sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A irresistível ascensão da China


2018 mal começou, e já a economia da China é duas vezes e meia maior do que a japonesa, cinco vezes maior do que a da Índia, seis vezes maior do que a do Brasil e oito vezes maior do que a da Rússia. Também é maior do que toda a Zona Euro.


Os dados do PIB de 2017, divulgados recentemente pela China, confirmam-no: o crescimento dramático do país, acompanhado pelo aumento da sua relevância económica global, não está a diminuir.

Notícias recentes puseram em causa a fiabilidade dos dados chineses, devido aos relatos de que algumas províncias sobrestimaram o seu desempenho económico nos últimos anos. Mas, por tudo o que sabemos, outras províncias podem estar a fazer o contrário. E, em qualquer caso, as províncias que admitiram inflacionar os seus dados não são suficientemente grandes para ter um impacto significativo no quadro nacional.

Além disso, dois pontos-chave perdem-se muitas vezes no debate sobre as estatísticas oficiais da China, que o país começou a divulgar no final da década de 1990. Primeiro, o debate só é relevante se a China estiver a aumentar o grau de sobredimensionamento dos dados. Em segundo lugar, os dados publicados pela China devem ser considerados no contexto dos dados dos seus parceiros comerciais, bem como das principais empresas internacionais que actuam na China. Como escrevi antes, diz-se que a China ultrapassou a França e os Estados Unidos para se tornar o principal parceiro comercial da Alemanha.

No que respeita aos dados de 2017, o foco dos meios de comunicação tem sido o crescimento do PIB real (ajustado pela inflação) da China, que, em 6,9%, representa a primeira aceleração em alguns anos, e uma evolução acima da meta do governo de 6,5%. Mas o dado mais importante é o crescimento do PIB nominal da China traduzido em dólares norte-americanos. Graças ao fortalecimento do renminbi, a produção económica total da China cresceu para 12,7 biliões de dólares em 2017, o que representa um aumento massivo de 13% (1,5 biliões de dólares) em apenas 12 meses.

Claramente, aqueles que advertiram que a China está a seguir os passos do Japão e a dirigir-se para um ciclo deflacionário de longo prazo estão errados. Na minha opinião, essas comparações simplistas nunca são particularmente úteis. A China não só evitou o risco de deflação como o fez com a sua moeda em alta.

Quando eu e os meus antigos colegas do Goldman Sachs começámos a acompanhar a ascensão das economias BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) no início dos anos 2000, achámos que só no final de 2015 é que a China apanharia o Japão. No entanto, 2018 mal começou, e já a economia da China é duas vezes e meia maior do que a japonesa, cinco vezes maior do que a da Índia, seis vezes maior do que a do Brasil e oito vezes maior do que a da Rússia. Também é maior do que toda a Zona Euro.

A impressionante expansão de 1,5 biliões de dólares da China em 2017 significa que, em termos nominais, o país criou basicamente uma nova economia do tamanho da Coreia do Sul, duas vezes maior do que a Suíça e com três vezes o tamanho da Suécia. Os dados mais recentes sugerem que a China poderá apanhar os EUA, em termos nominais, por volta de 2027, se não antes. Uma década depois disso, os países BRIC poderão, em conjunto, alcançar as economias do G7.

É claro que essa conquista seria conduzida em grande parte pela China. Ainda assim, em conjunto, os restantes BRIC são maiores do que o Japão. E agora que o Brasil e a Rússia superaram as suas recessões recentes, os BRIC deverão contribuir significativamente para o PIB global nominal em 2018.

Uma consideração final para as perspectivas de crescimento global é o consumidor chinês. Muitos comentadores ainda falam sobre a China como se se tratasse apenas de uma potência industrial. Mas o consumo na China cresceu praticamente 40% do PIB. Desde 2010, os consumidores chineses acrescentaram cerca de 2,9 biliões de dólares à economia mundial. Esse valor é superior à economia do Reino Unido. Os negociadores comerciais britânicos devem tomar nota disto: depois do Brexit, o mercado chinês será mais importante do que nunca para a economia do Reino Unido.

No entanto, além dos dados anualizados, a China também divulgou recentemente os seus dados de Dezembro, que revelaram um crescimento homólogo um pouco decepcionante de 9,4% das vendas a retalho. Espera-se que seja um reflexo não de uma desaceleração do consumo, mas sim das políticas que apertaram as condições financeiras no segundo semestre de 2017.

Escusado será dizer que, à medida que a China se tornar cada vez mais importante para a economia global, os seus riscos – tanto no sentido descendente como ascendente - continuarão a ter implicações de longo alcance para o resto do mundo. E, de facto, uma desaceleração do consumo seria mau não apenas para a China, mas também para o resto da economia mundial, que agora depende da transição da China da produção industrial para o consumo doméstico.

*Jim O’Neill, ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management, é professor honorário de Economia na Universidade de Manchester e antigo presidente da revisão sobre a Resistência Antimicrobiana do governo britânico.

Copyright: Project Syndicate, 2018 | www.project-syndicate.org | Tradução: Rita Faria

*Jim O'Neill - 15 de fevereiro de 2018 | em Jornal de Negócios

Fazer a América grande através da exploração, servidão e abuso

James Petras

A denúncia pública por milhares de mulheres e alguns homens de que foram vítimas de abuso sexual por parte dos seus patrões levanta questões fundamentais acerca das relações sociais no capitalismo americano. 

As ofensas morais são essencialmente crimes económicos e sociais. O abuso sexual é só um aspecto de dinâmicas sociais que facilitam o aumento da desigualdade e concentração de riqueza, as quais definem as práticas e valores do sistema político e económico americano.

Os bilionários e mega-milionários são eles próprios produtos da exploração intensa de dezenas de milhões de trabalhadores assalariados isolados e não organizados. A exploração capitalista está baseada numa hierarquia rígida com suas prerrogativas privadas, as quais permitem aos oligarcas exigirem seus privilégios feudais, suas predações sexuais senhoriais.

O capitalismo estado-unidense prospera e exige poder ilimitado e a capacidade de ter o tesouro público a pagar pela sua pilhagem desimpedida da terra, do trabalho, dos sistemas de transporte e do desenvolvimento tecnológico. O poder capitalista, nos Estados Unidos, não tem contrapartidas; há poucas, se é que algumas, forças para dar qualquer equilíbrio.

Hoje, 93% dos trabalhadores do sector privado dos EUA não têm representação organizada. Além disso, muitos dos 7% que estão em sindicatos são controlados e explorados por responsáveis sindicais corruptos – em aliança com o patronato.

Esta concentração de poder produz o contínuo aprofundamento das desigualdades entre o mundo dos bilionários e os milhões de trabalhadores de baixos salários.

As tão celebradas inovações tecnológicas têm sido subsidiadas pelo estado e suas instituições educacionais e de investigação. Embora estas sejam financiadas pelos contribuintes, os cidadãos-trabalhadores são marginalizados pelas mudanças tecnológicas, como a robótica, que eles originalmente financiaram. Inovações de alta tecnologia florescem porque elas concentram poder, lucros e privilégio privado.

A matriz hierárquica de poder e exploração levou à polarização das taxas de mortalidade e dos códigos morais. Para os trabalhadores pobres, a ausência de cuidados de saúde competentes levou à utilização maciça e ao abuso da prescrição de opiáceos e outras drogas viciantes. Para a classe alta, levou ao flagrante abuso físico e psicológico de empregados vulneráveis, especialmente, mas não exclusivamente, mulheres trabalhadoras jovens. Os prestigiosos media da burguesia obscurecem a polarização de classe com a constante referência ao que denominam "nossos valores democráticos partilhados".

A generalizada e crescente vulnerabilidade de trabalhadores de ambos os sexos coincide com a incorporação das mais recentes inovações tecnológicas na produção, distribuição e promoção. Isto inclui avanços electrónicos e digitais, inteligência artificial, robótica e vigilância extensiva sobre trabalhadores, os quais incorporam altos lucros para os investidores e longas horas de degradante trabalho monótono para os que manufacturam e transportam os "produtos".

A proliferação da nova tecnologia tem crescido em relação directa com a degradação do trabalho e a marginalização e banalização de trabalhadores. A Amazon e Walmart aproximam-se dos triliões de dólares de receitas vindos do consumo em massa, ainda que com a aceleração chaplinesca da corrida de humanos robotizados para atenderem noite e dia à entrega de encomendas. A indústria do entretenimento distrai a população transversalmente às linhas de classe com ofertas cada vez mais vulgares e violentas, ao passo que os barões do cinema entretêm-se com jovens trabalhadoras – as quais são despersonalizadas e mesmo violadas.

A imoralidade mais chocante revela-se por vezes e é condenada, enquanto as vítimas são temporariamente celebradas pela sua coragem em protestar. Os piores predadores pedem desculpa, desistem dos seus iates e mansões e são substituídos por novas encarnações com os mesmos poderes e as mesmas estruturas em vigor que facilitaram o abuso. Políticos correm a abraçar as vítimas numa espécie de " Síndrome de Munchausen por Procuração" dos políticos e dos media quando alguém considera o seu próprio papel como facilitador desta desumanização.

O problema não é meramente de canalhas individuais corruptos e pervertidos: É a hierarquia da desigualdade que produz e reproduz uma oferta infindável de trabalhadores vulneráveis para explorar e abusar.

As formas mais avançadas de entretenimento vicejam num ambiente de absoluta impunidade no qual a revelação ocasional de abuso ou corrupção é ocultada atrás de um pagamento monetário. A coragem de uma vítima individual capaz de atrair atenção pública é um passo em frente, mas terá maior significado se for organizada e ligada a um desafio maciço ao poder da indústria do entretenimento burguês e ao sistema de exploração de alta tecnologia. O abuso sexual de um indivíduo no lugar de trabalho é apenas parte de uma cadeia que começa com a exploração dos trabalhadores em geral e só pode ser travada através da sua organização colectiva.

Pode alguém dizer com uma cara séria dizer que os EUA permanecem uma nação de cidadãos livres e autónomos? A servidão e a degradação moral são o resultado de uma classe trabalhadora atomizada e impotente que pode [apenas] mudar de um patrão para outro ou de um presidente vulgar para um moralista hipócrita. Esperamos que as denúncias iniciem algo, mas sem organizações com consciência de classe não sabemos o que surgirá. 

09/Fevereiro/2018

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Leis engessadas

Samuel Johson em 1801, antes da “Lei da União” entrar em vigor para permitir que a Irlanda fosse admitida no Império Britânico, aconselhou cavalheirescamente a um irlandês: “Não se una a nós…( )… Só nos uniremos a vós para vos roubar”

Zillah Branco* – de São Paulo | Correio do Brasil | opinião

Esta foi uma medida habitual, tomada pelas nações colonizadoras para impor a sua cultura ao povo dominado, tornando os seus elementos de identidade, a língua e as leis – obrigatórias e prioritárias. Gandhi, na luta pacífica pela independência da India, propôs a desobediência civil à Lei que proibia a produção nacional do sal indiano para que fosse importado o do Império Britânico.
A história dos Supremos Tribunais é muito esclarecedora do poder das leis usado como armas de dominação. Assim foi a do Tribunal da Inquisição, no final da Idade Média, que condenou à fogueira; entre tantos outros que contestaram os dogmas (leis engessadas) da Igreja, a Giordano Bruno, em 1600; quem dava um grande impulso à ciência universal minando o poder retrógrado da religião.

Esta eliminação produziu um atraso, em anos e séculos, ao desenvolvimento da ciência retomada por Galileu; Kepler; Espinoza, Bacon, Descartes, Newton, Kant e uma plêiade de filósofos, físicos e matemáticos que desvendaram o conhecimento propiciando a evolução da humanidade. Giordano Bruno terá dito ao juiz que o condenou à morte: “Certamente você tem agora mais medo que eu!” E a história provou que sim (se é que o juiz tinha consciência da traição à Justiça; que estava a ser cometida).

A Justiça

A Justiça hoje paira como uma exigência suprema, mas os elementos de que se compõe são as leis; cujas interpretações, feitas no interessa da elite, abrem caminhos diversificados e dependentes de condições alheias ao princípio inicial. Vemos hoje; em muitos paises, que as discussões jurídicas se eternizam anos a fio; são esquecidas pelo povo e os processos empoeiram-se nas gavetas sob o acúmulo de milhões de novos casos, até prescreverem.

Ao contrário, um furto de alimento por alguém desempregado e pobre enfrenta uma lei férrea; que não admite interpretações porque contraria princípios éticos ou leis morais eternas.

O sistema capitalista, à medida em que se torna dominante e imperial; defende os seus interesses; com a mentira repetida várias vezes até parecer verdade. A mídia multiplica a sua difusão acrescentando dados ilusórios que criam um contexto aparentemente verídico. Isto permite que um juiz de primeira instância faça a condenação sem provas concludentes de um personagem “a ser abatido politicamente”.

O processo segue o seu curso – que se supõe imparcial, de investigação dos fatos para comprovar a condenação com Justiça – até chegar ao Supremo Tribunal que enfrenta o dilema de desacreditar o sistema judicial vigente e liberar o personagem a ser abatido por contrariar os interesses da elite dominante. Nessa altura a Justiça fecha os olhos e a boca.

Realismo

Um antigo filme italiano de Pepino de Felipe apresentava com grande realismo Um dia na vida de um juiz. Ele passara o dia tendo de condenar: uma velha prostituta por atentado à moral, um idoso famélico que matara o gato do vizinho para comer, e outros casos derivados da miséria e da incapacidade de arranjar emprego ou socorro social.

No fim do dia o juiz volta ao seu gabinete onde havia um busto de Cícero e uma frase lapidar sobre a Justiça gravada a ouro no mármore. O juiz, transtornado pelas condenações historicamente “injustas” que pronunciou, brada a Cícero: “Você andava de biga, tinha escravos; nada entende da Justiça em um mundo que se pretende democrático!

* Zillah Branco, é cientista Social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Chile, Portugal e Cabo Verde.

PORTUGAL | Rui Rio no país que não o quer

Paulo Baldaia | Diário de Notícias | opinião

O maior desafio que Rui Rio tem na liderança do PSD é consigo próprio. Está preparado para correr o risco que correu Manuela Ferreira Leite em 2009 e em que conseguiu "apenas" tirar a maioria absoluta a José Sócrates? A verdade em política só rende votos na medida em que os eleitores já se sentem enganados pela escolha que fizeram e não serve de nada eleitoralmente enquanto não se materializam os perigos das políticas em curso. Portugal viveu como se não tivesse alternativa até Outubro de 2015 e sem oposição a partir daí. O que quer dizer que passámos da ideia de que não havia alternativa para a ideia de que única alternativa é a que nos fez sofrer no tempo da troika.

Dizer que as pessoas aprenderam com o que se passou no final da década anterior, a que nos trouxe um novo resgate, é facilmente desmontável pela informação de que o rendimento disponível das famílias ainda não recuperou valores de 2008, mas o crédito ao consumo atingiu máximos anteriores à crise e a taxa de poupança desceu para níveis do final do século passado. A ética política obriga a que se diga a verdade aos eleitores, mas como se convence quem não quer ser convencido? Fartos da realidade imposta pelo ajustamento, os portugueses impuseram a si próprios a ilusão de que está tudo bem. É também o que lhes diz o governo!

Rui Rio conhece bem os perigos que tem o caminho das esquerdas e sabe bem dos erros que foram cometidos pelo governo anterior, liderado pelo seu partido. De uma governação atenta às clientelas eleitorais, como a atual, e que hipoteca o futuro firmando despesa, ou uma governação excessivamente liberal que deixou para trás os mais desprotegidos, como a anterior, venha o diabo e escolha, porque atrás de uma vem sempre a outra. Tem, portanto, de haver uma alternativa ao que temos agora e ao que tivemos no passado recente.

O PSD tem de se afastar do diabo e da cruz. Não estamos condenados a repetir os erros do passado, nem a viver em sacrifício para os evitar. Mobilizar falando verdade pode parecer impossível mas é o único caminho que vale a pena percorrer. Rio tem de saber explicar aos portugueses como se pode melhorar de vida agora sem comprometer o bem-estar futuro. A retórica política importa, mais do que nunca, para encontrar o caminho.

Regressando a Ferreira Leite e ao tempo em que um governo socialista aumentou os funcionários públicos em 2,9% para ganhar as eleições, importa recordar que a consequência desse serviço à clientela eleitoral resultou em prejuízo da própria clientela com um corte nos salários de 3,5 a 10% decidido no ano seguinte. Isto tem de ser dito com clareza a um povo e a um governo que vive como se não houvesse amanhã.

Rio não tem sequer o estado de graça dentro do próprio partido que o acabou de o eleger, nem da comunicação social que adora polémicas e fervilha de entusiasmo com a ideia de que o PSD vai ter uma oposição interna organizada. Estamos a falar de um partido e de uma opção editorial em que um personagem menor como Abreu Amorim é notícia por se dizer indisponível para assumir cargos para os quais Rui Rio nunca o convidaria, na mesma lógica do personagem Pinto Luz, de quem se diz poder ser líder no futuro e que é notícia por exigir, em carta aberta, que Rio não faça o que Rio já disse não ir fazer. Há gente no PSD que se julga dona do partido, que não quer senão o poder interno para distribuir lugares. No teatro de marionetas em que se transformou o PSD, não são os bonecos a quem a comunicação social dá palco que importam mas quem os manobra.

Há, portanto, um país que não quer Rui Rio. O líder do PSD vai ter de vencer alguns preconceitos e ignorar outros. Não quer Rui Rio quem está sempre à espera que o governo resolva os seus problemas, não o quer uma série de pessoal desqualificado que milita no PSD, não o querem os sindicatos da Função Pública com medo que acabe o regabofe, não o quer Marcelo que não gosta dele pessoalmente e não o quer uma parte significativa dos jornalistas e comentadores que gosta de o catalogar como um provinciano do Porto, simplesmente porque ele não habita na corte de Lisboa. À espera de ver o que ele é capaz de fazer está o resto do país, na expectativa de que a política se faça em nome do bem comum e seja possível mudar o que tem de ser mudado para modernizar a economia e dar igualdade de oportunidades a todos os portugueses.

Rio tem de saber que de nada lhe vale se as cedências que vai ter de fazer entrarem no domínio das convicções. Aquilo em que acredita tem de ser o seu azimute, ignorando a oposição desqualificada mas atento à crítica construtiva, evitando guerras desnecessárias com a comunicação social, alimentando-a com ideias do que quer para o país. É disso que o país precisa, de ideias e de quem as defenda com firmeza. É o país real, que não quer saber de personagens, nem de nomes, nem de origens geográficas, mas de políticas que o livrem de viver na bipolaridade em que agora está tudo bem para amanhã estar tudo mal.

E há o país que não quer Rui Rio, nem ninguém que viva em liberdade absoluta, porque isso põe em causa o "status quo" que lhes garante a vidinha que levam. É contra esse país que não o quer que Rio tem de mostrar desde já que é capaz de fazer o que sempre prometeu: a reforma do regime.

PORTUGAL | "Passos Coelho não deixa saudades nenhumas" – Jardim em entrevista na TSF


Em entrevista à TSF, Alberto João Jardim defende que a eleição de Rui Rio representa uma rutura com o passado e diz que se reconciliou com o PSD, com a nova liderança.

Dr. Alberto João Jardim, afinal o seu prognóstico sobre as eleições no PSD nacional falhou, antecipou uma vitória de Pedro Santana Lopes e acusou a máquina do partido de viciar os resultados, afinal quem ganhou foi Rui Rio.

Não, talvez me tivesse explicado mal. Não há dúvida de que a máquina do partido, também a nível nacional, apoiou claramente o Dr. Pedro Santana Lopes.

Porque é que acha que isso aconteceu?

É muito simples: o consulado Passos Coelho resulta de um truque que também fizeram aqui na Madeira, que foi a entrada de muita gente no partido e terem conseguido eleger a direção que interessava aos interesses económico-financeiros do país para se fazer o ajustamento económico e financeiro em termos de obediência às entidades estrangeiras, a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional, etc. Isto foi bem montado e demonstra a vulnerabilidade em que se encontram os partidos portugueses e que tem ajudado a levar ao descrédito junto da opinião pública. Hoje, para se tomar um partido político basta haver dinheiro para pagar inscrições, para pagar quotas, e uma maioria eleger uma direção à custa dos interesses que pagaram esses dinheiros para levar à tal eleição. A prova foi o que o país passou e a situação em que esteve o PSD durante o consulado de Passos Coelho. Eu sei o que passei aqui na Madeira, quer quando estava na política ativa quer mesmo fora da política ativa.

Quanto a essa questão, se os resultados estavam sérios, é mais aqui na Madeira porque, embora o líder do partido aqui na Madeira tivesse declarado a neutralidade, assistiu-se a uma coisa absolutamente insólita, era a própria máquina do partido que telefonava para casa das pessoas a pedir para votar no Santana Lopes. Só que a máquina do partido também já está tão desacreditada, na atual conjuntura, que as pessoas fizeram ouvidos de mercador àquilo que a própria máquina partidária queria. Eu gosto de denunciar as coisas a tempo. Se eu dissesse depois das eleições que elas estavam viciadas, iam dizer que era mau perder porque eu, de facto, empenhei-me na campanha Rio. Eu gosto de dizer antes para, independentemente do que suceda, as pessoas ficarem a saber e não dizerem depois que era mau perder ou, tendo ganho, que foi despropositado, para quê falar nisso? Não, as coisas denunciam-se na hora própria.

Pedro Passos Coelho não lhe deixa saudades?

Nenhumas.

Acha que ele peca por decidir sair do partido tarde demais?

Ele peca por ter entrado para a liderança do partido.

Acha que a liderança de Rui Rio é uma rotura com o passado?

Com o passado recente sim, com o passado recente sim. Penso que pode ser uma rotura e é necessário que seja, tanto sob o ponto de vista ideológico, como do ponto de vista estratégico, como sob o ponto de vista de pessoas.

Esta chegada de Rui Rio à liderança do PSD significa, para si, uma espécie de reconciliação com o partido?

Para mim e para muita gente! Para mim e para muita gente. É uma reconciliação sobretudo, como eu dizia a pouco, ideológica, porque o que o partido andou a fazer não tem nada a ver com aquele partido que era essencialmente português, que era o PSD antes de Passos Coelho. Acho que é até uma reconciliação com os próprios portugueses, não é só com os militantes do partido.

Já decidiu se vai ao Congresso?

Vou, vou ao Congresso.

E que mensagem é que vai levar ao Congresso, quer falar no Congresso?

Não posso falar porque, primeiro não estou para falar às 3 horas da manhã...
Toda a gente pode falar.

Só tenho direito a três minutos e três minutos dão para desejar boas-festas já para o ano que vem.

Portanto, não vai falar, mas vai ao Congresso?

Vou até lá, se me arranjarem um cantinho para falar ainda falo, mas vou lá ver os velhos amigos.

Se puder falar o que é que vai dizer ao Congresso?

Se eu falar desejo-lhe uma boa audição.

Acha que há no partido quem tenha medo que o senhor fale?

Se havia dentro do PSD quem quisesse que eu perdesse as eleições de 2011 onde tive maioria absoluta... É para que se veja o amor que certa gente lá me tem.

Entrevista conduzida por Anselmo Crespo | TSF

Leia e veja na íntegra a entrevista a Alberto João Jardim aqui, na TSF.

RUI RIO E O “33 COM VOZ DOCE”. SÓ SERÁ ENGANADO QUEM QUISER

“Diga 33 com voz doce”. Este era um dos slogans publicitários da Farinha 33. Já lá vão mais de 60 anos. Além da 33 havia a Farinha Amparo e a Predilecta. Eram concorrentes diretas no mercado das farinhas alimentícias. Guardadas as tampas das caixas e apresentadas com uma certa quantidade requerida havia direito a prémios, para a miudagem – já se vê. Bolas, brinquedos de plástico (uma matéria pouco usual nesses tempos). Era uma maravilha que enchia de brilho os olhos das crianças. Curiosamente ainda existe a Farinha 33, talvez também as outras suas concorrentes na sua época áurea. A embalagem aqui retratada e atual significa que a dita 33 ainda existe no mercado. Espantoso. Só que já não vimos a sua publicidade, muito menos nos convidam a dizer “33 com voz doce”.

Lá por isso, hoje, aqui no Expresso Curto que vem a seguir, a sua autora até parece que aplica a voz doce aos “33 dias depois” sobre a “eleição de Rui Rio como presidente do PSD”. A referência irá descambar no congresso do PSD, que se realiza este fim de semana. Rio líder, Passos que se vai e “não deixa saudades”, no dizer de muitos do PSD e principalmente dos portugueses espoliados por um eterno imberbe “menino da mamã” que teve sempre a sua vida fácil e um pouco desconsiderada para com os seus semelhantes (no dizer de uma amiga de Benfica, que assim escreveu e apresentou a retórica publicamente).

Rio é um rio de silêncios nestes últimos dias, faz lembrar Cavaco Silva. Porém, apesar disso, sabemos que é um mar de assertividade para com os do grande capital e mais alguns que se proponham a fazerem parte desse clube. É o PSD no seu melhor. Nos seus silêncios irá pé ante pé tecendo a teia ao estilo de Cavaco Silva, esse tão desprezível personagem que pela surra fez o ninho atrás das orelhas dos portugueses e levou Portugal à exaustão do ridículo e das benesses legais e ilegais destinadas aos seus amigos. Alguns deles enredados em processos judiciais por falcatruas, outros com dezenas, centenas ou milhões de euros em paraísos fiscais. Uns quantos até condecorados, por ele, numa mais parecida associação de amizades que teria muito para contar, ou ainda terá. Ao menos para a história.

Mas Rui Rio é diferente. É inteligente e possuidor de alguma cultura. Expressa-se corretamente em português, não é tatebitate como Cavaco Silva. Nunca dará calinadas na língua portuguesa como Cavaco, quer em primeiro-ministro ou quando foi um tosco presidente da República. Além disso Rio prima pela legalidade das suas ações, ao que se sabe. Abomina trafulhices. O que não significa que não entregará aos do grande capital o que a todos os portugueses pertence. Fará isso mesmo dentro da legalidade. Podem crer. Sem ser à socapa e sem meter o rabinho de lado, como Cavaco esfinge de santo de pau carunchoso.

A Rio já estão a impor uma meta e ainda o homem não se sentou na cadeira de líder do PSD. Querem que vença as próximas eleições. Tudo indica que não acontecerá assim e que a aliança parlamentar entre PS, Bloco, PCP e Verdes irá continuar de modo a atingir uma maioria parlamentar que apoiará o governo de António Costa. Um Costa reeleito, por assim dizer.

No Curto do Expresso, hoje com a lavra de Cristina Figueiredo – nada novata nisto – temos badana para toda semana, ou não fosse ela editora de política da SIC. Sem considerações. Todos sabem que televisão é televisão, máquinas de manipulação (quase sempre). E resulta.

Sigam então para o Curto de hoje, uma boa peça. Hora de almoço, para aqueles que almoçam na realidade. Há muitos que vêem o almoço por um canudo e nem o cheiram.

Quanto a Rio: só será enganado quem quiser.

Bom fim de semana, se conseguirem. Façam por isso. Saúde. (MM | PG)

Bom dia, este é o Expresso Curto

33 dias depois

Cristina Figueiredo | Expresso | opinião

Passam hoje 33 dias sobre a eleição de Rui Rio como presidente do PSD. Mais de um mês em que o maior partido da oposição esteve num original "stand by", com um líder cessante que nem por isso cessou as aparições (nem as declarações) públicas, e um líder eleito que elegeu o silêncio (o próprio e o dos mais próximos) como a melhor (ou mesmo a única) ferramenta para combater a ansiedade dos que esperavam dele mais ação do que preparação para a ação. Rio bem avisara (na única - curta - entrevista que deu, três dias depois da eleição): "Isto não é ao cronómetro".

Anteontem (ao trigésimo primeiro dia), por fim, soubemos que convidou o seu ex-adversário Pedro Santana Lopes para encabeçar a lista para o Conselho Nacional e lhe cedeu a vez na escolha do próximo presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro (lugares importantes na simbologia partidária, mas objetivamente irrelevantes na condução quotidiana do partido); também anteontem, e também por fim, Hugo Soares convocou eleições para liderança da bancada parlamentar já para a próxima semana; e ainda nem 24 horas depois, Fernando Negrão (que apoiara Santana na campanha interna) apresentou-se como candidato ao lugar (obviamente articulado com Rio).

Exclamamos, entre dentes como Galileu Galilei: eppur (o PSD) si muove. Já não era sem tempo. Ou, melhor, já não havia mesmo mais tempo: os trabalhos do 37º Congresso social-democrata começam hoje, o que significa que, a partir de hoje, Passos já era e Rio tem de ser. O novo líder do PSD não pode continuar a ignorar o tal cronómetro que ostensivamente desprezou até aqui. É que já não são dois anos: entre hoje e as próximas legislativas (que, no prazo ordinário, acontecerão no final de setembro ou no início de outubro de 2019) medeiam um ano, sete meses e alguns dias. E o prazo ainda encurta mais se as contas se fizerem às europeias (que já têm data marcada para 26 de maio de 2019), o primeiro teste eleitoral do novo líder social-democrata. Com os partidos à esquerda do PS já em notória pré-pré-campanha eleitoral, Rio tem mesmo que dar corda... e não é ao relógio, mas aos sapatos. Numa expressão feliz que o antigo dirigente socialista Jaime Gama usava muito, não há uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressão. E a oportunidade de Rio é hoje, é agora.

Estão elevadas, pois, as expectativas sobre o que vai ele dizer aos militantes logo à noite, por volta das 21h30, num discurso desde já marcado pelo ingrato timing de suceder às palavras de despedida de Passos Coelho. É a primeira vez que um líder cessante fala num congresso, desde que há eleições diretas no PSD, como lembrava ontem o Público (num artigo da Lusa) e isso não pode deixar de ser relevado: Passos faz questão de sair pela porta grande, vai ser ovacionado de pé e Rio sobe ao palanque logo a seguir. Quem disse que era fácil?

Se o tema PSD lhe interessa, só não sabe tudo o que houver para saber já hoje se não quiser, pois a imprensa traz abundante informação sobre o assunto. Sugiro que comece por um divertido regresso ao passado: a Mariana Lima Cunha, do Expresso, foi aos arquivos buscar imagens dos momentos mais emblemáticos de vários congressos sociais-democratas: do "misto de Zandinga com Gabriel Alves" com que Durão Barroso descreveu Santana Lopes em 2000 ao "show de Marcelo" em 2014, quando o agora Presidente da República apareceu de surpresa no Coliseu dos Recreios; "Rio e Negrão partiram 'do princípio' que bancada mudaria de líder", explica o Público; Castro Almeida, um dos homens mais próximos de Rio, dá uma entrevista ao DN onde assume que "está ao alcance do PSD ganhar as eleições legislativas" ; e Carlos Carreiras, um dos mais próximos de Passos, fala ao Eco para garantir que "não farei a Rui Rio o que Rui Rio fez a Passos Coelho"; o jornal i conta que "deputados que apoiaram Rio revoltados com a escolha para a liderança parlamentar" (link ainda não disponível); a Renascença foi saber como trabalhava Rio quando era presidente da Câmara do Porto, numa conversa com o deputado do CDS (ex-vice de Rio na autarquia) Álvaro Castelo Branco; e a TSF, depois de ontem ter entrevistado Miguel Albuquerque, traz a antena Alberto João Jardim, que está otimista para o novo ciclo no partido: "Está na altura do PSD ter juízo", diz. A partir das 18h, a SIC assenta arraiais no Centro de Congressos de Lisboa para uma emissão especial que dura até ao encerramento dos trabalhos, à hora de almoço de domingo.

OUTRAS NOTÍCIAS CÁ DENTRO (sim, há mais vida para lá do PSD)

É um clássico do último dia dos prazos fiscais em Portugal: o Portal das Finanças ameaça colapsar (ou colapsa mesmo), e o Governo prolonga o prazo. Desta vez, os contribuintes ganharam mais um dia para validar as faturas relativas a 2017 e obter o máximo de deduções possível na declaração de IRS que terão de entregar já a partir de março. O prazo para entrega da declaração periódica do IVA também foi esticado até hoje.

É um clássico que já não se verificava desde novembro mas que é previsível que volte a verificar-se com renovada frequência até... digamos... bem perto das legislativas de 2019: os professores convocaram uma greve de 13 a 16 de março. A Marta Gonçalves explica-lhe onde, quando (porque será uma greve faseada por regiões) e, naturalmente, porquê.

Em greve, mas por ocasião das férias da Páscoa (entre a última quinzena de março e a primeira de abril), vão estar também os tripulantes de cabine da companhia de aviação Ryanair, como noticia o Jornal de Negócios. O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil acusa a empresa de voos low-cost de não respeitar a legislação laboral portuguesa.

Diário de Notícias conta que o projeto do PS para alterar o regime das matérias classificadas não passou no crivo do Gabinete Nacional de Segurança (responsável, precisamente, pela segurança dos documentos "secretos"): as reservas desta entidade prendem-se com o facto de o poder de classificar documentos, no projeto socialista, estar disperso por demasiadas mãos.

O balanço do jogo entre o Astana e o Sporting para a Liga Europa, que os leões venceram na capital do Cazaquistão por 3-1 (assim ficando muito bem posicionados para passar aos oitavos de final da competição), domina o noticiário desportivo. Na Tribuna, a Lídia Paralta Gomes dá-lhe conta de um jogo que teve, literalmente, duas partes: uma primeira "abaixo de zero" e uma segunda "a ferver". Jorge Jesus tem uma teoria, claro que tem, para o porquê da coisa: “Fomos surpreendidos nos primeiros 20 minutos. Até a mim, se me derem espaço, eu também jogo, já com 60 anos”.

António Costa vai passar o dia em Bragança e Vila Real, no primeiro dia dedicado pelo primeiro-ministro ao Roteiro da Inovação ontem aprovado em Conselho de Ministros.

Em Lisboa aguarda-se a visita do ministro das finanças britânico, Philip Hammond. É a última escala do responsável britânico num périplo que o levou a várias capitais europeias no caminho para o Brexit.

E LÁ FORA...

O massacre, anteontem, num liceu da Florida, continua nas primeiras páginas dos maiores jornais, com os artigos a debruçarem-se sobre Nikolas Kruz, o estudante de 19 anos que foi detido, suspeito (e já acusado oficialmente) de ter morto a tiro 17 estudantes. "Suspeito tentou escapar escondendo-se entre a multidão em fuga", escreve o The Guardian. O New York Times dá conta do apelo da mãe de uma das vítimas a Donald Trump, para que o Presidente "retire estas armas das ruas". Mas sobre o acesso dos cidadãos às armas, Trump, como se sabe, disse nada: o Presidente norte-americano dirigiu-se ontem ao país lamentando a tragédia mas focando-se apenas na "doença mental" como gatilho para o sucedido. O Washington Post é implacável para com o POTUS: "Obama esgotou as palavras sobre os tiroteios. Trump luta para as encontrar".

Em Espanha, ressurge a discussão sobre o separatismo. Isto a propósito da intenção do Governo de Madrid de voltar a introduzir o castelhano como língua oficial do ensino na Catalunha (onde as aulas são atualmente dadas em catalão). Aos independentistas furiosos com essa possibilidade juntou-se já o Podemos. Pode ler sobre o tema aquiaqui ou aqui.

Um dia depois de ter sucedido a Jacob Zuma na presidência da África do Sul, Cyril Ramaphosa faz esta tarde (às 17h de Lisboa) um discurso sobre o estado da nação sul-africana. Zuma renunciou ao cargo na quarta-feira, antecipando-se a uma moção de censura que teria sido votada na quinta-feira, na sequência das suspeitas do seu envolvimento em vários processos de corrupção.

Hoje é dia de Ano Novo... na China. Começa o ano do cão que, segundo os especialistas, vai ser "bom para a China" (nada de novo). Parece que os nativos deste signo são "pessoas que trabalham com rigor, responsáveis, firmes, que levam os projetos até ao final e não param a meio". Não, Rui Rio é nativo de Galo (fui confirmar).

AS MANCHETES DOS JORNAIS

"Centeno proíbe hospitais de pagar a fornecedores" (Jornal de Notícias)
"Consumidores dão 88 milhões na conta da luz para apoiar indústria" (Público)
"Gabinete de Segurança chumbou lei do PS para matérias classificadas" (Diário de Notícias)
"As empresas não conseguem contratar porque as pessoas não querem trabalhar " (i)
"Este monstro devia ter pedido perdão" (Correio da Manhã)
"Casas já se vendem em menos de 90 dias" (Jornal de Negócios)
"Ligados à Europa" (A Bola)
"Quase lá" (Record)
"Leão acordou a meio" (O Jogo)

O QUE ANDO A LER E A VER

É hoje, é hoje! Na Fox, às 22h15, é exibido o primeiro episódio da sétima temporada de "Segurança Nacional" (que estreou nos EUA há cinco dias). Se é fã não preciso de dizer mais nada, se não é não sabe o que perde: resumidamente, Carrie Mathison é uma ex-agente da CIA que quer, mas não consegue, deixar de salvar o mundo em geral e os EUA em particular. Assim dito até parece mais do mesmo, mas garanto que não é. Como todas as séries inteligentes, e "Segurança Nacional" é mesmo muito inteligente, obriga-nos a pensar e a questionar a realidade complexa destes dias e a admitir que muitas vezes vemos muito pouco para lá da superfície das coisas. O caderno Ípsilon, do Público, traz hoje uma entrevista com o produtor da série, Alex Gansa, que admite que adorava falar com Trump sobre a série.

Ainda não consegui terminar "Para lá do inverno", de Isabel Allende. Mas como gosto de adicionar dificuldade ao que já por si não é fácil (ter tempo para ler mais do que jornais e feeds de notícias), comecei entretanto "Personal history", a autobiografia de Katharine Graham, a lendária proprietária do Washington Post - que fui recuperar na estante depois de ter ido ver "The Post", nomeado para os óscares de Melhor Filme e Melhor Atriz Principal (devido ao papel, magnífico como sempre, de Meryl Streep). Tenho uma edição (em inglês - creio que não há tradução em português) do ano em que saiu, 1997, e que comprei nesse mesmo verão em Washington, mas não cheguei a ler. O livro valeria à sua autora um Pulitzer no ano seguinte e, vinte anos depois, inspiraria Steven Spielberg a realizar um filme que reconcilia (fugaz mas saborosamente) os jornalistas com uma profissão que continuamos a acreditar ser nobre na essência mas que, sabemo-lo bem, já conheceu melhores dias. "Ah, foi mesmo por isto que eu quis ser jornalista", dizemos para nós próprios enquanto saímos do cinema, ainda a vibrar com a dedicação dos repórteres, a convicção do diretor e a determinação (e coragem) da proprietária do Post que, em 1971, desafiaram Richard Nixon e o Supremo Tribunal de Justiça e avançaram com a publicação dos "Pentagon Papers", documentos classificados que provavam como sucessivas Administrações norte-americanas mentiram ao povo e mantiveram no Vietname uma guerra que sempre souberam estar perdida.

Claro que o jornalismo épico dos Pentagon Papers ou do Watergate é a excepção. A regra são as notícias quotidianas que raras vezes merecem prémios mas nem por isso são menos preciosas - afinal, cumprem essa singela função (que o ainda incontrolável mundo das "fake news" veio complicar) para que foram feitas: informar. Tenha um dia bom. E bem informado. É só saber onde clicar. Por exemplo, aquiaquiaqui ou aqui.

Brasil | MAGISTRADOS MUITO BEM "BENEFICIADOS" POR SEUS SERVIÇOS, MORO E BRETAS


Pode ler em seguida o incluso retirado de Agência Pulsar. Juízes envolventes na Lava Jato recebem muito mais que 92 por cento dos brasileiros em “benefícios”. Até parece o “toma lá, dá cá” ou “meninos bonitinhos que se portam tão bem”. Assim não custa condenar e fazer de prova aquilo que não é. A "coisa" não perde o seu ar de golpe. Leia aqui, da Pulsar, os “benefícios" em causa. Perguntemos: “benefícios” e o que mais? (PG)

AUXÍLIO-MORADIA QUE MORO E BRETAS RECEBEM SUPERA SALÁRIO DE 92% DOS BRASILEIROS

Dois casos envolvendo integrantes da operação Lava Jato trouxeram à tona a questão do auxílio-moradia a magistrados: o de Sérgio Moro, de Curitiba, e o de Marcelo Bretas, lotado no Rio de Janeiro.

O valor máximo do benefício é de  4 mil 377 reais e 73 centavos, número que supera o salário de 92 por cento da população brasileira, tendo como referência o ano de 2018. Os dois rebateram as críticas, mas a verba complementar é cada vez mais questionada.

O Brasil de Fato conversou com dois especialistas ligados à Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDH), rede que tem como um de seus eixos a questão da democratização do Judiciário. As falas foram unânimes no sentido de classificar o auxílio-moradia como um privilégio injustificável.

Rafael Custódio, da ONG Conectas, entende que a disparidade social brasileira deve ser levada em conta neste debate.

Segundo ele, o Brasil é um país notoriamente desigual e, dentro dessa desigualdade, há um déficit habitacional histórico. Ele afirma que o auxílio-moradia se trata de desvio de dinheiro público, que poderia estar sendo aplicado em política habitacional, mas a casta judicial resolve pegar um quinhão do orçamento público para o próprio benefício.

Estima-se que 17 mil magistrados sejam beneficiados com o auxílio. Em um único mês, o Estado brasileiro gastou mais de 60 milhões de reais com estes complementos. Somados a outros auxílios — como saúde e alimentação — o volume ultrapassou a casa dos 105 milhões de reais. O levantamento é da revista Veja.

O auxílio-moradia foi estendido a todos magistrados por uma decisão liminar do ministro do Supremo Tirbunal Federal Luiz Fux, em 2014. A filha de Fux, que recebe o auxílio, tem dois apartamentos no Rio de Janeiro.

Maria Eugênia Trombini, advogada da organização Terra de Direitos e pesquisadora do Poder Judiciário, destaca a capacidade de organização corporativa dos magistrados, derivada da posição que ocupam na estrutura de Estado.

De acordo com Trombini, os magistrados são organizados, articulados e estão em espaços de poder, em posições qualificadas que permitem interlocução com o poder Executivo e Legislativo. Ela salienta que as pautas deles têm muito mais permeabilidade e êxito do que as outras categorias de servidores. A advogada acrescenta ainda que “se a agenda do governo é de corte orçamentários, o professor de uma escola pública municipal não tem o mesmo poder e a mesma possibilidade de agência de uma categoria como a dos magistrados”. (pulsar/brasil de fato)

Na foto: Marcelo Bretas e Sergio Moro (Foto: Fernando Frazão/Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

BRASIL | Supremo ou pequeno?


No dia 29 de janeiro, a ministra Cármen Lúcia disse que o Supremo Tribunal Federal “se apequena” se revisar a decisão que autoriza a prisão após condenação em segunda instância, diante da repercussão do caso de Lula. Será mesmo? Ou não estaria o Supremo se apequenando há alguns anos diante do incrível aprofundamento da politização do Judiciário?

Guilherme Castro Boulos* – de Brasília | Correio do Brasil | opinião

Durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, o STF teve papel decisivo, por ação ou omissão. No início de 2016, o ministro Gilmar Mendes impediu Lula de ser nomeado ministro sob a alegação de que o objetivo do cargo era a obtenção do foro privilegiado e obstrução às medidas judiciais.

Uma série de arbitrariedades cometidas pela força-tarefa da Lava Jato; determinantes para o golpe parlamentar, passou incólume pelos ministros. Por outro lado, Eduardo Cunha demorou seis meses para ter o pedido de afastamento julgado. Coincidentemente; só foi retirado do Parlamento após cumprir a missão de derrubar Dilma.

Segurança jurídica

Mesmo com critérios casuísticos e sem qualquer segurança jurídica; muitos insistiam que tudo era legal e legítimo; pois o processo era validado pela Suprema Corte. Vendia-se a imagem de um tribunal justo; cristalino e comprometido com a democracia e a lei.

Após a consumação do impeachment, Michel Temer nomeou Moreira Franco como ministro; garantindo seu foro privilegiado. Dessa vez, o Supremo não enxergou uma tentativa de obstrução da Justiça e chancelou a nomeação. Aécio Neves; apesar das provas cabais, entre as quais a promessa de matar o primo antes de este delatar; permanece incólume no Senado da República. Gilmar Mendes, repentinamente, retomou o velho garantismo, na medida em que os alvos não eram mais do PT.

O povo

O povo, que nada tem de besta, deu-se conta. Pesquisa de 2017 do Datafolha revelou que 83% da população não confia; ou confia apenas um pouco no Supremo. E 92% dos brasileiros acreditam que o Poder Judiciário como um todo trata melhor os ricos. Em um contexto de evidente parcialidade e arbitrariedade; o tribunal deixa até mesmo de parecer independente e se torna identificado como mais um grupo com interesses em disputa na política nacional.

Não é a primeira vez na história da Corte. Ao contrário, condenações vergonhosas e rupturas institucionais foram respaldadas pelo Supremo no passado. Em 1936, o STF negou habeas corpus a Olga Benário; porque sua permanência no país “comprometia a segurança nacional”. Benário foi extraditada e assassinada seis anos após; em um campo de concentração da Alemanha nazista.

Em 1964

Em 1964, parte do Supremo chancelou diretamente o golpe militar. Ribeiro da Costa; então presidente do STF; autorizou a posse de um deputado federal na Presidência da República, alegando; que João Goulart tinha fugido do país. Na cerimônia, o ministro chegou a afirmar:

“O desafio feito à democracia foi respondido vigorosamente. Sua recuperação tornou-se legítima; através do movimento liderado pelas Forças Armadas; já estando restabelecido o poder de governo pela forma constitucional”. A maior parte das ditaduras militares na América Latina; também teve a anuência das suas supremas cortes.

Nesse sentido, a farsa judicial do dia 24 de janeiro; que condenou Lula a 12 anos e 1 mês de prisão sem qualquer prova; faz jus aos piores momentos da história do Judiciário brasileiro.

Em um verdadeiro teatro de frases feitas; os três desembargadores do TRF-IV; rasgaram pilhas de páginas do Direito Penal e fizeram política de toga. Dezenas de juristas dos mais variados espectros políticos são quase unânimes em denunciar os abusos do processo.
Lula
Vale dizer que Lula foi julgado como são julgados os pobres e negros diariamente no Brasil; que correspondem à grande massa da população carcerária. Muitos condenados sem prova ou com flagrantes forjados. Outros tantos nem sequer condenados, mas presos à espera de julgamento.

A novidade de Sergio Moro e dos três gêmeos do TRF-IV;  foi aplicar os piores vícios do Judiciário brasileiro contra um ex-presidente da República; tornando-a também uma arma política para interferir no processo eleitoral.

Dito isso, apequenar o Supremo não seria pautar uma matéria que evite o absurdo risco de prisão de Lula. Ao contrário. O Supremo, tão chamuscado pela omissão diante dos desvarios da República de Curitiba; se apequenará ainda mais caso não reveja a sentença do TRF-IV. Esperemos que não. Permitir a condenação de Lula do modo como ocorreu e; ainda mais grave, não agir para evitar sua prisão transformará, no entanto, o STF num Pequeno Tribunal Federal.

* Guilherme Castro Boulos, é um ativista político e social, professor e escritor. É membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

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