Tomás Vasques –
Jornal i, opinião
Não há rumo, nem
visão de futuro. Austeridade, austeridade, austeridade, em vez de Liberdade,
Igualdade, Fraternidade
1. Ainda não há
muito tempo, há dois anos, em Outubro de 2010, a comunicação social fazia eco
da indignação do país político – do CDS ao PCP – pelo facto do então ministro
das Finanças, Teixeira dos Santos, ter entregado ao presidente da Assembleia da
República a “pen” com o Orçamento do Estado meia hora antes do fim do prazo, e
sem o relatório macroeconómico que fundamentava as opções do governo. Caiu o
Carmo e a Trindade, e insinuavam-se “inconstitucionalidades” várias. Para perceber
o plano inclinado pelo qual descemos até hoje, basta ver que, com o actual
governo e com a actual maioria, assistimos a cenas “hardcore” na entrega de
propostas de alteração do OE para 2013, com despudorada violação de regras e
prazos e da dignidade parlamentar. Por estes dias, valeu tudo: desde propostas
de alteração fora de prazo, propostas substituídas menos de uma hora depois de
terem entrado, até propostas ao orçamento rectificativo de 2012, que se
destinavam ao orçamento de 2013. Uma bagunça, em que os deputados da maioria se
prestaram a servir de pombos-correios do ministro das Finanças, com o
consequente desprestígio e enfraquecimento da instituição parlamentar e da
democracia. Este episódio pode parecer irrelevante, mas não é. Faz parte de uma
concepção do exercício da “função política” e da “democracia”, por parte do
PSD, que enlameia a primeira e corrói a segunda. Este comportamento tem a mesma
natureza do “convite” solene feito pelo primeiro-ministro aos socialistas para
“discutirem” com o governo a “refundação” do Estado, quando no fundo o que
estava em causa (e já estava acordado com a troika) era retirar, pelo menos,
quatro mil milhões de euros na despesa, sobretudo nas áreas da Saúde e da
Educação, e tornar possível uma revisão constitucional que cobrisse a
manigância. Trata-se do predomínio da cultura política da opacidade sobre a
transparência, da autocracia sobre a democracia, que se revela em todos os
comportamentos deste governo (e alguns comportamentos de governos anteriores,
também). Desde o calculismo em sujeitar um corpo policial a um apedrejamento de
duas horas, com o objectivo de “preparar a opinião pública” para uma carga
policial indiscriminada e intimidatória, passando pelos processos de
privatizações, até ao nebuloso pedido de imagens sobre a manifestação em S. Bento , a 14 de
Novembro, à RTP, tudo se passa como se o governo estivesse na clandestinidade,
escondendo a sua actividade dos cidadãos. A maioria dos portugueses está à
empobrecer à força, às mãos deste governo. As suas naturais preocupações
centram-se na sobrevivência dia-a-dia, o que pode facilitar o desenvolvimento
desta cultura política da opacidade, dos “jogos de bastidores” e da destruição
do essencial da nossa débil vivência democrática. Como escreveu Guimarães Rosa,
“O caminho faz-se caminhando”, e apesar do escritor brasileiro se ter referido
a outro caminho, este governo, passo a passo, vai percorrendo o caminho do
agrilhoamento das mais elementares regras da legalidade democrática. Da
“inconstitucionalidade” da entrega da “pen” de Teixeira dos Santos à revisão
constitucional, sem aspas, sobretudo na Saúde e Segurança Social, que o próximo
OE contém e que a “refundação” do Estado pressupõe, medeiam apenas dois anos.
Um longo caminho, num curto espaço de tempo.
2. A cimeira da
“União Europeia”, que reuniu em véspera de fim-de-semana, para discutir o
orçamento comunitário plurianual para 2014-2020, terminou em águas de bacalhau,
ou seja, ficou em nada.
Desde que sobreveio a “crise das dívidas soberanas”, uma
espécie de doença das “vacas loucas” que atacou alguns governos europeus,
sobretudo o alemão, assistimos à falência da “aventura europeia”, iniciada há
60 anos, após a devastadora guerra em que a Alemanha mergulhou a Europa e o
mundo. Não há rumo, nem visão de futuro. Austeridade, austeridade, austeridade,
em vez de Liberdade, Igualdade, Fraternidade. O tempo que passa é de incerteza
e de espera: da tomada da Bastilha ou do incêndio do Reichstag.
Jurista. Escreve à
segunda-feira