segunda-feira, 11 de março de 2013

QUEM É O DONO DO MUNDO?




Uma vez que ultrapassamos o marco dos estados nacionais como entidades unificadas sem divisões internas, podemos ver que há uma mudança do poder mundial, mas a direção dessa mudança é da força de trabalho para os donos do mundo: o capital transnacional, as instituições financeiras mundiais. A análise é do pensador norte-americano Noam Chomsky, que conversa nesta entrevista com David Barsamian, do ‘Alternative Radio’

David Barsamian - Carta Maior

David Barsamian – O novo imperialismo estadunidense parece ser substancialmente diferente da variedade mais antiga, uma vez que os Estados Unidos são uma potência econômica em declínio e, portanto, estão vendo minguar seu poder e influência política.

Noam Chomsky – Eu penso que deveríamos assumir certa reserva ao falar sobre o declínio estadunidense. Foi na Segunda Guerra Mundial que os Estados Unidos realmente se converteram em uma potência mundial. O país já era a maior economia do mundo muito tempo antes da guerra, mas era uma potência regional de certa forma. Controlava o Hemisfério Ocidental e havia feito algumas incursões no Pacífico. Mas os britânicos eram a potência mundial.

A Segunda Guerra Mundial mudou isso. Os Estados Unidos se converteram na potência mundial dominante. O país tinha a metade da riqueza do mundo. As outras sociedades industriais estavam debilitadas ou destruídas, enquanto os EUA estavam em uma posição de incrível segurança. Controlavam o hemisfério, tanto do lado do Atlântico como do Pacífico, com uma enorme força militar.

Esse poder sofreu um declínio, sem dúvida. Europa e Japão se recuperaram e ocorreu um processo de descolonização. Por volta de 1970, os EUA acumulavam cerca de 25% da riqueza do mundo; aproximadamente como era esse quadro, digamos, nos anos 20. Seguia sendo a potência mundial avassaladora, mas não como havia sido em 1950. Desde 1970, essa condição está bastante estável, ainda que tenham ocorrido mudanças obviamente.

Na última década, pela primeira vez em 500 anos, desde as conquistas espanhola e portuguesa, a América Latina começou a enfrentar alguns de seus problemas. Iniciou um processo de integração. Os países estavam muito separados uns dos outros. Cada um tinha uma relação própria na direção do Ocidente, primeiro Europa e depois Estados Unidos. Essa integração é importante. Significa que não é tão fácil dominar os países um a um. As nações latino-americanas podem se unificar para se defender contra uma força exterior.

O outro acontecimento, que é mais importante e muito mais difícil, é que os países da América Latina estão começando individualmente a enfrentar seus enormes problemas internos. Com seus recursos, a América Latina deve ser um continente rico, particularmente a América do Sul.

A América Latina tem uma enorme quantidade de riqueza, mas está muito concentrada nas mãos de uma pequena elite, de perfil europeizado e branca em sua maioria, existindo ao lado de uma enorme pobreza e miséria. Há algumas tentativas de começar a fazer frente a esse quadro, o que é importante – outra forma de integração – e a América Latina está, de algum modo, se afastando do controle estadunidense.

DB – Fala-se muito da mudança de poder mundial: a Índia e a China vão se converter nas novas grandes potências, as potências mais ricas?

NC – De novo aqui, devemos guardar reserva. Por exemplo, muitos observadores comentam sobre a dívida estadunidense e o fato de que, grande parte dela, está nas mãos da China. Há alguns anos o Japão detinha a maior parte da dívida estadunidense, mas foi superado pela China. Além disso, todo o marco para a discussão sobre o declínio dos Estados Unidos é enganoso. Ele nos leva a falar sobre um mundo de estados concebidos como entidades unificadas e coerentes.

Na teoria das relações internacionais, há o que se chama de escola “realista”, que diz que vivemos em um mundo de estados anárquico e que os estados buscam seu “interesse nacional”. Isso é, em grande parte, uma mitologia. Há alguns interesses comuns como a sobrevivência. Mas, na maioria das vezes, as pessoas têm interesses muito diferentes no interior de uma nação. Os interesses do diretor executivo da General Eletric e do funcionário que limpa o chão de sua empresa não são os mesmos.

Parte do sistema doutrinário nos Estados Unidos é formado pela pretensão de que todos somos uma família feliz, que não há divisões de classes, e que todos estamos trabalhando juntos em harmonia. Mas isso é radicalmente falso.

No século XVIII, Adam Smith disse que as pessoas que dominam a sociedade fazem as políticas: os “mercadores e manufatureiros”. O poder hoje está nas mãos das instituições financeiras e das multinacionais. Estas instituições têm um interesse especial no desenvolvimento chinês. De modo que, digamos, o diretor executivo da Walmart, da Dell ou da Hewlett-Packard, sente-se perfeitamente contente de ter uma mão de obra muito barata na China trabalhando sob condições horríveis e com poucas restrições ambientais. Enquanto na China houver o que se chama de crescimento econômico tudo está bem.

Na verdade, há um pouco de mito neste tema do crescimento econômico do país. A China é, em grande medida, uma planta de montagem. É um exportador importante, ainda que o déficit comercial estadunidense com a China tenha aumentado, o déficit comercial com Japão, Taiwan e Coreia diminuiu. O motivo é o desenvolvimento de um sistema de produção regional.

Os países mais avançados da região – Japão, Cingapura, Coreia do Sul e Taiwan – enviam tecnologia avançada, partes e componentes para a China, que usa sua força de trabalho barata para montar produtos e enviá-los para fora do país. E as corporações estadunidenses fazem a mesma coisa. Enviam partes e componentes para a China, onde elas são montadas e exportadas. É isso o que se chama de “exportações chinesas”, mas são exportações regionais em muitos casos e, em outros, é realmente um caso no qual os Estados Unidos estão exportando para si mesmos.

Uma vez que ultrapassamos o marco dos estados nacionais como entidades unificadas sem divisões internas, podemos ver que há uma mudança do poder mundial, mas a direção dessa mudança é da força de trabalho mundial para os donos do mundo: o capital transnacional, as instituições financeiras mundiais.

(*) Noam Chomsky é professor emérito de linguística e filosofia no Instituto Tecnológico de Massachusetts, em Cambridge (EUA). Seu último livro é "Power Systems: Conversations on Global Democratic Uprisings and the New Challenges to U.S. Empire. Conversations with David Barsamian". 

Fonte: Futuro MX, via Rebelión - Tradução: Katarina Peixoto

AINDA O VALE DO CUANGO – I




Martinho Júnior, Luanda

1 – Quando elaborei a 4 de Janeiro de 2011 o artigo sobre o Vale do Cuango sabia que havia de voltar, mais ano menos ano, ao tema.

Se há de facto em Angola região onde a deliquescência sócio-política-administrativa tem sido crónica é precisamente naquela região imediatamente a sul da fronteira comum da RDC com Angola, em especial no triângulo que tem a norte o município de Luremo e a sul a linha definida entre Xá Muteba, a sudoeste e Capenda Camulemba, a sudeste.

Esse é de facto um autêntico “triângulo das Bermudas” em termos de unsuficiências político-administrativo e onde maior expressão têm ganho rebeldes, traficantes e todo o tipo de ilegais que afluem às “minas de Salomão”.

Os fluxos migratórios de ilegais provenientes de países africanos islâmicos aumentaram sintomaticamente em direcção a Angola desde 2011, precisamente o ano em que o regime de Kadafi foi varrido pelos ocidentais e pelos seus aliados das “Primaveras árabes” e uma atmosfera neo colonial se desabou sobre África!

Os relacionamentos de Angola com países do espaço CEDEAO têm vindo a reflectir a conjuntura neo colonial daquela região: sendo um país africano que lutou pela sua independência e contra o “apartheid”, Angola teve dificuldades maiores na Costa do Marfim e na Guiné Bissau.

Com a crise instalada no Mali, mantendo-se as dificuldades de relacionamento de Angola com vários componentes do espaço CEDEAO, os fluxos migratórios ilegais aumentaram e uma parte substancial desses fluxos entraram em Angola directamente na região da bacia hidrográfica do Cuango, por motivos óbvios: a exploração dos diamantes aluviais num dos rios angolanos que mais os garante, como atractivo para os financiadores e os mentores dos migrantes e para os próprios migrantes.

De certo modo terá sido Savimbi, a seu tempo, o maior dos “beneficiados” da ausência de combate ao tráfico ilícito de diamantes na sequência da prisão dos oficiais que melhor evitaram a “abertura” dessa “oportunidade” até 1985.

Ele espreitou sua oportunidade e deu no que deu: uma guerra atroz a partir dos negócios com “diamantes de sangue”, que desarticularam a vida nacional entre os anos de 1992 e 2002, antes do cartel intervir com o processo Kimberley e do seu desaparecimento físico!

Será que agora se poderá repetir o fenómeno com outros protagonismos, mas correspondendo a incentivos que indiciam a mesma matriz de sempre, tendo em conta a inclinação neo colonial dos países CEDEAO e a influência da evolução da situação deles, o que inclui a massiva migração em curso?

2 – A partir de 2011 desencadearam-se perturbações em cadeia pelo Magheb, tendo o Mali como fulcro da desestabilização.

A CEDEAO alinhou por inteiro com a “FrançAfrique” e deu oportunidade à Operação Serval ainda em curso.

No ataque de retaliação de organizações terroristas a In Amenas na Argélia, a organização islâmica radical que o levou a cabo a partir do território líbio, foi comandada por “o zarolho” Mokhtar Belmoktar, argelino de nacionalidade, que ao mesmo tempo era um dos grandes “senhores” do Sahel, “Mr Marlboro” (por traficar cigarros)…

…Entre os tráficos do contrabandista Mokhtar Belmoktar constava o da droga e o de diamantes…

O Mali possui, ao que se faz constar, 30 kimberlites, todavia os diamantes que Mokhtar Belmoktar traficava seriam originários do Mali, ou seriam um resultado da migração dos malianos para a RDC e Angola, quando se sabe que uma parte dessa migração foi “encaminhada” para o garimpo artesanal e ilegal?...

“O zarolho” terá morrido durante um ataque de forças tchadianas no norte do Mali, nas montanhas de Adrar des Ifhogas, entre Kidal, a sul e Tessalit, a norte, a 2 de Março de 2013; será que com ele acabou o tráfico de cigarros, drogas e diamantes por todo o Sahel?

3 – Por conseguinte é oportuno lembrar o que então afirmei em relação a esse vazio político-administrativo no Vale do Cuango:

…“O cartel de diamantes, o intrincado lobby dos minerais e os poderes ligados às elites e à hegemonia, tiveram sempre o vale do Cuango como uma referência obrigatória, como se ali se espraiassem as minas de Salomão e não é por acaso, que depois de tantos jogos africanos instrumentalizados pelas manipulações das potências ocidentais e em particular dos Estados Unidos, surjam num cínico corolário experts como Theresa Whelan, (Subscretária da Defesa para África durante a última fase da Administração de George Bush) que chegam à conclusão de que afinal em África existem zonas onde os poderes centrais têm pouca capacidade de intervenção político-administrativa, num vazio que é por vezes aproveitado para, ao mesmo tempo que se promove a deliquescência dos vulneráveis estados africanos, se incentivarem rebeldes, etno nacionalismos, tribalismos… e as explorações mais desenfreadas e vis dos mais diversos minerais, sobretudo diamantes aluviais e coltan.

As estratégias Norte Americanas em África, dirigidas para as regiões de insuficiente cobertura política-administrativa, fazem hoje parte dos conceitos absorvidos pelo AFRICOM e isso é um inquestionável sinal que nos obriga a reflectir sobre esse tipo de fronteiras e sobre a natureza de estados como o Uganda e o Ruanda, dominados por elites de feição subordinadas a esses interesses extra continentais dispostos à manipulação histórica, à opressão, ao desequilíbrio, às estratégias de tensão a que se habituaram e até às guerras de rapina.

Os regimes do Uganda (Yoweri Museveni) e do Ruanda (Paul Kagame) têm sido identificados como servis aos propósitos dos Estados Unidos e do AFRICOM, enquanto plataformas de acção em direcção leste (Somália) e oeste (particularmente a RDC, mas também com influência na situação transfronteiriça em Angola)”…

(…)
…Milhões de aventureiros de todas as origens, mas acima de tudo provenientes de África enquanto continente marginalizado, desprotegido e miserável, concorrem para chegar a Angola e às minas de Salomão como as do Cuango.

É necessário que os estados implicados na Região e muito particularmente Angola e a RDC, promovam conhecimentos e iniciativas comuns em relação a essa jóia emblemática que constitui o vale do Cuango, tributário como o Cassai do 2º pulmão do planeta, a extensa bacia do Congo, o Amazonas de África.

Em África o Congo tornar-se-á ainda mais importante e decisivo do que é ao longo deste século, pois os desertos quentes imensos que cobrem uma parte colossal do continente estão em fase de aumentar a sua superfície”…

4 – A região está a fugir ao controlo do estado no que diz respeito ao tráfico de diamantes e migração ilegal, essencialmente no vale do Cuango, com maiores incidências num triângulo que tem a norte Luremo, a sudoeste Xá Muteba e a Sudeste Capenda Camulemba.

Nessa região as povoações “surgem como cogumelos”: algumas delas desaparecem de repente, mas outras prosperam e engrossam; entre as povoações consideradas “bem sucedidas” estão: Muxinda, Kaissesse, Samba e Xamutelengue… povoações que são tão recentes que não aparecem nos mapas, mas constituem rota dos políticos da oposição…

Os políticos da oposição e seus “aderentes”, ao que se fez constar das campanhas pré-eleitorais, parecem apenas despertos para as questões que directamente às comunidades angolanas, que vivem em relativa pobreza, mas na sua passagem nada fizeram constar da migração ilegal, da exploração e dos negócios ilegais de diamantes e da massiva presença islâmica ao ponto de em algumas localidades estarem presentes as leis a charia.

É evidente que isso não é por acaso: quanto mais foram postas em causa as leis angolanas, mais desestabilização e a desestabilização tem sido quase sempre o húmus desta oposição, conforme à carrilha do seu principal mestre, Savimbi!

A implantação dos garimpeiros estará a ser estimulada por interesses emparceirados entre nacionais e estrangeiros, operando particularmente nos ricos vales aluviais do Cuango e do Cassai (com seus afluentes), admitindo-se que esse esforço se tenha estendido até ao vale do Cuanza (planalto do Bié).

O grosso das redes indicia aproveitar-se de vários factores favoráveis de implantação, desde a permeabilidade das fronteiras terrestres com a RDC, até às relativas facilidades em função de manipulação e/ou corrupção de autoridades locais nos locais e áreas de exploração e negócio, passando também, em relação aos executivos mentores das redes, por facilidades migratórias obtidas em Luanda.

A região, ao que muitos indicam, terá já milhões de pessoas e os estrangeiros, em especial os de origem de países islamizados africanos, são a maioria!

Uma parte dos diamantes que foge ao controlo de Angola (e do processo Kimberley), está a sair pela fronteira terrestre com a RDC em direcção a Kinshasa e outra parte sai por Luanda; a que sai por Luanda, em função dos parceiros nacionais das redes, escapa-se de forma clandestina pelo aeroporto de Luanda, utilizando muitas vezes as vantagens do trânsito nas salas VIP…

A recordar:
Fotografia:
As quedas Tazua no Cuango internacional; antes as quedas eram conhecidas por quedas Gulherme; a foto é de 1974.

A consultar:
- Technical review of Diamond concessions on the Cuango river, northern Angola – www.infomine.com/index/pr/Pa145202.PDF
- UNITA’s diamond mining and exporting capacity – http://www.issafrica.org/pubs/books/Angola/14Dietrich.pdf
- Un government au service des enterprises françaises en Afrique – http://survie.org/billets-d-afrique/2012/218-novembre-2012/article/un-gouvernement-au-service-des
- Le Canard Enchaîné l’a révélé hier : Le Qatar finance les terroristes d'Aqmi et du Mujao – http://www.cridem.org/C_Info.php?article=630368
- Al Qaeda in the Islamic Maghreb: Who’s Who? Who is Behind the Terrorists? – http://www.globalresearch.ca/al-qaeda-in-the-islamic-maghreb-whos-whos-who-is-behind-the-terrorists/5319754
- Mokhtar Belmoktar le gangster djihadiste spécialiste de la prise d’otages – http://www.20minutes.fr/monde/algerie/1081861-algerie-mokhtar-belmoktar-gangster-djihadiste-specialiste-prise-dotages
- Algerian Militant Mokhtar Belmokhtar, ‘Mr. Marlboro,’ Jihadist or Thug? – http://www.theworld.org/2013/01/algeria-mokhtar-belmokhtar/
- Islamist militant Mokhtar Belmokhtar 'killed in Mali' – http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-21645769
- UNITA quer transformar Cafunfu em novo bastião – http://www.angonoticias.com/Artigos/item/29105
- Visita de Isaías Samakuva nas Lundas, terra rica e uma população pobre - Por Manuela dos Prazeres – http://protectoradodalunda.blogspot.com/2011/03/visita-de-isaias-samakuva-nas-lundas.html

POR UMA DEMOCRACIA MENOS CACIQUE




Para Washington Novaes indignação não basta. Reinventar política exige conhecimento, alternativas e relações sofisticadas de autoridade, como… as dos índios!

Entrevista a Inês Castilho, editora da série Outra Política – Outras Palavras

As sociedades indígenas podem ser exemplos inspiradores para nós, caras pálidas. Estamos condicionados a observar apenas suas carências. Não enxergamos outro aspecto, que poderia nos inspirar: “São sociedades sofisticadas”. Cultivam as relações horizontais, a liberdade de não receber ordem de ninguém; o acesso livre à informação; respeito e liberdade nas relações entre homem e mulher. Quem convida a esta nova mirada é o jornalista Washington Novaes, voltado há mais de 50 anos ao exame de assuntos ligados a ambiente, desenvolvimento e democracia. Autor do documentário “Xingu, a terra ameaçada”, reconhecido por inúmeros prêmios nacionais e internacionais, autor de treze livros, Novaes foi entrevistado no âmbito do estudo Política Cidadã, produzido pelo instituto Ideafix para o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade).

Décadas de convívio com grupos indígenas levaram-no, por exemplo, a observar que, entre eles, ninguém se apropria da informação para transformá-la em poder político ou econômico. E a sugerir que talvez a era da internet, e o fim da comunicação de massas, tenham recriado condições para isso entre nós – desde que alcançadas certas condições políticas. “Para ser democrática, a informação tem que pertencer à sociedade. Mas não há legislação que proteja isso.”

Outra lição a aprender com os índios é o modo como evitam a sobrecarga dos recursos ambientais, ao dividir a aldeia cada vez que a população se torna excessiva. “Não construir megaconcentrações humanas é de uma enorme sabedoria”. Nós, ao contrário, elegemos o padrão das metrópoles como modelo de cidade, com ruas entupidas de prédios e carros. “O sujeito faz cinco torres de 40 pavimentos, e isso vai provocar um impacto enorme no trânsito, nas necessidades de água e esgoto, no lixo, na energia.“. Para ele, é possível construir vidas mais autônomas, mais livres, mais seguras. Mas para isso é preciso ir além da retórica da indignação. “Parte da sociedade vive nessa inação porque sonega impostos, suborna guarda, fura fila, não respeita a lei.”

Superar a condição de indivíduos alienados: essa é a difícil missão que nós e nossas próximas gerações temos de encarar, segundo Novaes. “Cada cidadão precisa pensar nos impactos que produz e em como reduzi-los. Isso vai implicar mudanças nos modelos de construção, nos modelos de energia. Porque, da forma que está, estamos caminhando para impasses gigantescos”, alerta o jornalista. Ele lembra que, em 1997, quando foi aprovado o protocolo de Kyoto, estabeleceu-se que em 15 anos, até 2012, os países industrializados reduziriam suas emissões de gases poluentes em 5,10%. “Pois ao invés de diminuírem 5,2%, as emissões aumentaram 45%. Estamos consumindo recursos mais de 30% além da capacidade de reposição do planeta. Isso é insustentável.”

Washington considera que só indo além das fronteiras do Estado-Nação, e definindo princípios de governança global democrática a humanidade poderá sair do atoleiro em que está mergulhada. “Como é que vamos continuar dessa forma, em que os países industrializados, com menos de 20% da população, consomem 80% dos recursos e têm quase 80% da renda do mundo? Não se trata de ter um governo mundial, mas de ter princípios universais”. A seguir, a entrevista.

Qual é a sua percepção sobre a participação política do brasileiro?

Penso que a sociedade brasileira está em um momento crítico, porque vive indignada com a incompetência administrativa, o descaso, a corrupção, mas em geral se limita ao que eu chamo de retórica da indignação. Fica indignada, mas incapaz de movimentos que possam mudar o quadro.

Parte da sociedade vive nessa inação porque são muitos os cidadãos que sonegam impostos, subornam guarda, furam fila, não respeitam a lei. É preciso mudar isso. E também aprender a organizar-se em grupos para discutir os assuntos que incomodam, e chamar para ajudar na discussão o ministério público, a universidade etc. Para a partir daí criar objetivos concretos e levar ao campo da política – ou tudo vai continuar como hoje. Seria muito importante também para a universidade, que foi muito perseguida durante a ditadura militar e se fechou para os problemas da sociedade.

O problema é complexo e grave. Estava relendo os relatórios do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) do começo da década de 1990, e eles dizem uma coisa em que é preciso pensar: no mundo moderno, o Estado se tornou pequeno demais para enfrentar os grandes problemas do mundo, e ao mesmo tempo grande demais, incapaz de se aproximar dos problemas do cidadão comum. O Estado ficou imobilizado pelos dois lados, e a sociedade precisa aprender a romper com isso. É preciso ter macropolíticas capazes de responder aos grandes problemas da sociedade, mas também uma descentralização que leve o poder a se aproximar do cotidiano do cidadão.

Principalmente nesse mundo de hoje, em que a metrópole está se tornando um padrão. São Paulo, por exemplo, é um padrão de metrópole que foi se estendendo pelo interior, ao longo do eixo que passa por Jundiaí, Campinas, Ribeirão Preto, Uberaba, Uberlândia, até o Centro-Oeste, em Goiânia. E mesmo em lugares mais distantes, como Manaus, Belém e Boa Vista, vai-se encontrar essa mesma coisa. Em uma daquelas grandes avenidas de Manaus não vai se ver floresta, característica da Amazônia – só se veem prédios, só torres. Em Belém, a mesma coisa. Em Porto Velho o trânsito é um inferno. É preciso repensar isso, não manter esse modelo de transportes. Ou vamos continuar despejando centenas de milhares de carros por mês em lugares onde já não há mais como se mover? Centenas de milhares de motocicletas?

Quais os temas capazes de mobilizar a sociedade brasileira hoje, a seu ver?

A questão do transporte, certamente, é um deles. A segurança pública é outro tema. Penso também que o financiamento de campanhas, se houver uma discussão bem conduzida, pode ser muito eficaz. Porque hoje a influência de quem financia as campanhas se tornou muito grande. Os financiamentos vêm principalmente das grandes construtoras, das grandes empresas de coleta de lixo. E isso acaba determinando rumos para a política. É preciso que se discuta: não seria o caso de caminharmos para o financiamento público das campanhas? Os críticos desse modelo dizem que o financiamento pode ser público e, por trás do pano, continuar tendo financiamento privado. Não sei, é preciso discutir isso. Será que o caminho é o modelo do representante distrital, para aproximar a discussão das comunidades? O financiamento das campanhas precisa ser discutido porque, do jeito que está, eu às vezes penso, ironicamente, que talvez o modelo mais democrático tenha sido o da ditadura militar, em que só se podia botar na televisão o retrato 3×4 e três linhas de biografia. Aí se igualavam as possibilidades.

Acho também que, nessa questão das macropolíticas, é preciso discutir como é que se vai fazer, porque tudo o que o ser humano faz tem um impacto sobre o meio físico. No grande meio urbano esses impactos são grandes, e não são compensados por quem os provoca. Por exemplo, o sujeito faz cinco torres de 40 pavimentos, e isso vai provocar um impacto enorme no trânsito, nas necessidades de água e esgoto, no lixo e na energia. E quem é que paga por isso? Vivem abrindo exceções para deixar construir além do gabarito, de modo a não cobrar os impactos. Isso precisa mudar, a sociedade precisa discutir isso.

Trata-se de repensar nosso modo de vida em vários aspectos, não é?

Cada cidadão precisa pensar nos impactos que produz e em como reduzi-los. Isso vai implicar mudanças nos modelos de construção, nos modelos de energia. Porque, da forma que está, estamos caminhando para impasses gigantescos. Esses dias saiu uma notícia assim: em 97, quando foi aprovado o protocolo de Kyoto, se estabeleceu que os países industrializados reduziriam as suas emissões de gases poluentes em 5,10% até 2012. O balanço diz que essas emissões aumentaram 45%, e não diminuíram 5,2%. Os relatórios do programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostram que estamos consumindo recursos mais de 30% além da capacidade de reposição do planeta. Isso é insustentável.

Tudo continua sendo regido pelas lógicas financeiras – sejam os países, sejam as empresas, até as próprias pessoas. Mas estamos caminhando para problemas graves. Primeiro, porque a situação do mundo está muito difícil. Já temos um bilhão de pessoas passando fome, e a chamada crise da água ameaça dois terços da humanidade. O Kofi Annan, que foi secretário-geral da ONU durante uma década – um homem experiente, informado – tem repetido e repetido o seguinte: hoje, os problemas centrais do nosso tempo não estão no terrorismo, mas nas mudanças climáticas e no consumo de recursos além da capacidade de reposição do planeta – Eles são uma ameaça à sobrevivência da espécie humana. Ainda mais lembrando que tudo isso vai ser agravado, porque a previsão dos demógrafos da ONU é de mais três bilhões de pessoas no mundo. Agora em novembro [de 2011] chegamos a sete, não é?

E há um ângulo que praticamente não se discute, que é o direito da sociedade à informação. Não estou falando em censura, ausência de liberdade de pensamento – não é isso. Estou falando o seguinte: hoje se sabe que quem tem mais informação tem mais poder. Mas não há nenhuma legislação que diga a quem pertence essa informação – porque, para ser democrática, ela tem que pertencer à sociedade. Se quem tem mais informação tem mais poder, a informação tem que ser democrática para que o mundo seja democrático, não é? Mas não há legislação que proteja isso.

Uma forma de regulação da mídia?

A meu ver, seria preciso escrever na Constituição que a informação é um direito, um bem da sociedade. É preciso legislar para regulamentar e proteger este direito. Não há nada, hoje, que diga aos meios de comunicação como devem proceder. Quer dizer, o meio de comunicação publica ou bota no ar o que ele quer. O critério é dele. Nisso aí está implícito o direito de omitir informação. É preciso reconhecer que há um direito da sociedade à informação, definir como isso vai ser colocado na Constituição e qual é a legislação que vai proteger esse direito.

Isso me faz lembrar as sociedades indígenas, nas quais a informação circula livremente. Haverá outras lições para nós, nessas sociedades?

A nossa visão de brancos, vamos chamar assim, sobre as sociedades indígenas, é muito peculiar, porque olha o índio não pelo que ele tem, mas pelo que ele não tem. Vê que o índio anda nu, que não tem isso, não tem aquilo. E não enxerga que as sociedades indígenas talvez estejam apontando em direção à utopia humana.

Uma delas é que, no seu formato tradicional, não há nas sociedades indígenas delegação de poder. O chefe não tem poder para dar ordem. Numa sociedade que se mantém viva, se um índio der ordem para outro, o outro vai achar aquilo engraçado, alguém dar ordem para ele. O chefe é o que mais sabe da cultura, o que mais sabe da divisão do trabalho, é o grande mediador de conflitos, tem de falar melhor. É o que mais sofre, também. Mas não dá ordem a ninguém. Nós, brancos, não enxergamos que luxo é viver, nascer e morrer numa sociedade sem nunca receber ordem de ninguém.

Da mesma forma, também nos esquecemos de que, quando uma sociedade indígena está na força da sua cultura, um índio é autossuficiente, não depende de ninguém para nada. Ele sabe fazer sua casa, sabe fazer sua lavoura, sabe fazer sua canoa, sabe fazer seus instrumentos de trabalho, a sua rede, os seus objetos de adorno, sabe identificar na natureza espécies que sejam úteis. Quer dizer, ele não recebe ordem de ninguém e não depende de ninguém para nada, a vida inteira.
E a informação é aberta – o que um sabe, todos podem saber. Ninguém se apropria da informação para transformá-la em poder político ou econômico. Além de aquelas sociedades darem muita atenção ao seu entorno: nos lugares que conheço, quando uma aldeia chega a 300, 400 pessoas, ela costuma se dividir, exatamente para que não haja uma sobrecarga dos recursos ambientais dos quais a aldeia depende. Isso também é de uma enorme sabedoria, não construir megaconcentrações humanas.

E quanto ao relacionamento entre os gêneros?

Sobre a relação entre homem e mulher, eu sempre cito um aspecto para o qual o Orlando Villas Boas me chamou a atenção: em geral são sociedades em que a união entre homem e mulher é absolutamente livre. Casa e descasa quando quer, ninguém tem nada a dizer, não há nenhuma sanção social. Digamos que o homem não esteja satisfeito com a mulher, porque ela não está trazendo água limpa para casa, e isso é uma tarefa da mulher. Se ele quiser, pode simplesmente dizer “não tenho água, vou-me embora” – e ir embora. Mas, se ele quiser continuar com a mulher, não vai sequer dizer a ela que não está satisfeito, porque isso pressupõe que ele tem direito a que ela traga água para casa e pode reclamar se ela não trouxer – e ele não tem esse direito, ela traz se quiser. Está nas divisões de trabalho: é uma tarefa da mulher trazer água limpa para casa. Mas, se ela não quiser, não traz – e o homem não pode se queixar.

O que ele pode fazer é procurar o chefe, os mais velhos, e dizer: “olha, minha mulher não está trazendo água limpa para casa”, e eles provavelmente vão reunir os homens e as mulheres e explicar como é a divisão de trabalho na etnia deles, porque tais tarefas cabem aos homens e tais tarefas cabem às mulheres, e entre essas tarefas está trazer a água limpa para casa. Se a mulher quiser botar a carapuça, ela bota; se não quiser, também não bota. Mas não há sequer o direito de queixa.

É muito sofisticado, isso. São utopias em direção às quais a nossa sociedade precisa olhar, principalmente na crise em que estamos mergulhados. Temos que mudar os nossos modos de viver, eles são insustentáveis, incompatíveis com as possibilidades do planeta. Temos que encontrar outros caminhos.

A liberdade sempre foi uma bandeira de luta. Ainda é, hoje?

A gente falou das sociedades indígenas onde isso, digamos assim, chega ao extremo possível. No extremo possível da liberdade. Já os nossos modos de viver restringem cada vez mais a nossa liberdade. Estamos dependentes de uma porção de coisas fora de nós. Precisamos repensar nossos modos de viver para ter vidas mais autônomas, mais livres, mais seguras.

Sou de uma pequena cidade do interior de São Paulo, Vargem Grande do Sul. Com cinco ou seis anos de idade, eu andava sozinho pela cidade inteira e isso não implicava nenhum risco. Era uma cidade pequena, não tinha trânsito, todas as pessoas me conheciam. Meu pai era professor primário e minha mãe, costureira. E no entanto tínhamos um nível de vida que, para que eu pudesse proporcionar isso hoje, para meus filhos e netos, precisaria ser muito rico. Por exemplo, alimentação: um verdureiro trazia verduras na porta de casa, orgânicas, da mais alta qualidade; um leiteiro trazia o leite; e o pão era comprado ali na esquina. Ninguém tinha geladeira, então se comprava de manhã a carne abatida na madrugada e depois outra, abatida na parte da tarde, para ter sempre carne fresca. Era um alto nível de sofisticação alimentar. Nossa vida foi ficando cada vez mais complexa e difícil.

Considerando que não é possível voltar ao passado, como você enxerga as novas gerações vivendo nesse planeta?

Penso que as novas gerações estão muito envolvidas nesta sociedade complexa e tecnológica porque nunca conheceram outras possibilidades. O jovem hoje passa metade do dia na frente de uma tela de computador, até porque não tem outra possibilidade. Outra possibilidade implicaria o quê? Insegurança, sair de casa, riscos com o trânsito, com assaltos, perder tempo no transporte. Então, ele fica preso nisso.

Você pensa que a tecnologia, as redes sociais têm um papel nos processos de mobilização política?

A tecnologia tem muitos papeis e muitos caminhos, bons e ruins. A tecnologia implica um consumo de recursos naturais e de energia elétrica muito grande, implica caminhos que também precisam ser revistos. Exige um uso de minérios que está em crise, inclusive o de minérios mais raros, que têm grande aplicação na área tecnológica, computadores, celulares – há um impacto sobre isso, também.

Pensando no que falou até aqui, você imagina novas formas de fazer política?

A mesma coisa que a sociedade precisa fazer, tem que fazer também quem quer fazer política: chamar a sociedade para discutir. Ouvir a sociedade, ouvir as pessoas, ouvir o conhecimento, ser capaz de formular projetos e, depois, batalhar por eles. Não pode, repito, continuar nesta mera retórica da indignação.

Você imagina uma governança global no futuro?

Não sei se haverá uma governança global. Penso que, se a humanidade conseguir encontrar um rumo para sair deste imenso atoleiro no qual está mergulhada, vai ter que definir regras para todos os países. Porque veja, por exemplo, o impasse em que está a Convenção do Clima: os países emergentes e os países pobres dizem: quem tem de reduzir as emissões são os países industrializados, que emitem há muito mais tempo e em maior quantidade. Aí os países industrializados dizem: mas se os emergentes e os outros não aderirem não vai adiantar, porque hoje os emergentes e os pobres juntos já emitem mais do que os industrializados.

Como é que vamos continuar dessa forma, em que os países industrializados, com menos de 20% da população, consomem 80% dos recursos e têm quase 80% da renda do mundo? Como vamos fazer com isso aí? Vai continuar? Um habitante de um país industrializado consome 15 vezes mais energia que um habitante de um país pobre. Então, sobre regras de governança: não se trata de ter um governo mundial, mas de ter princípios universais.

O MURMÚRIO DE IPIRANGA




Rui Peralta, Luanda

I - Segundo o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), a vanguarda do capitalismo BRICS na América Latina, o Brasil, é o quarto país mais perigoso do mundo para exercer a actividade jornalística. Á frente desta lista macabra encontra-se a Síria (em situação de conflito aberto e em avançado estado de desintegração), a Somália (já de á muito desintegrada) e o Paquistão (em desintegração), ou seja qualquer dos três países que ocupam as três posições primeiras da lista, são países onde existem diferentes níveis de conflitualidade aberta, mas todos eles caracterizados por processos de desintegração social e de desarticulação institucional.

De 1992 até 2012 foram assassinados, segundo o CPJ, 24 jornalistas, sendo 4 deles assassinados em 2012. Preocupado com a situação o Grupo de Trabalho sobre os Direitos Humanos dos Profissionais de Jornalismo, um organismo formado em 2012 e ligado ao Conselho de Defessa dos Direitos das Pessoas Humanas (CDPH), reuniu recentemente, durante o mês de Fevereiro, para elaborar um diagnostico da situação e propor medidas adequadas. O Grupo tem seis meses para realizar o seu trabalho e analisar também cerca de cinquenta documentos onde constam ameaças a jornalistas que investigavam eventuais casos de corrupção.

II - Entre os casos analisados estão os ocorridos com dois dos jornalistas assassinados em 2012: Mário R.M. Lopes e Décio Sá. Ambos são portadores do perfil de vulnerabilidade que caracteriza a maioria das vítimas: residiam em pequenas localidades e exerciam a sua actividade jornalística em blogues independentes.

Mário Lopes era de um pequeno município do Estado do Rio de Janeiro, Vassouras, onde tinha fundado um blogue, o Vassouras. O blogue denunciava funcionários públicos corruptos, da polícia e dos órgãos administrativos locais. A primeira ameaça ocorreu em 2011, quando alguém entrou na redacção do blogue e disparou, tendo a bala acertado na cabeça de Mário Lopes, tendo este permanecido alguns dias em coma. Ninguém foi acusado ou detido.

Por precaução o jornalista mudou-se para uma outra localidade, onde continuou a sua actividade. Até que em Fevereiro de 2012 ele e a sua companheira foram sequestrados, aparecendo os seus corpos na manhã seguinte. Ambos foram executados com um tiro na nuca. Até agora nada se resolveu e as autoridades não encontraram quaisquer indícios ou suspeitos.

Segundo a CPJ 70% deste tipo de crimes permanecem sem serem resolvidos, o que coloca o brasil numa outra lista: a de impunidade, onde ocupa a décima primeira posição.

III - No caso de Décio Sá, os autores do homicídio foram detidos. Décio também tinha um blogue independente fundado em 2006, o Blogue do Décio, que publicou um caso em exclusivo sobre o assassinado de um empresário local, que sucumbiu às mãos de uma rede de prestamistas, ligados ao governo local. Tudo isto ocorreu em Maranhão, onde Dércio trabalha no diário O Estado de Maranhão, propriedade da família do presidente do senado e ex-presidente do Brasil, José Sarney.

Dércio foi assassinado a tiros, disparados á queima-roupa, num bar da localidade de São Luiz perto do local onde residia e trabalhava, numa noite de Abril de 2012. Os alegados assassinos foram detidos em Junho, sendo um deles capitão da polícia. No momento em que foi assassinada Décio investigava um caso de corrupção que englobava uma rede de prestamistas, formados por funcionários da administração local de vários municípios do Maranhão e oficiais da polícia local.

IV - Muitos jornalistas recorrem ao exilio, na Argentina, Uruguai ou mesmo na Europa e outros conseguem-se esconder e ocultar durante meses. Mas as ameaças não são o único problema dos jornalistas. Segundo os Repórteres sem Fronteiras (ver http://www.rsf.org.) o Brasil ocupa o lugar 108, no ranking da liberdade de expressão, composto por 179 países. Á violência adiciona-se uma subtil pressão judicial, geralmente encapotada em defesa da privacidade.

Segundo a CPJ, os tribunais brasileiros emitiram, em 2012, 191 ordens judicias que obrigavam á eliminação de conteúdos publicados. Isto para além de um elevado e não comprovado número de detenções temporárias, interrogatórios e apresentações em unidades da polícia para prestar declarações.

V - Enquanto o Grupo de Trabalho elabora as suas conclusões, aguarda-se a aprovação de um projecto-lei (PL 1078/2011) que obriga a que os crimes, contra os jornalistas, que não forem resolvidos num período de 90 dias, passam a ser competência da justiça federal. O projecto continua na Camara de Deputados, desde 2011, sem que ninguém fale nele.
No sentido de pressionar a sua aprovação a Federação Nacional dos Jornalistas do Brasil e a Federação Interestadual dos Trabalhadores da Radiodifusão e Televisão organizam uma serie de acções de rua e de recolha de assinaturas. Importante também a posição assumida pela Secretária dos Direitos Humanos da Presidência da Republica do Brasil, que declarou que a sua secretaria segue com especial atenção o desenrolar das conclusões do Grupo de Trabalho constituído e anunciando a necessidade de depuração dos funcionários corruptos do Estado e dos funcionários públicos que estiverem envolvidos nas ameaças e homicídios de jornalistas.

Fontes

ROUPA BARATA É PRODUZIDA À CUSTA DA EXPLORAÇÃO DE OPERÁRIOS




Deutsche Welle

A indústria têxtil é conhecida por não respeitar regras trabalhistas internacionais. Cadeias de fornecimento obscuras e condições de produção muitas vezes desastrosas maculam a imagem do setor.

Raramente acidentes de trabalho se transformam em manchetes de jornal. Em novembro de 2012, porém, a morte de 112 pessoas no incêndio de uma fábrica de tecidos em Bangladesh foi noticiada em todo o mundo, causando indignação internacional com as condições de trabalho nas fábricas do país. Os operários do setor protestaram nas ruas da capital, Dhaka. Poucos meses antes, 250 haviam morrido em consequência do fogo em uma fábrica de tecidos no Paquistão.

Nas duas fábricas eram produzidas mercadorias fornecidas para empresas de todo o mundo, inclusive alemãs. Em Bangladesh, a cadeia de moda C&A mandava produzir camisetas para vender no mercado brasileiro; e uma das empresas compradoras das mercadorias da fábrica incendiada no Paquistão era a cadeia de roupas baratas KIK, com 3.200 filiais em toda a Europa. Depois dos incêndios, tanto a C&A quanto a KIK afirmaram que contribuiriam para fundos de ajuda às vítimas e seus familiares.

Mínimo de justiça nas relações

Para a rede internacional Clean Clothes Campaign, esse gesto das empresas pode ser simpático, mas não é suficiente. A "Campanha das Roupas Limpas" empenha-se em prol de melhores condições de trabalho na indústria têxtil.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) formulou exigências mínimas no tocante a padrões sociais, resumidas em oito pontos: "não" ao trabalho forçado, à discriminação, ao trabalho infantil, além da liberdade de união dos trabalhadores em associações, salários justos, jornadas controladas, condições dignas de trabalho e relações trabalhistas regulamentadas.

Mesmo na Europa, essas exigências não são todas cumpridas, acentua Bettina Musiolek, da rede Clean Clothes Campaign, em entrevista à DW. Ela se especializou no Leste Europeu e na Turquia, onde condições de produção injustas são muito difundidas.

"Os maiores problemas no Leste Europeu são os salários, as jornadas e a proteção do trabalho e da saúde. Na Turquia, ainda há o agravante da falta de liberdade de organização", diz Musiolek. Ela salienta que nem mesmo dentro da União Europeia (UE) ou da Alemanha um salário mínimo justo é sempre coisa garantida.

Produção em países pobres

Christoph Schäfer, diretor do Departamento de Direito e Tributação da Confederação Alemã da Indústria Têxtil e da Moda, admite que, também na Alemanha, uma operária do setor não consegue necessariamente viver de seu salário. No entanto, tanto no país como em vários outros da União Europeia, as trabalhadoras são amparadas pelo Estado social. "Em último caso, o Estado é obrigado a contribuir. No caso da Alemanha, isso se dá através de adicionais ou de benefícios sociais", diz Schäfer.

A pressão por preços mais baixos e a concorrência são enormes, disse à DW: "A indústria têxtil é frequentemente acusada de optar pelos países onde a produção é mais barata. É verdade, pois a pressão para reduzir os custos é enorme. Mas quando a caravana da indústria têxtil passa, ela não deixa terra queimada para trás. Normalmente, é através dela que o bem-estar e outras indústrias chegam a um país", diz o representante da indústria têxtil.

Inegável é que a produção de produtos baratos se dá nos países mais pobres do mundo. Quem fabrica ofertas especiais para as liquidações dos países industrializados, não precisa de trabalhadores qualificados nem de máquinas caras. Porém as consequências da "caça às pechinchas" dos países ocidentais vão mais longe: entre as vítimas, estão as condições dignas de produção nas fábricas. Não se poupa somente nos salários, mas também na prevenção de incêndios e condições de saúde, assim como nos contratos de trabalho pouco justos.

Barato graças à exploração

Uma camiseta produzida de maneira justa não pode chegar ao consumidor por meros 3 euros, acentua Rolf Heimann, da empresa alemã de moda Hess Natur. "Da plantação do algodão no campo, passando pela tecelagem, costura, tintura, confecção, até a chegada ao comerciante, e em cima disso ainda os 19% de imposto sobre o produto, isso jamais seria possível", declara Heimann, responsável dentro da Hess Natur pelo setor de Responsabilidade Empresarial.

A fabricante alemã produz desde 1976 roupas ecologicamente corretas e há mais de dez anos empenha-se pela maior sustentabilidade social na cadeia de fornecimento. A partir de 2005, como primeiro membro alemão, a empresa passou a fazer parte da Fair Wear Foundation, uma rede internacional de fabricantes têxteis e sindicatos. A organização é financiada pelas contribuições de seus membros e se entende sobretudo como consultora no processo de implementação de padrões sociais justos.

Imagem fair

"A indústria têxtil tem cadeias de fornecimento muito complicadas. Há um grande número de fornecedores e empresas terceirizadas, e se torna muito, muito difícil controlar todos esses caminhos da fabricação", diz Martin Curley, da Fair Wear Foundation, cuja sede fica em Amsterdã. Por isso, a rede não concede nenhum selo garantindo ao consumidor que a mercadoria foi totalmente produzida sob condições justas.

Curley acentua que "simplesmente não é possível certificar que todo estabelecimento fornecedor seja 100% justo". Segundo ele, é comum que as grifes da moda tenham centenas de fornecedores. Em muitos casos, as grandes do setor nem conhecem as empresas que trabalham para seus fornecedores.

Por isso a Fair Wear Foundation vê como sua principal tarefa o acompanhamento contínuo das empresas no processo de melhoria das condições de trabalho. "É mais honesto dizer que as empresas que formam a rede se empenham pela melhoria dos padrões. Publicamos todo ano um relatório social sobre elas, que os consumidores podem ver no nosso site. Um selo, não podemos garantir", completa Curley.

A rede é formada por 80 empresas, que vendem mais de 120 marcas em 80 países. A fundação controla ativamente as condições de trabalho em 15 países na Ásia, Europa e África. Nenhuma das empresas pertencentes à Fair Wear Foundation mandava confeccionar suas mercadorias nas fábricas incendiadas no Paquistão e em Bangladesh.

Autoria: Helle Jeppesen (sv) - Revisão: Augusto Valente

O MPLA E A ANGOLANIZAÇÃO DA ECONOMIA




Arão Ndipa – Voz da América

Criar condições para um desenvolvimento sustentável de Angola

LUANDA — A angonalização da economia foi um dos principais pontos do programa do MPLA, aprovado pela maioria nas eleiçoes do ano passado.

Um objectivo do partido maioritário é criar condições para um desenvolvimento sustentável de Angola cujas expectactivas está na redução dos niveis de pobreza e no aumento do bem estar das populações. 

Ainda fazendo fé no programa do MPLA o apoio ao empresariado nacional beneficia de mais sentidos para a diversificação da economia atraves dos sectores a incluir, tendo como critério a criaçao de emprego e priorizar as empresas detidas maioritáriamente por angolanos no processo de privatização de empresas publicas.

Entretanto da teoria à prática o caminho ainda parece longo a julgar pela realidade do mercado e os critérios de acesso previstos no respectivo programa.

Outro sim tem a haver com quem vai beneficiar entre nacionais, e estrangeiros residentes.

Por outro lado, a vertente da qualificação técnica e profissional dos Angolanos é apontada como sendo ainda um obstáculo.

O partido no poder em Angola reconhece que os resultados do programa da angolanização da economia, ainda não satisfazem os objectivos que estiveram na base da sua criação.

Para nos falar sobre o assunto, ouvimos Norberto Garcia, secretário do MPLA em Luanda, para os assuntos políticos e económicos e Filomeno Vieira Lopes, economista e político da oposição. 


Luanda: Sonho de casa própria leva muitas pessoas a passarem noites ao relento




Agostinho Gayeta – Voz da América

Deste grupo fazem parte, crianças e mulheres grávidas, que na tentativa da materialização do sonho da casa própria, arriscam a própria vida.

Em Luanda, apesar da falta de informação e das incertezas sobre a continuidade das vendas, dezenas de cidadãos continuam a passar noites ao relento, há vários dias na centralidade do Kilamba, com intuito de se habilitar a aquisição de uma residência.

Deste grupo fazem parte, crianças e mulheres grávidas que na tentativa da materialização do sonho da casa própria, arriscam a própria vida e o emprego. 

A Associação Justiça Paz e Democracia diz que a situação porque passam os cidadãos para aquisição de residências põe em causa a lisura do processo e configura uma negação ao direito de acesso à habitação. O gestor do projecto transparência e boa governação da AJPD,  Serra Bango, apela um esclarecimento deste processo.

O projecto habitacional da centralidade do Kilamba, no entender do Jurista Pedro Kaparakata, está a beneficiar os que já possuem residências.

O presidente do Centro de Estudos Populorum Progressio, associação cívica cultural, considera a situação um atentado grave à vida dos cidadãos. Domingos das Neves diz que o momento é oportuno para o que o MPLA partido que governa o interceda para regularizar a situação.

Neste rol de incertezas sobre a realização ou não do sonho da casa própria não estão apenas os que pretendem fazer a inscrição pela primeira vez.

Francisco António, já cumpriu com todas as formalidades e critérios para se habilitar à uma residência na centralidade do KM 44, resta-lhe apenas entregar à SONIP o comprovativo do pagamento feito à unidade bancária e receber as chaves da sua futura casa, mas lamentou a falta de informação sobre o andamento do processo.

Uma questão que muito está a preocupar alguns membros da sociedade civil é o modo de pagamento das residências, principalmente no que respeita à renda resolúvel sem capital inicial, em que os interessados são obrigados a pagar antecipadamente a renda anual da habitação que pretendem.

O Jurista Pedro Kaparakata entende que a Procuradoria-Geral da República devia levar às barras do tribunal a entidade encarregada pela venda dos apartamentos, mas manifestou alguns receios em relação a alguns órgãos judicias do país.


Portugal: O QUE DEVEMOS AOS REFORMADOS




Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião

A geração que nasceu na ditadura e na pobreza é agora vista como “privilegiada”

É provável que o Tribunal Constitucional decrete a inconstitucionalidade da sobretaxa de 3,5% aos reformados, tratados por este governo como cidadãos de segunda – provavelmente fazendo parte desse contingente de “instalados” que trava a ascensão dos jovens de que recentemente falava Miguel Relvas. Se é impossível negar a existência da inversão da pirâmide demográfica (e uma reforma da Segurança Social deveria sempre discutir a existência de tectos máximos, rejeitando reclamações patéticas do estilo do movimentos dos banqueiros reformados e etc.), obrigar um pensionista com mais de 1350 euros mensais a pagar a crise com uma sobretaxa é um atentado social e institui, de facto, uma desigualdade geracional. Tratar os reformados como cidadãos de segunda é tentar fazer recair sobre uma geração que nasceu numa ditadura, que não teve qualquer acesso ao Estado social até à idade adulta, que em alguns casos viveu o racionamento da Segunda Guerra, penou na guerra colonial e teve os seus direitos civis amputados até ao 25 de Abril de 1974, uma “culpa” de se ter transformado, na meia--idade, sabe Deus como, numa geração de “privilegiados”.

Não dispondo de qualquer hipótese de criar emprego – é a própria receita recessiva da troika e as políticas europeias que o impedem – o governo entretém-se na propaganda infeliz de colocar as gerações umas contra as outras, como se a situação fosse definível pela existência de “culpados” e “vítimas”. A utilização política do gap geracional é tanto mais obscena quanto a geração dos reformados fez o que lhe foi possível para entregar às novas gerações um país muito melhor do que aquele que existia quando começou a trabalhar e a pagar impostos. Se o Tribunal Constitucional declarar impossível à luz da Constituição portuguesa a divisão entre velhos e novos presta um bom serviço à coesão nacional.

Afinal, não foi a esmagadora maioria dos agora atingidos que criou os regimes excepcionais de reformados de cargos públicos – que na sua origem foram criados para evitar que um titular de cargo público passasse à situação de desemprego quando o mandato expirasse, mas serviu de pasto para um sistema insustentável moral e financeiramente. A participação maciça de pessoas mais velhas na manifestação “Que se lixe a troika” é um sintoma expressivo de que o combate ao governo tem nos reformados um dos seus principais suportes. Afinal, o governo também se encarrega de os combater.

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