Rui Peralta, Luanda
Bancos africanos: a expansão
Em África o sector bancário está em ebulição. Assiste-se
a uma fulgurante expansão de grupos financeiros africanos, em concorrência
aberta com os bancos europeus implantados, desde longa data, no continente. O
sector bancário será (e já é, em alguns mercados) um dos mais potentes motores
auxiliares do desenvolvimento no continente africano.
África é uma das regiões mais
"bancarizadas" da economia-mundo com aproximadamente 20% da população
do continente a dispor de serviços bancários. O sector bancário africano
adquiriu robustez nos últimos dez anos, atingindo uma taxa de crescimento anual
de 12%, alicerçado nas camadas mais abastadas da população (burguesias
nacionais e camadas derivadas das burocracias africanas "lançadas" no
mercado), grandes empresas e Estados.
Para continuar a crescer há, no
entanto, que explorar outros nichos de mercado, servir mais clientes, produzir
produtos e serviços para as classes médias, para os sectores produtivos
(agricultura e industria), PME, emigrantes (captando poupanças em divisas) e
imigrantes (aproveitando as necessidades de consumo dos residentes estrangeiros
e prestando-lhes serviços que os levem a preferir os bancos locais em
detrimento dos bancos de origem). Nos próximos 5 anos estima-se a duplicação
dos retornos, cuja causa principal será o acréscimo de 15 a 20 milhões de euros
provocada por estes nichos de mercado. Que outro sector apresenta estas cifras?
Além do mais os bancos africanos possuem uma vantagem estratégica: agilidade.
Os bancos europeus não são ágeis
nos movediços mercados africanos. Apresentam dificuldades diversas ao nível das
suas estruturas enormes e "pesadas" e ao nível da tipologia de
clientes. As especificidades dos mercados africanos são difíceis, para os
bancos europeus, de absorver e de identificar. Observe-se a situação na África
francófona. A Societé General (SG), bem implantada na região, estabeleceu o
objectivo de abrir entre 50 a 75 novas agências até 2020. Outro grupo francês,
o BPCE, afirmou recentemente a intenção de realizar aquisições na região e o
BNP-Paribas - discreto na sua estratégia para o continente - procede á
restruturação do seu estado-maior para o continente, ao mesmo que anuncia (sem
quantificar) a abertura de novas agências "durante os próximos anos".
Agora, na mesma região, observe-se
o comportamento e a "performance" dos bancos africanos: 3 bancos
marroquinos (Attijariwaffa, BMCE e BCPM) substituem, aos poucos, os bancos
franceses. Detêm cerca de 30% das agências na região enquanto a SG e o Paribas
apenas 15%. Entre 2007 e 2014 os marroquinos passaram de actores secundários a líderes
das operações na Africa francófona. Esta expansão deve-se às aquisições
efectuadas pelo Attijariwaffa, que adquiriu o Crédite Agricole, ou do BMCE que
assumiu posição maioritária no Bank of Africa, ou ainda do BCPM que ultrapassou
a posição do francês BPCE no Banque Atlantique. A politica de expansão dos
bancos marroquinos (o principal deles é o Attijariwaffa, nascido de uma fusão
em 2004, o banco com maior numero de agencias na Africa francófona) é agressiva
e a sua dinâmica deixa para trás os bancos franceses na região.
Na África Oriental, onde o britânico
Barclays e o sul-africano Standard Bank partilham o mercado, os nigerianos da
UBA e o pan-africano Ecobanc - criado no Togo - apresentam-se como novidades
tentadoras no mercado. O Ecobank tornou-se o principal acionista de um banco do
Qatar, em 2007, passando de 400 agências para mais de 1200, na Africa Oriental
e península arábica. Entre 2007 e 2014 o seu lucro líquido passou de 65 milhões
de euros a mais de 400 milhões.
Nos próximos 5 anos assistiremos a
uma consolidação de posições dos bancos africanos em todo o continente. Na
região da Africa francófona (um dos mais promissores, em função das rotas
comerciais históricas que ligavam o Oriente ao Atlântico e ao centro do
continente através das caravanas) os novos bancos africanos possuirão 3/4 das agências. Ter em atenção que esta expansão é feita em detrimento da rentabilidade, o que implicará,
no curto-prazo, criar um modelo operacional eficaz que faça prevalecer as
margens.
Mas para que a actuação dos bancos
africanos concretize a sua função motora é necessária (e vital) a integração do
mercado africano, ou seja, uma África sem fronteiras internas...
RMB: Uma nova moeda-padrão para
África?
Na África do Sul - a primeira
parceira comercial africana da China - por ocasião da visita do ministro chinês
dos Negócios Estrangeiros em Março/Abril, foi assinado um acordo para a criação
de uma plataforma de trocas entre as moedas dos dois países, que facilita as transações
Rand/RMB. Quatro motivos levaram os dois países a liberalizarem as suas trocas
monetárias: 1) ambos pertencem ao BRICS, no seio do qual existem diversos
acordos que permitirão às respectivas moedas circularem livremente no espaço
BRICS; 2) A importância, para a China, da parceria estratégica com a maior e
mais evoluída economia (e sociedade) africana e para a economia sul-africana a importância
decisiva do relacionamento económico com a economia de maior crescimento no
mundo e com a sociedade que maiores transformações sofre na actualidade; 3) a
criação do Banco Asiático de Investimento para as Infraestruturas (AIIB),
liderado por Pequim e onde a Africa do Sul e o Egipto são dois importantes
associados africanos; 4) O rápido processo de internacionalização do RMB.
E é este último factor que para
África é motivo de febril agitação nos mercados financeiros. O RMB corre no
Ghana, na Nigéria, nas Maurícias e recentemente até no auto-empobrecido
Zimbabwe, que juntou o RMB ao dólar australiano (parece que Mugabe não
prescinde da moeda dos "ladrões de cavalos" como denominou os
australianos no tempo em que foi assolado pela "febre racista"
encapotada de "reforma agrária". Hoje o dólar australiano é
imprescindível para os "black farmers" - uns híbridos tipo
"empresários patriotas" - e para a “escloserada” mão estendida de
Mugabe e sua pandilha), ao yen japonês á rupia indiana, ao dólar namibiano e ao
rand sul-africano, as principais moedas transacionadas no mercado zimbabweno.
Evidente que os 50 mil milhões de
USD em moeda chinesa que Pequim colocou no AIIB têm um grande peso na
internacionalização do RMB. 57 países são sócios fundadores do AIIB e todos
eles reconhecem a função de liderança da China na instituição, logo todos eles
(com a UE em primeiro plano) são "pró-RMB", agilizando a
internacionalização desta moeda. Por outro lado os chineses parecem preocupados
com as flutuações do USD e com o comportamento do Euro (ambas as moedas
principais das enormes reservas em divisas da China) preferindo financiar
directamente os projectos com a sua moeda.
Mas a integração do RMB nos
mercados internacionais assume especial importância para África em função do
volume das trocas comerciais com a China, que após o ano 2000 multiplicou-se
por 20, atingindo os 200 mil milhões de USD, mais do dobro do volume de trocas
com os USA. Para a China estas trocas comerciais com África geram imensas
mais-valias financeiras, uma vez que o RMB no continente africano é operado
pelo Exim Bank, um banco chinês de import-export que actua de forma predatória
nas "deslumbradas” e incautas economias africanas mais débeis, que vêm as
suas reservas em dólares e euros serem sugadas para alimento das reservas
chinesas (cerca de mil bancos em 85 países utilizam o RMB nas suas
transferências. O sul-africano Standard Bank, que tem no chinês ICBC um dos
principais acionistas, gere contratos comerciais em RMB em 6 países africanos e
prepara-se para "assaltar" o RMB que será utilizado em metade das
trocas China/África, no curto-prazo.
O elevado montante do investimento
chinês na economia-mundo - nomeadamente em África - é factor-chave da internacionalização
da moeda chinesa (até aqui acantonada nas fronteiras chinesas) embora o RMB
seja ainda a quinta moeda mais utilizada nos câmbios internacionais (muito
longe do USD que mantem a predominância). No entanto ao financiar directamente
os investimentos internacionais na sua moeda a China reforça o RMB a
curto-prazo. Após 2009 África é uma peça fundamental na geoeconomia chinesa e
no segmento monetário o continente desempenha um papel importante para o RMB
(No passado recente o Zimbabwe ponderou a possibilidade de utilizar o RMB como
moeda nacional, o que não constitui novidade: na década de 80 Israel ponderou a
possibilidade de adoptar o USD, por exemplo).
Numerosos bancos centrais
africanos, como o nigeriano, possuem o equivalente a 10% das suas reservas de
divisas niveladas ao RMB e esta prática acabará por ser generalizada em todo o
continente devido ao crescendo das trocas África/China e o RMB é já quotidianamente
utilizado nas transações em África. Mas atenção! Afastem essa ideia do RMB
(assim como do USD, ou qualquer outro) moeda-padrão. Pensem, por breves
momentos no padrão-ouro...
Bandung: Capitais asiáticos
"para África, em força"
Nos dias 22 e 23 do passado mês de
Abril realizou-se em Jakarta, Indonésia a Cimeira Ásia - África, que celebrou o
60° aniversário da Conferência de Bandung, que no ano de 1955 proclamou os 10 Princípios
de Bandung: 1. Respeito pelos Direitos Humanos e pelos princípios e fins da
Carta das Nações Unidas; 2. Respeito pela soberania e integridade de todas as
nações; 3. Reconhecimento da igualdade de todas as raças e de todas as nações;
4. Abstenção de intervenções ou interferências nos assuntos internos de outros
países; 5. Respeito pelo direito de toda a nação defender-se por si ou em
colaboração com outros Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas;
6.a) Abstenção de participar em acordos de Defesa colectiva com o fim de
favorecerem interesses particulares de uma das grandes potências; b) Abstenção
por parte de todos os países a exercer pressão sobre outros países; 7.
Abstenção de actos de ameaça, de agressão e do uso da força contra a
integridade territorial ou a independência política de qualquer país; 8.
Composição de todas as vertentes internas com meios pacíficos, como tratados,
conciliações, arbitragem ou composição judicial, assim como também com outros
meios pacíficos, segundo a livre selecção das partes, em conformidade com a
Carta das Nações Unidas; 9. Promoção da cooperação reciproca; 10. Respeito pela
justiça e pelas obrigações internacionais.
O objectivo da Conferência de
Bandung de 1955 foi o de estabelecer consensos e estratégias para o combate ao
colonialismo e ao neocolonialismo. Em simultâneo (resultante dos consensos
estratégicos e das estratégias consensuais) iniciou-se a cooperação com a URSS
e com o espaço do COMECON. Os consensos e estratégias conduziram ao Movimento
dos Não-Alinhados, fundado na I Conferência de Belgrado, no ano de 1961, na
qual participaram 28 países (na actualidade este bloco é formado por 120
Estados).
Após a implosão da URSS e do
desmoronamento das "conquistas irreversíveis" do "socialismo
real" os USA erguem o "anúncio luminoso" de uma eventual Nova
Ordem Mundial, alicerçada na hegemonia norte-americana, nos princípios económicos
neoliberais e na mitologia do "fim da História", período a que
corresponde um enfraquecimento do Movimento dos Não-Alinhados e á paralisia da
cooperação afro-asiática. A situação começou a alterar-se quando ficou patente
aos olhos de todos que a campanha publicitária da Nova Ordem Mundial
norte-americana não passava de um embuste, de um "bluff" típico dos
jogadores de Poker e que afinal a economia-mundo estava perante uma
"Caótica Desordem Global", geradora de resultados negativos no médio
e longo- prazo. O crescimento económico chinês e a "ressurreição" da Rússia
em 2000 trouxeram ventos favoráveis á cooperação Asia-África e em 2005, na
Indonésia, o 50° aniversário da Conferência de Bandung foi comemorado com uma
Cimeira Ásia-África que produziu a declaração da Nova Aliança Estratégica Asiático-Africana,
assente na solidariedade politica, cooperação económica e relações socioculturais,
assinada por 106 Estados (54 da Ásia e 52 de África). Na Cimeira foram, ainda,
discutidos e aprovados mecanismos de acompanhamento e aprofundamento da
institucionalização da nova organização que realiza uma conferência empresarial
de 4 em 4 anos e uma conferência ministerial de 2 em 2 anos.
O comércio entre Ásia e África
baseia-se nas matérias-primas exportadas por África (petróleo, cobre, cobalto,
cadmio, ferro, platina, ouro e diamantes). É, sem dúvida, um comércio
importante para África, mas a continuidade e o aprofundamento vantajoso destas
relações comerciais dependem da resolução das contradições e assimetrias
existentes entre o mercado africano e asiático, principalmente de dois desses
factores: 1) a integração. O mercado asiático encontra-se num avançado estádio
de integração, o que não acontece com o mercado africano (um débil complexo de
mercados nacionais, maioritariamente neocolonizados); 2) os níveis de
desenvolvimento. Na Ásia encontram-se mercados de primeiro-mundo, segundo-mundo
(maioria) e terceiro-mundo. Existem, ainda, muitos nichos de quarto-mundo. Mas
em África a situação é inversa. Não existem mercados de 1° mundo, apenas alguns
nichos, poucos mercados de 2° mundo (Africa do Sul é a única economia em vias
de tornar-se um mercado de 1° mundo, os restantes mercados de 2° mundo em
estágio avançado - mas ainda com caminho a percorrer e reformas a efectuar são
Egipto, Nigéria, Marrocos e Botswana), muitos mercados de terceiro-mundo e
alguns mercados de quarto-mundo. É um continente ultraperiférico, que necessita
de resolver com urgência as problemáticas do seu desenvolvimento e de remover
os obstáculos á sua integração.
(continua)