sábado, 18 de maio de 2013

CAVACO NOSFERATU SILVA




No fim deste dia acabamos as postagens com uma Imagem Escolhida, muitas vezes com origem no We Have Kaos inthe Garden, como a que aqui está. Tem por título Nosferatu, que é sinónimo para vampiro

Nosferatu na literatura, no cinema, nos filmes vampirescos e de horror, de terror. Nosferatu em Belém, Lisboa, Portugal. Sem ficção, personagem da realidade de todos os portugueses. Um medíocre mal-falante que rasa a imbecilidade e a demonstra sem consciência do ridículo.

Personagem vampiresca que traz os amigos e aliados para o ato de sugar o mais possível, contribuindo para a alarmante, gravíssima e galopante anemia que devasta Portugal e os portugueses. Personagem de horror e de terror. Um medíocre xico-esperto que só por servir a grupos de domínio ascendeu à primazia dos poderes. Nosferatu, sem dúvida. Mas na realidade terrivel, que não na ficção. 

Redação PG 

Portugal: ESTE GOVERNO NÃO É PARA VELHOS (NEM PARA NOVOS)





Paulo Portas pode dar as piruetas que quiser, fazer as coreografias que entender, gritar que é "politicamente incompatível" com a taxa de sustentabilidade das pensões. Pode até fazer o pino no Palácio das Necessidades ou jogging em Caracas que o "cisma grisalho" que jurou querer evitar já está instalado.

Depois de ter conseguido virar trabalhadores do sector privado contra funcionários públicos, o Governo segue agora a mesma receita de casta, isto é, virar os novos contra os velhos, confrontando os "grisalhos" com a acusação de que vivem - só falta dizer criminosa e parasitariamente - à custa dos descontos de quem está hoje no ativo. A pretexto da solidariedade intergeracional - como se ela existisse apenas num sentido -, pretende-se fazer crer que a Segurança Social só terá futuro se as expectativas de quem, com carreiras contributivas mais ou menos longas, conquistou o direito a viver o que resta da vida com dignidade e tranquilidade forem agora defraudadas. Como se, nos últimos dois anos, os pensionistas tivessem ficado isentos da austeridade. Como se, num país onde existem mais de um milhão de desempregados - mais de 40% são jovens - e em que só 44% recebem subsídio de desemprego, não fossem os reformados a contribuir para que não falte o pão na mesa a filhos, noras e netos. Isto também é, como é óbvio, solidariedade entre gerações.

Nas últimas duas semanas, como nos últimos dois anos, assistimos a uma ofensiva de terrorismo social sem precedentes, com alvos bem selecionados: os mais velhos e os mais novos, os reformados e os funcionários públicos.

Primeiro alarmam-se três milhões de cidadãos com o anúncio de uma taxa sobre as pensões que, 48 horas depois, ficamos a saber não reúne o consenso na coligação. Mais tarde, e não sei quantos Conselhos de Ministros extraordinários depois, percebemos que a taxa, aceite pela troika como garantia para o fecho da sétima avaliação, é afinal facultativa e não obrigatória - como se alguém, no seu perfeito juízo, acreditasse que as medidas acordadas com "estes senhores" não tivessem carácter obrigatório. E descobrimos que "a fronteira que não pode ser ultrapassada" pelo partido dos contribuintes e dos reformados ficou afinal para trás no momento em que o líder do CDS permitiu a inclusão da taxa no menu acordado. Portanto, a taxa existe e ponto final! E este é o mesmo Paulo Portas que, continuando no Governo, não cora de vergonha nem pede perdão à Nossa Senhora de Fátima por se associar à convergência retroativa dos regimes de pensões - mais uma inconstitucionalidade grosseira - validando um novo esbulho de 10% aos reformados.

E depois há o problema demográfico que torna insustentável a Segurança Social. É verdade que em Portugal nascem cada vez menos crianças. Mas quem é que se arrisca a ter filhos na iminência de ficar desempregado e numa recessão económica sem fim à vista? E será que a insustentabilidade do sistema de pensões não resulta também da redução drástica da matéria tributável e contributiva, consequência de um desemprego que continua a crescer?

Se a isto juntarmos o plano de despedimentos na administração pública, os cortes nos subsídios de desemprego, a falta de políticas de crescimento e criação de emprego, e todas as medidas austeritárias que são o alfa e o ómega da governação, ficamos esclarecidos sobre as razões que levaram em tempos o primeiro--ministro e um ex-secretário de Estado a incentivar os jovens a saírem da sua zona de conforto e a emigrarem para outras paragens. Desde o início que o plano ideológico do Governo de Passos Coelho e de Vítor Gaspar, com a cumplicidade de Paulo Portas, era, afinal, ver-se livre do maior número possível de portugueses. Velhos ou novos.

Portugal: MAIS 72 MIL DESEMPREGADOS EM ABRIL




Expresso - Lusa

O número de desempregados subiu 11% em abril. Total atinge 728.512 pessoas

O número de desempregados no final de abril aumentou 11% em termos homólogos, num total de 728.512 pessoas, com mais 72.614 inscritos nos centros de emprego, segundo dados mensais do Instituto de Emprego e Formação Profissional  (IEFP).

No final de abril, os centros de emprego do Continente e Ilhas registavam 901.441 pedidos de emprego (mais 14,9% do que em 2012), tendo o número de inscritos diminuído ligeiramente face a março (-0,8%).

Os desempregados há mais de um ano aumentaram 31,4% em termos homólogos, totalizando 319.541 inscritos, enquanto os que tinham um tempo de inscrição inferior a um ano diminuíram 0,9% para 408.971 inscritos.

O número de desempregados à procura de um primeiro emprego apresentou uma variação homóloga de 24,8% (60.631), enquanto o número de pessoas que querem um novo emprego aumentou 10% (667.881).

Ao longo do mês de abril, inscreveram-se nos centros de emprego 57.992 desempregados (mais 5.032 do que no mesmo mês de 2012), destacando-se o aumento nos Açores (20,5%) e no Norte (12,7%).

O "fim de trabalho não permanente" continua a ser o principal motivo para a inscrição (35%), seguindo-se o despedimento (16,6%).

As ofertas de emprego aumentaram 37,6% comparativamente a abril de 2012 e 13.271 estavam por preencher.

PARTIDO ALEMÃO ADMITE SAÍDA DE PORTUGAL DO EURO





O líder do partido alemão minoritário de eurocépticos defendeu hoje a expulsão da zona euro dos países em crise no Sul da Europa "para o seu bem" e a reintrodução das moedas nacionais na Grécia e em Portugal, refere o "Diário de Notícias". O partido Alternativa para a Alemanha (AfD) sublinha que a reintrodução das moedas nacionais pressuporia um acordo relativo ao perdão da dívida soberana dos países que abandonassem a zona euro. 

Bernd Lucke  afirma que os países em crise teriam "a oportunidade" de recuperar a competitividade económica ao regressar à sua própria moeda. No entanto, defende que a Alemanha deve conservar o euro. Estas declarações foram prestadas durante uma entrevista ao jornal alemão 'Frankfurter Allgemeinen Sonntagszeitung', que será publicada na íntegra no domingo, o presidente do novo partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Bernd Lucke, sublinha que a Alemanha deve conservar o euro, ao contrário do cepticismo inicial a esse respeito, "mas os países do sul da Europa não".

O AfD frisa que a reintrodução das moedas nacionais pressuporia um acordo relativo ao perdão da dívida soberana dos países que abandonassem a zona euro, apontando a Grécia como um deles, e "quiça" Portugal.

"A saída do euro ajudaria o sector privado a recuperar a competitividade perdida", destaca Bernd Lucke.

O processo poderia ser realizado com a introdução através de uma "transição suave" de "uma moeda paralela ao euro" até ser "possível material e economicamente" colocar em circulação as antigas moedas nacionais, conclui.

PROPOSTA PARA O FIM-DE-SEMANA



Rui Peralta, Luanda

Este fim-de-semana proponho uma viagem diferente. Uma viagem ao Imaginário e às dimensões do Fantástico para quebrar a rotina do emprego ou do desemprego. Não precisam de preparar bagagens nem de ter dinheiro. Basta ir. Tão-somente. Comecemos então.

O Reino de Cristal

A primeira proposta é para o Reino de Cristal. Este Reino tem a paisagem dominada pelo imenso Palácio de Cristal, caracterizado por quatro imponentes torres, que representam os quatro pontos cardeais. A norte a torre de marfim, a Sul a torre de mármore, a Este a torre de madeira e a Oeste a torre de prata. No cimo das torres os terraços são em forma de círculo, de onde se pode ver todo o horizonte.

A torre de mármore, a Sul, é guardada por A Bao A Qu, uma identidade que reage á qualidade das almas. A Bao A Qu vive, em letargia, no primeiro degrau da escada de caracol da torre. Apenas manifesta vida consciente quando alguém sobe as escadas. Se quem sobe as escadas tiver alma pura, o A Bao A Qu, torna-se um ser luminoso, bonito e agradável. Mas se a alma for impura o A Bao A Qu torna-se numa imensa bola cheia de espinhos, que impede o visitante de subir.

O Reino de Cristal é governado pelo Rei Tritão II, um nobre ictiocentauro, homem da cintura para cima e peixe da cintura para baixo. Tem cauda de peixe e as patas dianteiras de leão. A rainha é uma linda princesa dos Reinos do Sul que tornou-se, pelo casamento realizado com Tritão II, na rainha mais bela do Reino de Cristal.

A Ilha do Pirata

Aconselho o viajante a não perder a Ilha do Pirata. Chegue cedo ao Reino de Cristal, visite-o com atenção, percorra os cantinhos todos e a meio da tarde pisgue-se para a Ilha do Pirata, alugando um barco ou um hidroavião.

Nesta ilha o viajante encontra a Estátua Sensível, uma invenção de Condillac filósofo francês do seculo XVIII, que usou este seu invento para refutar a doutrina das ideias inatas, desenvolvida por um outro filósofo francês, Descartes. Condillac imaginou uma estátua de mármore, representando um homem, onde alojou uma alma inexperiente, que nunca pensou, nem entendeu, conferindo-lhe, como único sentido, o olfacto.

O cheiro do jasmim, durante um breve instante, foi o universo da estátua de mármore. Depois vieram outros cheiros e aromas e a maresia. Mais tarde surgiram a consciência, a atenção, a memória, a comparação, a percepção da diferença, a analogia, o juízo, a reflexão e a imaginação. A estátua adquiriu, assim, as faculdades do entendimento. Após estas, percepcionou o amor e o ódio, a esperança e o medo, as faculdades da vontade. Este processo criou na estátua a noção abstracta do número, meio indispensável para o passo final: a aquisição dos restantes sentidos e com eles a noção de espaço. Humanizado, com pele de mármore, vontade própria e consciente, Estátua Sensível encontrou nesta ilha o seu habitat natural.

Um outro ser intrigante, que usualmente vem oferecer os seus serviços aos viajantes é o Ser Hipotético, cuja pele tem apenas um ponto sensível e móvel, na extremidade de uma antena, o que não lhe permite ter percepções simultâneas. Para ele o mundo exterior é apreendido pela simples projecção ou retracção da sua antena móvel. As suas tarefas na ilha estão relacionadas com os assuntos meteorológicos e de orientação. No entanto os Brownies são sempre os primeiros a receber os visitantes, quando estes descem no cais. Os Brownies são pequenos homenzinhos, não tendo mais de meio metro de altura, barbudos, de pele castanha, e que realizam todas as tarefas.

A Ilha do Pirata é circular, com uma pequena baía, de um verde luxuriante, provocado pela densa floresta. O sítio ideal para pernoitar por aqui é a casa do Pirata, situada no cume de uma alta montanha, subindo-se até lá através de um elevador, movimentado por um moinho, em cujas pás cai a água de uma cascata. É uma casa redonda, tal como a ilha, com dois pisos, sendo os quartos no segundo piso e as áreas funcionais e de convívio, no primeiro piso.

A Ilha é um santuário de aves exóticas. Despertam a atenção dos viajantes umas estranhas aves, os Perítios, metade cervos e metade aves, com a cabeça e as patas dos cervos e as asas e plumagem de aves. As fêmeas têm uma plumagem verde escura e são maiores, sendo os machos, mais pequenos e como plumagem cor celeste. Embora tenham um comportamento pacífico, são muito territoriais e agressivos para com os estranhos, pelo que aconselha-se os viajantes a terem alguns cuidados, no relacionamento com estas aves. A sombra dos Perítios tem a particularidade de ser a sombra de um ser humano.

A floresta da Ilha é povoada por enormes árvores e plantas das mais variadas espécies, aves cujas plumas são arco-íris e cujo canto encanta o ouvido mais duro. Uma das poucas espécies animais que habitam a ilha e não voam, para além da imensa variedade de peixes que habitam o rio que a atravessava e o mar que a circundava (e alguns são peixes voadores), são os Macacos da Tinta.

Estes macacos tinham 4 a 5 polegadas de comprimento, de pelo azul-escuro, muito sedoso e suave e olhos grandes e brilhantes. O seu comportamento é bastante curioso. Quando vê alguém a escrever ou a pintar, senta-se a seu lado, com as pernas cruzadas, aguardando que acabem, para beber a tinta que sobra.

De grande beleza são as Tartaruga-Génio, feitas de água, fogo e luz das estrelas. Na sua carapaça lê-se o nome, impronunciável, de Deus, com 666 sílabas. O visitante pode ainda apreciar a Mandrágora. Tem as negras, fêmeas e as brancas, machos. A sua raiz é de leite coalhado e quando se arrancam emitem um grito de dor.

O Reino de Zibar

Se não gosta de pirataria, nem de piratas e prefere ambientes mais místicos ou góticos, ou se acabou de perder a namorada num encontro sadomasochista (apaixonando-se a sua noiva pela dominadora) tem uma alternativa.

O Reino de Zibar é um estranho reino, dominado pelos Seres Térmicos, seres que não são visíveis, nem tangíveis, embora se possam tornar visíveis aos outros seres, se assim o desejarem, através das cores que podem gerar através do seu calor. Os Seres Térmicos são constituídos apenas por calor, por ar quente. Há muitos anos atrás, o Reino de Zibar estava ligado ao Reino de Zan. Mas os habitantes de Zan, também eles constituídos por fogo, preferiram separar-se dos Seres Térmicos e entregaram o poder, na sua parte da Ilha a um grande Rei, com um rosto de chama branca e o corpo de fogo.

Enquanto o Reino de Zan proíbe o contacto com os estrangeiros, sendo nele proibido entrar, no Reino de Zibar é o oposto. Os Seres Térmicos ocupam apenas uma pequena parcela do território, permitindo que os estrangeiros possam usufruir do restante espaço do seu reino, que acabou por se tornar num grande mercado, embora controlado pelas rígidas leis dos Seres Térmicos.

Este é um Reino habitado por animais estranhos. Nos espelhos de Zibar encontramos os Animais dos Espelhos, que navegam pelos espelhos como peixes na água. Estes animais não têm forma e são muito esquivos. Por sua vez, no Sul do Reino, na floresta de Perelandra, habita o Monstro de Lewis, uma espécie pacífica, que tem o nome de monstro apenas devido ao seu enorme tamanho. É negro, sem pelo e brilhante. As suas patas dianteiras são parecidas com jovens árvores e as suas patas traseiras são idênticas às de camelo. Têm um enorme ventre, branco e pescoço de cavalo. O seu rosto é humano, com grandes e rasgadas bocas e narizes achatados. A cauda é enorme e peluda, sendo cor-de-rosa nas fêmeas e azul clara nos machos e comunicam entre si cantando. Apesar do seu tamanho, são tímidos. As fêmeas não têm leite para amamentar os filhos, que são entregues, durante 3 meses, a fêmeas de outras espécies, que os amamentam.

Outro animal destas paragens, que habitam as florestas das províncias do norte do reino, é o Sonho de Kafka, um enorme burro, com muitos metros de comprimento, com uma grande cauda branca e uma cabeça pequena e oval. É pacífico e brincalhão. Nas florestas de Nantucket, na região centro, as árvores dão frutos vermelhos e nelas reside um animal com cerca de 3 pés de comprimento e 6 polegadas de altura, de patas curtas mas com afiadas garras escarlates, semelhantes a corais. De pelo liso e sedoso, todo branco, com uma cauda pontiaguda de pé e meio de extensão, cabeça de gato, orelhas caídas e dentes vermelhos, é conhecido pelo nome de Sonho de Poe.

Outra característica do Reino de Zibar é a água. As águas dos rios e afluentes que correm na floresta de Nantucket têm um aspecto de águas poluídas. Quando se despenham, ficam consistentes, tipo goma. Não é água incolor, mas púrpura, embora numa vasilha fique incolor e com veios distintos.

O Reino de Youwarkee

Para os que se apaixonaram, durante a semana, pela dominadora e ela não vos dá qualquer hipótese, o Reino de Youwarkee é a solução. Não aconselho os viajantes que passam nesta região a andarem por aqui muito despreocupados. Este é um reino perigoso. Youwarkee é rainha dos Glums uma tribo alada, metade Homens e metade aves e foi ela quem fundou o reino. Fêmea da sua espécie, Youwarkee, que foi casada com um Homem, despreza, no entanto a espécie humana, ao ponto de ter assassinado o seu marido, antes de ser rainha. Quando os seus braços se abrem, surgem asas de sedosas plumas. É de uma grande crueldade, tal como toda a sua tribo.

Neste reino, para além dos Glums, a tribo dominante, existem os Trolls, gigantes escravizados pelos Glums, que habitam em cavernas miseráveis. São seres malignos, muito estúpidos, mas muito úteis para os trabalhos que requerem esforço físico e para a guerra. Alguns são dotados de duas ou, até mesmo, três cabeças.

A fauna do Reino de Youwarkee é constituída por animais exóticos, como o Tao-T’ieh, animal com dois corpos, uma só cabeça e seis patas. A sua cara pode ser de tigre, no caso das fêmeas, ou de dragão, no caso dos machos. Ao nascerem, têm, todos, rosto humano. São animais pacíficos, herbívoros e comedores de peixes pequenos e insectos, conhecidos por serem glutões. A Sul do reino habitam os Tigres Vermelhos, a Norte os Tigres Negros, a Oriente os Tigres Azuis, a Ocidente os Tigres Brancos e nas Províncias centrais os Tigres Amarelos. Por fim a Uroboros, uma serpente enorme, com mais de 20 metros de comprimento, que devora a sua própria cauda. A Uroboros habita nos rios e afluentes deste reino.  

A Ilha do Inferno

Se são vocês os dominadores ou dominadoras e apaixonaram-se por um parvalhão de um passivo ou por uma escrava estupida, que não entende patavina de paixão, aconselho-vos este lugar. A Ilha do Inferno é o lugar mais desolador de todos os mundos, habitada pelos seres mais malignos do universo e o único ponto de passagem para o Deserto dos Yinn, que fica no seu interior, no meio do Lago do Enxofre. É um local cheio de perigos inumeráveis, em que toda a flora é carnívora, os solos são armadilhas, as lamas paralisam qualquer ser vivo e as areias movediças ou as pedras comedoras de Homens abundam O litoral é um cemitério de embarcações abandonadas e de esqueletos de visitantes.

Entre as inúmeras espécies que a habitam destacam-se: a Anfisbena, uma serpente com mais de 2 km de comprimento, 500 metros de largura e duas enormes cabeças, posicionadas, cada uma no extremo oposto da outra; o Cérbero, um cão de tamanho descomunal, com 3 cabeças, 4 olhos em cada cabeça, pelo negro, espetado, garras enormes e longas fileiras de dentes afiados. A sua cauda é uma serpente. Devoram as suas vítimas e aprisionam-lhes as almas; o Devorador das Sombras, que retira as sombras aos humanos incautos; o Dragão, um ser alado com cornos de búfalo, cabeça de camelo, dentes de leão, olhos vermelhos, pescoços de serpente, todo o corpo coberto de escamas, garras de águia, patas de tigre e orelhas de boi, que expele fogo das suas narinas e habita as profundidades das Montanhas do Inferno; o Leviatã com cabeça e rosto de Homem, pescoço de serpente, patas e juba de leão e corpo de peixe; a Hidra, uma imensa serpente com 666 cabeças e o Mantícora, um animal horrível, comedor de carne humana, com 3 filas de dentes, rosto e orelhas de Homem, olhos azuis, corpo de leão e cauda equipada com aguilhões de lacrau, que atira com grande precisão e com os quais atinge as suas vitimas, paralisando-as, para depois as devorar.

A Ilha do Inferno é dominada pelas Banshee, umas fadas horrendas, cuja arma mortal é o seu gemido, o keening. Podem assumir formas de mulheres esbeltas ou de sereias e são noctívagas. As suas tropas são constituídas pelos Swedenborgs, demónios sangrentos, de aspecto humano, com mais de 2 metros de altura, loiros e de olhos azuis. Os Swedenborgs só podem ficar expostos ao sol da manhã ou do fim da tarde, pois o sol mais forte queima-lhes a pele e eles perdem o rosto ficando com um cheiro fétido. Nos ciclos de reprodução, quando as Banshee ficam com o cio, utilizam os Swedenborgs. Das crias resultantes, as fêmeas são Banshee e os machos Swedenborgs.

Se visitarem o Deserto dos Yinn, no meio do Largo do Enxofre, desejo-vos boa sorte. Os Yinn são seres feitos de fogo, mas de um fogo escuro e sem fumo. Podem assumir as mais variadas formas, voarem, atravessar paredes ou tornarem-se invisíveis. Têm o hábito de raptar as mulheres mais belas, para poderem pedir resgate, ou venderam-nas às tribos de outros desertos. O seu chefe é o terrível Iblis, considerado invencível.

Núbia

Se não andam metidos em cenas eróticas e têm relações consideradas saudáveis aconselho-vos a visitar o Reino da Núbia, uma vasta região no Sul do mundo. Nela habitam os Hochigans, tribo de feiticeiros, de pele escura, que falam com os animais, os Homens dos Bosques, de pele clara, caçadores, os SanSan, de pele castanha, pastores, os Humbaba, gigantes castanhos, que guardam as fronteiras do Reino e a Montanha Sagrada do Atlas, os Lamed, legisladores, os Wufniks, responsáveis eleitos para exercerem o poder executivo, as Lâmias, fadas negras, que habitam as florestas densas, metade mulheres, metade serpentes e os Pigmeus, a maioria da população, agricultores, artesões, comerciantes, policias, soldados, professores, feiticeiros da saúde e restantes actividades.

A sua fauna é vasta, com animais de todos os tamanhos e variedades, assim como a sua flora diversificada. No entanto haverá que destacar, na sua fauna, alguns exemplares mais exóticos: os Kami, um peixe subterrâneo, que habita nas margens dos rios, por debaixo dos solos, que tem patas de aranha e corpo esguio, como a enguia. Tem mais de 20 metros de comprimentos e 5 de largura. Quando nasce parece um escaravelho enorme, mas depois evolui para a sua forma própria; o Kraken, uma cobra dos mares, com mais de 50 metros de comprimento e 20 de largura, que destrói grandes embarcações, mas que deposita os seus ovos nos desertos, para além das florestas densas; os Lémures, almas errantes, que assumem a forma de um símio, noctívagos, habitam as copas das árvores mais altas das densas florestas; as Nagas, serpentes com 7 cabeças; o Nesnás, uma criatura que tem só um lado; o Nivelador, uma enorme criatura, com 8 pernas e 16 patas, corpo de hipopótamo, tromba de elefante e um corno de rinoceronte; a Pantera arco-íris, mais pequena que o leão, do tamanho do Leopardo, mas com a pele de todas as cores e o Pelicano Verde, uma ave de porte médio, que domina os céus do reino e os seus mares, também, pois é uma ave comedora de peixe, para além de ter o habito de raptar humanos recém-nascidos.

O Reino da Tranquilidade

Para os que buscam sossego, serenidade e um pouco de aventuras tranquilas, esta é a melhor solução. Governado pelo Buda Sereno, um sábio rei que se estabelecera naquelas paragens e que governa com sabedoria e bom senso, o Reino da Tranquilidade é um ser vivo. As pedras, os grãos de areia, as rochas, o solo, o subsolo, as plantas, os animais, os habitantes, são tudo partes desse imenso ser vivo.
  
Aqui podem ser vistos os Bahamut, hipopótamos sagrados, o Behemoth, um elefante gigantesco, incolor, que tem o poder de se tornar invisível e que produz encantamentos de grande poder e o Burak, o cavalo alado do Profeta.

Para além dos cavalos-marinhos, de grande porte, que abundam nestas águas, o viajante pode impressionar-se com o Kapila, o enorme e descomunal peixe das 100 cabeças e com o Elefante Branco, um elefante incorpóreo, com 6 presas, que poderá, se o viajante o deixar entrar no seu cérebro, estabelecer contacto com a Esfinge Enigma, sábia mulher com corpo de leão, que reside nas Montanhas Tranquilas.

Espero que apreciem os destinos aqui mencionados. Para a semana trago mais. Estamos juntos.

MORRE VIDELA, O ÚLTIMO BANDIDO DA OLIGARQUIA ARGENTINA




Na madrugada de 17 de maio morreu como havia nascido, entre armas, na solidão e no ostracismo, tal como devia morrer: na prisão, condenado por seus crimes contra a humanidade. Nasceu entre baionetas e armas e morreu só, em uma cela, ao amanhecer, como costumam morrer algumas ratazanas. Agora só lhe restará o consolo dos obituários que seguramente muitos sobrenomes ilustres publicarão no jornal La Nación, sintoma de que a oligarquia argentina chora o último de seus bandidos. Por Oscar Guisoni, Especial para Carta Maior.

Oscar Guisoni, especial para Carta Maior

Nasceu entre baionetas e armas e morreu só, em uma cela, ao amanhecer, como costumam morrer algumas ratazanas. O ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla chegou ao mundo em 2 de agosto de 1925 em uma pequena cidade da província de Buenos Aires. Seu pai era militar e seu avô havia sido governador na província de São Luis, no final do século XIX, em um período onde era amo e senhor da Argentina outro assassino, Julio Argentino Roca, o homem que conduziu a campanha militar que exterminou os indígenas na Patagônia e que instaurou o projeto oligárquico e liberal reivindicado pelos ricos produtores agropecuários do porto de Buenos Aires para impor seu projeto de república bananeira.

Foi assim como seu destino esteve ligado desde o início à casta militar a que pertencia. Uma casta que, durante o século XX, se erigiu em guardiã da ordem conservadora, interrompendo pela força os processos democráticos populares desde 1930, sempre sob as ordens dessa oligarquia portenha que se acreditava dona do país, que havia se aliado com a Inglaterra no século XIX e que, partir de 1955, se aliaria com os Estados Unidos.

E como as armas sempre estão acompanhadas pela cruz, o futuro assassino dos pampas se transformou desde jovem em um católico devoto. Ele se casou com uma senhora de pomposo sobrenome anglo-saxão, filha de um embaixador, com quem teve sete filhos, e em poucos anos ascendeu como estrela fulgurante entre a dura hierarquia das baionetas. Em 1960 – enquanto a Argentina mergulhava em um dos períodos políticos mais instáveis, com o peronismo proscrito desde 1955 e os militares interrompendo a vida civil do país de forma contínua -, dirigiu a Academia Militar, até que o então ditador Alejandro Agustín Lanusse o nomeou diretor do Colégio Militar da Nação, uma das instituições aristocráticas nas quais se formavam os futuros generais que depois conduziam os golpes de estado.

Em 1973, o ex-presidente Juan Domingo Perón consegue que se movimento político possa participar nas eleições depois de 18 anos de proibição e regressa ao país em meio a uma agitada situação política, com os militares em retirada em um punhado de movimentos guerrilheiros surgidos nos anos sessenta que ameaçavam encerrar também pelas armas a luta de poder no país. São os tempos da Guerra Fria e em todo o continente as castas militares e seus aliados econômicos se preparam para executar o que logo se conheceria como Plano Condor, uma repressão sistemática e generalizada coordenada pelos Estados Unidos para acabar para sempre com a insurgência armada e qualquer possibilidade de estabelecer alianças e sistemas econômicos diferentes na América Latina em relação aos então vigentes. Nesse ano, Videla se transformou o chefe do Estado Maior do Exército, promovido pelos seus próprios pares.

Em 1974, o envelhecido Juan Domingo Perón morre e assume o governo sua mulher, a direitista María Estela Martínez de Perón, “Isabelita”, que abre o caminho para a formação de grupos de ultradireita como a Triple A, que, à sombra do Estado, começam a executar dirigentes de esquerda, deputados, intelectuais, abrindo as portas ao terrorismo de estado. Em 1975, “Isabelita” o nomeia comandante em chefe do Exército, o lugar a partir do qual executará no ano seguinte o último golpe de estado na história contemporânea argentina.

Desde o começo, ditadura inaugurada por Videla em 1976 teve muito claro seus objetivos: “reorganizar” o país através de um “processo” sangrento (o governo se autodenominou “Processo de reorganização nacional”), capaz de extirpar pela raiz toda possibilidade de instaurar outro projeto econômico que não o apoiado pelas elites portenhas proprietárias das ricas terras expropriadas a força dos povos indígenas, um século antes.

O novo ditador assumiu com gosto sua função de exterminador, tal como havia feito um século atrás Juan Lavalle, o primeiro militar argentino que colocou à disposição dos latifundiários as armas do exército para dirimir pela força os diferentes projetos de país em disputa que tinham surgido da Revolução de Maio e da independência da Espanha, em 1816. Ele se sentia tão cômodo em sua nova função que até se permitiu conceber um novo método para assassinar inimigos políticos: a desaparição forçada de pessoas. Dessa maneira, explicou, se poupavam o aborrecimento de ter que fuzilar os seus opositores. Para isso, os militares sob seu comando criaram uma rede de campos de concentração clandestinos nos quais os prisioneiros eram torturados primeiro e depois lançados ao mar ou em uma fossa comum, impedindo que seus familiares encontrassem seus corpos. Para completar o horror, as Forças Armadas se apropriavam não só das propriedades dos presos desaparecidos, como também de seus filhos, que eram distribuídos entre militares e empresários amigos.

O regime que inaugurou e que dirigiu até 1980, afundou na própria infâmia depois da derrota na Guerra das Malvinas, em 1982. Em 1983, junto com o retorno da democracia, chegam também os primeiros ares de justiça e, em 1984, começa o mítico processo judicial das Juntas Militares que culmina com a condenação à prisão perpétua de Videla e seus capangas. Em 1991, o peronista Carlos Menem os indulta, como parte de seu projeto político neoliberal que implica ter as Forças Armadas contentes enquanto os setores oligárquicos continuam desfrutando do modelo econômico instaurado em 1976.

Em 2003, assume a presidência Néstor Kirchner, um peronista mais próximo da esquerda, que anula os indultos e abre a porta para a continuidade dos julgamentos. Videla volta á prisão e é envolvido em um punhado de julgamentos, dos quais sai condenado. O mais simbólico ocorre em 2010, quando é apontado como um dos principais responsáveis pelo roubo de bebês, um dos crimes mais repugnantes da ditadura.

Passou seus últimos anos na cadeia, já que seu excelente estado de saúde não permitiu que gozasse dos benefícios da prisão domiciliar, usufruído por alguns de seus cúmplices. Da sua solidão e ostracismo até se permitiu questionar o atual governo por ter permitido que se retomassem os julgamentos, mas nunca quis pedir perdão nem se mostrou arrependido de seus crimes. Ao cair da noite da quinta-feira, sentiu-se mal e comunicou o fato a seus carcereiros. Na madrugada de 17 de maio morreu como havia nascido, entre armas, na solidão e no ostracismo, tal como devia morrer: na prisão, condenado por seus crimes contra a humanidade. Agora só lhe restará o consolo dos obituários que seguramente muitos sobrenomes ilustres publicarão no jornal La Nación, sintoma de que a oligarquia argentina chora o último de seus bandidos.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

POR UM BRASIL MENOS CARCERÁRIO




Para reduzir maioridade penal, mídia espalha medo e preconceito. Porém, país prende como nunca — e não se tornou mais seguro

Andressa Pellanda – Outras Palavras

Ele era um menino de ainda 10 anos. Não teve a presença de um pai ou de uma mãe em sua vida. Morava às vezes com a avó, às vezes com a tia, na periferia de São Paulo. Era mais um entre 41,90 milhões de habitantes (21,60% da população brasileira). Frequentava, obrigado, a escola pública da região. Em sua turma eram ele e mais quarenta colegas de classe. A professora tinha outras cinco turmas para cuidar e não dava conta. Ele ainda não sabia ler palavras inteiras, lia letra por letra, engasgadas no caminho. No dia em que teve pneumonia, sua avó percorreu tantos e tantos hospitais da região em busca de uma vaga de internamento nas pediatrias lotadas do sistema público de saúde, o SUS. Sua casa era feita de alvenaria, cheia de frestas, por onde o vento frio corria durante a noite. Ele se encolhia ao lado de mais três irmãos, que dividiam a cama no único cômodo da casa. Foi crescendo e, cedo, sentiu apertar a necessidade da vida. Fez uns bicos aqui e ali e logo entrou para o tráfico. Essa situação hipotética ilustra a realidade de inúmeros jovens brasileiros.

Terça-feira, 9 de abril de 2013. Victor Hugo Deppman, 19, jovem estudante universitário de classe média, é morto com um tiro na cabeça durante um assalto na porta de casa, no Belém, zona leste de São Paulo. O jovem foi abordado por volta das 21h na porta do edifício onde morava. Testemunhas disseram à polícia que um homem atirou contra o estudante, em um assalto. Em seguida, o suspeito fugiu na garupa de uma moto. Um adolescente, que completou 18 anos na sexta-feira seguinte, dia 12, é suspeito de ter cometido o crime. A ação foi registrada por uma câmera de segurança, que mostra que a vítima não reagiu. O disparo em direção à cabeça foi dado segundos após o jovem entregar o celular. Segundo a polícia, o suspeito só procurou a Vara da Infância e da Juventude, na companhia da mãe, após o irmão ter sido levado para a delegacia.

Todos os meses, brasileiros, frutos de um estado de injustiça social, cometem crimes como este. Muitos deles são menores de 18 anos, idade da maioridade penal nacional. Apenas 5% são mulheres, e o perfil desses jovens é o retrato do preconceito no Brasil: a maioria é negra e moradora da periferia de São Paulo e do interior. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 43% dos adolescentes infratores foram criados apenas pela mãe, e 17% pelos avós. 86% dos adolescentes que cumpriam internação declararam não ter concluído o ensino fundamental. E assim se dá a intersecção entre as duas histórias.

No Brasil, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dispõe sobre a proteção integral à parcela da população que tem até 18 anos de idade incompletos. Nela são assegurados os direitos fundamentais, mas também a proteção em casos de ação ou omissão da sociedade ou do Estado, dos pais ou responsável, e em razão de sua conduta. Em seu título III, o ECA prevê a inimputabilidade de adolescentes e crianças menores de 18 anos, assim como as medidas socioeducativas em seu capítulo IV, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade, ou internação em estabelecimento educacional.

A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) é uma instituição vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania e tem por missão aplicar medidas socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no ECA e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) – sistema regulamentador da execução das medidas. A Fundação CASA presta assistência a jovens de 12 a 21 anos incompletos no Estado de São Paulo (já que o período máximo de internação não pode exceder três anos, de acordo com o Artigo 121 do ECA e, assim, a liberação aos 21 anos se torna compulsória). Hoje, a Fundação CASA atende quase 10 mil jovens, segundo dados da própria instituição.

O caso de Deppman trouxe à tona o debate em torno da idade da maioridade penal. A grande mídia brasileira, de caráter concentrado e conservador, encheu seus noticiários com reportagens, artigos e programas em torno do assunto. Os adjetivos mais ouvidos eram “absurdo”, “terrível”, “lamentável”, referindo-se não à imensa desigualdade social no país, que gera mais violência, mas aos índices crescentes e alarmantes da criminalidade, ressaltando o sentimento de impunidade desses jovens. A Fundação CASA cumpre, entretanto, o papel de responsabilização de jovens infratores pelos crimes por eles cometidos, como previsto no ECA. Há aí, portanto, uma confusão entre impunidade e imputabilidade que, segundo o Direito Penal, é a capacidade da pessoa em entender que o fato é ilícito e agir de acordo com este entendimento.

Depois de alguns dias de contínuo endosso nas televisões e jornais, o Datafolha, órgão de pesquisa ligado à Folha de São Paulo – maior jornal diário de circulação nacional do país -, divulgou a conclusão de uma pesquisa à população: “contra ou a favor da redução da maioridade penal”. O resultado já era esperado. 93% dos paulistanos concordam com a redução da maioridade penal, 6% são contra, e 1% não soube responder. Foram ouvidas 600 pessoas e a margem de erro é de 4 pontos. “A demonstração de apoio à redução da maioridade penal revela um apoio a uma solução mais imediatista”, afirmou Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha. Para Luís Fernando Veríssimo, escritor brasileiro, esses casos “extremos” testam a razão da humanidade. Para ele, muitas vezes acabamos “retrocedendo ao tempo da reciprocidade bíblica”. Leonardo Sakamoto, importante jornalista brasileiro e fundador da ONG Repórter Brasil1, declarou, em um de seus artigos sobre o tema que tem medo de “indivíduos maníacos por sangue”, mas tem mais medo ainda de “uma sociedade maníaca por sangue”. “Vingança não é Justiça”, complementa.

Além da mídia, partidos e alas do governo também apoiam a redução. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), defende que o ECA “não consegue atender às novas demandas” e deve haver punições maiores para crimes hediondos, como homicídios, estupros e latrocínios, defendendo mudanças para aumentar o tempo máximo de medida sócio-educativa para 8 anos e transferência do adolescente, ao completar 18 anos, da Fundação CASA ao sistema penitenciário tradicional. Durante a gestão do partido em São Paulo, há 18 anos no governo, o aumento da população carcerária foi intenso. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o crescimento no número de presos em São Paulo nesses 18 anos foi de 247%. O número total de presos em penitenciárias e delegacias brasileiras subiu de 514.582 em dezembro de 2011 para 549.577 em julho de 2012. Os índices de criminalidade, entretanto, não diminuíram. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, o número de vítimas de homicídios dolosos cresceu 37,3%, de 91 em fevereiro para 125 em março de 2013. Na comparação com março de 2012, a alta foi de 26,2%. O total de ocorrências registradas teve uma alta de 0,7% entre o primeiro trimestre de 2012 e o de 2013.

Além desses dados alarmantes, o índice de reincidência nas prisões no país é de 70%, de acordo com estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo, só ficando atrás dos EUA, China e Rússia, respectivamente. Depois de visita inédita ao Brasil, em abril deste ano, uma comitiva da Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que há excessiva privação da liberdade no país, baixíssima aplicação de medidas alternativas à prisão e grave deficiência de defensores públicos para os detentos. A maior parte da população amontoada nos superlotados e degradantes presídios brasileiros é negra (60%). Cerca de 80% da população prisional está presa por crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas, condutas imputadas às pessoas pobres para quem resta ou procurar um ofício miserável dentro da legalidade ou se socorrer de caminhos informais. “De acordo com as normas do Direito internacional, prisão é exceção, e não regra. A principal medida provisória no Brasil ainda é a prisão. Os juízes relutam em adotar medidas alternativas, pois não há mecanismos de controle dessas medidas”, disse Vladimir Tochilovsky, membro da comissão de inspeção da ONU.

É possível, dessa forma, verificar que não há relação direta entre punições repressivas e diminuição da violência, muito pelo contrário. Está cada vez mais comprovado que educar é mais eficiente – e humano – que punir. Em seis anos de funcionamento do novo modelo da Fundação CASA, ele apresentou uma série de avanços. Dentre eles, a queda expressiva nas taxas de reincidência e na ocorrência de rebeliões. Em 2006, antes da reformulação, 29% dos jovens em internação reincidiam. Hoje, a taxa está em torno de 13%. As rebeliões caíram de 80 ocorrências em 2003 para apenas uma, em 2009. Latrocínio e homicídio representam, cada um, menos de 1% dos casos de internação de jovens para cumprimento de medida socioeducativa, sendo a maioria dos casos de internação por crimes contra o patrimônio (roubo e furto) e tráfico de drogas. Geralmente são pequenos traficantes, viciados que vendem drogas para sustentar seu vício e não controlam a lógica do tráfico. Com a redução da maioridade, muitos jovens deixarão de ter acesso a um tratamento reinclusivo, passarão a integrar a já inflada e desumana situação carcerária no Brasil e, portanto, terão menos chances de sair de uma vida de crime.

Não é só no Brasil que a maioridade penal é aos 18 anos. 42 países, de 53 pesquisados por um levantamento da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, adotam esta faixa etária. Em países como a Noruega, a taxa de reincidência prisional é de 20%. A diferença de reincidência entre os países está nas teorias que sustentam seus sistemas de execução penal. Nesta, a que prevalece é da reabilitação, reforma e correção, em que a ideia é reformar deficiências do indivíduo (não o sistema) para que ele retorne à sociedade como um membro produtivo.

Diversos órgãos especializados, tratados e códigos são contra a redução. A Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança, compromissos assinados pelo Brasil, defendem a maioridade aos 18 anos. O Unicef expressa posição contrária à redução, assim como à qualquer redução desta natureza. A nível nacional, a redução atinge a Constituição Federal Brasileira, com sua Doutrina da Proteção Integral, tornando a criança e o adolescente sujeitos de direitos, passando a tratar os mesmos como pessoas em especial condição de desenvolvimento. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), o Conselho Regional de Psicologia (CRP) de São Paulo, a Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Fundação Abrinq, o governo federal, entre outras instituições, defendem um debate ampliado para que a legislação não seja modificada no país.

Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito e não a causa. Trata-se de um discurso politicamente conveniente, uma resposta fácil à indignação popular com a violência, mas sabidamente uma medida inócua, que ignora o cerne da questão. O problema está na base estrutural dos direitos fundamentais negados a tantos jovens pelo país. Assim, reduzir a maioridade é transferir o problema, isentando o Estado do compromisso com a juventude e com a construção social.

1 A Repórter Brasil foi fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre a violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores no Brasil. Devido ao seu trabalho, tornou-se um das mais importantes fontes de informação sobre trabalho escravo no país. Suas reportagens, investigações jornalísticas, pesquisas e metodologias educacionais têm sido usadas por lideranças do poder público, do setor empresarial e da sociedade civil como instrumentos para combater a escravidão contemporânea, um problema que afeta milhares de pessoas.

Após 125 anos sem escravidão, Brasil ainda tem problemas com preconceito racial




Renato Correia – Voz da Rússia

No ano de 1832, durante a sua famosa viagem que renderia a teoria da evolução, Charles Darwin passou alguns meses no Brasil onde ficou maravilhado com a diversidade vegetal e animal, porém saiu horrorizado pelo país ser escravocrata.

No livro "O Diário do Beagle" ele escreve "No dia 19 de agosto, finalmente, deixamos as praias do Brasil. Agradeço a Deus e espero nunca visitar outra vez um país escravocrata. Até hoje, ouço um grito longínquo, lembro com dolorosa nitidez do que senti quando passei por uma casa perto de Pernambuco". O Brasil viveria por mais meio século até chegar o fim de um periodo que havia durado mais de três séculos de escravidão".

Nesse último dia 13 de maio completaram 125 anos da promulgação da Lei Aurea que estinguia definitivamente a escravidão no Brasil sendo aprovada por 85 votos favoráveis e 9 votos contrários. Através dessa lei o país se tornou o último na América que tinha mão de obra escrava, mas mesmo tendo a liberdade a situação dos mais de um milhão de afrodescendentes continuou sendo problemática, alguns continuaram a trabalhar nas fazendas onde já viviam porém como homens e mulheres livres e a grande maioria seguiram com a esperança de que teriam uma terra somente sua, mas o que se teve foi uma grande exclusão social para esses novos cidadãos brasileiros.

A discriminação racial foi algo que veio acompanhando os afrodescendentes desde o Brasil Colonial e mesmo agora com leis severas contra qualquer tipo de discriminação racial ainda existe o "racismo velado". Recentemente a TV Al-Jazeera apresentou o documentário Open Arms Closed Doors que conta a visão de um imigrante africano, o rapper angolano Badharo, que vive na comunidade da Maré no Rio de Janeiro sobre o preconceito racial e seus efeitos. Nesse documentário se vê que por mais que o Brasil seja formado por pessoas miscigenada o preconceito é algo que ainda demorará a ser extinguido definitivamente.

A contribuição a cultura brasileira dos afrodescendentes foi muito grande na música, dança, literatura, culinaria entre tantas outras. Essas influências se reflete até mesmo no idioma com palavras que somente tem no portugues do Brasil. Segundo o Censo de 2010 os afrodescendentes representa de 51% da população brasileira. Na educação superior 12,8% eram negros e 13,4% pardos, mas para Eloi Ferreira de Araujo que foi presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP) esse número irá mudar por causa da política de cotas: "A construção da igualdade no Brasil está diretamente ligada à educação. Ao aprovar a constitucionalidade das cotas, o STF já deu início a essa longa caminhada, que faz valer a nossa Constituição e o Estatuto da Igualdade Racial em sua plenitude". No mesmo Censo também apresenta um aumento dos afrodescentes na classe média e de pessoas em altos cargos que antes predominavam apenas brancos.

Apesar das melhorias conquistadas nesse um pouco mais de um século de liberdade a população afrodescendentes ainda luta para que haja igualdade e não uma segregação por causa da cor da pele. A nação brasileira é muito conhecida pelo mundo por causa do samba, capoeira e feijoada que são originarios dos afrodescendentes porém hoje isso é do povo brasileiro e não de uma cor de pele. Uma nação que tem como idolos afrodescendentes como no futebol Pelé e Garrincha, nas artes Machado de Assis, Aleijadinho, Pixinguinha, Cartola e tantos outros nomes pode também viver com a certeza de que não é a tonalidade de pele que fará um cidadão ser menos ou mais pois todos são brasileiros, filhos da mesma pátria pela qual se deve orgulhar por ter pessoas que com diversidade, porém o que os une é o fato de ser brasileiro.

Foto: weblog.liberatormagazine.com

EUA–RÚSSIA – CRISE DE ESPIONAGEM: FALTA DE AGENTES FAZ DOBRAR O PREÇO





Na história da captura em Moscou do agente da CIA Ryan Fogle o que mais intriga não é o equipamento arcaico do espião norte-americano, mas o montante do contrato por traição.
Ryan Fogle prometeu à pessoa que pretendia recrutar 100 mil dólares adiantados pela vontade de colaborar, mais um pagamento anual de um milhão de dólares. A potencial “toupeira” era um oficial do FSB com um excelente histórico de operações antiterroristas no Cáucaso do Norte.

O conjunto antiquado de objetos de espionagem que Fogle tinha consigo (um mapa em papel, uma peruca, uma bússola) e o alto montante da remuneração prevista causaram uma reação mista na mídia. Muitos dos meios de comunicação mundiais viram inicialmente no caso um escândalo de espionagem artificialmente inflado.

A experiência mostra que não se deve exagerar nem minimizar a eficácia dos métodos de obtenção de informações utilizados pelas agências de inteligência, diz o cientista político Vladimir Slatinov, perito do Instituto de Estudos Humanitários e Políticos. Ele lembrou uma história bastante recente, quando o canal de televisão Rossiya, uns anos atrás, transmitiu uma reportagem sobre as “pedras de espionagem”, colocadas num jardim e recheadas com dispositivos eletrônicos. Grande parte do público também encarou o caso de forma irônica. Mas depois, foram obtidas provas claras de que “pedras de espionagem” existiram, e de que eram realmente utilizadas pela inteligência britânica para transmitir e receber informações.

Na recente história de Ryan Fogle, as piadas e comparações com uma simples comédia de espionagem terminaram quando o FSB revelou que a situação atual repetiu, quase que seguindo o mesmo padrão, outra história que teve lugar apenas quatro meses atrás. No início do ano, a contraespionagem russa apanhou o agente da CIA Benjamin Dillon, que também trabalhava sob a cobertura de terceiro secretário da embaixada dos EUA e que também tentou recrutar um oficial do FSB. Ou seja, os agentes da CIA em Moscou tiveram a imensa “sorte” de “dar um tiro no pé” duas vezes em poucos meses.

Quanto ao montante do adiantamento e do “subsídio” anual que Fogle propôs ao oficial russo, os números são realmente bastante altos, notou Vladimir Slatinov em entrevista à Voz da Rússia:

"Isso pode ser explicado, por um lado, pelo fato de os serviços (dos agentes) estarem realmente ficando mais caros, e o dólar dos EUA se estar desvalorizando. Por outro lado, isso pode ser explicado pelo fato de as agências de inteligência dos Estados Unidos não pouparem dinheiro para obter informação muito importante para elas."

O fabuloso pagamento prometido pelo agente da CIA ao oficial do FSB não é razão para piadas, diz o diretor do Centro de Análise Geopolítica Valeri Korovin, especialmente quando se trata de estabilidade no Cáucaso do Norte e da obtenção de informações da parte de pessoas que trabalham no principal serviço secreto da Federação Russa:

"Os americanos não poupam meios, não poupam dinheiro, e tenho certeza de que o processo de recrutamento de membros de nossos serviços especiais envolve todos os funcionários da embaixada começando por McFaul e terminando no terceiro secretário, que é a figura menor na hierarquia diplomática da embaixada americana em Moscou."

Os serviços de inteligência das grandes potências nunca tiveram tarifas rígidas para os serviços dos agentes recrutados. Provavelmente, agora também não existem, disse à Voz da Rússia um coronel aposentado, um ex-oficial de inteligência da KGB da União Soviética, e atualmente famoso escritor, Mikhail Lyubimov. Muitos agentes estrangeiros trabalhavam para a inteligência soviética por convicção ideológica. Mas, mesmo aos agentes pagos, o KGB nunca pagou verbas tão exorbitantes. Tudo dependia da situação particular.

No entanto, de acordo com Mikhail Lyubimov, as agências de inteligência ocidentais tão pouco demonstravam grande generosidade aos traidores da URSS. Continua desconhecido por que montante a inteligência britânica “comprou” o famoso desertor da KGB Oleg Gordievsky. Mas a pensão anual de 40.000 libras esterlinas que lhe foi atribuída pelo governo britânico chegou a ser discutida quase no parlamento. Na altura, e, mais ainda, nos tempos de hoje, esta não é uma soma muito significativa.

O agente mais bem pago do serviço de inteligência da Rússia (SVR, na sigla russa) é um ex-agente sênior da CIA, o “super-espião” Aldrich Ames que foi descoberto nos Estados Unidos em 1994. Durante nove anos de trabalho para a SVR, as contas bancárias de Ames acumularam um milhão e meio de dólares, de acordo com relatos da mídia norte-americana.

Mas, em geral, um dos espiões mais “económicos” ainda é considerado o cidadão do Líbano, um ex-membro do conselho da cidade de Baalbek, Ali Taufiq Yari. Preso pelos serviços secretos libaneses por trabalhar para a Mossad, este espião teria recebido de Israel um total de 600 mil dólares.

Talvez, na Rússia os traidores estejam a esgotar-se e, por isso oferecem-lhes o dobro do preço...

Foto: Colagem: Voz da Rússia

EUA: A NOVA VÍTIMA DOS DRONES




Num embaraçoso escândalo, governo Obama é flagrado grampeando telefones de jornalistas que investigavam bombardeios no Iêmen


O Departamento de Justiça americano grampeou os telefones de repórter da Associated Press, num movimento que está sendo chamado de “intrusão perturbadora”, “espionagem de estado”, “atentado à liberdade de expressão”, “lapso fascista” e “a volta aos tempos de Nixon”.

O grampo, em mais de vinte telefones, foi motivado por uma investigação do governo para saber como a AP conseguiu informações a respeito de um plano para bombardear o Iêmen. A AP deu uma matéria sobre o plano, que envolvia um agente duplo trabalhando para a CIA e para a Al-Qaeda.

O governo dos EUA monitorou ligações de gente em Nova York, Washington e Hartford, no estado de Connecticut. Numa carta aberta, o presidente da AP, Gary Pruitt, classificou o grampeamento como “uma intromissão sem precedentes na apuração de notícias” e exigiu que as gravações fossem devolvidas e todas as cópias destruídas.

“Não há justificativa possível para isso”, disse Pruitt. (Os métodos de Obama já vinham sendo questionados desde a admissão, por parte da Receita Federal, de que as contas de grupos conservadores, como o Tea Party, tiveram um tratamento mais rigoroso do que o normal).

Geralmente, invasões dessa natureza em organizações de mídia ocorrem após uma intimação oficial. Não foi o caso. A AP afirma que o aviso de que havia sido grampeada veio do Departamento de Estado na sexta -feira passada.

A comunidade jornalística está batendo pesado. Para uma editora da revistaNew Yorker, Jane Mayer, parte do problema vem da revolução tecnológica. “É muito mais fácil hoje, para o governo, espionar a Internet e as linhas telefônicas do que era no passado”, diz.

Jonathan Landay, repórter dos jornais do grupo McClatchy que denunciou em várias ocasiões a morte de civis por drones nos ataques “inteligentes” no Oriente Médio, acha que o efeito dessas atitudes será o oposto ao desejado: “vamos nos esforçar mais ainda no nosso trabalho. Quanto mais o governo tenta controlar informações críticas a ele, mais danos traz à democracia”.

A EUROPA PRECISA DE UM NOVO LUTERO





A União Europeia parece uma Igreja corrompida, governada por um país, a Alemanha, que impõe uma ortodoxia financeira dogmática. Para a colunista Barbara Spinelli, a política deve retomar o controlo da situação, através de um cisma protestante, gerado por iniciativas populares.


Este tipo de coisas só acontece na Europa à deriva, não por razões económicas, mas devido à inépcia convulsiva da sua política: estamos a falar do escândalo de um Tribunal Constitucional alemão determinar hoje a vida de todos os cidadãos da União, enquanto o Tribunal Constitucional português não tem qualquer peso. Referimo-nos a Jens Weidmann, o presidente do banco central alemão, que acusa Mario Draghi de exorbitar as suas funções – salvar o euro, com os meios à sua disposição – e declara descaradamente guerra a uma moeda a que chamamos única, precisamente porque não pertence apenas a Berlim.

Na verdade, o mandato do BCE é claro, embora Jens Weidmann conteste a sua constitucionalidade: manter a estabilidade dos preços (artigo 127º do Tratado de Lisboa), mas respeitando o artigo 3º, que determina o desenvolvimento sustentável da União, o pleno emprego, o melhoramento da qualidade do meio ambiente, a luta contra a exclusão social, a justiça e proteção sociais, a coesão económica, social e territorial e a solidariedade entre os Estados-membros. Algo não está a funcionar bem no percurso atual da União Europeia, em que o artigo 3º nem sequer aparece no site de Internet do BCE, talvez por temor que Berlim fique ressentida.

Partidos devem deixar de enganar eleitores

Dentro de um ano, em maio de 2014, vamos votar a renovação do Parlamento Europeu. Essa data terá uma especial importância, sobretudo para os italianos. Porque a Europa da troika (FMI-BCE-Comissão Europeia) nunca teve tanto peso nas nossas vidas. Porque os seus remédios anticrise são contestados pelas populações de todo o continente, abalando mesmo o médico mais ansioso por administrá-los: no dia 22 de setembro, os alemães vão às urnas e, talvez recompensem a Alternativa para a Alemanha, um partido antieuropeu, acabado de eclodir em fevereiro. Os partidos terão de deixar de fazer crer que podem “vergar” Angela Merkel. Especialmente em Itália, vão ter de deixar de enganar os eleitores e cidadãos. Pela primeira vez, finalmente, se ousarem, poderão designar o presidente da Comissão Europeia. É o que está nos tratados.

Estamos a falar de mentiras, porque nenhum governo pode fazer vergar Berlim com os argumentos puramente económicos até aqui utilizados: um pouco menos austeridade, algum crescimento, ligeiras facilidades. Firmemente convencida de que só os mercados nos conseguirão disciplinar, a Alemanha só mudará de rumo se a política se sobrepuser às teorias económicas que degeneraram em dogma. Isto se os governos, os partidos políticos e os cidadãos manifestarem uma visão clara sobre como deve ser outra Europa, que não a atual, dotada de recursos indigentes e com um equilíbrio de poderes que foram buscar ao século XIX.

União Europeia parece uma igreja corrupta

Presentemente, a União Europeia parece uma igreja corrupta, a precisar de um cisma protestante: uma Reforma de credo e de léxico. De um plano pormenorizado (as teses de Martinho Lutero tinham 95 pontos). Só opondo-lhe uma fé política poderemos descartar o papado económico. É a única maneira de romper com a religião dominante, e Berlim terá que escolher entre uma Europa à alemã e uma Alemanha à europeia, entre a hegemonia e a paridade entre os Estados-membros. É uma escolha com que a Europa se confronta sistematicamente: Adenauer dizia, em 1958, que a Europa “não deve ser deixada na mão dos economistas”.

A ortodoxia germânica não é de hoje. Afirmou-se a seguir à guerra, com o nome de “ordoliberalismo”: como são sempre racionais, os mercados sabem perfeitamente corrigir os desequilíbrios, sem interferência do Estado. É a ideologia da “casa em ordem”: cada país expia sozinho os seus pecados (em alemão, “Schuld” significa tanto “dívida” como “culpa”). Solidariedade e cooperação internacional vêm depois, como recompensa para os países que fizeram bem o trabalho de casa. Tal como em Inglaterra, a democracia é invocada de modo falacioso: delegando pedaços de soberania, esvaziam-se os parlamentos nacionais. E é assim que o Tribunal Constitucional alemão é chamado a pronunciar-se sobre qualquer iniciativa europeia.

Democracias não estão em pé de igualdade

Se existe embuste, é porque, dentro do navio Europa, as democracias não estão todas em pé de igualdade: há sacrossantos e condenados. Em 5 de abril, o Tribunal Constitucional português invalidou quatro medidas da cura de austeridade impostas pela troika (cortes nos salários da Função Pública e nas pensões de reforma), por serem contrárias ao princípio da igualdade. O comunicado divulgado no dia seguinte pela Comissão Europeia (dia 7 de abril), ignora completamente o veredicto do Tribunal e “congratula-se” por Lisboa prosseguir a terapia acordada, recusando qualquer renegociação: “É essencial que as principais instituições políticas portuguesas permaneçam unidas no apoio” à recuperação em curso. A diferença de tratamento dos juízes constitucionais alemães e portugueses é tão desonesta que o ideal europeu vai ter dificuldade em sobreviver junto dos cidadãos da União Europeia.

Há quem diga que a Europa conseguirá sobreviver se a hegemonia alemã for mais benevolente, mantendo a hegemonia. Foi o que George Soros expressou, em setembro de 2012, à New York Review of Books, apresentando argumentos sólidos. O Governo polaco exige-o. Na Alemanha, a benevolência é reivindicada por aqueles que temem não a hegemonia, mas uma autoidolatria pouco ostensiva, introvertida.

Europa numa encruzilhada

Hegemonia e autoidolatria são, porém, os sintomas, não a causa do mal que assombra cronicamente a Alemanha. Se a Alemanha quis uma Europa supranacional, ao ponto de o incluir na Constituição, foi porque os defensores do ordoliberalismo (do Banco Central e da academia) foram várias vezes postos de lado. Adenauer impôs a CEE e o pacto franco-alemão a um ministro da Economia – Ludwig Erhard – que fez o que pôde para os enterrar, tendo acusado a CEE de “endogamia” protecionista e “absurdo económico”. Com Londres, tentou torpedear o Tratado de Roma, preferindo um acordo de comércio livre. Nem Adenauer, nem o primeiro presidente da Comissão, Walter Hallstein, lhe deram ouvidos e a racionalidade política prevaleceu. O cenário repetiu-se com o euro: atrelado a Paris, Helmut Kohl privilegiou a política, ignorando economistas e Banco Central. Hoje, a Europa está numa encruzilhada semelhante, mas com políticos camaleões, desprovidos de verdadeira determinação. A crise destruiu as ilusões do povo alemão. O ordoliberalismo politizou-se e acerta contas antigas.

Resta, portanto, a solução do cisma: a construção de uma nova Europa, emanando da base e não de governos. Já existe um projeto, escrito pelo economista Alfonso Iozzo: segundo os defensores do federalismo, pode assumir a forma de uma “iniciativa cidadã europeia” (artigo 11 º do Tratado de Lisboa), a apresentar à Comissão Europeia. A ideia é dotar a União com recursos suficientes para impulsionar o crescimento, em vez de forçar os Estados-membros ao rigor. Um crescimento não só mais barato, porque concertado, mas também socialmente mais justo e mais ecológico, porque alimentado pelos impostos sobre as transações financeiras, a tributação sobre a produção de carbono e a criação de um IVA europeu. As duas primeiras taxas podem angariar €80 a €90 mil milhões: o orçamento comunitário respeitaria o limiar de 1,27% [do PIB], na altura acordado. Mobilizando o Banco Europeu de Investimento e as obrigações europeias, chega-se a um plano de €300 a €500 mil milhões e a 20 milhões de novos empregos na economia do futuro (investigação, energia).

Para isto, é preciso, no entanto, que a política volte à ribalta e deixe de ser um conjunto de regras automáticas, mas, como preconiza o economista Jean-Paul Fitoussi, uma escolha. Temos de recuperar a autossubversão de Lutero, quando redigiu as suas 95 teses e declarou, segundo alguns: “Nisto, estou certo. Não posso agir de outro modo. Que Deus me ajude, ámen...”

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