Como a emergência de um país que rejeita dogmas neoliberais, e está construindo o Comum, pode sacudir um Ocidente às voltas com desigualdade, estancamento econômico, devastação ambiental e fascismo. Crônica de uma viagem
Antonio Martins* | Outras Palavras
Cravada a 2,4 mil quilômetros de
Pequim, mas a apenas duzentos da fronteira com o Vietnã, a estação ferroviária de Nanning é um das joias de infraestrutura que povoam a
paisagem chinesa. Inaugurada em 1951, dois anos após o revolução liderada por
Mao Zedong, ela foi reconstruída por inteiro em
Mas o gigantismo não ofusca a delicadeza. Os passageiros aguardam os trens em poltronas confortáveis – boa parte delas com massageador. O acesso às composições, que partem do andar subterrâneo, se dá por meio de portões de embarque semelhantes aos dos aeroportos, porém silenciosos. Há restaurantes e lojas, mas nenhum painel publicitário. A arquitetura inspira-se nas varandas da região de Guangxi. O ar é ameno. Apesar do imenso volume da estrutura, os verões indóceis da cidade (a temperatura pode chegar a 39ºC e a umidade produz sensação permanente de estufa) são suavizados por um sistema que combina ar condicionado e cortinas eletrônicas de vento. Duas linhas de metrô ligam a estação à cidade. A energia é fornecida por painéis fotovoltaicos.
Também fora da estação, tudo parece novo em Nanning: os prédios – alguns muito altos – de apartamentos ou escritórios, o transporte público, os sistemas que mantêm limpas as águas do largo rio Yong, o asfalto das ruas e até parte das árvores, escoradas por estacas que indicam plantio recente. A reurbanização da cidade – tinha 1 milhão de habitantes em 2002 e atingiu 8,5 milhões no ano passado – é uma pequena parte do movimento que livrou da pobreza, nas últimas três décadas, o equivalente a três Brasis.
A ação tornou-se intensa a partir de 2015. Vizinha à próspera Guangdong – fulcro da grande abertura da economia chinesa, em 1992 – a província de Guangxi havia ficado para trás. Lá, 32% da população é de origem zhuang (a maior minoria étnica do país) e 44% viviam na zona rural. Seu PIB per capita equivalia a apenas 60% da média nacional; 10,5% (ou 6,4 milhões de pessoas) viviam na pobreza. À época, Xi Jinping enunciava o objetivo de “prosperidade comum”, que revia, ao menos em parte, o padrão de desenvolvimento até então vigente.
A base para o resgate de Guangxi foi o investimento público maciço, que se estendeu muito além da transformação urbana. O Estado lançou um esforço meticuloso para identificar os focos e causas de pobreza rural – muitas vezes oculta em rincões remotos – e um movimento peculiar para superá-la, que examinaremos em detalhe mais tarde. Preservou-se a pequena propriedade camponesa. Estimulou-se entre outras atividades, em Guangxi, o processamento do chá, de ervas da medicina chinesa e de frutas. Cinco anos mais tarde, o processo estava concluído em todo o país.