quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

GUINÉ-BISSAU | A razão, o perpetrador e os sustentáculos da atual situação de crise são conhecidos

Abdulai Keita* | opinião 

A razão principal da ocorrência, mas sobretudo, da prevalência desta, mais uma vaga da situação de crise em curso na Guiné-Bissau (tal como uma dezena de umas tantas outras no passado bem recente), desde o dia 12 de Agosto de 2015, deve-se, no fundo, no fundo, à FALTA DO SENTIDO DE ESTADO, da RESPONSABILIDADE POLÍTICA ASSUMIDA E AFIRMADA e do BOM SENSO do nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV e seus apoiantes.

Seus apoiantes que são: os membros da atual direção do PRS e todos os Deputados do grupo Parlamentar desta formação na ANP; o “grupo dos 15” Deputados desviantes e expulsos do PAIGC; a atual direção do PND e seu Deputado único na ANP (provavelmente até à data após a assinatura do Acordo de Conakry); e, o So Nado Mandinga, na qualidade do Deputado desviante e expulso do PCD.

Explica-se:  

(1) nenhum, mas nenhum Chefe de Estado do nosso mundo moderno atual;

(2) de nenhum regime que se quer de Democracia Parlamentar Representativa e de Estado de Direito, tal como é este do nosso atual sistema em vigor, tal como definido pela nossa Constituição da República e as demais Leis;  

(3) um Chefe de Estado, que, de facto, queira colocar o seu país numa situação de estabilidade governativa efetiva, definitiva e duradoura;  

nenhuma figura política portanto, deste nível de um Chefe de Estado, alimentada de uma tal vontade política, iria criar e numa única Legislatura, um e, muito menos, três Governos de Iniciativa Presidencial, NA SITUAÇÃO DE UMA MAIORIA ABSOLUTA SAÍDA DAS URNAS, INSTALADA PLENA E INTEGRALMENTE NO PARLAMENTO.

‘Plena e integralmente’, quer dizer, instalada em cada caso de uma nova ronda votiva, logo no início da Legislatura (a IX, no nosso presente caso), em todos os Órgãos da Estrutura Orgânica e do Funcionamento do respetivo Parlamento (a ANP, no nosso caso).

Negar Governos Constitucionais (1º e 2º Governos do PAIGC nesta IX Legislatura) e, no lugar destes, criar Governos da Iniciativa Presidencial; acampar-se freneticamente nesta posição durante 897 dias, ou seja, 29 meses e 27 dias, correspondentes a 2 anos, 5 meses e 27 dias;  

Nenhuma figura e nenhum ator político que queira instalar uma situação de estabilidade efetiva, definitiva e duradoura no seu país agiria desta maneira.

Porque contra um dos primeiros princípios “Bê-á-bás” dos regimes da Democracia Parlamentar Representativa e de Estado de Direito, tal como este do nosso tipo nesta matéria. O princípio que se presenta assim: NA SITUAÇÃO DE UMA MAIORIA ABSOLUTA SAÍDA DAS URNAS, INSTALADA PLENA E INTEGRALMENTE NUM PARLAMENTO, DE UM REGIME TAL COMO ESTE NOSSO EM VIGOR, NÃO SE PODE CRIAR, MAS EM CASO ALGUM E PELO JEITO NENHUM, GOVERNOS DE INICIATIVA PRESIDENCIAL.

Qualquer Líder Principal, vestido das prerrogativas de não importa qual título, agindo contra este princípio, cria uma situação de crise. E, qualquer outro autor fazendo-se seu apoiante, num tal engajamento, se faz automaticamente seu cúmplice. Cúmplice de um perpetrador e sustentáculo ao mesmo tempo da respetiva situação de crise então criada por aquele.

Eis o problema. Eis o acontecido neste nosso pequeno país do POVO BOM, desde o dia 12 de Agosto de 2015 até à data de hoje (16.01.2018), sem causa justa do género nenhum de ninguém destes protagonistas indicados mais acima.

Sem causa justa, senão essa aí do nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV, que após um ano e pico da governação no posto do Presidente da República (23.06.2014 – 12.08.2015), contra todos os conselhos, avisos e evidências das possibilidades de uma interpretação no sentido positivo, de certos atos políticos significativos então ocorridos no terreno (p. Ex., a votação na ANP, de 2 moções de confiança em favor do 1º Governo Constitucional do PAIGC em funções na altura), veio lançar a iniciativa da implementação do seu projeto baseado na sua descabida e absurda ideia da governação da Guiné-Bissau, neste seu mandato, através, apenas, dos seus Governos da Iniciativa Presidencial. Criando, evidentemente, esta atual vaga da presente situação de crise.

E repito. Sob o apoio dos membros da atual direção do PRS e todos os Deputados do grupo Parlamentar desta formação na ANP, o “grupo dos 15” Deputados desviantes e expulsos do PAIGC, a atual direção do PND e seu Deputado único na ANP (provavelmente até à data após a assinatura do Acordo de Conakry) e, o So Nado Mandinga, na qualidade do Deputado desviante e expulso do PCD. São estes que se meteram a apoiar o nosso So Presi nesta sua inglória iniciativa, fazendo-se logo cúmplices desta situação então criada.

O nosso S. Exa. So Presi, agindo portanto deliberadamente contra este indicado princípio “Bê-á-bá”, sem mais sem menos, mantendo o país inteiro, como já referido, numa situação de crise, durante 897 dias, ou seja, 29 meses e 27 dias, correspondentes a 2 anos, 5 meses e 27 dias (já foi assinalado, hoje é 16.01.2018); e isso, num país que, pelas suas vastas, variadíssimas e sérias graves antigas e atuais fragilidades, nem sequer só uma única hora devia demorar numa tal situação de crise. O que faz com que, agir desta tal maneira, só é capaz disso, alguém e grupo de gente desprovidos, no fundo, no fundo, de todo o SENTIDO DE ESTADO, da RESPONSABILIDADE POLÍTICA ASSUMIDA E AFIRMADA e do BOM SENSO.

Eis a verdade “seko kan” desta nossa situação de crise para quem é honesto, querendo e determinado a sempre ser bem justo com as “coisas” e em particular neste assunto. Senão, o resto é apenas cantiga, nabo, diversão e tudo mais neste sentido.

Mas então, alguém podia objetar para contrariar toda esta afirmação e explicação cá expostas. Esta última para fundamentar a primeira.

Neste caso, o autor deste exercício mandava simplesmente o interpelador concernente para o terreno, à recolha de dados empíricos sobre todas e/ou mais significativas diligências engajadas pelo nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV ele mesmo, em certos casos, e noutros, pelo intermédio dos seus apoiantes, para fazer passar os Programas dos dois últimos Governos da sua Iniciativa na ANP. Com uma referência particular à decisão do Acórdão nº 02/2016 do Supremo Tribunal de Justiça bissau-guineense (STJ), do dia 16 de Setembro de 2016 (Cif., Acórdão N° 2/2016, do dia 16 de Setembro de 2016, do STJ).

A decisão que veio desmentir todas as teses (ou simples veleidades pessoais) tendo sido veiculadas no sentido contrário a esta defendida afirmação neste exercício, referente a este um dos princípios “Bê-á-bás” da Democracia aqui indicado.

As teses tendo sido veiculadas, após um ano e pico de governação (23.12.2015) na presente IX Legislatura, sob os conceitos do surgimento de “UMA NOVA CONFIGURAÇÃO PARLAMENTAR”, impulsionadora de “UMA NOVA DINÂMICA POLÍTICO-PARLAMENTAR”, sustentadas por “UMA NOVA MAIORIA ABSOLUTA” (e/ou a “NOVA MAIORIA PARLAMENTAR”) que mostrava “GARANTIAS DE ESTABILIDADE GOVERNATIVA ATÉ AO FIM DA PRESENTE [IX] LEGISLATURA” (Cif., Decreto Presidencial N° 02/2016, do dia 26 de Maio de 2016).

O ato de demissão hoje (16.01.2018) do So Premiê Sissoco entra, entre outros, na mesma linha de provas empíricas desta antes indicada decisão do Acórdão.

O So Sissoco na capa do Premiê! Esta personagem tendo vindo a governar com todos os efeitos, 336 dias o nosso país inteiro, numa situação de pior ilegalidade total e absoluta jamais tido e visto aqui. Porque evidentemente (sem contar com a proposta da sua nomeação, a sua nomeação efetiva e investidura [empossamento] ilegais), tendo governado desde o dia 10 de Fevereiro de 2017, num já expirado período de graça de 60 primeiros dias estabelecidos constitucionalmente, sem Programa e nem Orçamento Geral de Estado até à data de hoje, da sua demissão; portanto, 10 meses e 10 dias a bel-prazer. Recorde-se que o seu Executivo foi empossado no dia 12 de Dezembro de 2016.

Concluindo, e mais uma vez, que a verdade “seko kan” seja dita. Agir desta tal maneira, tal como exposto neste texto, só é capaz disso, alguém e grupo de gente desprovidos, no fundo, no fundo, de todo o SENTIDO DE ESTADO, da RESPONSABILIDADE POLÍTICA ASSUMIDA E AFIRMADA e do BOM SENSO.

E essa alguém e grupo de gente são, repito: o nosso S. Exa. So Presi, Dr. JOMAV e seus apoiantes. Nomeadamente, os membros da atual direção do PRS e todos os Deputados do grupo Parlamentar desta formação na ANP, o “grupo dos 15” Deputados desviantes e expulsos do PAIGC, a atual direção do PND e seu Deputado único na ANP (provavelmente até à data após a assinatura do Acordo de Conakry) e, o So Nado Mandinga, na qualidade do Deputado desviante e expulso do PCD.

Obrigado.

Por uma Guiné-Bissau de HOMEM NOVO (Mulheres e Homens), íntegro, idôneo e, pensador com a sua própria cabeça.

Que reine o bom senso.

Amizade.

A. Keita

*Pesquisador Independente e Sociólogo (DEA/ED) | E-mail : abikeita@yahoo.fr

MOÇAMBIQUE | Homens armados alastram furor e mortes em Cabo Delgado

Sete pessoas, das quais um técnico de saúde, morreram vítimas de ataques realizados por um grupo de homens armados cuja origem ainda é desconhecida, na noite do último sábado (13) e de segunda-feira (15), nos distritos de Palma e Nangade, na província de Cabo Delgado.

No sábado, os chamados bandidos, empunhando armas de fogo e instrumentos contundentes, mataram cinco e feriram outras 11, na sede do posto administrativo de Olumbe, no distrito de Palma.

Para além de provocar mortes, os presumíveis bandidos destruíram 35 casas e incendiaram três barracas, segundo o Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM), que declarou não ter ainda elementos para associar esta incursão armada com os ataques ocorridos em Outubro do ano passado, em Mocímboa da Praia.

Palma, com sede na vila com o mesmo nome, tem limite a oeste com o distrito de Nangade e a sul com o distrito de Mocímboa da Praia, ambos alvos de ataques de homens armados.

Aquele ponto do país fervilha com o projecto de exploração do gás natural liquefeito, no meio de muitas controvérsias. A população, sobretudo nativa, e algumas organizações da sociedade civil reclamam justeza no processo de reassentamento.

Inácio Diana, porta-voz do Comando-Geral da PRM, disse a jornalistas, no habitual briefing às terças-feiras, que “em relação ao que aconteceu em Palma, efectivamente, tratou-se um grupo de indivíduos” ainda desconhecido.

Para além de óbitos, “houve roubos, ofensas corporais” e outros danos. O porta-voz disse que as diferentes autoridades de toda a província de Cabo Delgado e as outras circunvizinhas mexem-se no sentido de permitir que os mentores dos dois ataques sejam detidos.

Ademais, a Polícia e as outras Forças de Defesa e Segurança (FDS) encontram-se no local dos factos para garantir a reposição da ordem e ao mesmo tempo no encalço dos mentores das incursões armadas.

Sobre o ataque, ocorrido por volta das 22 de segunda-feira (15), no distrito de Nangade, na região de Ngoca, Inácio Dina confirmou, também, que resultou na morte de duas pessoas de ambos os sexos.

Umas das vítimas era um técnico de medicina afecto ao centro de saúde local, onde foram saqueados medicamentos e a infra-estrutura vandalizada.

A segunda era uma cidadã, esposa de um agente económico. Para além de matar, os malfeitores apoderaram-se de alguns bens alimentícios, uma viatura e motorizadas.
Inácio Dina disse que ainda é prematuro correlacionar os ataques a Mocímboa da Praia, em Outubro do ano passado, com os recentes nos distritos de Palma e Nangade.

@Verdade

Human Rights Watch lamenta impunidade e ausência de justiça em Moçambique

Dezenas de violações aos direitos humanos em Moçambique ainda estão por investigar, denuncia HRW. A ONG pede a punição exemplar dos autores das atrocidades militares registadas durante o conflito armado de 2015 e 2016.

A Human Rights Watch (HRW) aponta num relatório, apresentado esta sexta-feira (12.01) em Maputo, que as forças governamentais e o braço armado do maior partido da oposição, a RENAMO, cometeram várias atrocidades na região centro de Moçambique durante as hostilidades militares de 2015 e 2016.

No relatório, intitulado "O Próximo a Morrer", a organização de defesa os direitos humanos denuncia raptos, assassinatos e detenções arbitrárias. A investigação baseia-se em mais de 70 entrevistas.

"Um régulo contou-nos a história de um colega seu (também régulo) assassinado pelas forças da RENAMO, por ser considerado um simpatizante do Governo. Ao apresentar a história do amigo assassinado, o régulo disse "eu sou o próximo a morrer", explicando o medo que ele vivia.

Iain Levine, diretor de Programas da Human Rights Watch, refere que a prática destes abusos viola acordos internacionais assinados por Moçambique e lamenta a ausência de um debate sério sobre este assunto no país."Para nós é um sintoma dos problemas. Não há informação e debate público sobre as violações e nem a responsabilização dos autores destes crimes", diz Levine.

À Human Rights Watch, o Governo negou que as forças de segurança tenham estado envolvidas em desaparecimentos ou detenções arbitrárias. A RENAMO classificou as alegações de assassinatos políticos como "propaganda do regime".

Responsabilização criminal dos autores

Ainda assim, o académico Silvério Ronguane destaca que é preciso responsabilizar criminalmente os autores dos abusos registados nas províncias de Manica e Sofala.

"De facto houve muitos abusos e há necessidade de dirimir conflitos e até prevenir a sua ocorrência. Aqueles que cometem excessos e abusos têm de ser levados a justiça. Penso que isso é fundamental. Mas também o relatório faz-nos pensar nas vítimas, não apenas na vertente indemnização mas na sua inserção social."

O ativista dos Direitos Humanos, Simão Tila, afirma que os dados apresentados no relatório são a prova de que são os cidadãos que sofrem com os conflitos armados em África e particularmente em Moçambique.

"E estes custos nós não conseguimos avaliar. A partir do momento em que começamos a ter este tipo de relatórios é que passamos a despertar sobre o que é que isto representa. Temos famílias que perderam os seus ente-queridos sem nenhuma explicação."

Entre as várias recomendações, o relatório sugere que o Governo e a RENAMO identifiquem e ordenem a punição exemplar dos agentes envolvidos nas atrocidades ocorridas durante a tensão político-militar em Moçambique.

Segundo Iain Levine, da Human Rights Watch: "A nossa esperança é que possamos contribuir para que haja justiça."

Ernesto Saúl (Maputo) | Deutsche Welle

Ana Gomes: "Angola pode recorrer à União Europeia para recuperar ativos no exterior"

Para a eurodeputada, medida anunciada por João Lourenço - para repatriar capitais mantidos ilegalmente no exterior - pode "romper com esquema de corrupção". Entretanto, "isto depende de vontade política".

A eurodeputada portuguesa Ana Gomes acredita que a medida anunciada pelo Presidente de Angola, João Lourenço, esta semana, de repatriar os capitais mantidos por angolanos ilegalmente no exterior, é um "sinal de esperança" que poderá "romper com o esquema corrupto instituído para espoliar o país dos seus recursos".

Segundo Ana Gomes, há mecanismos a nível europeu que permitem às novas autoridades angolanas resgatar os ativos que têm, por exemplo, em Portugal. Fala concretamente do Gabinete de Recuperação de Ativos da União Europeia. Porém, "a questão é se existe vontade política de Angola de desencadear esses mecanismos".

A socialista dá o exemplo da iniciativa da Bélgica para recuperar impostos não pagos, no âmbito do processo chamado "Omega Diamonds", em que, segundo Gomes, estão envolvidos 90% de capitais angolanos.

"É extraordinário que um processo que resultou de uma iniciativa do próprio Estado belga para recuperar impostos que não foram pagos tenha sido objeto agora de uma decisão do Tribunal da Apelação [de Bruxelas], que permite a Angola, se quiser, entrar no processo e pedir, justamente, a recuperação dos capitais que são seus e que foram apropriados pela senhora Isabel dos Santos, graças ao patrocínio paternal que possuía", assinala em entrevista à DW África.

O império da filha do ex-Presidente no exterior

Isabel dos Santos investiu só em Portugal mais 3 mil milhões de euros, em vários setores estratégicos. A ex-presidente da petrolífera angolana Sonangol ainda detém importantes participações em empresas portuguesas, e não só.

A eurodeputada Ana Gomes esteve recentemente na ilha de Malta, um paraíso fiscal, para investigar a origem da fortuna da filha do ex-presidente de Angola, apresentada como a mulher mais rica de África.

De acordo com Ana Gomes, "a origem da fortuna de Isabel dos Santos só tem a ver com o facto de ela ser privilegiada por ter tido acesso ao monopólio das telecomunicações em Angola por ser filha de quem é; as empresas que pôde constituir com recursos do Estado por ser filha de quem é".

Mas será que Angola poderá recuperar os ativos que Isabel dos Santos colocou no exterior? Para a eurodeputada, ainda é cedo para saber.

Entretanto, esta semana, o Presidente João Lourenço reafirmou a sua determinação em acionar mecanismos para combater a fuga de capitais e formas ilegais de acumulação de riqueza.

O chefe de Estado anunciou que o Governo angolano vai conceder um período de graça para que todos os angolanos repatriem capitais do estrangeiro para investir em Angola, findo o qual poderá partir para a forma coerciva.

"Repatriamento é urgente"

O sociólogo Manuel dos Santos acredita haver interesse em se trabalhar nos próximos anos para o repatriamento dos capitais colocados no estrangeiro por figuras da anterior elite presidencial, numa época de "vacas miseravelmente magras" para a economia angolana.

"O Presidente João Lourenço, tem plena consciência da urgência do retorno de muito do capital saído [do país]. Esse capital tem a sua origem justamente em fundos públicos", diz Manuel dos Santos, considerando que, "para além disso, há todo um conjunto de pessoas que, ao longo destes anos, fizeram transferências de capital na ordem dos milhões, dos milhares, e outros na ordem das dezenas".

O sociólogo angolano recorre apenas ao exemplo da compra de 65% da EFACEC Power Solutions por Isabel dos Santos, em parceria com a Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade (ENDE). São recursos, como sublinha, "que fazem uma falta urgente à economia angolana".

"Porque isso também faz parte da outra dimensão [da ação] do Presidente, não só [no sentido de] recuperar [os fundos] porque é importante para a economia, mas também [com o objetivo de] passar uma imagem de que temos algumas soluções que não podem ser, de forma alguma, adiadas", reforça.

Para Manuel dos Santos, "esta é uma mensagem para dentro do país, mas também uma mensagem para fora do país".

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

ANGOLA | Escolas primárias estão sem dinheiro

ENTREVISTA

André da Costa | Jornal de Angola

A menos de 15 dias do início do ano lectivo, gritos de desespero ouvem-se de diferentes direcções. Reclamam pais e encarregados de educação de cobranças feitas pelas escolas; também se queixam da falta de dinheiro nas instituições de ensino e nos Gabinetes Provinciais de Educação. André Soma, que responde por Luanda, deixa a ideia de que as escolas primárias, por exemplo, estão num dilema, por não terem dinheiro e não lhes ser permitido cobrar. No ano lectivo passado, segundo o responsável, as cobranças, feitas de forma ilegal, totalizaram 216 milhões e 500 mil kwanzas.

Existem ou não condições reunidas para o arranque do ano lectivo 2018 em Luanda, porque há escolas que se queixam da escassez de vagas?

Temos as condições possíveis para o arranque do ano lectivo, uma vez que ainda nos debatemos com falta de salas de aula e de carteiras. Precisamos, neste momento, de 63.463 carteiras, 829 quadros didácticos e 729 mesas com cadeiras para os professores.

Mesmo assim, as aulas arrancam no final do mês?

De facto, a abertura do ano acontece no dia 31 de Janeiro, no Cine Atlântico, às 10 horas, e vai ser orientada pelo Governador Provincial de Luanda.

Quantas novas escolas entram, este ano, em funcionamento?

Para este ano, entram em funcionamento sete novas escolas: três com 12 salas de aula (duas no município de Talatona e uma em Viana). Há ainda duas no Cazenga, com seis e 12 salas; outra com 12 salas, na Maianga. Existe ainda uma escola com 12 salas no município de Belas e outra com 15, no município de Kilamba Kiaxi.

Quantas escolas públicas tem a província de Luanda? 

Luanda tem 762 escolas públicas, 1.171 colégios privados e 1.497 escolas comparticipadas. Com a entrada em funcionamento destas sete novas escolas, vamos ter 769, para um total de 8.841 salas de aula, o que vai permitir albergar dois milhões, 240 mil e 177 alunos. Deste número, um milhão, 107 e 308 para o Ensino Primário, 829.665 no I Ciclo, ou seja, da 7ª à 9ª classe, e 303.204 alunos no II Ciclo do Ensino Médio.

Quais os dados estatísticos referentes ao funcionamento do ensino privado? 

Num universo de 1.171 colégios privados, temos  418. 540 alunos. Nas 1.497 escolas comparticipadas, temos 302.190 crianças. As escolas públicas são construídas pelo Governo da Província de Luanda e as Administrações Municipais. Existem escolas em construção. Provavelmente até Março, se  forem concluídas as obras, entram em funcionamento ainda este ano.

As escolas queixam-se da falta de professores para determinadas cadeiras. 

De facto, isto é verdade! No ano passado, a província de Luanda enquadrou mais de mil professores, mas do concurso público realizado em 2014. Continuamos com défice de professores, porque de 2014 a 2017 o Governo Provincial e as Administrações Municipais construíram escolas que precisam de novos professores.

Quantos professores a província de Luanda precisa exactamente? 

Precisamos de 4.424 novos professores, sendo 1. 946 para o Ensino Primário, 1.647 para o I Ciclo e 831 professores  para o Ensino Médio.

Está prevista alguma acção formativa ainda antes do ano lectivo?

Como estamos a duas semanas do arranque do ano lectivo, vamos realizar seminários de refrescamento dos professores, no período entre 22 e 29 deste mês. Estamos a trabalhar desde o dia 8 de Janeiro com 69 formadores do Ensino Especial, 60 para o Ensino de Adultos e 45 para o Ensino Primário, para capacitar outros professores.

Quantas crianças estão fora do sistema de ensino em Luanda?

No Ensino Primário, temos 61.700 crianças fora do sistema de ensino; no I Ciclo temos 19.987 e no II Ciclo 25.016 crianças. Isso totaliza 106.703 crianças fora do sistema de ensino. Para inserir estas crianças, precisamos de 1.406 salas para o Ensino Primário, 699 salas para o I Ciclo, 525 salas para o II Ciclo Gerais, vulgo Pu­niv,  101 salas para o Ensino Técnico Profissional e 15  para a formação de professores, totalizando 2.746 salas de aula.

Estas mais de 106 mil crianças fora do sistema de ensino são as que não estudam em escolas públicas ou as que passam o dia em casa?

Diante da escassez de salas de aula, alguns pais estão a matricular os filhos em escolas privadas, comparticipadas. Por esse facto, nós, Gabinete Provincial de Educação, admitimos uma modalidade de formação doméstica de crianças.

Como funciona a modalidade de formação doméstica?

O processo funciona da seguinte forma: uma pessoa com habilitações literárias aceitáveis pode ter até 30 crianças no seu quintal, a dar-lhes aulas de explicação. No final do ano lectivo, pode requerer ao Gabinete Provincial da Educação para que os alunos sejam examinados e depois são certificados.

Nunca registaram problemas com esse sistema de formação?

Tivemos alguns problemas nos municípios da Quissama e Viana, concretamente na comuna do Nguengue, onde às quartas-feiras alguns pais trocavam a escola pela pes­ca ou a lavra. Mas, depois de alguma conversa, a situação mudou.

Alguns encarregados de educação reclamam da cobrança de valores altos em colégios privados ...

Eu fico preocupado, porque só se estão a culpabilizar três colégios, quando, na verdade, acima de 90 por cento dos colégios aumentaram as propinas, porque o Ministério da Educação não forneceu uma tabela de preços a praticar. O Gabinete Provincial da Educação de Luanda trabalhou para que os colégios fossem classificados de acordo com as condições que apresentam, desde excelentes, boas, suficientes de leccionamento e assim termos a classificação. Informamos aos nossos dirigentes que os colégios estão organizados por classes e as propinas tinham que respeitar um tecto máximo, mas obtivemos tardiamente a resposta.

Como é feita esta classificação?

Um colégio classificado como sendo do tipo "A" deve ter piscina, autocarros, laboratórios, entre outras condições. Esse colégio só pode cobrar, por exemplo, o equivalente em kwanzas a 100 dólares, no máximo. O colégio com a classificação "B" só pode cobrar até 80 dólares e assim sucessivamente. Enviámos atempadamente a documentação a quem de direito e não se chegou a consenso. Como resultado, os proprietários aumentaram as propinas.

Portanto, os colégios subiram os preços sem um pronunciamento do Ministério da Educação?

O Ministério da Educação sabe que assim que termina o ano lectivo, os colégios começam logo a fazer as confirmações e matrículas. Entregámos a tabela de classificação dos colégios com os preços e só recebemos a resposta no dia 20 de Dezembro, a orientar como os colégios devem proceder com as cobranças. Mas  90 por cento dos colégios já tinha feito as confirmações e matrículas. Devíamos ter reagido no início do mês e não só no dia 20.

Diante dessa realidade, qual é a solução?

A solução é falar-se com as pessoas, para que se tome um rumo aceitável. Esse é um assunto que está em tribunal, pelo que não pretendo adiantar mais dados, porque existem acusados e acusadores.

Qual é a situação das escolas do KK 5000, do Kilamba e a do Sequele? São públicas ou privadas?

A escola do KK 5000 é comparticipada. É um assunto que foi já tratado, inclusive escrevemos para o Presidente da República, no ano passado. O KK 5000 tinha duas escolas, uma continua a ser pública e outra passou a  comparticipada. Quem deu a comparticipação foi o Governo da Província de Luanda. O Gabinete Provincial da Educação de Luanda não tem competência para dar uma escola a quem quer que seja. Quem gere a escola está a fazê-lo de forma legal. Semelhante situação é a escola do Sequele. Uma escola comparticipada tem regras.

Quais são as particularidades de uma escola comparticipada?

É uma escola construída pelo Estado ou por um privado e o Estado aparece com os professores, sendo a estrutura gerida por uma entidade privada. Nestas situações, o gestor não pode cobrar pela matrícula mais do que o equivalente em kwanzas a 50 dólares americanos.

Disse a pouco que as pessoas com quintal vasto podem aproveitar para fazer ensino doméstico. Pode detalhar?

As pessoas podem juntar até 30 alunos e leccionar, para requererem exames no final do ano. É uma espécie de explicação. O ensino é gratuito e obrigatório no primário.

Há reclamações de falta de água e luz eléctrica em escolas. Há condições para funcionar, sem se fazer cobranças?

A Lei 17/16, de 7 de Outubro, fala da gratuitidade e obrigatoriedade no Ensino Primário. A partir do Ensino Primário, os pais podem ou não pagar algum valor?  Nos outros níveis, podem ou não pagar? Quanto é que se deve pagar nas matrículas e inscrição? Ninguém sabe!

Perante esta situação, o que faz o Gabinete Provincial de Educação?

O Jornal de Angola levantou, em Janeiro do ano passado, o problema da cobrança nas escolas, situação que nos obrigou a fazer um levantamento dos valores cobrados, totalizando 216 milhões e 500 mil kwanzas, feitos de forma ilegal. O Jornal de Angola provou que as cobranças eram ilegais, porque nada estava escrito a respeito. No mesmo mês, escrevemos para as estruturas competentes, colocando os valores que podíamos cobrar no Ensino Primário, para que não tivéssemos problemas esse ano. Não obtivemos resposta.  Foi assim que, desde Outubro deste ano, proibimos cobranças nas escolas, porque, no ano passado, tive que explicar os dinheiros recebidos.

Como as direcções das escolas reagiram à proibição das cobranças?

Fomos mal entendidos por algumas pessoas do Ministério da Educação. Fomos tidos como indivíduos que estão a resistir a uma orientação. E qual é a orientação? Não sei, porque nenhuma orientação chegou a esta província. É assim que algumas pessoas foram dizendo que podem cobrar no Ensino Médio. Como o Ensino Médio pode cobrar, se estas escolas têm verbas do Orçamento Geral do Estado? Como ficam as escolas do Ensino Primário, que  não recebem nada?

As escolas públicas recebem ou não verbas do Estado?

Deveriam receber. No nosso estudo, sugerimos uma forma de trabalhar: Cada escola devia receber uma verba, de acordo com o número de sa­las de aula, o equivalente em kwanzas a 50 dólares por sala. Nas escolas primárias, caso a regra não vincasse, que entregassem pelo menos 20 mil kwanzas por mês, para trabalharem.  Temos consciência de que o barril de petróleo baixou e existem outros sectores para atender e não há dinheiro. Como não há dinheiro, orientámos os colegas a trabalhar com a Comissão de Pais e Encarregados de Educação e tem dado resultados. Por exemplo, no Cazenga há pais que colocaram ar condicionado em algumas escolas, que foram, inclusive, pintadas com a contribuição dos encarregados. As Comissões de Pais devem funcionar nas escolas e colocar de forma transparente as necessidades da  escola.  Temos escolas em Luanda muito bem organizadas pela Comissão de Pais.

Quem gere o dinheiro da Comissão de Pais?

O dinheiro deve ser gerido por um membro da Comissão de Pais. Acontecia que o dinheiro ficava com o director da escola, o que é errado.

Quantas escolas não têm energia e água?

Temos 225 escolas com energia eléctrica, 224 sem energia; 365 escolas com água potável e 374 sem água potável. Temos escolas do ensino Médio que recebem verbas directamente do Orçamento Geral do Estado. As escolas do I Ciclo não têm orçamento e dependem do Gabinete Provincial da Educação de Luanda. Temos escolas primárias que dependem das Administrações Municipais. O dinheiro cabimentado para o Gabinete da Educação é enviado para as escolas do I Ciclo, de acordo com a percentagem que nos chega.

Quanto é que cada escola recebe mensalmente?

Por exemplo, em condições normais, as 40 escolas que dependem do Gabinete Provincial da Educação deveriam receber, mensalmente, 100 mil kwanzas cada, isso quando o valor vem completo do Ministério das Fi­nanças. Suponhamos que as Finanças só enviem 67 por cento (há vezes que não envia nada, por falta de verbas), vamos dar quanto? Quem devia receber 100 mil acaba por receber 40 mil kwanzas.

Mas esse dinheiro é suficiente para gerir as escolas?

Temos consciência de que o dinheiro não chega. Mas é o que temos. Por isso, abrimos a possibilidade de os pais ajudarem as escolas mediante comparticipação. Nós, aqui, no Gabinete Provincial da Educação, temos, às vezes, problemas de verbas para aquisição de tinteiros e papel e fazer funcionar a máquina administrativa. Às vezes, eu próprio tiro 400 mil kwanzas do meu dinheiro para movimentar o trabalho (não estou a lamentar, porque ninguém me obrigou a dar e se dou é porque tenho outros rendimentos e quero ver o trabalho a andar), porque não há mesmo dinheiro.

Foto: Uma escola comparticipada é construída pelo Estado ou por um privado. O Estado aparece com os professores e a estrutura é gerida por um privado
Fotografia: Edições Novembro

MERCENÁRIOS, ATÉ QUANDO? – II

Martinho Júnior | Luanda

“Creo que el África es importante para el imperialismo norte americano, sobretodo como reserva. Cuando la guerra del pueblo se desarrolle en toda su magnitude en las regiones de América Latina, será difícil para él seguir aprovechando en la misma medida las grandes riquezas naturales e los mercados que son el asiento de su fuerza, pêro, si existe un África que desarrolla su neocolonialismo tranquilamente, sin grandes comociones, podrá trasladar sus inversiones hacia aqui – como lo hace ya – para sobrevivir, puesto que este continente inmenso y riquíssimo está prácticamente sin explotar por el imperialismo ”. (Epílogo do livro “Pasajes de la guerra revolucionaria: Congo”, escrito por “Tatu”, Ernesto Che Guevara – Janeiro de 1966).

Dizia eu na 1ª parte deste artigo: “As implicações do fim das FAPLA e a iniciativa da criação das FAA sem ter em conta sequer as proporções das forças, num ambiente internacional em que deixaram de existir os países de orientação socialista enquanto o capitalismo assumia o domínio pela via dos anglo saxónicos, de seus aliados declarados e não declarados e de seus vínculos (inclusive aqueles que assumiram os vínculos locais), proporcionou em Angola a aplicação da “doutrina de choque”, dando-se início à “guerra dos diamantes de sangue” integrada na “Iª Guerra Mundial Africana”, à gestação das “novas elites político-militares angolanas” aproveitando as profundas alterações do carácter do estado, da economia e da sociedade e a coisas nunca vistas em termos de exercício do poder, entre elas a utilização de mercenários”.

Em 1986, precisamente no ano em que foram detidos os oficiais da Segurança do Estado que haviam produzido o processo 105/83 e de acordo com “Les gemmocraties – l’économie politique du diamant africain”, no capítulo “a reconversão angolana”, dá-se conta dum movimento de bastidores ilustrativo e esclarecedor:

“Foi a experiência em golpes duros que conduziu Devlin e Tempelsman a Angola? Em todo o caso, o velho roteirista da CIA e o diamantário nova yorquino desembarcaram em 1986 em Luanda, a fim de gerir o desentendido entre a De Beers e o governo, que mergulhava as suas raízes na história agitada da companhia nacional dos diamantes”…

Quando “deflagraram” as transformações na Segurança do Estado – Interior, se instalou uma “nova” Justiça e as FAPLA foram extintas, sinais evidentes nos mecanismos do poder da introdução da lógica capitalista neo liberal, foram surgindo cada vez de forma mais avassaladora, diminuindo a capacidade do estado e introduzindo espaço crescente à privatização não participada nem controlada pelos cidadãos de meios e equipamentos, por exemplo:

Para onde foram a cozinha industrial e a lavandaria industrial das instalações dos serviços prisionais à estrada de Catete?

Por que razão essas instalações foram votadas ao abandono e à degradação durante tantos anos?

Para onde foram os equipamentos da Direcção Nacional da Técnica Operativa?

Quem beneficiou de tantas estruturas que serviam as FAPLA, particularmente a sua Logística e as bases de apoio para o armamento e equipamentos?

Quem ficou com os camiões da frota de longo curso que pertenciam à Logística e a que preço foram eles “abatidos à carga”?

Quem ficou com muitos lotes de armas ligeiras que existiam nos depósitos?

Como algumas “empresas de protecção e segurança” foram formadas, por vezes “a cavalo” noutras que foram introduzidas a partir do exterior, como o caso da DSL, substituindo os gurkhas pelos “desmobilizados” angolanos ansiosos por poderem sobreviver após as guerras?

Como se chegou ao ponto de se utilizarem mesmo efectivos em proveito das crescentes iniciativas e interesses privados, sobretudo nas áreas mineiras de diamantes a leste?

Até que ponto Angola foi “órfão da Guerra Fria”, parafraseando Margareth Anstee, ou até que ponto se sujeitou aos “Jogos Africanos, segundo Jaime Nogueira Pinto?

Na hora da “guerra dos diamantes de sangue” de que o cartel dos diamantes tem tantas responsabilidades, não havia homens, nem meios, nem capacidade organizativa suficientes para dar a resposta por parte do estado angolano às ameaças semeadas pela CIA ao jeito do “freedom fighter” que dava pelo nome de Jonas Savimbi, o que fez aumentar os traumas do povo angolano, as destruições por todo o espaço nacional salvo excepções que foram pequenas “ilhas” no meio do fragor da hecatombe…

A convulsão armada alastrou e chegou a lugares de natureza estratégica para a economia nacional, às capitais de província como o Kuito (Bié), à cidade do Huambo, a Ndalatando e a Malange e por fim à cidade petrolífera do Soio, tirando os beligerantes partido do facto de nos “Acordos” não se preverem cláusulas e obrigações de foro administrativo e sobretudo económico.

Muito pouco foi poupado.

Em “Morte da dignidade – a guerra civil em Angola”, Victoria Britain relata assim a fase da “guerra das cidades”:

“Em Janeiro de 1993 a UNITA irrompeu em toda a região de minas de diamantes no nordeste, tomou a cidade petrolífera do Soio, que fornecia um terço das receitas do país em petróleo e capturou o aeroporto estratégico de Cuito Cuanavale. Atacaram 10 das 18 capitais de província. Numa segunda tentativa de tomar Benguela, infiltraram-se na cidade antes de serem repelidos, em lutas de rua, por uma força que era constituída inteiramente por polícias e antigos soldados voluntários, chefiados pelo Governador Paulo Jorge. Depois tendo assim falhado na costa, os generais de Savimbi mudaram de planos e levaram um exército de 10.000 homens à cidade do Huambo, no Planalto Central, onde Savimbi estava a viver desde Outubro. Em 8 de Janeiro a bela cidade de árvores floridas, velhas praças coloniais e indústrias que tinham recomeçado a laborar no breve intervalo de paz pré-eleitoral começou a ser bombardeada com tanques e artilharia pesada. Os aviões do Governo bombardearam os rebeldes, destruíram a Casa Branca de Savimbi e fizeram também aumentar o número de baixas civis. Foi a maior batalha da nova guerra e a UNITA fez com que nela entrasse a ajuda crucial do Zaire e da África do Sul. Uma força de centenas de mercenários, escolhidos entre antigos soldados sul africanos foi recrutada pela consultoria de segurança, Executive Outcomes e trazida para a batalha do Huambo. Uma rede de pequenas companhias aéreas com base na África do Sul trouxe os homens e os fornecimentos militares clandestinamente para a pista de aterragem de Gove, a cerca de 60 quilómetros do Huambo e levaram os feridos para hospitais na Namíbia e na África do Sul”…

As falências de toda a ordem levaram o estado angolano a lançar mão de recursos inesperados, entre eles (no mesmo pé da UNITA), o recrutamento de organizações mercenárias cobiçando interesses nos domínios do petróleo e dos diamantes do país.

Em “Mercenários SA” de Philippe Chapleau e François Misser fazem uma descrição que contribui para bem esclarecer a situação (tradução do francês):

“Angola: os barbudos partem e chegam os Búfalos.

Neste país, consequência do fim da Guerra Fria, Americanos e Russos e Portugueses incitam o governo e a UNITA a assinar os acordos de paz de Bicesse em Junho de 1991. Dezenas de milhares de homens do contingente cubano partem. Mas o chefe da UNITA, Jonas Savimbi, contesta os resultados das eleições presidencial e legislativas de Outubro de 1992, o que desenterra de novo o machado de guerra.

A UNITA ficou então forte, com abundantes fornecimentos de armas encaminhados pela CIA via Zaire ou África do Sul, durante os mandatos de Ronald Reagan e de George Bush. O homem que viria a ser o Ministro dos Negócios Estrangeiros do movimento rebelde, Alcides Sakala, confiou-nos que as suas tropas tinham stocks suficientes para travar batalhas durante dois anos. Rapidamente as tropas de Savimbi conseguiram ganhos territoriais importantes e investiram contra o centro petroleiro do Soio, a 18 de Janeiro de 1993.

Foi então que dois veteranos das SAS Britânicas, Tony Buckingham e Simon Mann, entram em cena. Eles colocam rapidamente em prontidão um cocktail misto de eficácia, de inteligência económica e de capacidade militar. Buckingham, reconvertido aos negócios, sente o partido que ele pode tirar da situação junto das petrolíferas que ele conhecia bem. Ele dirige mesmo uma pequena companhia, a Heritage Oil and Gas, baseada nas Bahamas, que havia acabado de instalar em Angola.

Em Outubro de 1992 Buckingham teve a sensibilidade de recorrer aos serviços dum tenente coronel dos serviços de reconhecimento militar dos sul africanos, Eeben Barlow, que três anos antes havia abandonado as forças armadas para fundar uma companhia de segurança, cujo nome evoca uma sociedade de consultoria: Executive Outcomes. O veterano das SAS propõe a Barlow de colocar um comando de choque com uma centena de homens para proteger as instalações das duas maiores, a americana Gulf-Chevron e a canadiana Ranger Oi, revela um relatório dos serviços de inteligência militar britânicos. Mas os três homens vão mais longe: ao invés de se limitarem ao asseguramento e protecção, eles assumiram colocar a UNITA fora dos campos petrolíferos do Soio.

Com o aval do governo angolano, Barlow e os seus homens invadem o terreno. Os recrutas são de qualidade: a maior parte são homens do 32º Batalhão Búfalo das SADF (ver capítulo 3), que conheciam perfeitamente o contexto angolano. São os veteranos da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) de Holden Roberto ou de oficiais boers que estiveram com Savimbi contra o governo de Luanda então taxado de comunista e agora seu novo empregador. Para desgraça da UNITA, os ex-Búfalos introduziram métodos de combate inéditos em Angola: técnicas de pára-comandos, reconhecimento aéreo com detecção a infra-vermelhos, ataques ao solo com o apoio de aviões e de helicópteros, combate nocturno e intercepção das comunicações. O agrupamento, com um material adaptado, sólido, não muito sofisticado mas de fácil manutenção: helicópteros MI-8 e MI-24 e aviões de caça MIG 27 de fabricação russa, transportes de tropas anfíbios, admiração do cronista de defesa norte americano Herb Howe.

A operação foi bem sucedida, mas com a retirada dos sul africanos, a UNITA recuperou a zona. Isso foi a demonstração conclusiva para o governo de Luanda que pediu à Ranger e à Heritage para investir numa força mais importante, por troca de concessões. Um primeiro contrato no valor de 30 milhões de dólares foi então concluído entre a Ranger e a EO, em Julho de 1993, sem dúvida o mais importante na história dos mercenários em África.

De seguida, a guerra estendeu-se às zonas diamantíferas da Lunda Norte. A título de detalhe: durante a ofensiva sobre Cafunfo, uma das unidades da EO conseguiu matar mais de trezentos soldados da UNITA. Barlow e consortes não tinham por hábito fazer por menos. No tempo em que Barlow esteve nos serviços de inteligência militar sul africana, a sua unidade, a Civil Cooperation Bureau (CCB) caracterizou-se pelo assassinato de opositores no exílioe o chefe do recrutamento da EO, o major Lafras Luitingh, veterano do 5º regimento de reconhecimento das SADF foi chefe duma milícia que compunha os esquadrões da morte do tempo do apartheid.

Paradoxalmente é Savimbi, durante uma conferência de imprensa em 1995 em Bruxelas, que rendeu a melhor das homenagens aos homens de Barlow, atribuindo-lhes com cólera a responsabilidade do desequilíbrio em relação às forças, em desfavor da UNITA. De resto, afirma Howe, foram os sucessos do EO que levaram Savimbi a assinar o protocolo de paz em Lusaka, em Novembro de 1994. Outro resultado apreciável para o governo angolano: antes da sua partida, o EO cujos efectivos não haviam ultrapassado 500 homens, treinou a 16ª Brigada das Forças Armadas Angolanas que reconquistaram em 1994 as minas diamantíferas de Cafunfo, Cacolo e Saurimo, privando assim a UNITA duma boa parte dos seus recursos. Só as pressões diplomáticas de Washington junto do governo sul africano, é que levaram a EO e retirar-se oficialmente do teatro angolano em Janeiro de 1996”.

A admissão de mercenários em Angola face à escalada da guerra, trouxe também imensas repercussões para lá das que influíram na evolução da situação militar: trouxe influências na economia política do país, influência nos mecanismos de decisão do estado ao mais alto nível, influências sobre a sociedade em profunda crise de identidade e traumatizada pela guerra.

Os mercenários em Angola começaram por integrar o pacote típico do “choque” e os interesses ligados ao sector energético suplantaram com eles os interesses ligados aos diamantes, numa altura crucial da “guerra dos diamantes de sangue”.

A De Beers e o cartel só dessa maneira se convenceram a contragosto, uma década mais tarde, face à crescente propaganda contra os “diamantes de sangue”, a pôr em prática o expediente de Kimberley, com vista a certificar os lotes e evitar que eles tivessem proveniência nos circuitos daqueles que procuravam tomar o poder em Angola pela via armada, tal como em alguns outros destroçados países africanos, de que um dos exemplos é a Serra Leoa.

Angola, mais que “órfão da guerra fria”, “órfão do socialismo do século XX”, sujeita a todas as violentas pressões, “ficou pronta” para a abertura neo liberal que caracterizou a globalização dos poderosos, o que quer dizer que em muitos sectores de sua sociedade, o “mercado” levou à disseminação de comportamento típicos de autênticos mercenários, transpostas as barreiras ténues entre a “ordem” militar e a vida civil.

Esse corte impossibilitou que ao “socialismo do século XX” fosse possível chegar-se à plataforma que ora se tenta construir com tantos riscos mas com tantas esperanças no outro lado do Atlântico, o “socialismo do século XXI”.

As “novas elites” angolanas assumiram o maior dos protagonismos nessa trajectória e foram elas que foram adulterando de acordo com seus crescentes interesses e “parcerias”, o sentido da vida que advinha do movimento de libertação, deixando de colocar o homem e a natureza na máxima prioridade e abrindo-se para a “oportunidade” dos grandes negócios que começaram a ser estabelecidos sob o rótulo da “reconciliação e reconstrução nacional”, sem recorrer em muitos casos a estratégias de longo prazo, num processo económico, financeiro e sócio-cultural que cortava com a 1ª República, passando-a “à reserva e à reforma”.

Em “Jogos Africanos”, Jaime Nogueira Pinto sintetiza assim o processo de transformação mental das “novas elites” angolanas recorrendo à psicologia, à experiência e aos “ensinamentos” de Franz-Josepg Strauss, um dos “homens fortes” da oligarquia alemã e do CDU, com quem aliás está perfeitamente identificado:

“… Fomos desenvolvendo outras acções em seu favor, (referindo-se ao processo moçambicano, à RENAMO e a Afonso Dhlakama e sem squecer a evolução em Angola) sempre no sentido duma maior abertura e respeitabilidade como caminho para a paz. Era aliás o que ouvira e vira praticar a Franz-Joseph Strauss em relação à Alemanha do Leste e ao mundo comunista: abrir-lhes as portas e os créditos para os levar a entrar no jogo. Se o processo fosse bem conduzido acabariam por lhe tomar o gosto”.

Frank Charles Carlucci e as políticas que arquitectou para Portugal, para África e em especial para a RDC e Angola, perfeitamente sintonizados com esse tipo de prática filosófica, saíram vencedores sob as cinzas de Henry Kissinger e não é de admirar os laços que o “Carlyle Group” foi estabelecendo em Angola, particularmente após o fim da “guerra dos diamantes de sangue” e na amplitude oferecida pela expansão dos negócios ligados à banca, ao petróleo e aos diamantes, “consolidasse suas relações com a cúpula do poder”.

A globalização neo liberal no quadro da lógica capitalista, ampliou o efeito mercenário a partir da situação de guerra, para outros sectores de actividade humana, inclusive na educação e na saúde.

Em 2007 foi isso que sintetizei evidenciando o impacto sobre a vida e sobre os angolanos, em “Uma saúde mercenária ao serviço do mercado”, recordo:

A lógica neo-liberal do "mercado", ao "converter" um direito fundamental, o direito à saúde, numa simples "mercadoria", é responsável pelo desastre que está patente particularmente nos enormes subúrbios das grandes cidades, com evidência para Luanda.Tudo passa não só pelos hospitais e pelas clínicas do estado, ou privados, mas também pelos "estágios" para a morte antecipada, que constituem os centros não qualificados disseminados pelos vastos "muceques" de cimento, que começarão, segundo se faz constar, a ser alvo das atenções do estado, com vista ao encerramento de muitos...Acabar com os centros não qualificados, mas continuar com essa lógica de saúde enquanto "mercadoria" e não saúde enquanto direito fundamental, é contribuir para:- Continuar a mentir ao povo angolano, pois não haverão transformações de natureza ético-filosófica à medida das prementes necessidades, tendo em conta os terríveis índices de mortalidade existentes.- Continuar a incrementar o fosso das desigualdades que é uma “vergonha histórica” para os verdadeiros patriotas.- Iludir os factores essenciais da paz, que precisa sobretudo de muito maior equilíbrio económico e social, de muito mais justiça social (a paz não pode ser estritamente considerada como uma ausência de acções armadas!).Uma “saúde” mercenária, jamais será a opção correcta para, em consciência, tornar possível gerar mais felicidade e mais vida em benefício do povo angolano!”

Num livro de alguns extremos e correndo o risco da caricatura, o que significa dizer sujeito a interpretações em relação a muitas das quais posso discordar, Tony Hodges contudo fundamenta “Angola – do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem”:

“Pode-se aventar a hipótese de o regime ter aceitado as reformas democráticas de 1991 sob coacção. Ele precisava de encontrar um modo de acabar com o conflito com a UNITA e isso só poderia ter lugar num sistema político pluralista. O que implica que, quando o processo de paz sucumbisse, o mesmo aconteceria também com a adesão aos princípios democráticos. Assim sendo, a guerra teria sido utilizada como um pretexto para interromper o ainda incompleto processo de transição democrática e para restringir as liberdades democráticas (o que ficou bem patente, por exemplo, nos ataque aos meios de comunicação social em 1999-2000), de modo a defender os interesses duma elite cuja riqueza dependia da ausência de mecanismos eficazes de responsabilização democrática.

Aquilo que se acaba de afirmar tem alguma verdade, mas não permite inferir que o regime tende a regressar ao totalitarismo declarado que conheceu no passado. Pelo contrário, ele valoriza a legitimidade de que vai gozando, quer no país, quer no estrangeiro, graças à fachada da democracia pluralista, já que tem à sua disposição todo um arsenal de técnicas subtis de manipulação dos procedimentos democráticos estabelecidos em 1991”.

O rumo que Angola está a tomar, onde a tendência para o “apartheid” social marca já a geografia das cidades (é só observar a quantidade de “condomínios” murados que vão surgindo), torna difícil para o estado angolano a adopção de algumas Convenções Internacionais, o que há pouco tempo se poderia observar num artigo publicado no Página Um, “CPLP é palco ideal para afirmação de Angola como potência regional”:

“… As ONG’S lembraram que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, a Convenção Internacional contra o recrutamento, uso, financiamento e formação de mercenários, o Protocolo da Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos sobre a Criação de um Tribunal Africano sobre Direitos Humanos e dos Povos e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu protocolo facultativo continuam a aguardar a ratificação de Angola, prometidas em 2007”.

Sobreviver hoje num país destes, apesar do crescimento, da reconstrução (que em muitos aspectos é questionável), da reconciliação (que traz tantas vantagens para as novas elites, mas desequilíbrios sociais e injustiças evidentes), é ter de enfrentar pelo menos em relação a Luanda, a “cidade mais cara do mundo” e ainda com as maiores carências do mundo, um universo cada vez mais contraditório para a digna vivência da maioria dos cidadãos, uma grande parte deles provenientes do interior e desenraizados, numa subcultura à beira da marginalidade e do crime…

A sobrevivência torna-se assim num processo de aprendizagem das regras do jogo impostas por um capitalismo implicado na “doutrina de choque” que foi a guerra com todos os seus traumas e hoje é uma ausência de tiros longe da justiça social e da paz social.

A “reconstrução e a reconciliação” plasmam essa lógica particularmente nas gerações mais jovens, cortando com o passado e trabalhando sobre a sua mentalidade, sem alternativas.

Da nação de guerreiros nasce uma nação de trabalhadores, no entanto o foço de desigualdades cresceu e tudo agora tem o seu preço, a vida também.

Falha a solidariedade em proveito do lucro.

Mercenários, até quando?

Consultas na Internet:
- Pasajes de la guerra revolucionaria: Congo – http://lahaine.org/internacional/historia/pasajes_congo1.htm ;http://lahaine.org/internacional/historia/pasajes_congo2.htm ; http://lahaine.org/internacional/historia/pasajes_congo3.htm ;
- ¿El final de la gran guerra africana? - http://www.revistasculturales.com/articulos/111/fp-foreign-policy-edicion-espanola/345/1/-el-final-de-la-gran-guerra-africana.htmlhttp://www.revistasculturales.com/articulos/111/fp-foreign-policy-edicion-espanola/345/2/-el-final-de-la-gran-guerra-africana.html
- Angola – Rdc: Velhas contradições que podem renascer - http://pagina-um.blogspot.com/2009/10/angola-rdc-velhas-contradicoes-que.html
- Estados Unidos – Angola: Trinta anos depois o desembarque – III - http://pagina-um.blogspot.com/2009/12/estados-unidos-angola-trinta-anos.html
- Londres dará cidadania a guerreiros Gurkhas nepaleses - http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,londres-dara-cidadania-a-guerreiros-gurkhas-nepaleses,375131,0.htm
- Chapter 7 – Gurkhas and the private security business in Africa - http://www.iss.org.za/uploads/PEACECHAP7.PDF
- Tudo começou há 17 anos - http://www.correiodopatriota.com/index.php?option=com_content&task=view&id=849&Itemid=221
- Jaime Nogueira pinto autografa último livro em Luanda - http://aeiou.expresso.pt/angola-jaime-nogueira-pinto-autografa-ultimo-livro-em-luanda=f517490
- Jaime Nogueira Pinto no teatro africano da Guerra Fria - http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=219199
- Franz-Joseph Strauss – Wikipedia - http://en.wikipedia.org/wiki/Franz_Josef_Strauss
- Les gemmocraties – l’économie politique du diamant africain - http://www.monde-diplomatique.fr/1997/07/
- Les Diamants du sang - http://alliance-democratie-progres.over-blog.com/article-12275691.html
- En finir avec les diamants du sang - http://www.letemps.ch/Page/Uuid/afce31e4-320d-11df-bc8f-b7b4c5ee1684%7C0
- Angola: Margareth Anstee defende realização de conferência de doadores - http://noticias.uol.com.br/ultnot/lusa/2004/08/09/ult611u48060.jhtm
- Christine Merriant – Wikipedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Christine_Messiant
- Mercenaires SA - http://www.congonline.com/Culture/Litterature/Mercenaires01.htm
- Uma saúde mercenária em Angola em nome do mercado - http://pagina-um.blogspot.com/2007/09/martinho-jnior.html
“CPLP É PALCO IDEAL PARA AFIRMAÇÃO DE ANGOLA COMO POTÊNCIA REGIONAL” - http://pagina-um.blogspot.com/2010/05/cplp-e-palco-ideal-para-afirmacao-de.html

CONSULTAS BIBLIOGRÁFICAS:
- Angola órfão da Guerra Fria – Margareth Anstee.
- Jogos Africanos – Jaime Nogueira Pinto.
- Morte da dignidade – a guerra civil em Angola – Victoria Britain.
- “Les gemmocraties – l’économie politique du diamant africain” – François Misser e Olivier Vallée.
- Mercenaires SA - Philippe Chapleau e François Misser.

Publicado em PÁGINA UM, em  7 de novembro de 2010

A VERDADE SOBRE AS "FAKE NEWS"

Thierry Meyssan*

Na altura que a OTAN punha em acção um vasto sistema para acusar a Rússia de perpetuar a propaganda da União Soviética, uma histeria apoderou-se de Washington. Para tentar desacreditar o novo Presidente dos EUA, os média dominantes acusam-no de dizer seja o que for ; em resposta, este acusa-os de propagar falsas notícias. Esta cacofonia é amplificada pelo desenvolvimento súbito das redes sociais, anteriormente promovidas como armas do departamento de Estado contra os regimes nacionalistas, hoje em dia fóruns populares contra os abusos das elites de todo o tipo ; Washington em primeiro lugar.

Desde o anúncio da sua eleição surpresa e antes mesmo que ele tivesse acesso à Casa Branca, a imensa maioria dos média (mídia-br) dos EUA e da Aliança Atlântica denunciaram a incúria e a loucura do Presidente Trump. Desencadeou-se uma batalha entre a classe mediática e o novo Presidente, cada um deles acusando a outra parte de propagar falsas notícias.

Um pouco por todo o lado nos países da OTAN —e unicamente nestes países— os responsáveis políticos denunciam as fake news (notícias falsas no sentido de fabricadas-ndT). Trata-se de destacar a suposta influência da propaganda russa no seio das «democracias ocidentais». O Estado mais atingido por esta campanha é a França, cujo Presidente, Emmanuel Macron, anunciou a elaboração de uma lei específica para lutar contra este «ataque à democracia»… mas unicamente «em período eleitoral».

O facto de que a expressão inglesa ”fake news“ seja conservada como tal em todas as línguas dos países da OTAN, quando ela designa um fenómeno tão velho como o mundo, as falsas notícias, atesta a origem anglo-saxónica dessa problemática.

Na origem da campanha contra os «fake news»: a OTAN

Em 2009, o Presidente Obama anunciou na cimeira da OTAN, de Strasbourg-Kehl, a sua intenção de criar um serviço de «Comunicação estratégica» da Aliança [1]. foram necessários seis anos para o colocar em acção através da 77th Brigade(Brigada 77) do exército de Terra britânico e da 361st Civil Affairs Brigade («361ª Brigada de Assuntos Civis» -ndT) do exército de Terra norte-americano (baseada na Alemanha e na Itália).
A missão original era combater as declarações acusando o “Estado profundo” dos EUA de ter organizado os atentados do 11-de-Setembro, depois aqueles que acusavam os Anglo-Saxónicos de ter planeado (planejado-br) as «Primaveras Árabes» e a guerra contra a Síria; ditos qualificados de «conspiracionistas». No entanto, rapidamente as coisas evoluíram no sentido de convencer as populações dos países da Aliança que a Rússia prossegue com a propaganda do tempo da União Soviética —e, portanto, que a OTAN ainda é necessária.

Finalmente, em Abril de 2015, a União Europeia dotou-se de um «Força-Tarefa de Comunicações Estratégicas para o Leste» (East StratCom Task Force). Ele envia, todas as semanas, a milhares de jornalistas um resumo sobre a propaganda russa. Por exemplo, a sua última edição (datada de 11 de Janeiro de 2018) acusa a Sputnik de pretender que o zoo de Copenhague alimenta os seus animais selvagens com animais de estimação abandonados — “Fogo”, as «democracias» estão ameaçadas! Como é evidente parece difícil para esses especialistas encontrar exemplos significativos de ingerência russa. Em Agosto do mesmo ano, a OTAN inaugurou o seu «Centro de Comunicação Estratégica» em Riga (Letónia). No ano seguinte, o Departamento de Estado dos EUA dotou-se, por seu lado, com um «Centro Global de Actuação» (Global Engagement Center), que persegue os mesmos objectivos.

Como o Facebook, la marotte de Hillary Clinton, se voltou contra ela

Em 2009, a Secretária de Estado Hillary Clinton, sob influência de Jared Cohen (responsável do Gabinete de Planeamento Político), convenceu-se que era possível derrubar a República Islâmica do Irão (Irã-br) manipulando as redes sociais. Esta teoria não teve o efeito desejado. No entanto, dois anos mais tarde, em 2011, o mesmo Jared Cohen tornado chefe da Google Ideas conseguiu mobilizar a juventude cairota. Muito embora a «revolução» da Praça Tahrir não tenha influenciado a opinião do povo egípcio, o mito da extensão do estilo de vida americano através do Facebook tinha nascido. Na ressaca, o Departamento de Estado patrocinou uma quantidade de associações e de convenções para promover o Facebook.

No entanto, as eleições presidenciais dos EUA de 2016 foram uma surpresa. Um estranho, o promotor imobiliário Donald Trump, eliminou todos os seus rivais, um por um, incluindo Hillary Clinton, e foi eleito para a Casa Branca enquanto utilizava os resultados do Facebook. Pela primeira vez, o sonho da profetisa dos políticos profissionais tornou-se realidade, mas contra ela. Do dia para a noite, o Facebook passou a ser diabolizado pela imprensa dominante.

Parecia nesta ocasião que se podia artificialmente criar movimentos de massas com as redes sociais, mas que ao fim de alguns dias os utilizadores (usuários-br) reencontram o seu bom senso. Esta é a constante de todos os sistemas de manipulação de informação : são efémeros. A única forma de mentira que permite criar comportamentos de longo prazo é a que implica ter levado os cidadãos a um compromisso menor, quer dizer de os tornar prosélitos [2].

Aliás, o Facebook compreendeu-o muitíssimo bem criando, assim, o seu «Gabinete da Política Mundial e da Sensibilização de Governos» e confiando-o a Katie Harbath. Ele pensa criar campanhas de emoções colectivas em favor de tal e tal cliente, mas não busca montar campanhas duráveis [3]. É também por isso que o Presidente Macron se propõe legislar sobre as redes sociais unicamente para os períodos eleitorais. Ele próprio foi eleito graças ao breve escândalo criado, conjuntamente, por um semanário e pelo Facebook contra o seu rival François Fillon; operação orquestrada por Jean-Pierre Jouyet [4]. Além disso, o receio de Emmanuel Macron que da próxima vez as redes sociais sejam utilizadas contra ele coincide com a vontade da OTAN em mostrar a continuidade da URSS-Rússia em matéria de propaganda. Assim, ele cita como exemplo de manipulação uma entrevista da Sputnik sobre a sua vida privada e o relato por ela ecoado de uma alegação sobre uma sua conta bancária no estrangeiro.

O relatório de Christopher Steele

Durante a campanha presidencial dos EUA, a equipe de Hillary Clinton encomendou a um antigo agente dos serviços secretos britânicos Christopher Steele uma investigação sobre o candidato Donald Trump. Antigo chefe do «Departamento Rússia» do MI6, ele é conhecido pelas suas alegações escandalosas e sempre inverificáveis. Após ter acusado, sem prova, Vladimir Putin de ter comanditado o envenenamento de Alexander Litvinenko com polónio 210, ele acusou-o de ter feito cair Donald Trump numa armadilha sexual afim de o fazer “cantar”. O Dossiê Steele é então discretamente remetido a diversos jornalistas, homens políticos e mestres- espiões, e por fim publicado [5].

Daí a hipótese segundo a qual, buscando fazer eleger a sua marionete e impedir a eleição de Hillary Clinton, o mestre do Kremlin teria ordenado aos «seus» média para comprar espaço de publicidade no Facebook e espalhar calúnias contra a antiga Secretária de Estado ; hipótese que seria, no momento, corroborada por uma conversa do Embaixador australiano em Londres com um Conselheiro Donald Trump [6]. Pouco importa que a Russia Today e a Sputnik não tenham despendido, no total, mais que alguns poucos milhares de dólares em publicidade, raramente consagrada a H.Clinton, a classe dirigente dos EUA está persuadida que os anúncios reverteram o entusiasmo favorável à candidata Democrata e à sua campanha de 1,2 mil milhões (bilhões-br) de dólares. Em Washington, persiste-se na crença que as invenções tecnológicas permitem manipular o género humano.

Já não se trata mais de frisar que Donald Trump e os seus apoiantes fizeram campanha no Facebook, porque toda a imprensa escrita e audiovisual lhes era hostil, mas, antes alegar que o Facebook foi manipulado pela Rússia para evitar a eleição da favorita de Washington.

O privilégio jurídico do Google, Facebook e Twitter

Buscando provar a ingerência de Moscovo (Moscou-br), a imprensa dos EUA sublinhou o privilégio exorbitante de que dispõem o Google, o Facebook e o Twitter: estas três companhias não são consideradas imputáveis pelos seus conteúdos. Do ponto de vista do Direito norte-americano, elas são unicamente portadoras de de informação (common carrier).

Tendo as experiências realizadas pelo Facebook mostrado a possibilidade de criar emoções colectivas por um lado, e a inimputabilidade jurídica desta empresa, por outro lado, elas atestam uma anomalia do sistema.

Especialmente porque os privilégios do Google, o Facebook e o Twitter são, obviamente, indevidos. Com efeito, estas três sociedades agem pelo menos de duas maneiras para modificar os conteúdos que transportam. Primeiro, elas censuram unilateralmente certas mensagens, seja por intervenção directa do seu pessoal, seja mecanicamente por algoritmos escondidos. Depois, elas promovem a sua visão da verdade em detrimento de outros pontos de vista (fact-checking).

Por exemplo, em 2012, o Catar encomendou à Google Ideas, já dirigida por Jared Cohen, a criação de um programa informático permitindo seguir a progressão das deserções no Exército Árabe Sírio. Tratava-se de mostrar que a Síria era uma ditadura e que o povo alinhava numa revolução. Ora, demonstrou-se rapidamente que esta visão das coisas era falsa. O número de soldados a ter desertado jamais passou dos 25. 000 num exército de 450. 000 homens. Foi por isso que, depois de ter feito a promoção deste “software”, o Google o retirou de cena discretamente.

Pelo contrário, o Google vem promovendo desde há sete anos os artigos difundindo os comunicados do “Observatório Sírio dos Direitos Humanos” (OSDH). Eles dão, dia após dia, a contagem exacta do número de vítimas dos dois campos. Acontece que estes números são imaginários: é impossível seja para quem for garanti-los. Jamais, em tempo de guerra, foi um Estado capaz de determinar quotidianamente o número de soldados mortos em combate e de civis mortos na retaguarda. Ora o “OSDH”, no entanto, a partir do Reino Unido, sabe o que as pessoas no local da guerra, na Síria, não conseguem saber com precisão.

Longe de serem apenas transmissores de informação, o Google, o Facebook e o Twitter são fabricantes da mesma e, a este título, eles deveriam ser responsáveis juridicamente pelos seus conteúdos.

As regras da liberdade de expressão

Consideremos que os esforços da OTAN e os do Presidente Macron contra a Rússia em matéria audiovisual, e na Internet, estão condenados ao fracasso. Mesmo assim convêm fazer com que os novos média sejam abrangidos pelo Direito geral.

Os princípios regendo a liberdade de expressão apenas serão legítimos se forem idênticos para todos os cidadãos e em todos os média. O que não é o caso hoje em dia. Se a Lei geral se aplica, não existe uma regra precisa em matéria de desmentido ou direito de resposta para mensagens na Internet e nas Redes sociais.

Como sempre na história da informação, os média antigos tentam sabotar os novos. Eu lembro-me, a propósito, do editorial vingativo que o quotidiano francês, Le Monde, consagrou, em 2002, ao meu trabalho na Internet sobre a responsabilidade dos ataques do 11-de-Setembro. O que chocava o jornal, para além das minhas conclusões, era a rede Voltaire estar livre dos custos financeiros dos quais ele se sentia prisioneiro [7]. Foi a mesma atitude corporativa de que ele fez prova quinze anos mais tarde com o seu serviço, Le Décodex («O Decodex»). Mais do que criticar os artigos ou os vídeos dos novos média, o Le Mondepropõe-se avaliar a fiabilidade dos sítios (“sites”) Internet rivais do seu. Claro, apenas os “sites” que emanam dos seus confrades em papel saem bem vistos a seus olhos, todos os outros são julgados pouco fiáveis.

Para justificar a campanha contra as redes sociais, a Fundação Jean-Jaurès (quer dizer a fundação do Partido Socialista ligada à National Endowment for Democracy) publicou uma sondagem imaginária [8]. Com números em apoio, visava demonstrar que as pessoas frustradas, as classes laboriosas e os partidários da Frente Nacional são uns inocentes. Afirmando que 79% dos Franceses crêem numa qualquer teoria de complô. Para demonstrar a sua ingenuidade, afirma que 9% dentre eles estão convictos de que a Terra é plana.

Ora, nem eu, nem nenhum dos meus amigos franceses consultados pela Internet encontramos nunca compatriotas crendo que a Terra seja plana. Tal número foi, evidentemente, inventado e desacredita o estudo no seu conjunto. Além disso, muito embora ligada ao Partido Socialista, a Fundação Jean-Jaurès mantêm como Secretário-Geral Gérard Collomb, nomeado Ministro do Interior do Presidente Macron. Esta mesma Fundação havia já publicado, há dois anos, um estudo visando desacreditar os adversários políticos do sistema, que ele já na altura qualificava de «conspiracionistas» [9].


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Notas:
[1] “A campanha da Otan contra a liberdade de expressão”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Dezembro de 2016.
[2] Sobre os métodos de propaganda, ler “As Técnicas da moderna propaganda militar”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Maio de 2016.
[3] « Comment une cellule secrète de Facebook manipule les opinions publiques » («Como uma célula secreta do Facebook manipula as opiniões públicas»-ndT), par Shelley Kasli, Traduction Jean-Marc Chicot, Great Game India (Inde) , Réseau Voltaire, 28 décembre 2017.
[4] Personalidade central do corpo de Inspectores de Finanças, Jean-Pierre Jouyet foi advogado no muito “mitterrandiano” escritório Jeantet, Director-adjunto do gabinete de Lionel Jospin, Secretário de Estado dos Assunto Europeus sob Nicolas Sarkozy, Secretário-Geral do Eliseu sob François Hollande e mentor de Emmanuel Macron, que o nomeou de imediato embaixador da França em Londres.
[6] “How the Russia Inquiry Began: A Campaign Aide, Drinks and Talk of Political Dirt” («Como o Inquérito à Rússia Começou : Um Assistente de Campanha, Copos e Conversa sobre Porcaria Política»- ndT), Sharon LaFranière, Mark Mazzetti et Matt Apuzzo, New York Times, December 30, 2017.
[7] «Le Net et la rumeur», éditorial du Monde, 21 mars 2002.
[8] «Le conspirationnisme dans l’opinion publique française», Rudy Reichstadt, Fondation Jean-Jaurès, 7 janvier 2018.
[9] “O Estado contra a República”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 9 de Março de 2015.

FACEBOOK E SEU NOVO ALGORITIMO: A DISTOPIA TOTAL


Por que o novo algoritmo converte a rede social mais poderosa do mundo em algo que combina a vigilância total, de George Orwell, com o anestesiamento permanente, de Aldous Huxley?

Chris Taylor*, na Mashable | Outras Palavras | Tradução: Gabriel Simões, de nosso Círculo de Tradutores Voluntários | Imagem: Bob Al-Greene

Ao se construir uma distopia, é bem difícil deixá-la aos moldes tanto de Orwell quanto de Huxley ao mesmo tempo. Mas, com as mudanças recentemente anunciadas no feed de notícias do Facebook, Mark Zuckerberg parece ter realizado esta façanha.

Os mundos assustadores de George Orwell (1984) e Aldous Huxley (Admirável mundo novo) são, de muitas maneiras, opostos simétricos. Um trata de um Estado de vigilância que controla o que as pessoas conhecem da história ao literalmente reescrever os jornais. O outro, trata do controle de seus cidadãos ao fazê-los usar uma droga dissociativa chamada soma.

Em seu esforço de “melhorar” o Facebook, Zuckerberg agora tenta ambas as táticas. Ele está reduzindo o acesso dos usuários às notícias reais — no século XX, chamávamos isso de censura — ao passo que aumenta a probabilidade de você visualizar apenas as notícias terrivelmente falsas postadas por aquele seu tio maluco. Porque, oras, conteúdo postado pela família lhe faz feliz, e apenas queremos que você seja feliz, certo?

O algoritmo, como já sabemos, nos vigia tão de perto quanto o Big Brother jamais foi capaz. Cada amizade, cada curtida, o tempo que você gasta lendo alguma coisa, se você interage com ela — tudo isso vai para a sua ficha permanente. (Ao menos com as teletelas, Orwell disse, se sabia que eles não estavam vigiando todo o tempo.)

O fato de que o Facebook vai simplesmente nos mostrar menos notícias já o torna mais eficiente que o Estado totalitário descrito por Orwell. Os líderes do Partido no Ministério da Verdade devem estar se lamentando: fazer com que bilhões de pessoas vejam notícias através das mídias sociais e depois simplesmente eliminar esse tipo de conteúdo? Sem reescrever o The Times, sem necessidade de qualquer buraco de memória, apenas fazer com que as notícias desapareçam dos meios digitais? Como não pensamos nisso?

Um breve lembrete da importância disto. Em agosto de 2017, de acordo com o Pew Research Center, 67% dos estadunidenses acessaram notícias nas mídias sociais — um aumento de 5% em relação ao ano anterior. No Facebook, 68% dos usuários acessaram notícias a partir do feed. Pela primeira vez na pesquisa Pew, a maioria dos norte-americanos com mais de 50 anos passou a acessar notícias a partir das mídias sociais.

Tornar-se a maior fonte de informações e depois simplesmente sumir com as notícias não é apenas uma escandalosa recusa de responsabilidade cívica. É também parte do manual da distopia.

Uma parte frequentemente esquecida e descaracterizada do clássico de Orwell: a vasta maioria da sociedade da Oceânia, os Proles, não recebia quaisquer notícias, nem mesmo falsas. Eles eram mantidos em estado de felicidade através de uma dieta constante de canções ruins e histórias lúgubres. O Facebook agora superou o Partido: os feeds serão igualmente repletos de porcarias, conteúdos rasos, mas os Proles serão seus produtores. E o Facebook ainda ganha dinheiro com isso!

Admirável novo feed de notícias

“O mundo infinitamente amável, muito colorido e aconchegante do soma. Que gentis, que bonitos e deliciosamente alegres todos estavam!” — Aldous Huxley, Admirável mundo novo

Substitua “soma” por “mídia social” e você verá por que Huxley foi ainda mais profético do que nós acreditamos.

O soma, droga fictícia, o tornou sociável. Ela o fez sentir-se conectado aos amigos e estranhos próximos — de modo extremamente falso. Ela o levou ao que os personagens do livro repetidamente descrevem como um “feriado perfeito”.

O Facebook que Zuckerberg agora parece projetar fará o mesmo. As pessoas mostram o melhor de si no Facebook; elas postam fotos cuidadosamente escolhidas de suas férias “perfeitas”. E agora elas poderão fazer isso sem a intromissão daquelas notícias nojentas.

“A pesquisa mostra que quando usamos as mídias sociais para entrar em contato com as pessoas que gostamos, isto pode ser bom para o nosso bem-estar,” escreveu Zuckerberg. Ele esqueceu de mencionar a pesquisa que mostra que o Facebook, na verdade, nos deprime quando vemos fotos das férias ou dos bebês perfeitos de outras pessoas.

Não importa o quanto você goste da pessoa em questão, o Facebook impele à comparação — o que, por sua vez, leva à ansiedade de status. Nós podemos postar “parabéns” nos comentários, o que o algoritmo conta como uma grande vitória. Grandes pontos por envolvimento! Mas o que nós estamos realmente pensando ou sentindo frente a estas coloridas fotos — o despertar repentino da nossa inveja, nossa autoaversão, nossa depressão — permanece escondido do olho-que-tudo-vê do Facebook.

E assim como num experimento sórdido, contudo, nós insistimos nisso. Deixe o soma do Facebook ajudar a nos aniquilar e nos deixar levar pelo feriado perfeito dos outros — que gentis, que bonitos e deliciosamente alegres eles são.

Agora, Zuckerberg quer que fiquemos naquele estado mental sem a terrível intrusão da “experiência passiva” — palavras que ele usa para se referir ao que acontece quando você está lendo ou assistindo algo que o faça pensar e refletir, em vez de simplesmente digitar “parabéns!”

O pior de tudo é que Zuck acha que está sendo nobre. Ele realmente acha que está “fazendo a coisa certa.” Ele quer que seus filhos pequenos olhem para trás um dia e digam que o Facebook salvou o mundo.

Talvez eles o façam. Pois todos que consomem conteúdo no Facebook, com as empresas de mídia que buscam a verdade retiradas do feed de notícias e falidas, não sobrará ninguém para apontar o despropósito de toda esta falsa conexão. A próxima geração de Zuckerbergs pode muito bem viver em infinitos feriados soma.

Parabéns, Mark!

*Chris Taylor - Foi repórter Time, sendo nomeado em 2000 chefe da sucursal de San Francisco da revista. Nos últimos cinco anos, atuou como editor sênior da Fortune Small Busines.

O QUE SIGNIFICA DISTOPIA?

Distopia ou antiutopia é o pensamento, a filosofia ou o processo discursivo baseado numa ficção cujo valor representa a antítese da utopia ou promove a vivência em uma "utopia negativa"[1]. As distopias são geralmente caracterizadas pelo totalitarismoautoritarismo, por opressivo controle da sociedade. Nelas, "caem as cortinas", e a sociedade mostra-se corruptível; as normas criadas para o bem comum mostram-se flexíveis. A tecnologia é usada como ferramenta de controle, seja do Estado, seja de instituições ou mesmo de corporações.[2]

Distopias são frequentemente criadas como avisos ou como sátiras, mostrando as atuais convenções sociais e limites extrapolados ao máximo. Nesse aspecto, diferem fundamentalmente do conceito de utopia, pois as utopias são sistemas sociais idealizados e não têm raízes na nossa sociedade atual, figurando em outra época ou tempo ou após uma grande descontinuidade histórica.

Uma distopia está intimamente conectada à sociedade atual. Um número considerável de histórias de ficção científica que ocorrem num futuro próximo do tipo das descritas como "cyberpunk", usam padrões distópicos de uma companhia de alta tecnologia dominando um mundo em que os governos nacionais se tornaram fracos.

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