quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Organização Mundial da Saúde: Cuba dá o exemplo na luta contra o vírus ebola na África



Salim Lamrani, Paris – Opera Mundi, opinião

Cuba decidiu mandar um contingente de 165 médicos e outros funcionários da saúde para Serra Leoa; OMS louva gesto sem precedentes

Segundo as Nações Unidas, a epidemia do ebola de tipo Zaire, febre hemorrágica que atinge atualmente uma parte do oeste da África, particularmente a Serra Leoa, a Guiné e a Libéria, constitui a mais grave crise de saúde dos últimos tempos. No espaço de algumas semanas, o vírus se propagou em uma grande velocidade e a epidemia parece fora de controle. Trata-se da crise de ebola “maior, mais severa e mais complexa” observada desde o descobrimento da enfermidade em 1976. Altamente contagioso, o vírus é transmitido mediante o contato direto com o sangue e os fluídos corporais. Observou-se cerca de 5 mil casos e mais de 2400 pessoas perderam a vida. A Organização Mundial da Saúde fez um chamado urgente pedindo à comunidade internacional ajuda para as populações africanas abandonadas à própria sorte.[1]

Cuba respondeu imediatamente à petição das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde. Havana anunciou que mandaria, a partir de outubro, 165 profissionais da saúde para Serra Leoa, o país mais afetado pela epidemia, junto com a Guiné e a Libéria. A missão durará pelo menos seis meses e será composta por profissionais especialistas que já realizaram missões humanitárias na África.[2]

Margaret Chan, diretora da Organização Mundial da Saúde, saudou o gesto de Cuba: “O que mais necessitamos são pessoas, profissionais de saúde. O mais importante para evitar a transmissão do ebola é ter as pessoas adequadas, os especialistas adequados e treinados apropriadamente para enfrentar esse tipo de crise humanitária”. O OMS lembra que “Cuba é famosa em todo o mundo por sua capacidade de formar excelentes médicos e enfermeiros. É famosa, além disso, por sua generosidade e solidariedade aos países no caminho para o progresso”.[3]

Chan pediu que o resto do mundo, particularmente os países desenvolvidos, sigam o exemplo de Cuba e expressem a mesma solidariedade à África: “Cuba é um exemplo [...]. Tem tido a maior oferta de médicos, enfermeiros e especialistas, assim como de especialistas em controle de doenças infecciosas e epidemiologistas [...]. Espero que o anúncio feito hoje pelo governo cubano estimule outros países a anunciar seu apoio”. [4] Em um comunicado, Ban Ki Moon, secretário-geral das Nações Unidas, também felicitou Cuba por sua ação : O secretário-geral recebeu calorosamente o anúncio do governo de Cuba.[5]

A Science, a mais importante revista médica do mundo, também destacou o exemplo de Cuba. “Trata-se da maior contribuição médica enviada até o momento para controlar a epidemia. Terá um impacto significativo em Serra Leoa”. [6] Até o anúncio cubano, a presença médica internacional no oeste da África somava 170 profissionais segundo a OMS.[7] Agora, Cuba dará uma ajuda equivalente a todas as nações do mundo juntas.

Roberto Morales Ojeda, ministro cubano da Saúde, explicou as razões que motivaram a decisão do governo de Havana:

“O governo cubano, como tem feito sempre nesses 55 anos de Revolução, decidiu participar desse esforço global sob a coordenação da OMS para enfrentar essa situação dramática.

Desde o primeiro momento, Cuba decidiu manter nossas brigadas médicas na África, independentemente da existência da epidemia de ebola, em particular em Serra Leoa e na Guiné-Conakry, com a prévia disposição voluntária de seus integrantes, expressão do espírito de solidariedade e humanismo característico de nosso povo e governo”.[8]

Cuba sempre fez da solidariedade internacional um pilar fundamental de sua política exterior. Assim, em 1960, inclusive antes do desenvolvimento de seu serviço médico e quando tinha acabado de perder 3 mil médicos dos 6 mil presentes na ilha (que escolheram emigrar para os Estados Unidos depois do triunfo da Revolução, em 1959), Cuba ofereceu sua ajuda ao Chile depois do terremoto que destruiu o país. Em 1963, o governo de Havana mandou sua primeira brigada médica composta de 55 profissionais à Argélia para ajudar a jovem nação independente a enfrentar uma grave crise de saúde. Desde aquele momento, Cuba estendeu sua solidariedade ao resto do mundo, particularmente à América Latina, à África e à Ásia. Em 1998, Fidel Castro elaborou o Programa Integral de Saúde, destinado a responder às situações de emergência. Graças a esse programa, 25 288 profissionais cubanos da saúde atuaram voluntariamente em 32 países.[9]

Por outro lado, Cuba formou várias gerações de médicos de todo o mundo. No total, a ilha formou 38 920 profissionais da saúde de 121 países da América Latina, da África e da Ásia, particularmente mediante a Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM), fundada em 1999. Além dos médicos que cursaram seus estudos na ELAM em Cuba (cerca de 10 mil graduados por ano), Havana contribuiu para a formação de 29 580 estudantes de medicina em 10 países do mundo.[10]

O Operação Milagre, lançada em 2004 por Cuba e Venezuela, que consiste em tratar vítimas de catarata e outras enfermidades oculares nas populações do Terceiro Mundo, é emblemática da política solidária de Havana. Desde tal data, cerca de 3 milhões de pessoas de 35 países recuperaram a visão, entre elas 40 mil na África.[11]

Depois do furacão Katrina, que destruiu a cidade de Nova Orleans em setembro de 2005, Cuba criou o “Contingente Internacional de Médicos Especializados no Enfrentamento de Desastres e Grandes Epidemias Henry Reeve”, composto de 10 mil médicos. A ilha, apesar do conflito histórico com os Estados Unidos, ofereceu sua ajuda a Washington, que a rejeitou. A partir desse contingente, Cuba criou 39 brigadas médicas internacionais que já atuaram em 23 países[12].

Na África, cerca de 77 mil médicos e outros profissionais da saúde cubanos forneceram seus serviços em 39 dos 55 países [do continente]. Atualmente, mais de 4 mil, mais da metade deles médicos, trabalham em 32 países da África.

No total, cerca de 51 mil profissionais da saúde, entre eles 25 500 médicos, dos quais 65% são mulheres, trabalham em 66 países do mundo. Desde o triunfo da Revolução, Cuba realizou cerca de 600 mil missões em 158 países com a participação de 326 mil profissionais de saúde. Desde 1959, os médicos realizaram mais de 1,2 bilhão de consultas médicas, assistiram 2,3 milhões de partos, efetuaram 8 milhões de operações cirúrgicas e vacinaram mais de 12 milhões de mulheres grávidas e crianças.[13]

Cuba escolheu oferecer solidariedade aos povos necessitados como princípio básico de sua política exterior. Dessa forma, apesar das dificuldades inerentes a todo país de Terceiro Mundo, Cuba mandou seis toneladas de medicamentos e material médico para Gaza[14]. É um exemplo entre muitos outros. Fidel Castro explicou as razões: “Esse é um princípio sagrado da Revolução; isso é o que nós chamamos de internacionalismo porque consideramos que todos os povos são irmãos e antes da pátria está a humanidade”. [15] Havana demonstra para o mundo que, apesar de recursos limitados, apesar das sanções econômicas estadunidenses que asfixiam o país, sem abandonar sua própria população (com um médico para cada 137 habitantes, Cuba é a nação melhor servida do mundo), é possível fazer da solidariedade um vetor essencial da aproximação e da amizade entre os povos.[16]

Foto Efe

*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV,  Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama The Economic War Against Cuba. A Historical and Legal Perspective on the U.S. Blockade, New York, Monthly Review Press, 2013, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.


[1] Granma, « Cuba responde al llamado de la ONU para combatir el ébola », 11 de setembro de 2014. http://www.granma.cu/mundo/2014-09-11/cuba-responde-al-llamado-de-la-onu-para-combatir-el-ebola (site consultado em 14 de setembro de 2014)
[2] Cuba Debate, « Apoyo de Cuba a la lucha contra el ébola responde a la solidaridad de su Revolución », 13 de setembro de 2014. http://www.cubadebate.cu/noticias/2014/09/13/apoyo-de-cuba-a-la-lucha-contra-el-ebola-responde-a-la-solidaridad-de-su-revolucion/#.VBSAxVd42So (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[3] Ibid.
[4] Ibid.
[5] Javier Ortiz, « Ban Ki Moon felicita iniciativa de Cuba contra el ébola », Cuba Debate, 13 de setembro de 2014. http://www.cubadebate.cu/noticias/2014/09/13/ban-ki-moon-felicita-iniciativa-de-cuba-contra-el-ebola/#.VBSBDld42So (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[6] Kai Kupferschmidt, “Cuba to Commit Large Health Corps to Ebola Fight”, Science, 12 de setembro de 2014. http://news.sciencemag.org/africa/2014/09/cuba-commit-large-health-corps-ebola-fight (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[7] Cuba Debate, « Apoyo de Cuba a la lucha contra el ébola responde a la solidaridad de su Revolución », 13 de setembro de 2014, op. cit.
[8] Roberto Morales, « África está urgida de la solidaridad internacional »,  Cuba Debate, 12 de setembro de 2014. http://www.cubadebate.cu/especiales/2014/09/13/africa-esta-urgida-de-la-solidaridad-internacional/ (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[9] Ibid.
[10] Ibid.
[11] Ibid.
[12] Ibid.
[13] Ibid.
[14] Agence France Presse, “Cuba envía 6 toneladas de medicamentos a Gaza y está dispuesta a recibir heridos”, 11 de setembro de 2014.
[15] Cuba Debate, « Cuba ha colaborado en Salud con 120 países del mundo », 22 de maio de 2014.
[16] Salim Lamrani, Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, p. 41.

ONU: Dilma critica intervenções militares e repudia ofensiva israelense em Gaza



Vitor Sion, São Paulo  - Opera Mundi

Presidente também pediu agilidade na reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas

No discurso de abertura da 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), nesta quarta-feira (24/09), a presidente Dilma Rousseff criticou a realização de intervenções militares, como a que os Estados Unidos iniciaram recentemente no Iraque e na Síria, e voltou a criticar a ofensiva israelense na Faixa de Gaza.

Ao falar por pouco mais de 20 minutos, Dilma argumentou que “a cada intervenção militar, não caminhamos para a paz” e que os conflitos existentes atualmente no mundo deve ser resolvidos de forma permanente. "A cada intervenção militar não caminhamos para a paz mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos. Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas humanitários. Não podemos aceitar que essas manifestações de barbárie recrudesçam, ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios."

A presidente reiterou a posição de seu governo no que se refere à ofensiva de Israel à Faixa de Gaza, condenando o “uso desproporcional da força”. “Não podemos ser indiferentes com Israel e Palestina”, afirmou Dilma, que defendeu a solução de dois Estados para Israel e Palestina. Em julho, o Itamaraty condenou os ataques israelenses, o que gerou uma polêmica diplomática entre os países.

Dilma também retomou uma demanda brasileira que ganhou força durante os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010): a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Segundo ela, essa instituição tem falhado em sua busca por obter "soluções pacíficas". "Será necessária uma verdadeira reforma no Conselho de Segurança, processo que se arrasta há muito tempo. Os 70 anos da ONU em 2015 devem ser situação propícia" para agilizar esse processo, afirmou.

A presidente do Brasil ainda pediu que os países se esforcem para concluir a Rodada de Doha, que tem o objetivo de dinamizar a economia mundial, e reivindicou maior poder para os países emergentes na condução da governança econômica mundial, em especial no FMI (Fundo Monetário Internacional) e no Banco Mundial. "Reitero o que disse no ano passado: é indispensável retomar o dinamismo da economia global", disse Dilma, ressaltando que essa retomada deve incluir uma maior redistribuição de renda.

Outro tema lembrado no discurso da brasileira foi o meio ambiente. Dilma afirmou que o Brasil tem "feito sua parte", ao reduzir o desmatamento em 79% na última década, e garantiu que o país diminuirá as emissões de gás carbônico em no mínimo 36% até 2020. Ontem, a presidente também discursou na Cúpula do Clima, quando lamentou que os pobres sejam os mais vulneráveis pelas mudanças climáticas.
 
O evento de hoje, presidido por Uganda, foi iniciado às 10h (horário de Brasília) pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. O sul-coreano lamentou a morte de tantos inocentes neste ano, que classificou como “terrível”, e afirmou que “a diplomacia está na defensiva”.

Entre os conflitos atuais citados pelo diplomata estão Gaza, Ucrânia, Sudão do Sul, Mali e Somália. Ban também pediu a mobilização de “todos os recursos necessários” para frear a epidemia de ebola na África.

Ele disse que os países enfrentam hoje uma “profusão de desafios” e lamentou: “o mundo ainda não é pacífico como deveria ser”. 

Foto Efe

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Portugal: PASSOS EM VOLTA DO ESQUECIMENTO



Paula Ferreira – Jornal de Notícias, opinião

O primeiro-ministro remeteu para a Procuradoria-Geral da República (PGR) o esclarecimento sobre o eventual ilícito na sua declaração de rendimentos enquanto deputado.

Passos Coelho não se lembra se exerceu o cargo de deputado em regime de exclusividade, entre 1995 e 1999. A mesma dúvida quis ver esclarecida, há dias, pelos serviços da Assembleia da República. A resposta foi célere. Pedro Passos Coelho não exerceu em regime de exclusividade: ou seja, podia ter auferido os rendimentos da Tecnoforma. Que não terão sido declarados ao Fisco. Disso o primeiro-ministro também não se lembra.

"Só há uma maneira de clarificar: que é solicitar à Procuradoria-Geral da República que faça as averiguações especificamente sobre esta matéria que devam ser realizadas de modo a esclarecer se há ou não algum ilícito independentemente de entretanto ter prescrito". Pedro Passos Coelho, o político que (lembram-se?) não tinha pressa de "ir ao pote", assume a postura de seriedade que se deseja do líder de um governo. Mas o que se espera do primeiro-ministro é o esclarecimento de se cumpriu ou não as suas obrigações fiscais. Se não o fez, deve, obviamente, demitir-se. Passos transfere o ónus para a PGR, incumbindo-a de investigar algo já prescrito. Há, no entanto, algo, a reter nas suas palavras: "Não deixarei de tirar todas as minhas conclusões e consequências em função do apuramento que a Procuradoria-Geral da República vier a fazer". Fica a garantia. Se a PGR esclarecer que Passos Coelho não declarou o rendimento auferido, o próprio assumirá as devidas consequências. Demite-se? Demite-se. Não podemos entender de outra forma a palavras de primeiro-ministro.

Numa conferência de Imprensa conjunta com o alemão Martin Schulz - que deveria servir para debater questões europeias - o presidente do Parlamento Europeu acompanhou as questões feitas pelos jornalistas através da tradução simultânea. E deverá ter percebido, talvez com algum espanto, o seguinte: num país em que a retoma e o combate ao défice assenta no pagamento de impostos dos portugueses, pairam sérias dúvidas sobre se o primeiro-ministro terá a sua folha completamente limpa. Nos primeiros cinco meses de 2014, recorde-se, o Estado arrecadou 14 624,6 milhões de euros em impostos, verificando-se um aumento de 477 milhões em relação ao período homólogo.

O antigo deputado e agora primeiro-ministro reage às dúvidas, às suspeitas, com a sua própria amnésia. Passos Coelho deverá ter consciência de que a Procuradoria espera do chefe do Governo uma memória viva, isenta, sem mácula: para chegar, enfim, a alguma conclusão plausível. De contrário, estamos perante um exercício (mais um) de retórica. E o perigo é este, que mina o regime democrático, a ética republicana, a confiança. Os cidadãos, sentados (ou de cócoras) assistem a uma peça de teatro - mas, na vida real, são essas as personagens que governam.

Portugal - Arménio Carlos: "Além de tardio, acordo é insuficiente e é moeda de troca"




O líder da CGTP considera que o aumento do salário mínimo para os 505 euros não é suficiente e que vai manter no limiar da pobreza mais de 500 mil trabalhadores em Portugal. Os números reivindicados pela central sindical liderada por Arménio Carlos são bem superiores, mas não reuniram o apoio do Governo e das entidades patronais.

A CGTP foi a única entidade que, em sede de concertação social, se recusou a assinar o acordo que estipula que o Salário Mínimo Nacional (SMN) passará dos atuais 485 para os 505 euros.

Aos jornalistas, o secretário-geral da central sindical explicou os motivos, que passam não só pelo valor em causa, mas pela atitude do Executivo.

“Além de tardio, é insuficiente. Os trabalhadores já deviam estar a receber 500 euros desde janeiro de 2011. O facto de isso não ter acontecido levou a que tivessem perdido cerca de 780 euros neste período”, explicou o sindicalista.

Os “encargos com a habitação, saúde e educação, que aumentaram significativamente nos últimos quatro anos”, fazem, na sua opinião, com que o “acréscimo para lá dos 500 euros esteja longe de repor o poder de compra e corresponder às possibilidades que as empresas têm para melhorar o SMN”.

Além de considerar que tal aumento funciona, da parte do Governo, como uma “moeda de troca para os patrões voltarem a ser beneficiados pelo Estado”, Arménio Carlos entende que, com a “redução da TSU”, o Executivo encontrou uma forma de financiar os patrões para aumentar o salário mínimo.

O representante dos trabalhadores relembrou que as metas estipuladas pela CTGP vão mais além: “515 euros a partir de junho deste ano, 540 euros a partir de janeiro de 2015 e 600 euros no início de 2016”.

Goreti Pêra – Notícias ao Minuto

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Portugal - Fraude: Diretor do IEFP embolsou 500 mil euros com fraude




O esquema passava por aprovar a atribuição de subsídios para um programa desenvolvido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e fingir que eram criados postos de trabalho. Enquanto isto acontecia, o diretor de serviço e técnico superior do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) em Penafiel, José Alberto Teixeira de Matos, punha dinheiro ao bolso. No total, a fraude valeu 4,5 milhões de euros, informa o Jornal de Notícias.

O diretor de serviço e técnico superior do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), José Alberto Teixeira de Matos, está a ser acusado de ter recebido mais de 500 mil euros para aprovar a atribuição de subsídios, através do programa Iniciativas Locais de Emprego (ILE).

Ao que tudo indica, o funcionário tinha mais cinco cúmplices, Fernando Alves, António Palma, António Mendes, Abel Pires e Rui Vitorino. Estes estão acusados de corrupção ativa, fraude e associação criminosa.

Já José está acusado de 52 crimes de corrupção passiva, 17 de fraude na obtenção de subsídio e um de associação criminosa, crimes cometidos entre 2003 e 2011, conta o Jornal de Notícias. O diretor e os cinco cúmplices recebiam uma comissão de pelo menos 10%. 

Neste esquema estão envolvidos mais 61 arguidos – 40 empresários e 21 firmas comerciais – que beneficiavam com a fraude.

A rede funcionava da seguinte forma: aprovavam as candidaturas sem serem necessários documentos legais com faturas falsas. Alegavam que o objetivo consistia em criar empresas de confeção, cibercafés, oficinas de automóveis, serralharias, cabeleireiros, gabinetes de contabilidade, lojas de vinho e de bordados.

O plano foi posto em prática em Penafiel, mas rapidamente estendeu-se também a Lamego. Quanto às empresas beneficiadas, Paços de Ferreira, Lousada, Felgueiras, Lamego, Barcelos, Freamunde, Maia e Lamego entram na lista.

Notícias ao Minuto

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Portugal: Passos assinou pelo seu punho declaração de que estava em exclusividade




PÚBLICO obteve cópias de dois documentos: um em que o actual primeiro-ministro pede o subsídio de reintegração e outro em que declara que esteve no Parlamento em regime de exclusividade.

“Venho agora, por solicitação dos serviços do Parlamento, informar que desempenhei as funções de deputado, durante a VI e VII Legislaturas, em regime de exclusividade.” A declaração não podia ser mais clara e foi assinada pelo punho de Pedro Passos Coelho em 17 de Fevereiro de 2000.

Até agora, por intermédio do parecer do auditor jurídico do Parlamento que o PÚBLICO divulgou nesta terça-feira, sabia-se que o próprio ex-deputado informara os serviços da Assembleia de que tinha estado em exclusividade entre 1991 e 1999, ao contrário daquilo que o secretário-geral do Palácio de São Bento garantiu nesse mesmo dia em comunicado.

A declaração de Passos Coelho que o PÚBLICO agora revela não deixa margem para dúvidas, nem para a atribuição de qualquer erro de interpretação ao antigo auditor jurídico.

O documento em causa foi dirigido ao então presidente da Assembleia, Almeida Santos, no âmbito da instrução do processo relativo ao pedido de subsídio de reintegração entregue por Passos Coelho em 27 de Outubro de 1999. Esse subsídio estava reservado, desde 1995, apenas aos deputados que tinham exercido as suas funções em regime de exclusividade.

Face à declaração do próprio de que tinha estado em exclusividade durante os dois mandatos, os serviços da Assembleia registaram no documento, a 15 de Março de 2000, o facto de Passos Coelho não ter enviado as declarações de IRS referentes ao período de 1995-1999, as quais se destinavam a comprovar que não tinha auferido rendimentos incompatíveis com o regime de exclusividade — entre 1991 e 1995 o subsídio não dependia desse regime. Logo no dia seguinte, Almeida Santos remeteu o processo do pedido de subsídio de reintegração para o auditor jurídico, o procurador-geral-adjunto Henrique Pereira Teotónio, o qual determinou aos serviços, a 3 de Abril, que o informassem sobre o tempo de exercício de funções por parte do requerente do subsídio e lhe solicitassem o envio das declarações de IRS.

Já na posse da documentação fiscal enviada por Passos Coelho e do parecer da Comissão de Ética por ele solicitado, o auditor jurídico pronunciou-se a favor da atribuição do subsídio de reintegração ao requerente.

O parecer em causa prendia-se com a inexistência de incompatibilidade entre as únicas funções remuneradas que Passos Coelho declarou às Finanças durante o segundo mandato (colaborações esporádicas em alguns órgãos de informação) e o regime de exclusividade.

A decisão do auditor jurídico, já reproduzido pelo PÚBLICO, tem data de 23 de Maio e foi, oito dias depois, homologado por Almeida Santos. Foi esta decisão que serviu de fundamento à atribuição de um subsídio de cerca de 60 mil euros a Pedro Passos Coelho.


Portugal: A CABEÇA DE PASSOS NÃO ESTÁ NO CEPO MAS SIM A DA DEMOCRACIA


Bocas do Inferno

Mário Motta, Lisboa

“O primeiro-ministro assinou hoje uma carta em branco de demissão. Uma carta que ainda não está escrita mas já está assinada. Restam dois desfechos, em função do resultado das investigações ao caso Tecnoforma: ou rasga a carta e fica, ou escreve o resto do texto e sai.”

O preâmbulo é de Pedro Santos Guerreiro na abertura do artigo de opinião do jornal Expresso de hoje. La Palisse não diria melhor que este jornalista. Escreve ele em título que “A cabeça de Passos está no cepo”. E isso talvez não seja assim tão evidente. A cabeça da democracia, sim, está no cepo. Assim como Santos Guerreiro afirma que Passos já assinou a carta de demissão, o que não deve corresponder à realidade mas cabe perfeitamente no sentido figurativo do formato deste “fabricante de opinião” do Expresso. Essa “imagem” podemos e devemos dar de barato. Até porque Passos não é sujeito de se demitir por dá cá aquela palha e vai levar esta “novela” até aos extremos de prazos que melhor o sirva, a exemplo do fraudulento “doutor” José Relvas, o seu amigo Tecnoforma e de muitas outras andanças.

Passos está a fazer tudo para ganhar tempo, no mesmo figurino de Relvas. Se assim não fosse teria esclarecido os portugueses numa questão de horas porque decerto tem a escrita pessoal em dia (devia ter) e sabe muito bem que recebeu pagamentos da Tecnoforma, assim como certamente tem em arquivo a documentação do seu requerimento do regime de exclusividade na Assembleia da República e o despacho. Todo o processo, em suma. E se não tem, na AR tem de lá estar. O jornal Público dá uma contribuição nesse aspeto e publicou ontem documentação esclarecedora que pode ser vista no título Documento na Íntegra. Se dúvidas existirem...

Não é necessário ir à bruxa para saber que os portugueses não confiam minimamente numa enorme percentagem dos atuais políticos. Os de agora, detentores do poder, e tambéns muitos de governos passados. Assim como em muitos dos deputados que se servem do país em vez de o servirem. Passos Coelho está entre os que se incluem nessa classe sem classe e sem crédito. Ainda mais descredibilizado por ser comprovadamente um mentiroso sem escrúpulos que se sobressaiu desde as eleições que o levaram ao poder até agora. Quando Passos faz declarações tem o efeito de as suas palavras entrarem nos nossos ouvidos a cem e saírem a duzentos quilómetros por hora.

No Caso Tecnoforma, acerca do recebeu, não recebeu, tinha regime de exclusividade para com a AR, não tinha regime de exclusividade, já vimos que um secretário da AR, na posse da documentação da anunciada fraude, tem vindo a tentar gerar a confusão. Dando a impressão de que quer a todo o transe livrar o coiro do atual PM. Mas a documentação que tem vindo a público é categórica até melhor saber que possa inocentar Passos Coelho. Se a fraude prescreveu é indiferente porque o que conta é a falta de honestidade de um indivíduo que se diz impoluto mas que afinal não o é. E esse sujeito até é primeiro-ministro.

Se Passos fosse impoluto e não tivesse no seu passado nada obscuro (mas de que se vai safando) podia logo, na hora, em que a questão surgiu afirmar a pés juntos que tais suspeitas e notícias não correspondiam à verdade. Porém, fruto da escola de Miguel Relvas e de muitos outros semelhantes a esse figurão, o hábito da prática de tornear legalidades e procedimentos de regras devem ser tantos que por terem passado pelos intervalos da chuva com toda a impunidade os leva a esquecer que afinal até nem têm o caráter elevado e correto que vêm falsamente mostrando aos eleitores, aos portugueses. Diz-se que a ocasião faz o ladrão. A política também, em alguns casos. Bastas vezes faz com que os impolutos sejam absorvidos pelas malhas da mentira, da ganância, da ilegalidade, da corrupção, do nepotismo, do crime. Salva-os a impunidade que se tem verificado até hoje. Até quando?

Dito isto. Passos Coelho só tem mesmo de se demitir por via deste Caso Tecnoforma. Porque mesmo que esteja inocente será sempre, para os portugueses, culpado. Ficará ainda mais descredibilizado, para além do que já está pelo ror de mentiras que tem vindo a pespegar aos portugueses, aos seus eleitores, ao país em geral. Se não se demitir assim será de prever. Porque neste momento, por muito inocente que pudesse estar, os portugueses já estão de pé atrás com quase tudo e com quase todos. O secretário da AR veio comprovar a razão de assim acontecer após o conhecimento público de alguma documentação esclarecedora que o desmentiu. A PGR o que vai fazer? Vão acreditar na Justiça se acaso ilibar Passos Coelho? E qual é o grau de crédito ou descrédito da Justiça em Portugal?

Uma coisa é certa: Portugal precisa de um esclarecimento rápido. Passos podia ter esclarecido no devido e imprescindível tempo útil. Não o fez. Evocou falta de memória a que “cheirou” pretender ganhar tempo. Primeiro declarou que a AR podia esclarecer. Não esclareceu, antes pelo contrário. Agora recorre à PGR, à Justiça. Se isto não é querer ganhar tempo, à espera de um milagre… E porquê? E porquê? Quem não deve não teme, como diz o povo. Passos pode declarar que não teme, nem deve. Mas das suas mentiras estamos todos muito fartos. Como os da povoação da história Pedro e o Lobo não acreditaram em Pedro depois de tanta vez mentir, assim reagem os portugueses em relação ao primeiro-ministro e muitos outros. O pior é que são as instituições da democracia que se vão desmoronando por arrasto e isso é terrível para qualquer regime democrático, para Portugal. E dizem-se eles, certos políticos, patriotas! 

A cabeça de Passos não está no cepo mas a sua conduta ao longo de décadas está. Ou isso ou Portugal e os portugueses estão tramados com gente deste jaez nos poderes. A cabeça da democracia é quem está no cepo.

Portugal: PASSOS COELHO AMEAÇA BATER COM A PORTA



Ana Sá Lopes – jornal i

A PGR não costuma pronunciar-se sobre factos prescritos. É provável que a resposta seja inconclusiva

O primeiro-ministro anunciou ontem que irá retirar "consequências" na sequência do que for apurado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) relativamente à existência de "algum ilícito, independentemente de ter prescrito ou não" relativamente ao seu vínculo laboral com a Tecnoforma enquanto era deputado, entre 1997 e 1999. A revista "Sábado" noticiou na quinta-feira que, enquanto era deputado em regime de exclusividade, Pedro Passos Coelho terá recebido uma quantia no valor de 150 mil euros. Passos nunca desmentiu ter recebido este valor e limitou-se a pedir ao parlamento esclarecimentos sobre qual era efectivamente a sua situação face à exclusividade.

Mas pode a PGR pronunciar-se sobre a licitude de um acontecimento que, a prefigurar um crime, já estaria prescrito? De acordo com fontes do Ministério Público contactadas pelo i, o mais provável é que a haver esclarecimento da PGR ao pedido feito pelo primeiro-ministro este se limite a afirmar algo como "os factos denunciados, a terem ocorrido, já prescreveram." Ou seja, nunca se saberá por essa via se houve ou não crimes de fraude fiscal. Porque estes não se investigam quando se sabe, logo à partida, que mesmo tendo havido crime o suspeito nunca poderá ser acusado. Não havendo dúvida sobre a prescrição dos factos - à data, um crime de fraude fiscal prescrevia passados cinco anos -, nem sequer terá sido aberto um inquérito quando a denúncia chegou ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

"A lei não permite que se investigue uma dúvida. É obrigação de um procurador verificar se se verificam uma série de requisitos para dar início a uma investigação. Se já prescreveu já não vai ser possível acusar, logo não se investiga", explica ao i um procurador. "O Ministério Público já não poderá dizer se houve ou não houve crime", acrescenta. "Mas a ausência de responsabilidade criminal não elimina a responsabilidade política. Os tempos da Justiça é que são outros." Passos Coelho tem invocado a falta de memória relativamente aos rendimentos e ao estatuto em que se encontrava enquanto deputado nos anos 1995/1999. Ontem, voltou a insistir neste tópico: "Estão-me a solicitar que faça declarações sobre processos de rendimento auferido há 19, 17, 18 anos. Não estou em condições de o fazer".

O primeiro-ministro manifestou-se satisfeito com a divulgação, na segunda-feira, pelo parlamento, de que em 1995/99 não teve exclusividade. Mas ontem o "Público" noticiou que o parlamento atribuiu o subsídio de reintegração a Passos Coelho, sob a justificação de que era deputado em regime de exclusividade. O próprio Passos Coelho assume nesse parecer que, nesses anos, recebeu a quantia de 4825 contos (cerca de 25 mil euros) apenas por participações em órgãos de comunicação social o que foi considerado "direitos de autor, compatíveis com o regime de exclusividade".

Seguro pediu que seja o primeiro-ministro a esclarecer tudo: "O país exige é um esclarecimento dele e é fácil de verificar se recebeu ou não dinheiro durante o período do exercício do seu mandato como deputado", afirmou.

Passos Coelho - Tecnoforma. PORTUGAL PRECISA DE UM ESCLARECIMENTO RÁPIDO



Luís Rosa – jornal i, opinião

O pedido do PM dirigido à PGR não deixa de ser o reconhecimento da fragilidade da sua posição e destina-se a ganhar tempo

Quando menos se esperava, voltamos a ter no horizonte um cenário de instabilidade política. O mais surpreendente é que não são as consequências da política de austeridade nem qualquer problema estrutural com o CDS que levam o próprio primeiro-ministro a admitir uma eventual demissão. É um caso judicial que está a gerar suspeitas numa altura em que é fundamental que o governo leve o seu mandato até ao final. A estabilidade foi um valor essencial para termos apenas um programa de assistência financeira. E continua a ser importante para não pôr em causa os frágeis sinais de retoma económica.

É importante que se diga que o caso Tecnoforma ainda não é totalmente claro. Há suspeitas mas ainda não há certezas. Há suspeitas de que Passos Coelho terá recebido cerca de 150 mil euros de uma organização não-governamental ligada à empresa Tecnoforma. Há suspeitas de que o então deputado do PSD estava em exclusividade mas, apesar de ter invocado tal estatuto para receber o subsídio de reintegração, não há a certeza de que estava mesmo impedido de receber outras remunerações. Partindo da hipótese de que não estaria em exclusividade, Passos Coelho não devia ter recebido 30 mil euros a título de subsídio de reintegração. Partindo da hipótese de que estaria em exclusividade, e de que recebeu 150 mil euros do grupo Tecnoforma, poderá ter violado a lei. Se se confirmar que recebeu entre 1997 e 1999 uma remuneração mensal de uma terceira entidade que não o parlamento, e não declarou os respectivos valores à administração fiscal, poderá ter cometido um crime fiscal. A concretização de qualquer destas hipóteses faria com que a situação de Passos Coelho fosse insustentável e levasse à queda do governo. Mas, como se vê, ainda estamos no campo da especulação. Tendo em conta os quase 20 anos que já passaram sobre os factos, não é certo que consigamos sair desse campo. Uma certeza existe, porém: os eventuais crimes já prescreveram.

Esta última realidade faz com que o pedido de Passos Coelho dirigido ontem à Procuradoria-Geral da República (PGR) não possa ter uma resposta criminal. Isto é, o Ministério Público está impedido de investigar.

O Conselho Consultivo da PGR poderia eventualmente, e a pedido de Joana Marques Vidal, pronunciar-se sobre o que está em causa neste caso mas não é líquido que o possa fazer. Por isso mesmo, a atitude de Passos Coelho não deixa de ser o reconhecimento da fragilidade da sua posição mas é um contra-ataque político que parece ter o objectivo de ganhar tempo.

O escrutínio apertado a que José Sócrates foi sujeito enquanto primeiro-ministro nos casos da licenciatura ou do Face Oculta, entre outros, introduziu práticas novas no escrutínio da comunicação social que não deixam de representar uma evolução do nosso sistema democrático. Por razões diferentes, Passos Coelho está a sentir agora na pele o mesmo escrutínio. Ao contrário de Sócrates, que sempre lidou pessimamente com essa actividade normal em qualquer democracia, Passos não está a vitimizar-se. Diz que não se lembra com uma sinceridade que não foi reconhecida ao seu antecessor. Isso é de saudar, mas é fundamental que esclareça rapidamente todo o caso, sob pena de a nuvem de suspeita não desaparecer de cima da sua cabeça.

*Título ligeiramente alterado por PG mas fiel ao sentido formulado pelo autor

Portugal – Tecnoforma: PASSOS JÁ ENVIOU PEDIDO DE ESCLARECIMENTO À PGR




Passos Coelho já enviou pedido de esclarecimento à Procuradoria-Geral da República, informa a TVI 24.

O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho já terá enviado um pedido de esclarecimento à Procuradoria-Geral da República. Em causa estarão as condições em que terá desempenhado o seu mandato de deputado, se em regime de exclusividade ou não.

Esta manhã, em resposta a uma pergunta da Lusa, o gabinete de imprensa da PGR adiantava que não tinha ainda chegado “à Procuradoria-Geral da República qualquer pedido formal” por parte do primeiro-ministro, acrescentando ainda que assim que chegasse seria “objeto de apreciação".

Ontem, terça-feira, Passos Coelho revelava que iria pedir esclarecimentos à PGR, tendo garantido que iria tirar "todas as consequências" caso a PGR encontrasse razão para ilícitos.

[Notícia em desenvolvimento]

Notícias ao Minuto

China – Macau - Leis eleitorais: ESPECIALISTAS PEDEM URGÊNCIA NA REVISÃO



FILIPA ARAÚJO – Hoje Macau, em DestaquePolítica

Deputados e académicos ouvidos pelo HM concordam que a revisão das leis eleitorais – tal como prometido pelo Governo – é urgente. E há quem vá mais longe: uma lei única bastaria para controlar todas as eleições

Com Joana Freitas

As mudanças foram prometidas mas, em ano de eleições para o Chefe do Executivo, nada aconteceu: vai ou não o novo Governo rever as leis eleitorais? Segundo deputados e académicos ouvidos pelo HM não há dúvidas: é urgente rever estas leis. Mas há quem vá mais longe e peça mesmo a junção de todas as leis eleitorais –  Lei Eleitoral para o Chefe do Executivo, Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa e Lei do Recenseamento Eleitoral – numa única.

Foi em Junho que José Chu, director dos Serviços da Administração e Função Pública (SAFP), assegurou que o Governo estaria aberto a iniciar os trabalhos para a revisão das Leis Eleitorais. Numa resposta a uma interpelação escrita do deputado Leong Veng Chai – e confrontado com o relatório apresentado pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC) que mostra que há falhas na Lei Eleitoral – o responsável garantiu que o Executivo levava em conta as recomendações do CCAC e prometeu mudanças. Larry So, sociológo e ex-professor de Administração Pública, acredita que seria benéfico para a sociedade que Macau fosse alvo de uma reforma política, com um enfoque especial “no que respeita às eleições e ao seu sistema”.

O QUE ESTÁ EM CAUSA

Em
declarações ao HM, So explica que o que está em cima da mesa não é a discussão do sufrágio universal – que o próprio acredita que não irá acontecer nos próximos anos – mas sim uma revisão que possa permitir um maior número de membros eleitos.

Se o académico está confiante que essa mudança possa vir a acontecer, já menos esperançoso está o deputado José Pereira Coutinho, que salienta até que, sem o “elenco governativo completo”, é difícil prever o que o Executivo irá fazer.

“As prioridades do Governo, algumas delas, já foram definidas pelo Chefe do Executivo, como a habitação e os transportes. Deste modo, é preciso esperar para perceber o que poderá vir a seguir”, disse Pereira Coutinho ao HM, reforçando que os deputados “tencionam propor que o Governo reveja com a máxima urgência as leis eleitorais”.
De acordo está o deputado e número dois de Pereira Coutinho, Leong Veng Chai que reforça a urgência em iniciar esta revisão.

LEI ÚNICA?

Em 2008 foi feita a última revisão às leis eleitorais. Numa resposta recente ao HM, sobre o relatório das actividades eleitorais para a AL, os SAFP confirmaram que o documento analisa os trabalhos das diversas fases do processo das eleições e que são propostas melhorias. Essas melhorias, garantia o organismo, seriam dadas a conhecer quando houvesse “consulta ao público aquando da revisão das leis eleitorais”.

Sem adiantar uma data, os SAFP frisavam apenas que a Lei Eleitoral para o Chefe do Executivo, a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa e a Lei do Recenseamento Eleitoral estão relacionadas, pelo que a sua revisão teria de ser feita em conjunto. “Vão iniciar-se em tempo oportuno os trabalhos de revisão da Lei Eleitoral”, garantia.

Se a consciência de que todas as revisões destas leis têm de ser feitas em conjunto existe, há, por outro lado, quem deixe outras sugestões. É o caso de Larry So, que pede uma lei geral que crie directrizes para todos os momentos eleitorais do território e para o recenseamento eleitoral.

NO MESMO SACO

O académico relembra que, actualmente, essas três leis estão “inteiramente ligadas à Lei Básica” e defende que deveria existir uma lei geral que pudesse ser uma “lei administrativa”.

“Isso iria facilitar o processo. No caso de se criar esta lei facilitava tudo, nem teríamos que fazer uma revisão à Lei Básica, nem ir ao Governo Central”, explica.

Pereira Coutinho mostra-se mais cauteloso, ainda que concorde com a ideia. “Sou a favor de existir um código de leis específicas para determinadas matérias”, explicou o deputado, adiantando que a possibilidade de um código relativamente às leis eleitorais era “bastante interessante”.

Esta acção, segundo Coutinho, está dependente do “ponto de partida do Governo”, ou seja, se o Executivo considera se há ou não necessidade para se criar uma lei geral.

COMISSÃO PARA OS ASSUNTOS ELEITORAIS “DEVERIA SER PERMANENTE”

José Chu, director para os Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), confirmou este ano que o Governo iria estudar a hipótese de a Comissão para os Assuntos Eleitorais (CAE) se tornar um órgão permanente. Afirmação que surgiu depois de Leong Veng Chai ter questionado o Executivo, numa interpelação escrita, relativamente à necessidade de uma maior consciência política em Macau. Confrontado com esta hipótese, o Governo esclareceu que se existisse interesse por parte da comunidade para que isso acontecesse, então poderia de facto acontecer.

“O Governo tem mantido uma postura aberta em relação à ideia de transformar a Comissão num órgão permanente e irá continuar a ouvir as opiniões da sociedade e, posteriormente, vai estudar um modelo de funcionamento adequado”, afirmou José Chu, na altura.

De acordo estão Leong Veng Chai e o seu número um, José Pereira Coutinho, bem como o sociólogo e ex-professor de Administração Pública Larry So.

“Há mais de cinco anos que sugerimos isso ao Governo”, começa por dizer Pereira Coutinho. “Esse órgão não estaria apenas a trabalhar nos momentos eleitorais, mas sim em constante trabalho para divulgar a capacidade cívica e a divulgação das questões políticas junto da população de Macau.”

Esta acção, segundo o deputado, ao existir, deveria ainda estar mais dedicada às camadas mais jovens, pois são a massa com maior défice de conhecimento” das questões de políticas.

Larry So concorda. “Seria muito melhor, as coisas funcionariam de forma melhor, caso existisse um órgão em trabalho permanente para os assuntos eleitorais.” O académico considera que é necessário tomar medidas e “fazer alguma coisa de forma constante” para que a comunidade ganhe a educação cívica tão defendida por Pereira Coutinho.

EFEITOS NOCIVOS

A mudança de membros da CAE de quatro em quatro anos é um dos aspectos criticados por Leong Veng Chai, que acredita que esta alteração só está a prejudicar o desenvolvimento da população. “Actualmente os membros do CAE mudam de quatro em quatros anos e isto faz com que os novos membros precisem de aprender o funcionamento do órgão em questão, assim como compreender todos os regulamentos para organizar a nova comissão, as maneiras, os pensamentos de cada membro. Enfim, tudo é novo e precisa de tempo para adaptação”, explica o deputado ao HM, reforçando que “isso é prejudicial”.

Leong Veng Chai acredita que tornar a CAE num órgão permanente é o melhor que se pode fazer. “Com a existência de um órgão permanente não é necessária esta mudança de quatro em quatro anos e as disposições legais são também as mesmas e concretas, não são alteradas. Tudo isto evitaria a confusão de funcionamento e todo o trabalho seria mais útil”, defende.

Voz contra 

Opinião contrária à unificação das leis tem Leong Veng Chai, que afirma que não se deve misturar os diferentes momentos eleitorais. “As eleições, tanto a eleição para o Chefe do Executivo como a eleição para a Assembleia Legislativa, são assuntos diferentes, são eleições diferentes e por isso têm quadros legislativos diferentes”, defendeu o deputado, sublinhando que para si “é impossível unificar as leis eleitorais”.

Macau: “O Governo tem receio em tornar a violência doméstica um crime público” - Juliana Devoy



FILIPA ARAÚJO – Hoje Macau, em Destaque, Entrevista

Juliana Devoy, que dirige o Centro do Bom Pastor, defende que é preciso que o Governo faça uma lei contra a violência doméstica com boas definições, sobre o que é considerado violência grave ou não. Acérrima defensora da transformação deste crime em crime público, Devoy não se mostra optimista e diz mesmo que o receio do Governo é o principal obstáculo a que isso aconteça

A irmã Juliana tem sido um agente activo na causa contra a violência doméstica, tentando que, de uma vez por todas, se torne crime público. O que a motiva? 

Sim, confesso que sim, é algo por que tenho trabalhado muito. É um assunto muito delicado e muito importante para qualquer sociedade. É difícil perceber esta necessidade de dividir em crime semi-público ou público. É violência, deveria ser crime em qualquer parte do mundo.

Esta causa tem vindo agora a mover mais pessoas…

É verdade. E digo-lhe que os jornais portugueses foram os maiores impulsionadores desta causa. Foram eles que começaram a falar sobre este assunto, sobre esta falha na lei. Não sei ler português, mas muita gente sabe. E foram essas pessoas que, ao ler os jornais, começaram a questionar-se. Com o passar do tempo alguns académicos começaram a entrar em contacto com as organizações, inclusive com este Centro [do Bom Pastor], a fazer perguntas, a marcar encontros. Alunos e professores começaram a interessar-se e a ouvir muitos casos reais. Um dia organizaram-se e lançaram uma campanha no Facebook para recolher assinaturas para uma revisão da lei. Uns dias depois, os alunos foram todos para a rua recolher mais assinaturas, ultrapassámos as seis mil. O Governo começou a perceber e a mexer-se também, por causa disso.

Acredita que haja um interesse genuíno por parte do Executivo? 

Acredito que o Governo está de boa fé para que haja um consenso entre o seu interesse e o das organizações e claro, as vítimas. Durante o mês de Junho e Agosto estive nos Estados Unidos a visitar familiares e, nessa altura, o Governo reuniu-se com várias organizações de Macau para perceber todos os pontos de vista. Fiquei muito feliz quando no meu regresso tive a oportunidade de me encontrar com os representantes do Executivo para conversarmos e apresentar o meu ponto de vista.

A irmã participou também na última análise da ONU a Macau sobre a Convenção Internacional para os Direitos Humanos, Económicos e Sociais, onde conseguiu falar com o Comité. 

Sim. Nós temos três irmãs, em Nova Iorque, Genebra e em Viena, e foi essa ponte com a irmã colocada em Genebra que fez com que tudo acontecesse. Um dia, a conversarmos, achámos que seria uma excelente ideia conseguirmos ter direito a dois minutos para expor este assunto. Confesso que tivemos que falar com muita gente, visitar muitos escritórios, mas conseguimos. Quando percebi que tínhamos conseguido e que iria falar sobre o assunto, em nome da Aliança Anti-Violência Doméstica de Macau, fiquei muito feliz. Preparei um discurso e quando o li à irmã ela só dizia “corta, precisas de cortar isso”, porque sem perceber como funcionava o Comité preparei uma intervenção de cinco minutos, mas só tinha dois. Ao aconselhar-me que mais vale falar pouco em vez de o Comité me cortar a palavra, foquei-me apenas no essencial: é preciso que a violência doméstica seja considerada crime público.

Acredita que isso está prestes a acontecer?

Apesar de achar que há boa fé por parte do Governo, tenho muitas dúvidas quanto a este assunto. Pelo o que tenho percebido das últimas reuniões, o Executivo pretende que só a violência com armas, o abuso sexual de menores e a repetição de episódios violentos sejam considerados crimes públicos. Sinto que o Governo tem algum receio em tornar qualquer tipo de violência doméstica em crime público…

Seria como abrir a caixa da Pandora?

Exactamente! O pensamento é este: se qualquer violência doméstica é crime, então uma palmada da mãe ao filho é crime, um arrufo de irmãos é crime, um empurrão é crime. Percebe? Claro que o Governo teme que isso tome proporções incontroláveis. Mas é preciso entender que as pessoas têm bom senso. Imagine, vou a passar na rua e vejo uma mãe a dar uma palmada no filho, claro que não vou a correr fazer queixa à polícia. Mas vou ter com a mãe, se achar excessivo, e repreendo-a, claro.

Como se poderia contornar essa questão?

É preciso, e é isso que proponho ao Governo, criar uma lei com boas definições. Ou seja, ponto por ponto, pensando em todas as hipóteses, em todos os pormenores. Quem é que define o que é grave ou menos grave na violência doméstica? É a polícia? Como é que eles vão fazer quando uma vítima chegar à polícia e disser que sofre maus tratos? Eles vão perguntar quantas vezes é que já aconteceu e dependendo do número vão encaminhar o caso? Então, e se for o primeiro episódio? Mandam-na para casa e dizem: volte quando se repetir? É do conhecimento mundial que a violência doméstica e o comportamento do agressor funcionam como um ciclo. Salvo raras excepções, nunca um caso só aconteceu uma vez. E depois quem pensa nas crianças que assistem a este tipo de violência? Elas mesmo são vítimas só por estarem a olhar para o que está a acontecer. E como se pode pedir a uma vítima que acuse o seu marido, irmão, irmã, tornando-o criminoso? Repare: só é crime se existir queixa e a única pessoa, segundo a lei actual, que pode fazer queixa é a vítima, ou seja, só ela é que pode trazer [a público] o conceito de crime. Está errado, deve ser o Governo a dizer “isto é crime”.

E nestes casos há sempre muita vergonha e muito medo…

Absolutamente. Muitas mulheres, falo principalmente em mulheres porque só trabalhamos com mulheres, têm medo e muita vergonha dos seus casos. É preciso também pensar na cultura em que estamos envolvidos. Quero com isto dizer que, em Macau, vive-se muito o espírito do “não me meto na vida dos outros” e, por isso, pedir a um vizinho que já assistiu a vários momentos de violência que vá testemunhar a tribunal é muito complicado. Só em casos muito graves. E quais são esses casos? A morte de uma das vítimas como aconteceu em Hong Kong? É preciso pensar muito bem nesta lei e nas suas definições de grave e não grave.

Texto parcial. A entrevista continua no original.


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