sábado, 23 de agosto de 2014

Portugal: SAIR DO ENREDO DA DÍVIDA E DA MANIPULAÇÃO



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Só há uma forma de impedir que uma mentira mil vezes repetida se torne verdade: é denunciá-la mil e uma vezes, desmascarar e derrotar os mentirosos. Todos os grandes objetivos assumidos pela troika e pelo Governo português, no "memorando" que nos foi imposto em 2011, falharam! A dívida do país não para de crescer, já vai em 134% do PIB. Este que era (e é) o primeiro grande problema a resolver, já nem entra nos temas do dia a dia do discurso do Governo. O défice externo não tem o reequilíbrio tão propalado pelos governantes e por forças que os apoiam. O desemprego é muito elevado e a qualidade do emprego caiu brutalmente. O Estado está hoje em muito piores condições para desempenhar as suas funções, para servir os portugueses, as organizações e instituições da sociedade. As metas do défice orçamental não serão cumpridas, mas isso também já deixou de ser grande preocupação governamental.

O povo há de aguentar e pagar em nome de um "interesse nacional" que não é mais que o interesse dos grandes senhores do capital financeiro e económico internacional e nacional. As grandes fortunas escondidas em paraísos fiscais não param de aumentar. Segundo Gabriel Zucman, só na Suíça, uns quantos portugueses já tinham, em 2013, 30 mil milhões de euros. Quanto terão nos outros centros offshore como as ilhas Caimão, Singapura ou Luxemburgo? Os governantes que temos - uns espertalhuços e outros medíocres, mas todos sem escrúpulos ou toldados pelo poder - estão pragmaticamente no Governo para fazer carreira no sistema, como se confirmará no futuro.

Basta olhar as prioridades e os enfoques temáticos da agenda do Governo, do presidente da República, dos partidos que os apoiam, das forças e poderes da regulação, para se perceber a burla política que significam os atos de governação que temos. De quando em vez, fazem aprovar uma lei, tomam uma decisão ou criam uma comissão na Assembleia da República, com objetivos que até parecem nobres. Mas, se ficarmos atentos, vemos que depois não lhes dão eficácia. Eles sabem muito bem que quanto mais ocos os planos que criam, menor a eficácia no combate às injustiças, às ilegalidades, aos oportunismos.

O plenário da Assembleia da República reúne de forma extraordinária para impor, de imediato, um corte de 34 milhões nos salários dos trabalhadores da Administração Pública. "É urgente", por causa do equilíbrio orçamental. Dizem-nos que as poucas centenas de milhões de euros inerentes aos salários e pensões a que os portugueses têm direito podem "fazer ir por água abaixo" todo o "êxito" das políticas até agora desenvolvidas. Contudo, sem um mínimo de explicação fundamentada sobre a situação do Grupo Espírito Santo (GES), mobilizaram, de forma escondida, alguns milhares de milhões de euros para cobrir buracos de negócios ruinosos. O caso GES/BES é apenas um pedaço do icebergue das injustiças, da podridão, da promiscuidade entre poderes públicos e privados, do processo especulativo e de destruição produtiva que conduziram o país a esta crise.

A União Europeia não consegue sair do marasmo económico em que está atolada, caminha para um retrocesso social e civilizacional generalizado. Os principais "motores da Europa" estão profundamente envolvidos na manipulação e dissimulação de operações económicas e financeiras que roubam os povos a favor dos muito ricos, bem como na política internacional geradora dos cenários de barbárie que perigosamente estamos vivendo.

São necessárias condenações gerais destas políticas, denúncia deste criminoso capitalismo neoliberal, afirmação de sistemas alternativos. Mas, internamente, urge forçar os limites da ordem europeia estabelecida, no quadro de uma estratégia política que assuma, sem rodeios, todas as ruturas necessárias à defesa do direito ao trabalho digno, à saúde, à educação, à segurança social, à justiça e à democracia. Quem se meter nesta tarefa, não conseguirá apoios financeiros dos grandes senhores do capital financeiro e económico para campanhas eleitorais e outras, mas, com muito trabalho e paciência para digerir insultos, acabará por ter o apoio de grande parte dos portugueses.

Portugal: LEI DA CÓPIA PRIVADA VAI TRATAR “CONSUMIDOR COMO PIRATA”




A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) criticou hoje a proposta de Lei da Cópia Privada, que deve ir quinta-feira a conselho de ministros, por entender que pode vir a "distorcer e enfraquecer" o mercado dos aparelhos eletrónicos e que "trata o consumidor como pirata".

A diretora-geral da APED, Ana Trigo Morais, disse hoje, em conferência de imprensa, que esta proposta de lei foi elaborada pela Secretaria de Estado da Cultura "ao arrepio dos impactos económicos", e espera que "impere o bom senso no Governo e a noção daquilo que são impactos negativos, que o país não precisa, nem vão beneficiar os artistas e autores".

Segundo Ana Trigo Morais, a proposta de lei prevê a colocação de uma taxa percentual sobre a compra de todos os artigos eletrónicos capazes de reproduzir uma obra de arte -- "iphones" e outros "smartphones", telemóveis, "pens", cartões de memória, discos rígidos, "tablets", computadores, televisores, máquinas fotográficas, "plasmas", etc. -- o que, a concretizar-se, irá "sobrecarregar o consumidor", "esquecendo que vivemos num mercado global".

Ana Trigo Morais disse que, perante o encarecimento destes produtos, o consumidor passará a comprá-los através da Internet, pois não têm esta taxa, "indo parar as receitas dos impostos onde não se sabe, mas não em Portugal".

A questão é tanto mais preocupante, para a APED, quanto este setor do consumo "é dos mais fustigados pela crise económica", tendo registado, no ano passado, uma quebra de 24% nas vendas.

A responsável afirmou que, segundo a proposta lei, há taxas de 10 euros na compra de uma "pen", com algum armazenamento, ou de um disco rígido, e de 30,75 euros, na compra de um "tablet".

Ana Trigo Morais referiu que esta proposta de lei introduz "um distorcer concorrencial ao nível da oferta ao consumidor, pois quem não tiver lojas, empregados para pagar salários, nem de pagar IRC [Imposto de Rendimento de Pessoas Coletivas], fica numa posição competitiva muito melhor, já para não falar das diferenças do IVA entre países - em Portugal é de 23% e, em Espanha, aqui ao lado, é de 21% -, ou a possibilidade de comprar pela Internet".

"A proposta de lei não beneficia consumidores, retalhistas, nem produtores nem importadores de material eletrónico", rematou.

Por outro lado, disse, a proposta de lei "trata o consumidor como pirata, fazendo-o pagar antecipadamente uma taxa pela compra de um bem, que pode ser para seu uso pessoal, sem utilizar qualquer obra coberta pelos direitos de autor".

A proposta de lei da Cópia Privada atualiza a Lei da Cópia Privada em vigência, que apenas contempla os aparelhos analógicos, e transpõe para o Direito nacional a diretiva da União Europeia n.º 2001/29/CE, que, como salientou a responsável da APED, "dá amplo espaço de manobra ao legislador de cada país" - Ana Trigo Morais citou os casos do Reino Unido e de Espanha, que optaram por não taxar, preferindo "políticas de informação e sensibilização do consumidor para reconhecer esse valor [Direitos de Autor] e pagá-lo".

Em Portugal, com esta proposta de lei, vai haver "a dupla compra de um bem", alertou, pois o consumidor vai pagar "online" o Direito de Autor pela utilização de um bem, e paga, através desta taxa burocrática, na compra de um aparelho que lhe permite usufruir dela.

A APED levantou também "reservas" relativamente à forma como o total da taxa "chega a cada um dos artistas e autores", e como esta receita é gerida pela Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP), que a divide por cooperativas e associações. Esta repartição é feita, entre outras, pela GDA-Gestão coletiva dos Direitos Conexos ao Direito de Autor dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e a Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos (AudioGest).

"O consumidor tem direito a saber para onde vai o seu dinheiro", enfatizou a responsável da APED.

Considerando que "o consumidor português está a equipar-se fortemente para a era digiral", a APED afirma que esta proposta de lei não prepara Portugal para agenda digital europeia, que é uma das prioridades da UE.

A APED, segundo Ana Trigo Morais, representa 74% do mercado nacional de consumo de produtos eletrónicos.

Lusa, em Diário de Notícias

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Portugal: DÍVIDA SOBE 14 MILHÕES POR DIA - contas externas do país resvalam para défice




Dívida pública atingiu em junho os 134% do PIB, acima dos 223 mil milhões de euros, quando a meta do Governo para o ano estava nos 132%.

Pedro H. Gonçalves – Correio da Manhã

A meta do Governo era uma – fechar o ano com a dívida pública nos 130,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas no final do primeiro semestre do ano esse valor ia já nos 134 por cento e a tendência é de que se desvie ainda mais da estimativa do Executivo. Os números do Banco de Portugal revelam que a dívida na ótica que interessa a Bruxelas atingiu os 223,27 mil milhões de euros em junho. É um crescimento ao ritmo de 14 milhões por dia no espaço de três meses face ao valor registado até março, quando a dívida pública estava nos 220,68 mil milhões ou 132,4% do PIB. Na prática, o peso da dívida pública do País implica que cada cidadão deva mais de 22 mil euros.

Ficam em xeque as metas governamentais que apontavam em 2015 para uma inversão de rumo, prevendo que a dívida pública caísse então para os 128,7 % do PIB. Em 2018, derradeiro ano das previsões, a dívida cairia para os 117,7%. Mesmo com as melhores estimativas do Ministério das Finanças, a dívida pública iria continuar bastante acima do limite de referência acordado com Bruxelas para toda a União Europeia, que coloca um tecto de 60% do PIB. As contas externas registaram um défice de 39 milhões de euros até junho, quando, no período homólogo, apresentavam um saldo positivo acima dos 1700 milhões. Entretanto, o Setor Empresarial do Estado registou prejuízos de 394,1 milhões de euros no primeiro trimestre, melhorando face ao buraco de 405 milhões do período homólogo.

O melhor comentário em CM

"Cortam pensões, vencimentos, cortam na saúde, na educação, aumentam os impostos, taxas,inventam impostos, culpam o tribunal constitucional de tudo o que de mau acontece e a dívida pública 14m€ por dia! GRANDES GOVERNANTES." Anónimo

ESCOLHER A PAZ



Tiago Mota Saraiva – jornal i, opinião

No “Público” de quarta-feira, Miguel Esteves Cardoso deu à estampa um escrito sobre os mais recentes acontecimentos na Faixa de Gaza. Com o título “Escolher Israel” e com os mesmos argumentos que serviram de farda intelectual às maiores barbaridades, Esteves Cardoso tergiversa sobre “foguetes mais assassinos” fundamentando-se em certezas sobre a proporcionalidade de apoiantes de um e de outro lado como se de um jogo de futebol se tratasse. Não fosse a situação tão grave, o escrito perder-se-ia na espuma dos dias de um dia mau do cronista ou com outros afazeres prioritários que não o de cumprir as exigências do texto diário. Recupero-o, não apenas para tipificar uma forma de pensar dita civilizada, ocidental e democrata, mas também porque ilustra bem o âmago da falsa dicotomia em que se pretende arrumar a questão: a existência de uma guerra entre Israel e o Hamas.

O que se passa na Faixa de Gaza é o metódico genocídio de um povo às mãos de um governo de extrema-direita. Se se quiser moderar a dimensão do genocídio, então que se diga que é um conflito entre o governo de Israel e o povo palestiniano, mas que não nos esqueçamos que ele também põe em risco o povo israelita.

Defender a vitória de Israel, nos termos em que MEC o faz, significa defender a guerra, significa defender a vitória da extrema--direita, significa defender a vitória de quem que usa as diferenças culturais e religiosas para instaurar o medo e estimular o conflito, significa abdicar da civilização e escolher a barbárie.

Israelitas ou palestinianos nunca terão paz enquanto os seus governos não escolherem a paz.

Escreve ao sábado

“SANGUE NAS MÃOS AMERICANAS” – Richard Falk na Palestina



C.J. Polychroniou [*]

Há 20 anos que Israel e os Estados Unidos trabalham para separar Gaza da Margem Ocidental, violando os Acordos de Oslo que tinham acabado de assinar, declarando-os uma unidade territorial indivisível. O último massacre em Gaza faz parte duma política imperialista israelense que, como me escreveu Noam Chomsky há alguns dias, procura "apoderar-se do que há de valioso 'na terra de Israel', reduzir a população a uma existência marginal (com a habitual exceção neocolonialista: um enclave para os setores ricos e ocidentalizados em Ramallah) e, se ela se for embora, tanto melhor". Mas Richard Falk, Albert G. Milbank, professor emérito de direito internacional na Universidade de Princeton, antigo relator especial das Nações Unidas para a Palestina Ocupada, e autor do recente livro Palestine: The Legitimacy of Hope , que será publicado em setembro pela Just World Press, sublinha nesta entrevista exclusiva que Israel protesta sempre que os seus ataques contra os palestinos são provocados pelos próprios palestinos.

C.J. Polychroniou: Professor Falk, cá estamos de novo: Israel, uma das mais poderosas potências militares do mundo, desencadeou mais uma ofensiva terrestre na Faixa de Gaza com o pretexto bastante hipócrita de que foi o Hamas quem provocou o ataque a Gaza. Qual é o verdadeiro objetivo de Israel para atacar Gaza nesta altura?

Richard Falk: Creio que Israel "faz uma poda" periodicamente em Gaza, conforme um conselheiro de Sharon exprimiu o objetivo da política de Israel em relação a Gaza, há uns anos. Há fatores presentes no contexto deste ataque de Israel que podem explicar porquê agora. Os dois principais fatores, na minha opinião, foram a instituição mal aceite de um "governo de unidade" temporário, em 2 de junho, pelos líderes da Fatah e do Hamas, que prejudicaram a abordagem israelense de manter tão divididas quanto possível as autoridades governamentais na Margem Ocidental e em Gaza. O segundo elemento foi o forte incentivo de Israel, para enfraquecer o Hamas na Margem Ocidental a fim de Israel poder justificar a sua posição em abril para acabar com as negociações diretas com a Autoridade Palestina e avançar ainda mais para a incorporação da Margem Ocidental, ou a maior parte dela, em Israel e concretizar o sonho expansionista sionista para avançar para além das fronteiras de 1967.

O incidente, em 12 de junho – o sequestro de três colonos adolescentes da colónia Gush Etzion, perto de Jerusalém – forneceu ao governo de Netanyahu o pretexto de que precisava para montar uma campanha anti-Hamas que começou como uma suposta caçada aos perpetradores, com a detenção de 500 suspeitos de ligação ao Hamas e a imposição geral duma série de medidas opressivas, incluindo demolição de casas, cerco a aldeias palestinas, e violência a esmo que provocou a morte a seis palestinos. Como se verificou, o incidente foi manipulado da forma mais cínica pelo governo que fingiu andar à procura dos jovens sequestrados, quando sabia que eles já estavam mortos, usando a ansiedade e a cólera pública para incitar os cidadãos israelenses a justificar as táticas opressivas do governo e a criar uma atmosfera de vingança vigilante.

Depois de negar qualquer envolvimento no incidente do rapto, não é de surpreender que, em retaliação pelas provocações de Israel, o Hamas tenha começado a disparar mísseis contra aldeias israelenses. Israel utilizou a sua tremenda máquina de propaganda para contar ao mundo que o seu terceiro grande ataque militar a Gaza indefesa nos últimos cinco anos (2008-09, 2012, 2014) foi uma resposta defensiva a ataques de mísseis não provocados. Com uma inocência ridícula, Netanyahu disse a todo o mundo que Israel tivera que agir para proteger os seus cidadãos dos mísseis, sem mencionar, obviamente, a anterior razia anti-Hamas que incluiu terríveis calúnias racistas israelenses dirigidas contra os palestinos e ataques vingativos a crianças palestinas.

Porque é que fracassaram as negociações para um cessar-fogo no Cairo?

O cessar-fogo fracassou por várias razões. O Hamas foi excluído do processo conducente ao cessar-fogo proposto e só foi informado pelos media públicos. Além disso, foram ignoradas as condições do Hamas, previamente anunciadas, para aceitar um cessar-fogo: libertação dos palestinos, que tinham feito parte da troca do prisioneiro Gilad Shalit há três anos (em que foi libertado um único soldado israelense capturado, em troca da libertação acordada com Israel, de 1027 prisioneiros palestinos), e que foram detidos de novo nas últimas semanas, na repressão contra o Hamas; fim do bloqueio e abertura das passagens; fim da interferência no governo de unidade; reposição do cessar-fogo de 2012. Por outro lado, o Egito de Sisi dificilmente é um intermediário de confiança na perspetiva do Hamas. Como pano de fundo, está a brutal repressão da Irmandade Muçulmana no Egito e a hostilidade para com o Hamas, que o governo de Sisi considera como sua extensão.

Israel teria desencadeado um ataque se o novo governo egípcio não estivesse também disposto a ver o Hamas destruído?

Isso é um assunto muito polémico. Israel iniciou um grande ataque a Gaza em novembro de 2012, quando o presidente era Mohamed Morsi, apesar da sua afinidade com a Irmandade Muçulmana e depois aceitou um cessar-fogo sob os auspícios diplomáticos do Cairo. Claro que ter o general Abdel Fattah el-Sisi como presidente do Egito é uma evolução favorável do ponto de vista de Israel. Sisi destruiu substancialmente a enorme rede de túneis de que o Hamas dependia para receber os abastecimentos necessários assim como para cobrar os impostos indispensáveis para administrar Gaza. Nos últimos meses, o Egito tem vindo a cooperar com Israel e com os Estados Unidos, inclusive na relação para controlar a passagem através da fronteira de Rafah para o Egito, que é a única via de fuga disponível para a população de Gaza, incluindo os que precisam de assistência médica só disponível no Cairo. Creio que o ataque de Israel ocorreu nesta altura principalmente por razões da política de estado de Israel e teria ocorrido independentemente das atitudes da liderança no Cairo.

Com 1,8 milhão de pessoas encurraladas numa zona de guerra superpovoada, devia ser óbvio que os ataques dos jatos israelenses constituem uma flagrante violação do direito humanitário internacional. No entanto, mais uma vez, Israel é autorizado a avançar com os assassínios porque beneficia do apoio diplomático dos EUA, assim como do apoio militar e financeiro dos EUA. Nessa medida, isso não torna os Estados Unidos um cúmplice nos crimes contra a humanidade, ao lado de Israel?

Concordo que os Estados Unidos, pelas razões que citou, são verdadeiros cúmplices no que se refere à natureza criminosa do ataque de Israel. Se este tipo de cumplicidade envolve uma culpa legal, assim como uma cumplicidade política e moral, é uma questão em aberto. Os Estados Unidos, tanto quanto se sabe, não estão diretamente envolvidos no planeamento e execução desta "agressão" contra Gaza e da "punição coletiva" contra a sua população. Dar apoio militar ou fornecer equipamento militar a um governo estrangeiro, por si só, não constitui uma relação suficiente com o ataque para satisfazer os testes legais de cumplicidade.

O que é claro é que o apoio diplomático, continuado e incondicional, dado pelos EUA a Israel, incluindo a proteção de Israel contra uma censura formal na ONU, e o fracasso em desencorajar a prática de crimes de guerra, resulta em muito sangue nas mãos americanas. Ativistas que se opõem a esta política americana estão atualmente mais empenhados em mobilizar as igrejas e as universidades para abandonarem as empresas que fazem negócios com os colonatos ou facilitam o militarismo israelense, e há crescentes apelos nacionais e internacionais para um embargo de armamento a Israel, o que teria apenas uma força simbólica, dada a robusta indústria de armas de Israel, que está a fornecer armas a muitos países, com o grotesco argumento de vendas de que são testadas "no terreno", ou seja, usadas em Gaza.

O Hamas já enfrentou anteriormente uma situação semelhante mas, sempre que entra em confronto militar com Israel, parece surgir mais forte do antes. Devemos esperar que desta vez seja diferente?

Neste momento é difícil dizer. O que o confronto revelou foi que o Hamas e outras milícias em Gaza têm um fornecimento considerável de mísseis de longo alcance capazes de atingir qualquer cidade em Israel, incluindo Jerusalém e Tel Aviv. Também parece que a confiança de Israel nos ataques aéreos e bombardeamentos navais não foi capaz de limitar o número de mísseis que foram disparados. É verdade que, apesar de terem lançado mais de 1000 mísseis, nenhum israelense foi morto por um míssil palestino (segundo parece, o único israelense que morreu até agora foi atingido por um morteiro disparado de Gaza, quando estava a fugir para um abrigo, uma opção que os habitantes de Gaza não têm) [segundo uma entrevista feita em 19 de julho]. Simultaneamente, os efeitos psicológicos e políticos de terem sido incapazes de fazer parar o lançamento de mísseis prejudicou o prestígio de Israel e pode levar a prosseguir em objetivos mais ambiciosos do que destruir túneis de Gaza para Israel, o objetivo declarado da Operação Margem Protetora, o nome de código que Israel deu à sua operação militar. A alta proporção de civis entre as baixas palestinas (75 a 80 por cento) também sugere que o Hamas está mais sofisticado quanto à proteção dos seus militantes contra o poder de fogo israelense, em comparação com os resultados dos dois ataques precedentes.

Claro que, na medida em que Israel está politicamente mais fraco, o Hamas surge mais forte, resistindo ao violento ataque israelense, demonstrando resistência nas circunstâncias mais difíceis e montando uma teimosa resistência que frustra os anunciados objetivos da guerra de Israel.

Israel tornou-se num estado "fundamentalista", traindo todos os sonhos e aspirações que levaram à sua fundação inicial?

Penso que Israel se foi movendo definitivamente na direção duma compreensão maximalista do projeto sionista, que atualmente pretende claramente o exercício de um controlo de soberania permanente sobre a "Judeia e a Samaria", o que o mundo ocidental conhece como "a Margem Ocidental". O novo presidente de Israel, Reuven Rivlin, que em breve substituirá Shimon Peres, pertence à ala direita do Partido Likud de Netanyahu. É um defensor declarado de um Israel alargado que reclama toda a Palestina bíblica e repudia toda a diplomacia associada ao estabelecimento da paz na base de um estado palestino, na verdade, uma abordagem de um único estado em que os palestinos serão uma minoria permanente. Além disso, o Israel de hoje desviou-se muito para a direita; muitos israelenses evoluíram para uma mentalidade consumista e o conflito com a Palestina, exceto durante crises como a atual, tem colocado sérias ameaças nos últimos anos à estabilidade e serenidade do país. Também, por causa das altas taxas de fertilidade e da importância do movimento colonizador, o judaísmo religioso tem vindo a desempenhar um papel maior, e injeta um certo extremismo religioso e intolerância étnica na vida política e social de Israel.

A solução dois-estados, há muito proposta pelos defensores da causa palestina, incluindo o falecido Edward Said, parece ser um beco sem saída – pelo menos aos meus olhos. Concorda com esta afirmação e, se sim, qual é a alternativa para garantir uma paz duradoura entre israelenses e palestinos?

Vou esclarecer a posição de Edward Said: Durante algum tempo, no final dos anos 80, ele foi a favor, tal como a OLP, da solução dois-estados mas, nos últimos anos da sua vida, aprovou veementemente um estado único, binacional e laico como a única solução praticável que permitia que os dois povos vivessem juntos em paz e com dignidade. Said rejeitou a ideia de um estado étnico para cada povo e achava que a exigência sionista de ter um estado judeu na Palestina histórica nunca resultaria numa paz justa e sustentável que reconhecesse os direitos palestinos sob o direito internacional, incluindo o direito ao regresso e a igualdade para a minoria palestina que vive em Israel.

Subscrevo a última declaração de Said e creio que a escala e a determinação dos colonos é tal que torna impossível a sua remoção politicamente. Por essa razão, opus-me ao tipo de negociações diretas que o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, tanto pressionou há um ano, criando falsas expetativas e pressões artificiais. Presentemente, não existem pré-condições políticas para dois estados com iguais direitos de soberania, vivendo lado a lado definitivamente e provavelmente nunca existiram. Negociar com esse sentimento de futilidade é fazer o jogo de Israel de conversações infindáveis, enquanto as gruas de construção nos colonatos continuam o seu trabalho ilegal a um ritmo acelerado. O tempo nunca jogou a favor dos palestinos. As suas perspetivas territoriais têm sido permanentemente reduzidas e chegaram agora praticamente a zero. Recorde que o plano de partição da ONU em 1947 pareceu injusto aos palestinos, quando lhes ofereceram apenas 45 por cento da Palestina, e que depois foi reduzido a 22 por cento na sequência do resultado da guerra de 1948, com a expulsão dos palestinos, e ainda mais pelos "factos no terreno" (colonatos, muro, estradas só para colonos) paulatinamente criados a partir de 1967.

A melhor esperança do movimento nacional palestino nesta altura é avançar através de um governo de unidade, envolvendo também a comunidade de 7 milhões de refugiados e exilados, trabalhando em conjunto com o movimento global de solidariedade que está a crescer rapidamente. Por outras palavras, as perspetivas palestinas no futuro dependerão da mobilização contínua da sociedade civil global para apoiar ações coercivas não violentas a uma escala mundial. A campanha BDS ( Boycott, Divestment, and Sanctions ) tem vindo a crescer recentemente a um ritmo rápido, em que se tornam mais relevantes as analogias com a luta anti-apartheid que derrubou um regime racista na África do Sul contra todas as expectativas. Esta mudança na tática palestina na direção do que eu tenho chamado de "guerra de legitimidade" parece reforçada na sua plausibilidade pela crescente indignação global perante a tática de Israel, principalmente pelo seu desprezo insensível pela inocência civil dos palestinos. 

21/julho/2014

[*] Investigador associado no Instituto de Economia Levy de Bard College e colunista dum jornal nacional diário grego. Os seus principais interesses de investigação são a integração económica europeia, a globalização, a economia política dos Estados Unidos e a desconstrução do projeto político-económico do neoliberalismo. Ensinou durante muitos anos em universidades nos Estados Unidos e na Europa e é colaborador regular para Truthout assim como membro do Public Intellectual Project da Truthout. Publicou vários livros e os seus artigos têm aparecido numa série de jornais e revistas. Muitas das suas publicações têm sido traduzidas em diversas línguas estrangeiras, incluindo o grego, o espanhol, o português e o italiano.

Tradução de Margarida Ferreira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

BOAVENTURA: A POSSÍVEL EXTINÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL




Criá-lo foi ato desumano de colonialismo. Extinto, pode dar lugar a Estado plurinacional e secular, onde judeus e palestinos convivam pacífica e dignamente

Boaventura de Sousa Santos – Outras Palavras

Podem simples cidadãos de todo o mundo organizar-se para propor em todas as instâncias de jurisdição universal possíveis uma ação popular contra o Estado de Israel no sentido de ser declarada a sua extinção, enquanto Estado judaico, não apenas por ao longo da sua existência ter cometido reiteradamente crimes contra a humanidade, mas sobretudo por a sua própria constituição, enquanto Estado judaico, constituir um crime contra a humanidade? Podem. E como este tipo de crime não prescreve, estão a tempo de o fazer. Eis os argumentos e as soluções para restituir aos judeus e palestinianos e ao mundo em geral a dignidade que lhes foi roubada por um dos atos mais violentos do colonialismo europeu no século XX, secundado pelo imperialismo norte-americano e pela má consciência europeia desde o fim da segunda guerra mundial.

O termo sionismo designa o movimento que apoia o “regresso” dos judeus à sua suposta pátria de que também supostamente foram expulsos no século V AC. Há, no entanto, que distinguir entre sionismo judaico e sionismo cristão. O sionismo judaico tem origem no antissemitismo que desgraçadamente sempre perseguiu os judeus na Europa e que viria a culminar no holocausto nazi. O sonho de Theodor Herzl, judeu austríaco e grande poponente do sionismo, era a criação, não de um Estado judaico, mas de uma pátria segura para os judeus. O sionismo cristão, por sua vez, é antissemita, e a ideia de um Estado judaico deveu-se a políticos britânicos, sionistas e anglicanos devotos, como Lord Shaftesbury, que, acima de tudo, [1]desejavam ver o seu país livre dos judeus-enquanto-judeus. Eram tolerados os judeus cristianizados (como Benjamin Disraeli, que chegou a ser Primeiro Ministro), mas só esses. Esta tolerância estava de acordo com a profecia cristã de que é destino dos judeus converterem-se ao cristianismo. O mesmo sentimento se encontra hoje entre os evangélicos norte-americanos, que apoiam Israel como Estado judaico, bem como a sua desapiedada expansão colonialista contra os palestinianos, por acreditarem que a redenção total ocorrerá no fim dos tempos, com a conversão dos judeus na Parusia (o regresso de Jesus Cristo).

Terá sido Lord Shaftesbury quem, ainda no século XIX, formulou o pensamento “uma terra sem povo para um povo sem terra” que ajudaria mais tarde a justificar a criação do Estado de Israel na Palestina em 1948. E alguns anos mais tarde, foi outro sionista não judeu (Arthur James Balfour) quem propôs a criação de “uma pátria para os judeus” na Palestina, sem consultar os povos árabes que habitavam esse território há mais de mil anos.

“Os Grandes Poderes” (Áustria, Rússia, França, Inglaterra), lê-se no Memorandum Balfour de 11 de Agosto de 1919, “estão comprometidos com o Sionismo. E o Sionismo, correto ou incorreto, bom ou mau, tem as suas raízes em antiquíssimas tradições, em necessidades atuais e em esperanças futuras, que são bem mais importantes do que os desejos de 700.000 árabes que neste momento habitam aquele antigo território”. Urgia, pois, transformar esses árabes em um não-povo. Em 1948, com o beneplácito dos poderes ocidentais, especialmente da Inglaterra, foi criado o Estado de Israel numa Palestina povoada de árabes e 10% de judeus imigrantes.

Argumentava-se então que havia de se encontrar um espaço para o povo judeu, que ninguém queria receber depois do genocídio alemão. Muito antes dessa catástrofe, os sionistas judeus tinham já pensado em vários locais para[2] o seu futuro Estado. No final do século XIX, a região do Uganda, no que é hoje o Quénia, então colónia inglesa, foi ponderada como um possível local para o futuro Estado de Israel. Um espaço na Argentina chegou também a ser considerado. Mais tarde, auscultado sobre um local no norte de África (no que é hoje a Líbia), o rei da Itália, Victor Emmanuel, terá recusado, respondendo: “Ma è ancora casa di altri”. Mas nenhum europeu, por mais preocupado com a situação dos judeus, jamais pensou num lugar dentro da própria Europa. Havia que inventar-se “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Mesmo que fosse necessário obliterar um povo. E assim se vem paulatinamente eliminando um povo da face da terra desde há sessenta e seis anos. A Cisjordânia palestiniana vem sendo desmantelada pelos colonatos ilegais e a Faixa de Gaza transformada em prisão a céu aberto. A extrema-direita israelita é apenas mais estridente do que o governo ao reclamar que os “árabes fedorentos de Gaza sejam lançados ao mar”. O que é espantoso, comenta o historiador judeu israelita, Ilan Pappé em The Ethnic Cleansing of Palestine (2006), é ver como os judeus, em 1948, há tão pouco tempo expulsos das suas casas, espoliados dos seus pertences e por fim exterminados, procederam sem pestanejar à destruição de aldeias palestinianas, com expulsão dos seus habitantes e massacre daqueles que se recusaram a sair. O controverso comentário de José Saramago de há alguns anos de que o espírito de Auschwitz se reproduz em Israel faz hoje mais do que nunca.

Assim foi sacrificada a Palestina, invocadas razões bíblicas e históricas, que a Bíblia não sanciona e a história viria a desmistificar. Muitos judeus, como os que constituem a Jewish Voice for Peace, não são sionistas e consideram que o Estado de Israel, nas condições em que foi criado (um território, um povo, uma língua, uma religião) é uma arcaica aberração [3] colonialista fundada no mito de uma “terra de Israel” e de um “povo judaico”, que a Bíblia nem sequer confirma. Como bem demonstra, entre outros, o historiador judeu israelita, Shlomo Sand, a Palestina como a “terra de Israel” é uma invenção recente (The Invention of the Land of Israel, 2012). Aliás, ainda segundo o mesmo autor, também o conceito de “povo judaico” é uma invenção recente (The Invention of the Jewish People, 2009).

A criação do Estado judaico de Israel configura um crime continuado cujos abismos mais desumanos se revelam nos dias de hoje. Declarada a sua extinção, os cidadãos do mundo propõem a criação na Palestina de um Estado secular, plurinacional e intercultural, onde judeus e palestinianos possam viver pacifica e dignamente. A dignidade do mundo está hoje hipotecada à dignidade da convivência entre palestinianos e judeus.

Na foto: 8/3/2013: Jovem manifestante palestino foge dos guardas de fronteira israelense, durante confronto contra a expropriação de terras palestinas em Kafr Qaddum

EUA BUSCAM SEU NOVO PAPEL NA POLÍTICA INTERNACIONAL




Barack Obama muda a linha de política externa seguida por Washington até então e divide opiniões. Alguns defendem que país mantenha liderança global, enquanto outros não veem mais espaço para uma única superpotência.

A sensação de que algo está errado na política externa dos Estados Unidos não é nova entre os americanos. Provavelmente por esse motivo a população decidiu, em 2008, eleger como presidente um jovem senador que prometia fazer as coisas de maneira diferente e acabar com as duas prolongadas guerras em que o país estava envolvido.

Embora o debate sobre o futuro do papel dos Estados Unidos no mundo viesse fervilhando desde então, ele ganhou impulso definitivo com a recente deflagração de violência no Oriente Médio e na Ucrânia, associada a um artigo do eminente pensador neoconservador Robert Kagan e às críticas a Barack Obama da ex-secretária de Estado Hillary Clinton.

Os argumentos giram basicamente em torno da questão se, no futuro, os Estados Unidos podem e devem ser a superpotência decisiva do mundo, e se a política de retração do poder americano, promovida por Obama, é ou deveria ser a nova norma.

Kagan teme que esse se torne o novo padrão para a política externa americana. Apesar da ascensão da China e das mudanças na estrutura global de poder, ele acha que os EUA podem manter seu papel como única superpotência e configurar o mundo de acordo. O problema, argumenta o jornalista, é que os americanos estão cada vez mais céticos quanto a esse papel inflacionado de seu país.

Distanciamento da política mundial

"Ninguém fez recentemente uma enquete sobre se os Estados Unidos deveriam acorrer em defesa de seus aliados de tratado, numa guerra entre a China e o Japão, por exemplo. Ou se deveria sair em defesa da Estônia num conflito com a Rússia semelhante ao da Ucrânia. As respostas poderiam ser interessantes", escreveu Kagan.

Ele argumenta que, embora a política externa dos EUA nem sempre tenha sido bem sucedida, o balanço é positivo, de maneira geral. "Se tem havido menos agressões, menos limpezas étnicas, menos conquistas territoriais nos últimos 70 anos, é porque os Estados Unidos e seus aliados tanto puniram como impediram agressões, intervieram, algumas vezes, para impedir limpeza étnica, e foram à guerra para reverter conquistas territoriais."

O ensaio de Kagan é um brado de batalha por uma política externa ativista e internacionalista, cujos dias não estão necessariamente contados, contanto que o povo americano queira mantê-la. "O mundo vai mudar muito mais rapidamente do que eles imaginam. E não existe uma superpotência democrática esperando nos bastidores para salvar o mundo, caso esta superpotência democrática falhe."

Influência de fatores externos

Barry Posen, um dos pricipais representantes da tendência realista, não se deixa impressionar. "Robert Kagan tem o direito de acreditar no que quer acreditar e de moldar o mundo de acordo com a 'teoria sobre como o mundo funciona' que ele acredita ser correta", rebateu o professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachussetts, em entrevista à DW.

Assim como Kagan, ele tem uma opinião firme sobre o que está errado com a política externa americana e qual caminho ela deve seguir no futuro – mas sua ideia é diametralmente oposta. Posen acredita que a estratégia de hegemonia liberal global dos EUA fracassou, e que é hora de o país superar sua política externa ativista.

"Com base apenas na tendência de longo prazo – com a China e a União Europeia ficando mais fortes, os poderes médios crescendo, com a difusão da tecnologia militar, o aumento dos custos de aplicar a tecnologia militar –, eu acho que essas coisas estão dizendo aos americanos que não vai ser mais possível eles se promoverem como única superpotência, assumindo a tarefa de cuidar da maior parte dos aspectos econômicos e de segurança da política global", afirma Posen.

Ele cita o estudo do governo americano Global Trends 2030, publicado pelo National Intelligence Council, que mostra três ou quatro grandes poderes globais mais ou menos em pé de igualdade. Enquanto o poder dos EUA e da UE deverá ter decaído até 2030, o da China e da Índia tende a crescer.

Mensagem para a Europa

Diante dessa tendência e do histórico dos esforços americanos de tentar moldar o mundo de acordo com seus desejos, manter-se no mesmo caminho não é apenas fútil, mas também contraproducente, aponta Posen. "Acho que podemos olhar para trás, para os últimos 20 anos, e ver que essa não é uma estratégia vitoriosa."

Ao mesmo tempo, os gastos militares na Europa e em outras partes do mundo despencaram, sendo improvável que voltem a subir. Por fim, "tivemos esses 'clientes' absurdos no Afeganistão e no Iraque, a quem temos tentado assistir de uma maneira ou de outra, que basicamente pegam o nosso dinheiro e nossos meios militares e não aceitam os nossos conselhos. São motoristas imprudentes".

Em consequência, os EUA deveriam cortar dramaticamente sua presença militar global, reduzir seu orçamento de defesa para 2,5% do PIB (em oposição aos atuais 3,8%) e deixar que os europeus tomem sua segurança nas próprias mãos, defende o cientista político.

"Não vivemos perto dessa estranha Rússia, como os europeus. E, deixando de lado as potências menores, basta olhar para os números dos países maiores, Alemanha, Reino Unido, França. Eles dispõem da riqueza, da tecnologia e das armas nucleares para competir perfeitamente com o que quer que tenha restado da Rússia."

Retração não vai durar

Stephen Sestanovich, ex-embaixador americano na União Soviética, concorda que o momento é bastante propício a uma política externa de retração. Ele estudou a fundo a política externa americana desde a presidência de Harry S. Truman (1945-1953) até Obama para seu novo livro, Maximalist.

Segundo o especialista, o atual presidente americano não é apenas um clássico adepto da retração na política externa: "Ele foi especificamente contratado pelo povo americano para esse papel, da mesma forma que Richard Nixon foi contratado para sair do Vietnã, e Dwight Eisenhower, para sair da Guerra da Coreia."

Para Sestanovich, muito do atual debate soa familiar. Depois que a política externa americana é "esticada" exageradamente por um presidente ativista, elege-se com perfil de retração, para limpar a bagunça. Ele diz ser possível que o atual período de menor intervenção seja mais longo do que os anteriores, mas não vai durar. "Acredito que, de uma maneira ou de outra, haverá uma retomada do ativismo americano, para enfrentar desafios que, de outra forma, serão vistos como perigosos demais."

Aliados incapazes

Embora convencido de que está ocorrendo uma difusão do poder global que vai mudar a atual ordem internacional, Stephen Sestanovich acredita que os EUA e seus parceiros são os mais adequados a permanecerem como líderes mundiais, por um bom tempo.

"Os países do BRIC [Brasil, Rússia, Índica e China] não têm nenhum conceito de unidade. Em contrapartida, os EUA e seus aliados têm uma concepção mais unificada de seus interesses. Então, uma das principais questões para as próximas décadas, será verificar se essa concepção se sustenta, se o bloco que se formou em torno dos Estados Unidos, neste meio século, vai continuar a ter a mesma efetividade que teve no passado."

Sestanovich não aceita o argumento de Posen, de que os europeus e outros países deveriam arcar com a maior parte do peso hoje carregado pelos Estados Unidos. "Num mundo ideal, isso seria verdadeiro e possível, claro. Mas quando os americanos olham para a Europa, o Oriente Médio ou a Ásia Oriental, eles não veem outros países capazes de garantir a estabilidade condizente com o nosso interesse e o deles. Então, infelizmente, o papel reduzido que os realistas querem, provavelmente implicaria considerável instabilidade e o crescimento de novos obstáculos aos interesses americanos."

Deutsche Welle – Autoria: Michael Knigge (msb) – Edição: Augusto Valente

Portugal: O BES EXPLICADO ÀS CRIANCINHAS




O dote para impingir a noiva é de quatro mil milhões

Paulo Chitas – Visão, opinião

Era inevitável. Uma família controlava um banco que usava para financiar outros negócios. Estes davam prejuízo mas a torneira nunca se fechava porque tinham a chave do cofre. O dinheiro não era deles: era dos clientes da instituição. Mas este era um banco escravo - só fazia e financiava o que os seus principais donos queriam. Algumas famílias dizem-se reféns da banca - este era um banco refém de uma família.

O banco era como uma loja de guloseimas. Um dia (quarta-feira, 30 de julho) percebeu-se que os frascos com os doces e os chocolates estavam vazios. Foram entregues aos filhos, aos primos, aos sobrinhos e ao próprio dono da loja para organizarem uma festa. Esperavam que esta fosse um sucesso mas a sala ficou vazia. Por isso, não conseguiram pagar as contas. Como o prejuízo da festa foi muito grande, ainda tiveram de ir às prateleiras buscar mais guloseimas para pagar o que faltava saldar. Quando se vez o inventário, as prateleiras estavam vazias. O gato tinha ido às filhós.

Os interessados em comprar uma parte da loja já não queriam pagar por ela o que valia mas já não vale. Embora tivesse uma bonita montra verde virada para a rua principal, perdeu metade do valor em menos de um minuto. Nos quatro meses em que se foi sabendo que de arromba a festa passou a rombo, o valor da loja caiu 85%. Se antes o dono a trocaria por uma mansão em Cascais, com jardim, criados e muitos quartos, agora nem por uma cabana de montanha. Talvez desse para um abrigo de pescadores nas praias de Grândola, de pobrezinhos.

Diz o presidente da associação de lojas de guloseimas que há interessados na loja. Mandou geri-la por um dos seus e quer pô-la à venda para ver o que se salva. É preciso pagar o açúcar, as amêndoas, os ovos e a baunilha aos fornecedores. Uma instituição assim, que durante tantos anos produziu, distribuiu e vendeu as mais doces guloseimas do país, e até da Suíça, do Luxemburgo e de Angola, não pode morrer inglória. E não pode arrastar consigo os fornecedores, os distribuidores, os que pagaram as encomendas mas nunca viram as guloseimas sobre a mesa. E a loja tem uma montra verde muito bonita.

Mas quererá alguém comprá-la? Não é como aquela noiva vestida com as mais belas sedas mas com joanetes pontiagudos a deformarem o sapato? Sob o belo chapéu de penas não vai ela careca? Consegue a maquilhagem esconder a verruga no lábio superior? Ou as luvas as unhas sujas?

O presidente da associação diz que sim, que há pretendentes. Mas o Silva, modesto e pouco habituado a guloseimas à sua mesa, não é parvo: suspeita que aquela noiva ninguém vai querer. O dote para a impingir é tão grande - quatro mil milhões, diz-se na rua. Como se vai tanto dinheiro juntar? Só se o povo se coletar pois tão grande maquia é difícil de arranjar. Mas como pedir aos que nunca provaram tais iguarias, que as paguem? Talvez dizendo que é um desígnio nacional, pois um país não pode ficar com uma noiva assim.

Moral da história: a loja tem uma montra verde muito bonita que dá para a rua principal.

*artigo de opinião em Visão de 1 de Agosto 2014

Portugal: ALGARVE TEM 75 PRAIAS EM PERIGO DE DERROCADA MAS NINGUÉM LIGA




Pelo menos 75 praias do Algarve apresentam arribas com sinalização que alerta para o risco de derrocada, de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente, mas a maior parte continua a servir de encosto para veraneantes

Cinco anos depois da derrocada na praia Maria Luísa, em Albufeira, na qual morreram cinco pessoas e três ficaram feridas, os perigos continuam à espreita, uma vez que as zonas de risco - que correspondem à área passível de ser ocupada pelos resíduos de desmoronamentos, com largura igual a 1,5 vezes a altura da arriba - continuam a ser ocupadas.

A Agência Portuguesa do Ambiente enumera, na sua página na internet, uma lista das praias algarvias cujas arribas estão em risco - costas rochosas que são permanentemente ou periodicamente expostas à ação do mar - sendo o concelho de Albufeira aquele que mais apresenta este problema, num total de 24 praias.

O concelho de Lagoa surge na segunda posição com 17 praias sinalizadas, seguido de Vila do Bispo (11), Portimão (9), Aljezur (7), Lagos (5) e Silves (2).

A Marinha Portuguesa avançou à agência Lusa que a zona do barlavento algarvio é aquela onde a sua atuação é maior, nomeadamente entre a praia da Falésia (Albufeira) e a praia de Odeceixe, na Costa Vicentina, onde, pela "natureza do terreno existem falésias.

De acordo com a autoridade, as pessoas passaram a revelar dois tipos de comportamento depois do acidente ocorrido em 2009 na praia Maria Luísa: há aquelas que têm "maior sensibilidade para o problema e que se acautelam, outras que são totalmente indiferentes".

Ainda assim, a "grande maioria" dos banhistas aceita os conselhos da autoridade quando a Polícia Marítima vai autuar e sensibilizar para os perigos que estão sujeitos por se encontrarem em zonas de perigo.

Este ano, e até 31 de julho, ainda não foi registada qualquer contraordenação neste âmbito, explicando a Marinha que, desde 2009, foram passados nove autos no continente e ilhas, por transposição de barreiras de proteção e acesso a zonas de arribas interditas e por permanência em zonas de perigo e assinalada devido a risco de derrocada.

Foram ainda, de acordo com os dados da Marinha Portuguesa, detetadas 251 infrações relativas à proibição de circulação e estacionamento nas praias, dunas e arribas, fora dos locais estabelecidos para esse efeito.

Segundo dados do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, o valor estimado para a percentagem de território nacional afetado por erosão costeira ronda os 30%, numa extensão de costa de cerca de 845 quilómetros, composta por troços de costa arenosa (praias e dunas) e rochosa (arribas).

Três anos depois do acidente mortal em Albufeira, o Governo decidiu que as praias de falésia e areal reduzido passavam a ter uso limitado e agravou as coimas para banhistas acompanhados de crianças que estejam em zonas interditas.

As multas podem ir dos 30 aos 100 euros no caso de permanência em zonas interditas ou, se forem usadas para qualquer outro fim ou atividade, incluindo o acesso, atravessamento ou a circulação a pé.

Este ano, segundo a lista publicada em Diário da República, após avaliação técnica no terreno, são 30 as praias portuguesas de uso limitado (29 no continente e uma na Madeira), nas quais não é possível guardar uma determinada distância de segurança relativamente à arriba, por exemplo em maré cheia.

O concelho algarvio de Lagoa é aquele que apresenta o maior número de praias de uso limitado, com sete, seguido de Vila do Bispo (três), Lagos e Albufeira (duas), Portimão e Aljezur (uma) e duas na Zambujeira do Mar, concelho de Odemira.

Na costa lisboeta, surge uma praia de uso limitado em Cascais, três em Sintra enquanto na zona oeste encontra-se uma em Peniche, Mafra e Torres Vedras e duas em Óbidos e Lourinhã. 

Visão

Portugal: SEM EMENDA



Fernanda Mestrinho – jornal i, opinião

Os “Anjos” com uma OPA ao Espírito Santo (Saúde), esta ironia, só podia mesmo acontecer-nos a nós. Já estamos por tudo.

Chineses, mexicanos, brasileiros, angolanos, americanos ou franceses compram tudo o que há para comprar. Somos a Feira da Ladra do investimento estrangeiro. 

Não temos emenda na desgovernação. Como o encanto do passado é ser passado, reli no livro de José Manuel Tengarrinha um texto da Comissão de Censura, de 1826/27, para a Sereníssima Senhora D. Maria II com um problema, o da escassez de censores. Passo a citar: “A Comissão de Censura […] achando-se reduzida a muitos poucos membros, está por isso muito arriscada a parar o seu expediente. A causa disto é porque, de 12 censores nomeados por Vossa Alteza Sereníssima, três nunca apareceram […] Alguns são empregados em cadeiras públicas, outros têm alcançado licença e outros têm adoecido.” O primeiro subscritor, Frei Miguel do Carmo, dos poucos que trabalham, solicita providências para que “os actuais censores possam descansar e não se expor a Comissão ao perigo de parar o expediente”. A falta de organização vem de longe. Quando há, somos dos melhores.

E também a liderança. Um obsessivo cruzadista fora do tempo, D. Sebastião avançou para Alcácer Quibir como se fosse para uma festa de gala. O historiador Oliveira Martins conta que terão sido encontradas nas areias 10 mil guitarras. Pormenor: perdemos a independência durante 60 anos. E quanto tempo para nos desendividarmos? Não temos emenda.

Jornalista/advogada - Escreve ao sábado

Portugal: TRANQUILIDADE VENDIDA POR 215 MILHÕES



Ana Suspiro - jornal i

A seguradora estava contabilizada pelo custo de aquisição nas contas da accionista Partran, que foram ainda aprovadas em Maio

A seguradora Tranquilidade estava valorizada em 515,4 milhões de euros no final do ano passado, nas contas da Partran, sociedade que era a única accionista da companhia.

As contas aprovadas em Maio, pela administração liderada por Ricardo Salgado, registavam um valor de balanço pelo custo de aquisição de 515,354 milhões de euros. O valor patrimonial da participação detida na Tranquilidade, o único activo desta empresa, era de 358,193 milhões de euros. A Partran, detida pela Espírito Santo Financial Group (holding que está sob gestão controlada controlada no Luxemburgo), distribuiu dividendos de 9 milhões de euros este ano, numa deliberação aprovada a 23 de Maio de 2014.

Seja o valor de balanço, seja o valor patrimonial, os números contrastam com os montantes agora falados para a venda da Tranquilidade e estão ainda mais longe da avaliação de 700 milhões de euros que chegou a ser feita para a empresa. Este valor terá servido de base ao penhor constituído a favor do Banco Espírito Santo (BES), e que passou para o Novo Banco, como garantia de reembolso dos clientes de retalho que compraram dívidas das empresas do Grupo Espírito Santo (GES).

O preço proposto pelo fundo Apollo para a seguradora, 215 milhões de euros, será o valor mais alto no processo de venda iniciado há meses. Entretanto foram detectadas nos activos sob gestão aplicações de 150 milhões de euros em produtos de dívida das holdings do GES que estão em processo de protecção de credores.

Os termos do acordo ainda em negociação prevêem que o novo accionista injecte 140 a 150 milhões de euros na Tranquilidade para repor os rácios financeiros mínimos exigidos. O encaixe líquido para o Novo Banco seria assim de apenas 50 milhões de euros, segundo avançou ontem o "Jornal de Negócios". Contactada pelo i, fonte oficial do banco confirma que a receita ficará na instituição, mas não confirma os números ontem noti- ciados, acrescentando que o processo não está fechado nem tem prazo para ser fechado.

A seguradora está sob apertada vigilância do Institutos de Seguros de Portugal (ISP), que pressionou uma venda rápida a um accionista com capacidade financeira, de forma a resolver o quanto antes as insuficiências de capital detectadas.

Foto: Mário Cruz/Lusa

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