Lunda




Martinho Júnior

SEM ESPERAR MAIS PELA RESPOSTA OU QUALQUER OUTRO ARGUMENTO DO GRUPO DO MOVIMENTO DO PROTECTORADO DA LUNDA TCHOKWE!

1 – Ao longo da minha participação quer no Página Um, quer no Página Global, sempre incentivei os impulsionadores do blog a manterem uma linha que esteja aberta a todas as opções que intelectualmente assumam sinceridade, honestidade e, tanto quanto o possível, transparência, mesmo que essas opções sigam trilhas e opções distintas ou mesmo contraditórias.

Desse modo o blog está também aberto a todo o tipo de polémicas, o que em pleno século XXI me parece justo e aferido ao que se passa no globo e por isso há também alguns que também não são tão sinceros, tão honestos, ou tão transparentes assim e sejam mais outras coisas…

Por todos os recantos da Terra há necessidade e sede de justiça, há necessidade dos seres humanos terem a oportunidade de assumirem e exercerem cidadania, participação e promoverem o que em consciência reflecte o estado do mundo e esses blogues têm, no meu ponto de vista, procurado ser uma expressão que se integra nesse caminho e é isso que efectivamente interessa.

Há também necessidade que em consciência e com a sabedoria acumulada por via dos conhecimentos e experiências que provêm do passado, das ciências e das técnicas, de lutarmos contra o subdesenvolvimento e resgatarmos os povos que sofreram e sofrem desse anátema crónico de pelo menos cinco séculos, mantendo o respeito que nos merece a Mãe Terra!

Essa foi a maneira e o modo de eu procurar assumir, numa via de paz, a minha própria linha, que em síntese e sem ser exaustivo posso e devo enunciar nos termos do seu carácter: anti-imperialista, republicana, democrática, socialista, valorizando os aspectos históricos que correspondam à alternativa da lógica com sentido de vida no seguimento da linha do movimento de libertação, valorizando o estudo e a investigação…

Se alguém do grupo do Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe tivesse lido pelo menos alguns dos meus escritos reconheceria pelo menos algum esforço da minha parte nessa saga, uma saga que não deixa de evocar o humanismo que me parece justo e intemporal e se identifica com os povos oprimidos do mundo!

Nesses parâmetros tenho respeitado como é óbvio as fronteiras nacionais de Angola, a unidade nacional, a identidade nacional e o estado angolano que em nome do povo angolano exerce entre os encargos essenciais a soberania, uma soberania que foi alcançada mediante uma luta épica, longa e digna, enfrentando conjunturas difíceis (muitas delas pareciam inultrapassáveis), semeada de imensos escolhos e obstáculos e impondo imensos sacrifícios.

Em tempo oportuno, sem ser constitucionalista, quando a Constituição estava ainda na forja, dei a conhecer a minha posição em relação ao que entendia e entendo ser o melhor para o povo angolano e para África e em relação ao que esperava em termos de seu conteúdo: reafirmo minha convicção que em África se deve beber muito mais, com inspiração e substância, das Constituições dos países mais progressistas da América Latina, do que das Constituições europeias ou outras, animadas por conceitos conservadores que fazem prevalecer as democracias “representativas” em prejuízo da cidadania responsável e participativa e da expressão das organizações sociais de base, em especial aquelas que se identificam com os sectores mais marginalizados, vulneráveis e pobres.

Reconheço que essa é uma linha trabalhosa que está e estará sujeita muitas vezes ao contraditório, inclusive ao “peso” do contraditório, mas para todos os efeitos uma linha que me parece justa, historicamente coerente e por isso de certo modo intemporal, pois suas raízes advêm do passado caótico do capitalismo, da época em que o comércio triangular funcionou com recurso à escravatura de milhões e milhões de africanos…

Reconheço que essa é também uma linha firmada com sacrifícios, pois é cada vez mais evidente que por um lado a crise tem avassalado duma forma ou de outra as nossas próprias vidas de simples mortais, onde quer que nos encontremos, por outro que foram muitos os que abandonaram a linha do movimento de libertação, ou que acabaram por dar outro tipo de respostas, procurando outro tipo de orientação e de sequência não só para si e para os interesses que representam, mas também para nosso destino comum…

Depois, se é mais fácil beber do passado e do presente, construir o futuro neste conturbado mundo sob o impacto da globalização conveniente ao império, é penoso para todos os povos e países do sul.

2 – As quatro peças que publiquei sob o título “Ainda o vale do Cuango” têm como antecedente um trabalho de vários anos, que de há dois anos a esta parte tem incidido entre outras coisas sobre a evolução da situação no Médio Oriente e em África.

Essa foi a via de aproximação ao tema, de acordo com a linha anti-imperialista, republicana, democrática, socialista, valorizando os aspectos históricos que correspondam à alternativa da lógica com sentido de vida no seguimento da linha do movimento de libertação, valorizando o estudo e a investigação…

Esperava (e espero) em relação ao vale do Cuango, dada a acuidade e o carácter da situação que hoje prevalece na região, que haja mais sintonia em termos de unidade e identidade nacional, mais sintonia com o amor e o respeito que o povo angolano merece, pois julgo que isso é indispensável para se encontrarem melhores soluções para Angola e para todos os angolanos, sem descurarmos a reciprocidade de interesses que devem ser cultivados em África entre todos os povos, nações e estados, perseguindo o objectivo de procurar fortalecer de forma tão integrada e integradora quanto o possível, os estados, as organizações regionais e a própria União Africana.

3 – O vale do Cuango, uma região que tem sido historicamente vulnerável e sensível para Angola, sofre hoje uma conjugação de factores de risco, alguns provenientes do exterior (uma parte deles propositadamente injectados pelo império e seus aliados), outros internos e em alguns casos com antecedentes que provocaram terríveis repercussões em Angola e nas regiões da África Central e da SADC (que também possuem seus cordões umbilicais, alguns deles que não me tenho coibido de identificar).

É evidente que a agenda do grupo do Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe assume-se por si como um dos factores de risco interno: foi buscar argumentos históricos, cuja veracidade seria interessante verificar, do século XIX, eminentemente relacionados com a progressão da ocupação colonial imediatamente anterior à Conferência de Berlim a que juntou argumentos presumidamente de carácter antropológico e geográfico para, em pleno século XXI, esquecendo o passado de luta no âmbito do movimento de libertação em África, desrespeitando os heróis e os mártires dedicados do povo angolano e todos os imensos sacrifícios consentidos na luta pela independência de Angola contra o colonialismo, o “apartheid” e as suas sequelas, reinterpretar em seu próprio proveito a história e com isso procurar “redesenhar” o mapa da região.

Esse grupo está a aproveitar uma conjuntura em África que, desde que o capitalismo neo liberal vem provocando, quase sem obstáculos, impactos de todo o tipo, uma conjuntura que se tem mostrado receptiva aos interesses que em nome do neo colonialismo se “abrem à oportunidade” de esquecer a história, ou de reinterpretá-la a contento de interesses de vocação neo colonial por vezes de forma propensa ao “redesenhar” da carta política africana em função do que é-lhes útil... dividindo, dividindo e dividindo, para que o império possa melhor reinar!

Onde estavam quando por Angola foi necessário lutar de armas na não contra o colonialismo, o “apartheid” e suas sequelas?

Que fundamentos os levam agora a assumir os conceitos e conteúdos que estão a propagandear, quando o potencial de riscos provocados pelas políticas típicas do capitalismo neo liberal se vão evidenciando por toda a África, nas regiões Centrais e do Sul, por tabela em Angola?

Por que razão é precisamente nesta época e não antes, nesta conjuntura e não noutra, que o grupo assume o carácter que tão bem patenteia no seu “site”, um carácter de tal ordem que me poupa a demais comentários?

Por que razão assumem uma atitude provocatória no quadro duma conjuntura como a presente, com um argumento que só por si é provocatório?

Que interesses e quem os impulsiona?

Quem lhes disse que é assim que se deve lutar pelos “direitos humanos”, qual foi a vossa escola?

Acaso esperam que outros não possam fazer em relação ao vosso comportamento, atitude e argumento, se calhar num mesmo pé de provocação, a pergunta sobre que “primavera” querem mais injectar em África e em Angola?

4 – Não é preciso ir muito longe no “site” do grupo para encontrar algumas das respostas: basta evocar aqui o conteúdo da sua apresentação para melhor se poder avaliar!

"A Questão da Lunda 1885-1894 e o direito Legitimo da sua Independência, reconhecida mundialmente nos termos de sucessão colectiva e de fundamentos Jurídicos dos tratados de Protectorado de 1885 – 1894, assinados entre Portugal e Soberanos – Muananganas Lunda Tchokwe, da Convenção de Lisboa de 25 de Maio de 1891, Ractificado no dia 24 de Março de 1894 sobre a delimitação das fronteiras naturais (não convencionais criada com a conferência de Berlim 1884 – 1885 ) na Lunda e trocada as assinaturas em Bruxelas no dia 1 de Agosto do mesmo ano, entre Portugal e a Bélgica sob mediação Internacional da França, na presença da Alemanha, Inglaterra e do Vaticano, tornando assim a Lunda em um Estado Independente e os tratados Jus Cogens Internacional – Pacta Scripta Sunt servanda.

Portugal produziu moralmente a Lei N.º 8904 em 19 de Fevereiro de 1955, a Lunda foi atribuida a letra g pelo seu protector no contexto das Nações e o nosso Manifesto dirigido ao Governo Angolano no dia 3 de Agosto de 2007, a trocar a nossa própria independência por mero Estatuto de forma aberta, pública, Jurídica e transparente”.

No momento em que Angola carece de mais unidade e identidade nacional em prol da paz, do aprofundamento da democracia, da justiça social, da luta contra o subdesenvolvimento e dum futuro melhor que beneficie todo o seu povo e solidariamente todos povos do sul, os factores de risco, incluindo aqueles que aproveitam as conjunturas e surgem propositadamente apontados à desagregação, merecem resposta, uma resposta que deve ser simultaneamente pedagógica, mas defenda inequivocamente um exercício saudável da soberania de Angola em todo o espaço nacional!

Utilizem a vossa energia e recursos a favor de causas justas, é legítimo, mas não abram alguma vez espaço a fissuras na unidade e na identidade nacional, muito menos em momentos históricos como este e da forma tão deliberadamente provocatória como o fazem!

Relacionado em Página Global


DESCALABRO ECONÓMICO E SOCIAL EM PORTUGAL




Eugénio Rosa

A consequência de uma política recessiva que desde o início já se sabia que ia ter estes resultados

RESUMO DESTE ESTUDO 

Há mais de 80 anos, Keynes, um economista que queria salvar o capitalismo, perante um contexto muito semelhante ao atual (estava-se no inicio da 1ª grande recessão económica de 1929-33, e agora estamos mergulhados em plena 2ª grande recessão económica), e confrontado com políticas muito semelhantes às impostas pelo BCE/FMI/Comissão Europeia e pelo governo PSD/CDS, escreveu o seguinte: " Com homens e fábricas sem ocupação, é ridículo dizer que não podemos pagar novos desenvolvimentos. …Quando temos homens desempregados e fábricas ociosas e mais poupança do que estamos a utilizar internamente, é completamente imbecil dizer que não temos dinheiro para essas coisas. Porque é com homens desempregados e com fábricas ociosas, e com nada mais, que essas coisas se fazem" (Keynes-Hayek: o confronto que definiu a economia moderna, pág. 70). É precisamente esta política que Keynes designou por "ridícula" e "imbecil" que está a conduzir a UE e Portugal ao descalabro económico e social. 

Em três anos de governo PSD/CDS e de "troika", ou seja, entre 2011 e 2013, a taxa oficial de desemprego aumentará de 12,4% para 18,9% (+351.900 desempregados), e a taxa real de desemprego que inclui os desempregados que não constam dos números oficiais de desemprego, subirá de 17,7% para 28,2% (+59,3%). No fim do ano de 2013, o desemprego oficial atingirá 1.040.800 portugueses, e o desemprego real, calculado com base em dados do INE, deverá atingir 1.641.000 portugueses. É um número assustador que, a continuar a atual política recessiva e destrutiva da economia aplicada em plena recessão, poderá ainda ser ultrapassado. Ele também revela a total inadequação da política que está a ser imposta ao país para reduzir o défice. 

Em três anos de "troika" e de governo PSD/CDS, o valor do PIB perdido devido ao desemprego varia entre 91.468 milhões € e 142.273 milhões €, conforme se considere o desemprego oficial ou o desemprego real. É um valor que oscila entre 55% e 85,5% do valor do PIB total de 2012. Estes números, embora indicativos, dão já uma ideia da dimensão da riqueza que é perdida devido ao elevado desemprego que resulta da política recessiva de destruição de emprego. 

No "Memorando" inicial de Maio de 2011 previa-se, para 2011, um défice de 5,9%, mas o défice real, sem medidas criativas, atingiu 7,4%. Se comparamos com o valor do défice real de 2010 – 9,6% – conclui-se que se verificou uma redução de 2,2 pontos percentuais. Para 2012, estava previsto no "Memorando" inicial um défice de 4,5%, na 6ª avaliação foi fixado um novo valor – 5% – mas o défice real, segundo Vitor Gaspar, atingiu 6,6% o que significa, em relação ao défice real de 2011 (7,4%), uma redução de apenas 0,8 pontos percentuais. Portanto, em dois anos (2011 e 2012) o défice orçamental real foi reduzido em 3 pontos percentuais (-31,3%), pois passou de 9,6% para 6,6%. Para os anos de 2013/2015, as previsões já sofreram várias alterações. Por ex., a previsão do défice orçamental para 2013, que era no "Memorando" inicial de 3%, na 7ª avaliação da "troika" realizada em Mar-2013 passou para 5,5%, portanto um desvio de +83,3%. 

Como consequência da política recessiva aplicada em plena recessão económica, entre 2010 e 2012, a divida pública aumentou mais 43.499 milhões € (+30%), e, em 2014, deverá atingir 215.213 milhões €, o que corresponde a 123,7% do PIB, ou seja, muito mais do que a riqueza criada no país durante todo um ano. E isto tem um elevado preço. Em 2011, o Estado gastou com juros e encargos 6.039,2 milhões €; em 2012, esse gasto subiu para 6.960,3 milhões € e, para 2013, estão previstos no Orçamento do Estado 7.276,3 milhões €. Em apenas três anos, o Estado português gastará com o pagamento de juros e encargos da divida 20.275,8 milhões €, ou seja, quase tanto como gastará com a educação dos portugueses que será 21.365,6 milhões €. Este aumento tão elevado quer da divida quer dos juros com a divida ainda é mais insustentável se se tiver presente que tem lugar num contexto da grave recessão em que o país está mergulhado. 

Os desvios que se verificam entre as previsões que serviram de base à elaboração do Orçamento do Estado de 2013 e as previsões que resultaram da 7ª avaliação da "troika" de Mar/2013 são enormes. A nível do PIB a quebra aumenta 130%; no consumo privado a diminuição sobe 59,1%; no investimento a quebra é 81% superior à prevista no OE-2013; a quebra na procura interna é 41,4% superior à prevista no OE-2013; a diminuição na taxa de crescimento das exportações atinge 77,8%, podendo dizer que elas vão praticamente estagnar em 2013; a destruição de emprego aumenta 129,4% relativamente à taxa prevista no OE-2013. É evidente que o cenário previsto pela 7ª avaliação da "troika" é muito diferente das previsões utilizadas na elaboração do OE 2013, podendo-se dizer, como foi dito por muitos economistas na altura, que o cenário macroeconómico do OE-2013 é fantasioso, revelando uma total incompreensão da realidade. A confirmar isso, está já o facto de que em Jan/2013 as receitas fiscais e as contribuições para a Segurança Social foram inferiores às de Jan/2012 em 82,8 milhões €. 

Face a tudo isto, é cada vez mais claro, que se a política da UE e a interna não mudarem radicalmente, Portugal não tem qualquer futuro na Zona Euro. O que aconteceu em Chipre, que para salvar a banca, se confisca uma parcela dos depósitos, é o sinal de uma UE sem valores e de governantes em que não se pode acreditar, que hoje dizem uma coisa e amanhã fazem outra.

Nota Página Global
Convidamos a prosseguir a leitura deste texto no original RESISTIR INFO. Pela sua extensão e pela apresentação de quadros importantes e esclarecedores, que para aqui não compilámos, mas que consideramos não deverem desconhecer.

Portugal: IRRESISTÍVEL





A discussão de um voto de censura do PS ao Governo não pode ser feita nos mesmos termos dos anteriores votos apresentados pelo PCP e pelo BE. Para estes partidos, o alargamento da oferta pública de bens e serviços aos cidadãos, bem como uma forte função redistributiva do rendimento com o fim de combater a pobreza e reduzir desigualdades, são eixos essenciais das suas linhas políticas. Qualquer redução neste âmbito, seja lá em nome do que for, contará sempre com a sua persistente oposição. Desse ponto de vista, o PS, por um lado, e o PSD e o CDS, por outro, não passam de simples variantes, com modulações diversas, de uma mesma direção política, a seu ver, contrária aos interesses da imensa maioria do povo. Nunca foram postos à prova, nunca foram chamados a encontrar soluções de política prática para os constrangimentos no exercício da governação.

Já com o PS o caso é outro. Ao apresentar um voto de censura, constitui-se na obrigação dupla de medir as consequências da sua iniciativa política, mesmo sabendo que a atual maioria no Parlamento vai chumbá-lo. A vontade expressa de derrubar o Governo tem repercussão internacional, e obriga a fundamentar de forma sólida a alternativa que está em condições de oferecer aos eleitores portugueses, para cumprir os compromissos externos e, em simultâneo, encontrar uma saída virtuosa para a grave crise da economia e do emprego. Demagogia, afirma Passos Coelho; precipitação, acusa o CDS; agudização da luta interna, aponta o PSD - eis o que a maioria tem a dizer de uma censura, cuja fundamentação detalhada ainda desconhece.

Indesmentível é que o resultado da sétima avaliação aprofundou o descrédito do rumo seguido, por mais que Coelho e Gaspar afirmem, uma e mil vezes, o contrário. As metas vão sendo cumpridas, mas os portugueses veem os objetivos a ser sucessivamente ajustados, com perspetivas sempre mais negras do que as anteriores. O desvio, que o cidadão comum sente na carne, é o de 300 mil desempregados a mais - até agora - e o anúncio de novo agravamento, este ano, em 100 mil. A pressão social contra esta política é abrumadora. E António José Seguro, por mais que se ache imune, não lhe pode resistir.

Portugal: DOIS EM CADA TRÊS IDOSOS SEM RENDIMENTOS PARA PAGAR O LAR




Jornal de Notícias

Dois em cada três idosos que vivem em lares têm um rendimento inferior à mensalidade da instituição, tendo de recorrer a poupanças ou à família para conseguir pagar, revela um inquérito da Deco que envolveu 690 portugueses.

O estudo da revista Proteste, que decorreu em março de 2012 em Portugal, na Bélgica, na Espanha e em Itália, envolveu uma amostra da população entre os 50 e os 65 anos, tendo como destinatários familiares de utentes de lares que acompanharam o processo de institucionalização.

A Proteste recebeu 3.130 respostas, sendo 690 portuguesas, a maioria (70%) de filhos de idosos institucionalizados.

Os resultados do inquérito, publicados na edição de março/abril da Proteste, indicam que um em cada quatro idosos precisa de mais de 500 euros por mês para completar o valor da fatura.

A estadia num lar custa, em média, 770 euros mensais, um valor que é inflacionado pelas mensalidades das instituições privadas, cuja média ronda os 925 euros. Nas públicas situa-se nos 550 euros.

Dados do Ministério da Solidariedade e Segurança Social, divulgados na base de dados Pordata, indicam que, em 2011, quase 1,2 milhões de pensionistas de velhice do regime geral da Segurança Social (cerca de três quartos do total) auferiam uma reforma entre 251 e 500 euros.

O estudo demonstra que, em mais de metade dos casos (53%) são os familiares que desembolsam o dinheiro em falta.

Já 38% dos utentes vão buscar essa parcela às suas poupanças. Na Bélgica, em Espanha e em Itália a tendência é inversa, com 69%, 51%, 50% dos idosos, respetivamente, a recorrerem ao seu pé-de-meia para fazerem face às despesas com o lar.

A esmagadora maioria dos inquiridos que disse apoiar o familiar não tem nenhum tipo de apoio financeiro. Os cerca de 10% que beneficiam recebem, em média, 420 euros.

Além da mensalidade fixa, os lares podem cobrar bens e serviços extras, como fraldas, medicamentos e fisioterapia, que representam, em média, um gasto mensal de 125 euros.

Mais de três quartos dos inquiridos disseram ter de pagar a mensalidade por inteiro quando os familiares se ausentam do lar por longos períodos. Apenas 5% afirmaram estar isentos até um determinado número de dias, fixado pela instituição, e terem beneficiado de um abatimento equivalente ao preço da alimentação.

Os autores do estudo consideram "compreensível que determinadas despesas fixas da instituição tenham de ser cobradas, independentemente de o idoso estar ou não presente", mas defendem que deve haver, pelo menos, uma redução da mensalidade durante esse período.

Cerca de 30% dos idosos pagaram uma caução para serem admitidos, na maioria dos casos a rondar os mil euros, que serve de garantia de pagamento de prestações em dívida ou de eventuais danos causados ao mobiliário ou às instalações.

Contudo, cerca de dois terços revelaram não ter recebido a caução quando os idosos deixaram a instituição, sendo a situação mais frequente nos lares público-privados: oito em cada dez ficaram com o dinheiro.

O inquérito indica ainda que 40% denunciaram problemas relativamente aos "aspetos legais e financeiros do funcionamento dos lares", como custos inesperados, incumprimento de atividades prometidos e aumento inesperado da mensalidade.

Portugal: QUE O PODER CAIA NA RUA




Tiago Mota Saraiva – Jornal i, opinião

Não creio que a maioria social que exige a demissão deste governo acredite que o PS possa ter soluções muito diferentes das levadas a cabo por PSD/CDS. E se é certo que a vontade que a população tem demonstrado de ser um actor político cada vez mais interventivo não se deve esgotar em eleições, também é verdade que essa mobilização terá de encontrar um espaço de ruptura no plano eleitoral que se constitua a partir de uma possibilidade de ser poder.

As mais recentes investidas de cidadãos autoproclamados de independentes, ainda que orbitem em diferentes esferas do poder, afunilando o problema em pormenores do sistema eleitoral, na Constituição ou na manutenção do depauperado Estado social, são, na prática, tentativas de enviesamento do problema central: o sistema como um todo.

No plano eleitoral, que – repito – não pode esgotar o potencial de participação que se tem visto nas ruas, urge o surgimento de uma força política que dê perspectivas de ser poder e que enfrente sem dogmas os problemas do país. Uma força política que não coloque de lado a saída do euro, que assuma como central a nacionalização da banca, o aumento dos salários ou a renegociação da dívida, dará uma expressão eleitoral a muito do que é reivindicado nas ruas. A manutenção de um discurso de esquerda manso – defendendo o euro ou floreando sobre alianças – não corresponderá à radicalização que o povo exige nas ruas e com urgência.

A não constituição desta força social e política abrirá espaço a que a insatisfação se traduza eleitoralmente em movimentos de carácter populista que não têm qualquer aspiração a provocar uma ruptura no sistema ou a enfrentar a casta que nos governa há mais de 30 anos.

Escreve ao sábado

Portugal: PS AVISA EUROPA QUE QUER RENEGOCIAR ACORDO COM A TROIKA




Rita Tavares – Jornal i

Numa carta enviada aos parceiros europeus e não só, o PS justifica razões da moção e da ruptura com o governo

Na manhã seguinte a ter anunciado a intenção de avançar com uma moção de censura ao governo - a terceira da história socialista e a quarta que este governo enfrenta -, o PS apressou-se a fazer a contenção de danos e contactou parceiros europeus, e não só, para garantir que “continuará a respeitar os compromissos internacionais”, apesar da ruptura. Mas, a esta mensagem, os socialistas somaram um aviso: é tempo de “redireccionar” o Memorando assinado com a troika em 2011.

A missão ficou a cargo do porta-voz do partido, João Ribeiro, que ontem de manhã estabeleceu contactos telefónicos com os embaixadores da Alemanha, Finlândia, Dinamarca, Áustria, Espanha, Itália e Holanda, bem como com o representante da União Europeia em Portugal. Ao mesmo tempo enviou uma carta, a que o i teve acesso, aos outros parceiros europeus e também à Turquia, Croácia, Ucrânia e Estados Unidos. A missiva serviu para justificar a moção de censura: “O governo falhou todas as previsões.”

Apesar de assumir que “o caminho escolhido, muito além do Memorando, falhou”, o PS assegura que “respeitará os compromissos internacionais assumidos por Portugal”. Quanto à censura ao governo, os socialistas explicam que resolveram avançar depois de conhecer o “cenário negro e inesperado” apresentado pelo ministro das Finanças, no parlamento, nesta última semana. Só que o PS não fica por aqui e avisa já que “chegou o momento de redireccionar o Memorando, para garantir uma trajectória credível do ajustamento fiscal”. A ruptura com o executivo é assumida e comunicada com clareza: “Este governo não tem credibilidade ou autoridade política.”

A discussão da moção ainda não tem data marcada - o debate tem de ocorrer no terceiro dia após a entrega do texto no parlamento -, com Carlos Zorrinho a dizer ao i que “há muitos factores a ter em conta” para definir o calendário. Um dos elencados pelo líder parlamentar é o facto de a semana seguinte ser a da Páscoa; outro é a visita do primeiro-ministro da Suécia a Portugal, na quarta e quinta-feira. Ontem, no debate quinzenal, Passos Coelho apelou a “uma decisão tão breve quanto possível quanto ao calendário da moção de censura” para saber se comunica ao governo sueco o cancelamento da visita. Outro factor - e este com maior peso - é a decisão do Tribunal Constitucional sobre algumas das normas do Orçamento do Estado para 2013, que sairá a qualquer momento. Mas o PS não assume a importância deste ponto. “Não tem nada a ver uma coisa com a outra”, assegura o porta-voz do PS, João Ribeiro, bem como Zorrinho, que apenas diz que o PS vai “ponderar”, na próxima segunda-feira, o melhor timing para apresentar a moção.

NÃO VACILA 

Ainda sem o texto definido, uma coisa é já certa: os partidos à esquerda do PS já garantiram que vão aprovar a censura ao governo, e a maioria vai rejeitá-la. Na bancada do PSD, o ataque à iniciativa socialista ficou a cargo do líder parlamentar. Luís Montenegro até relacionou o avanço do PS com outro acontecimento político desta semana: “José Sócrates voltou, Seguro censurou.” E na bancada do executivo, Passos Coelho garantiu que “este governo não vai vacilar” e que a moção “responsabiliza” o PS “por colocar Portugal aos olhos externos como um país que tem um governo que quer cumprir e uma oposição que deixa no ar somente uma ameaça”.

As investidas socialistas foram todas no sentido da ruptura. António José Seguro disse a Passos que “o seu tempo chegou ao fim”: “O senhor está separado e divorciado dos portugueses.”

No Bloco de Esquerda, Catarina Martins assegurou que o BE votará “pelo fim deste governo e lutará por um governo de esquerda contra a troika”. No PCP, Jerónimo de Sousa assumiu o mesmo compromisso: “A moção de censura do PS terá o apoio do PCP.”

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