segunda-feira, 4 de junho de 2012

FÁTIMA, FADO E FUTEBOL




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Cristiano Ronaldo, Madonna, Lady Gaga, Beyoncé e Elton John são algumas das celebridades que se associaram a uma campanha de luta contra a fome no Corno de África.

Quando, no dia 11 de Junho de 2009, o Real Madrid ofereceu ao Manchester United 93 milhões de euros pela transferência de Cristiano Ronaldo, ficou a saber-se que mais de 200 milhões de crianças continuavam a ser forçadas a trabalhar diariamente no Mundo.

A ONU estima em mais de 12 milhões o número de pessoas no Corno de África ameaçadas e aponta a necessidade de uma ajuda de 1600 milhões de euros.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), "três em cada quatro desses 200 milhões de menores estão expostos às piores formas de exploração laboral".

No entanto o mundo parou porque, isso sim, estavam em cima da mesa (não sei se algum passou por baixo) os 93 milhões de euros que o Real Madrid oferecera ao Manchester United.

Isso é que era relevante. O facto de três em cada quatro crianças e adolescentes que trabalham estarem expostas às piores formas de exploração laboral infantil (tráfico humano, conflitos armados, escravatura, exploração sexual e trabalhos de risco, entre outros), ficou fora de jogo.

Segundo a OIT (que, obviamente, não analisa a transferência de Cristiano Ronaldo), era (como é e será) de salientar os desafios no combate ao trabalho infantil, sobretudo aquele tipo de trabalho que envolve raparigas, discutir o impacto que a crise económica mundial pode ter no agravamento deste flagelo, bem como enfatizar o papel fundamental da educação na solução do problema.

No entender da OIT, a "abolição efectiva" da exploração laboral das crianças -que "são privadas de direitos básicos, como educação, saúde, lazer e liberdades individuais" - é um "dos maiores e mais urgentes desafios do nosso tempo".

Nada disso. Urgente é debater o Campeonato da Europa de Futebol ou algo semelhante.

A expansão do acesso ao ensino básico, com muitos países a eliminaram as propinas escolares, a implementação de programas de transferência social e uma maior participação dos Governos, que estão a ratificar as convenções da OIT sobre o trabalho infantil, são alguns dos progressos mundiais mencionados pela organização.

Entretanto nas ocidentais praias lusitanas, pela mesma altura, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, subscreveu afirmações das “gentes do mundo do futebol” de que se ultrapassaram os “limites razoáveis” na transferência de Cristiano Ronaldo para o Real Madrid mas desejou felicidades ao jogador.

Mero exercício de hipocrisia. Isto porque, como sabe Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho, a população portuguesa (sobretudo os cidadãos de segunda classe, todos os que, como nos velhos tempos) alimenta-se de Fátima, do Fado e do Futebol.

“Acompanho aquilo que foi dito sobre esta matéria. Pagar quase 100 milhões de euros pela transferência de um jogador, nunca me passou pela cabeça”, afirmou na altura Cavaco Silva em Nápoles, Itália, à margem do encontro dos Chefes de Estado do Grupo de Arraiolos.

É pena que não passe pela cabeça dos responsáveis, seja de Portugal ou de qualquer outro país. Depois não nos venham dizer que é crime a plebe sair à rua e fazer justiça pelas suas próprias mãos.

“Gostaria que Portugal fosse mais conhecido pela inovação, pela modernização e pela sua competitividade”, acrescentou Cavaco Silva.

Pois é. Também os desempregados (um milhão e duzentos mil) que (sobre)vivem em Portugal gostariam. Mas como não é isso que acontece, um dias destes resolvem não mudar de país mas, isso sim, mudar de políticos... nem que para tal tenham de ressuscitar, ou apoiar, um qualquer António de Oliveira Salazar.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: O MPLA AGRADECE, MAS NÃO EM PORTUGUÊS…

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

A ágora africana (2)

África e a India

O comércio entre Africa e a União Indiana rondará os 90 mil milhões de USD em 2015. O ano de 2011 fechou com 62 mil milhões de USD, enquanto a rede comercial China-Africa, fechou 2011 com 160 mil milhões de USD.

Nigéria

A composição da classe média nigeriana sofreu no último decénio, uma alteração substancial, crescendo dos 7 milhões de pessoas para 64 milhões. O incremento deveu-se ao facto de largas camadas da população, originarias das zonas rurais, melhorarem substancialmente o seu nível de vida ou pelo impacto das pequenas indústrias, ou pelo impacto do comércio rural local, passando a usufruir de rendimentos que a incluem na camada baixa da classe media. De referir ainda que o impacto do sector bancário e das seguradoras, que incrementaram a sua mão-de-obra em numero e em salário, para além do sector petrolífero, que cada vez emprega mais mão-de-obra especializada nigeriana.

No entanto a Dangote Cemente, o maior grupo privado nigeriano, prepara-se para aparecer no próximo ano no London Stock Exchange, sendo o seu processo de apresentação dirigido pela JP Morgan e pelo Morgan & Stanley. A Dangote Cemente planeia um investimento de 7 mil milhões de USD nos sectores da energia, petroquímica e mineração da economia nigeriana, nos próximos 4 anos. Para isso conta com empréstimos de 4,5 mil milhões de USD provenientes de instituições financeiras internacionais. Simultaneamente, vai ser criado por esta parceria, um fundo para incrementar a produção de electricidade em 2 mil MW.

Por sua vez a nigeriana Notore Chemical Industries (NCI) irá realizar um oferta pública inicial em 2013, para financiar uma nova fábrica de fertilizantes. A NCI estimou o investimento em 1 milhão de USD, no seguimento do seu plano de aumento de produção para 750 mil toneladas cúbicas.

Ghana

De acordo com a Tullow Oil o maior campo do Ghana, o Jubilee, produziu 30 milhões de barris em 2011.

Moçambique

A Sumol Compal Moçambique, planeia investir 10,4 milhões de USD na produção local de sumos de frutas e néctares, para o mercado interno exportação para a SADC.

Um grupo sul-africano vai investir 1 milhão de USD na produção de açúcar na província da Zambézia. O projecto envolve uma área de plantação de 10 mil hectares e uma fábrica de açúcar (a quinta fábrica de açúcar em Moçambique). O projecto criará 3 mil postos de trabalho directos e indirectos.

África do Sul

O governo sul-africano criou um programa de 755 milhões de USD para investir em infraestructuras, nos próximos 3 anos. O Ministro do Comércio, Rob Davies, anunciou o programa e os seus objectivos, que têm por fim ajudar as indústrias sul-africanas afectadas pela crise mundial, incrementando o seu interesse no crescente mercado interno, implementando os seus produtos e aumentando os níveis de formação da mão-de-obra.

A China e os PALOP

Os PALOP irão beneficiar de um novo Fundo para a Cooperação e Desenvolvimento, criado pela China, com um capital inicial de 200 milhões de USD, dos quais 50 milhões são atribuídos pelo governo regional de Macau, geridos pelo China Devellopment Bank Capital Corporation LTD em parceria com o Fundo para o Desenvolvimento Industrial e Comercial de Macau. Em 2011 as relações comerciais entre a China e os PALOP, totalizaram 117 mil milhões de USD.

O Banco Mundial e a África subsariana

O Banco Mundial projecta investir 3,5 mil milhões de USD em países da Africa subsariana, em infraestructuras, durante 2012. Em 2011, os programas do BM para investimentos em infrestructuras foram de 2 mil milhões de USD e para 2013 estão programados 4 mil milhões de USD. Três projectos no sector de energia elétrica (Quénia, Tanzânia e Nigéria) e uma linha rápida de transportes ferroviários entre o Quénia e o Uganda, irão receber um financiamento de 60 milhões de USD, enquanto 100 milhões de USD serão depositados no Kenya’s Equity Bank para criação de um fundo de apoio a pequenas e médias empresas industriais e na produção de novas tecnologias.

Agronegócios em África

A Zeder Investiments lançou em 2010 um fundo de 46,7 milhões de USD, para aquisição e expansão de negócios no sector agrícola, o Chayton Africa, um fundo de investimento a longo prazo. A primeira aplicação deste fundo foi na Zâmbia, em 2010. Actualmente produz 10% do total da soja zambiana e 5% do total da produção de trigo.

O Fundo para a Agricultura Africana, um fundo estabelecido para estimular o crescimento do comércio rural, vocacionado para pequenas e medias empresas do sector, expandiu o seu capital de 30 milhões de USD para 100 milhões de USD.

O Standard Chartered Bank, através da sua divisão Africa Private Equity, suportou com 74 milhões de USD a ETG, uma empresa tanzaniana do sector do agronegócio em projectos na Tanzânia e colocou na empresa mais 500 milhões de libras para investimentos da empresa na Tanzânia, Quénia, Zâmbia e Botswana.

Quénia

Começa este mês a construção do projecto de energia eólica do lago Turkana (LTWP), estimado em 582 milhões de libras, com financiamentos coordenados pelo Banco Mundial sob supervisão do Banco Africano para o Desenvolvimento (BAD). O LWTP venderá a electricidade produzida á Kenya Power. Este projecto criou 2500 postos de trabalho provisórios, por 32 meses e 200 postos de trabalho permanentes.

Nigéria e África do Sul

A Nigéria e a África do Sul vão beneficiar de 280 milhões de USD durante 5 anos, por parte da African Venture Capital Association (AVCA) para aplicação nos negócios ambientais e segurança ambiental nos sectores petrolífero, gás, telecomunicações e imobiliário.

Gabão

O Gabão vai investir 183 milhões de USD no desenvolvimento da plantação de borracha e na abertura de uma fábrica, em parceria com a Olam, uma multinacional de Singapura. A parceria, na qual o governo gabonês participa com 20% do capital, tem por objectivo o desenvolvimento de 28 mil hectares de plantação e a construção de uma unidade fabril para o processamento da borracha. A construção da fábrica será inicias em 2013 e finalizará em 2019, sendo a sua abertura para 2020. A plantação prevê produzir 62 mil toneladas por ano e fábrica processará 225 toneladas por dia. Serão criados 6 mil postos de trabalho directos e 5 mil indirectos. A Olam será responsável pela formação profissional da mão-de-obra. O projecto prevê ainda a construção de 3366 casas, várias escolas básicas, médias e centros de formação profissional e institutos politécnicos além de centros de saúde. Os acordos foram estabelecidos no âmbito dos standards internacionais da Corporate Social Responsibility.

Zimbabwe

A Mwana Africa vai restabelecer o seu projecto de extracção de níquel no Zimbabwe, num investimento de 35 milhões de USD em parceria com a China International Mining Group Corporation (CIMGC) que irá adicionar mais 21,2 milhões de USD. A Mwana Africa é maioritária na zimbabuana Bindura Nickel Corporation (BNC) e vai reactivar a produção de níquel na mina de Trojan. Numa primeira fase a mina produzirá 7 mil toneladas por ano de níquel concentrado. No entanto a capacidade da mina é de 1,1 milhões de toneladas ano.

Por outro lado a Impala Platinium e o governo zimbabuano concordaram em rever a partilha da Zimplats, subsidiária da Impala Platinium, atribuindo 10% dos lucros da Zimplats para projectos comunitários, 10% para os empregados e 31% para o National Indigenisation and Economic Empowerment Fund. Este acordo foi forçado pela Impala Platinium, que num longo braço de ferro com o governo zimbabuano, reclamava pela falta de transparência dos dinheiros geridos pela Zimplats e pela forma como o governo do Zimbabwe retirava todos os lucros da subsidiária.

Republica Democrática do Congo

A Mwana Africa e a CIMGC vão retomar os projectos de Zani Kodo (ouro) e de Semkhat (cobre e cobalto) na RDC. O projecto de extracção de ouro de Zani Kodo irá receber 12 milhões de USD para exploração e estudos de viabilidade e o projecto de cobre e cobalto de Semkhat irá receber 6 milhões de USD para actividades de exploração, prospecção e início da produção de 10 mil toneladas por ano de cobre em Kibolwe. Serão também investidos 12 milhões de USD em equipamento, manutenção, formação e criação de infraestruturas, nos dois projectos.

Etiópia

Um projecto de desenvolvimento da produção de açúcar está em curso no Nordeste da Etiópia, inserido no Plano Quinquenal de Crescimento e Transformação, que prevê a criação de 10 fábricas de açúcar. A área do projecto cobre 40 mil hectares, dos quais 10 mil hectares são usados para a construção de uma fábrica e zona residencial para os empregados do projecto. O projecto criará 10 mil empregos e prevê a construção de diques e linhas de irrigação. Os residentes poderão beneficiar das actividades pesqueiras e os residuais da produção, que não forem reutilizáveis no açúcar serão utilizados na alimentação animal.

Fontes
African Business, nr. 386, May 2012

Brasil: MTE resgata 12 trabalhadores escravizados em fazenda de pecuária



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Foram resgatados 12 trabalhadores em condições degradantes de trabalho, de saúde e de vida em uma fazenda de pecuária em Castanheira, a aproximadamente 800 quilômetros de Cuiabá.

A ação foi realizada por uma equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Superintendência Regional do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, com apoio de policiais do grupo de operações especiais. Segundo os auditores fiscais, os trabalhadores estavam em condições subumanas.

Os empregados haviam sido contratados pelo filho do fazendeiro para fazer o roçado de pasto e aplicação de agrotóxico na propriedade, que possui cerca de 8 mil cabeças de gado. Os trabalhadores estavam alojados em barracos de lona em meio ao mato.

Além disso, não tinham carteira assinada e não realizaram exames médicos. A água para beber, preparar refeições e tomar banho era retirada de um córrego e não passava por qualquer sistema de tratamento.

O local não possuía instalações sanitárias e os empregados não dispunham de equipamento de segurança individual. No barraco do responsável pelos trabalhadores foi encontrada uma espingarda que foi recolhida pelos policiais.

Um acordo de dano moral individual com o fazendeiro foi firmando. Este valor, somado ao pagamento das verbas rescisórias, chegam a aproximado de 70 mil reais. No total, foram lavrados 22 autos de infração contra esta fazenda de pecuária do Mato Grosso. (pulsar)

Brasil: Movimento camponês reivindica políticas públicas para agricultura




Mais de três mil integrantes do Movimento Camponês Popular (MCP) realizam atividades Brasília até amanhã (6) durante a Jornada de Lutas em Defesa da Agricultura Camponesa e do Meio Ambiente.

A mobilização, que começou neste sábado, exige que o governo federal crie políticas públicas para o fortalecimento do setor. Segundo os organizadores, nunca as multinacionais de leite, frango, suínos e as fumageiras pagaram tão pouco pelos produtos produzidos pela agricultura camponesa.
Essa situação impossibilita os camponeses de pagarem suas dívidas com os bancos. No Brasil, cerca de 800 mil famílias camponesas não têm condições de pagar suas dívidas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Para o movimento, as políticas agrícolas para a agricultura camponesa têm sido ineficientes. Afirma que estudos revelam que cerca de 40% da população camponesa vive em condições de pobreza ou extrema pobreza. O quadro das escolas do campo também é crítico. São 76 mil, 6,2 milhões de alunos matriculados e 342,8 mil professores, dos quais pouco mais da metade têm estudo superior.

Por conta desta situação, o MCP elaborou uma pauta de reivindicações e propostas contendo 16 pontos. Dentre eles: a renegociação das dívidas, preços dos produtos e garantias de comercialização, programa de mecanização da agricultura camponesa, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e educação no campo. (pulsar)

Brasil - Desaparecidos: FAMILIARES CRITICAM GOVERNO DE SÃO PAULO POR OMISSÃO



Bia Barbosa – Carta Maior

O governador Geraldo Alckmin vetou projeto de lei que criaria cadastro estadual com características físicas e dados genéticos de pessoas desaparecidas. Para familiares e organizações da sociedade civil, delegacias não estão preparadas e o problema se repete em todo o país. Além da negligência, há casos em que o próprio Estado é responsável pelo desaparecimento forçado de pessoas. São Paulo registra o maior número de desaparecidos no país. A reportage, é de Bia Barbosa.

São Paulo – Em novembro de 1992, quando estava indo para a escola, a adolescente Fabiana Renata, de 14 anos, desapareceu. Até hoje, sua família busca notícias de seu paradeiro. Sua mãe, Vera Lúcia Ranu, transformou a dor em uma luta e, desde então, tem atuado em diferentes organizações de busca de pessoas desaparecidas no país. “Nós, mães de desaparecidos, não vivemos, mas sobrevivemos entre a angústia da perda e a dor da espera”, disse na última sexta-feira (01), em uma sessão solene sobre o tema realizada na Assembléia Legislativa de São Paulo.

O estado é o que registra o maior número de desaparecidos no país. Os números, no entanto, são imprecisos e conflitantes. Segundo a Delegacia de Proteção à Pessoa, a única que cuida do assunto em todo o estado, de 2005 a 2009 foram registrados 8 mil desaparecimentos em São Paulo. Outras estatísticas do poder público falam em uma média de 11 desaparecimentos por dia no estado. Nacionalmente, o problema é o mesmo. Enquanto o Ministério da Justiça registrou apenas 1194 ocorrências ate 2010, a Secretaria Especial de Direitos Humanos fala em até 10 mil ocorrências por ano.

Está em funcionamento um cadastro nacional de pessoas desaparecidas, mas que depende da alimentação de dados dos estados para ter eficácia. Para enfrentar este problema, foi apresentado, votado e aprovado em São Paulo um projeto de lei (PL 463/11), de autoria do deputado estadual Hamilton Pereira (PT) de criação de um cadastro paulista, que contaria com um banco de dados com características físicas e também um banco de dados genéticos, para identificar pessoas que são encontradas mortas e acabam sendo enterradas como indigentes – quando há uma família em sua busca.

Remetido para sanção do governador Geraldo Alckmin (PSDB), a lei foi vetada em sua integralidade. Os tucanos alegam que não há necessidade do cadastro, já que o nacional já cumpriria este papel. Em resposta, o governo paulista anunciou a criação de um programa para envelhecer fotos de crianças e jovens que estão desaparecidos há muito tempo.

“A medida é importante, mas isso é muito pouco perto do necessário. Nossa luta agora então é para derrubar o veto do governador. A Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia já apreciou o veto e nos deu parecer favorável”, explicou o deputado Hamilton Pereira. “Inúmeras famílias vivem diariamente esta angústia, sem saber se seus filhos estão em cativeiros, sob tortura, etc. As informações do cadastro ficariam abertas para todos os órgãos públicos e para a rede de entidades da sociedade civil”, disse.

Na avaliação da Ouvidoria da Defensoria Pública de SP, o cadastro estadual pode ser um caminho para que, além das pessoas, não desapareça também a confiança da sociedade no poder público. Uma CPI realizada em Brasília em 2008 apontou, no entanto, que a existência de cadastros estaduais e de um cadastro nacional, apesar de ajudar, não explica como se deu o desaparecimento e o que foi feito para resolvê-lo. O relatório final da CPI aponta para uma omissão do poder público em geral, incluindo a ausência de dados sobre este problema.

“As delegacias e os policiais não estão preparados para lidar com casos de desaparecimento. Se, por um lado, podem não ter o suporte necessário para fazer o trabalho, por outro recebem as mães e registram burocraticamente os casos. A Academia de Polícia de São Paulo também não tem estudos sobre os desaparecidos”, conta André Feitosa de Alcântara, advogado da Fundação Criança, de São Bernardo do Campo (SP), que desenvolve um programa de enfrentamento ao desaparecimento de crianças e adolescentes.

A ausência de uma definição legal para desaparecimentos é usada muitas vezes pelas autoridades para se desresponsabilizarem pelo problema. Como não necessariamente há um crime em curso – há casos de fuga da família, por exemplo - , não deslocam o aparato policial para solucionar o caso.

Omissão e ação

Além da negligência, há casos em que o próprio Estado é responsável pelo desaparecimento forçado de pessoas. Na sessão solene realizada na última sexta-feira na Assembléia de São Paulo, foi lembrado o caso de maio de 2006, quando, entre apenas 10 dias, cerca de 460 morreram ou foram dadas como desaparecidas numa reação da Polícia Militar a ataques sofridos pelo PCC, facção do crime organizado que atua no estado.

“No começo da matança de 2006, com a autorização do Estado, pessoas foram enterradas em covas coletivas como indigentes. A Secretaria de Direitos Humanos tem a relação de 19 desses corpos. Precisamos saber onde, para fazer o exame de DNA, identificar essas pessoas e acabar com esta tortura das famílias. Do contrário, esses corpos serão incinerados mais pra frente e as pessoas não serão localizadas nunca mais”, explicou Débora Maria, da organização Mães de Maio da Baixada Santista.

Familiares de mortos e desaparecidos políticos do período da ditadura militar também foram homenageados na sessão solene. Laura Petit, que perdeu três irmãos assassinados na Guerrilha do Araguaia, até hoje busca seus restos mortais. Somente o corpo de Maria Lúcia foi encontrado, em 1991. “No dia 16 de junho, completam-se 40 anos que minha irmã foi assassinada, aos 24 anos. Ela viveu menos tempo do que a espera de minha mãe em encontrá-la. E até hoje não pudemos dar um sepultamento digno a meus outros dois irmãos, que seguem desaparecidos”, disse.

Em 2010, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a devolver às famílias os restos mortais dos guerrilheiros assassinados pelo Estado no Araguaia, e também a punir seus responsáveis. Até hoje a sentença não foi cumprida.

Fotos: Bia Barbosa

Relvasgate: CAVACO SILVA FICA CALADO PERANTE O ESCÂNDALO




João Lemos Esteves – Expresso, opinião, em Blogues

1. Não se trata de embirração ou má fé: trata-se apenas de uma constatação. Cavaco Silva, mais uma vez, anda desaparecido quando o país discute uma matéria de extrema sensibilidade como é o caso do Relvasgate. O episódio das escutas mancha a democracia portuguesa: é uma vergonha a todos os títulos, a todos os níveis, sob todos os prismas de análise. Impõe uma actuação veemente, acutilante e decisiva dos órgãos de soberania na defesa da constitucionalidade e da moralidade da República Portuguesa. Passos Coelho, chefe do Governo, já sabemos que se revelou um medricas em toda a linha, preferindo o caminho mais fácil de se colocar ao lado do seu amigo Miguel Relvas, mesmo sabendo das tropelias gritantes que cometeu. São opções: Passos Coelho sabe perfeitamente - como homem razoável e inteligente que deve ser - que Miguel Relvas será sempre um cadáver ambulante no Governo. Sabe que Miguel Relvas é capaz de tudo - e tudo lhe é permitido pelos seus pares políticos. Até brincar com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos apenas para aumentar a sua força negocial política e a pressão que exerce sobre os jornalistas - no fundo, em linguagem corrente, para chantagear adversários políticos e ameaçar jornalistas.

2. Mas se Passos Coelho optou por ser medricas face a Miguel Relvas e à Ongoing, Cavaco Silva deveria ter tido uma palavra muito crítica, censória, sobre a actuação do Ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares. É que Cavaco Silva jurou defender a Constituição da República Portuguesa, o que inclui - em grande linha - os direitos e as liberdades dos portugueses. Contra tudo e contra todos: mesmo contra camaradas de partido que insistem em encarar o Estado como uma "quinta privada" da qual podem dispor livremente. Impunemente. Cavaco Silva deveria ter apelado à reposição do bom senso e das práticas leais e correctas dos titulares de órgãos de soberania - especialmente do Governo - em tempos muito conturbados e complexos para Portugal. Cavaco Silva, na sua qualidade de mais alto magistrado da Nação, deveria ter-se revelado solidário e pedir desculpa, em nome de Portugal, aos que viram a sua vida privada devassada por figuras sinistras e insignificantes como Jorge Silva Carvalho e Miguel Relvas. Pois...porém, Cavaco Silva remeteu-se ao silêncio. Mais uma vez.

3. Dir-se-á que Cavaco Silva não se intromete em matérias que tenham que ver com escutas ilegais a cidadãos portugueses. Ora, é precisamente o contrário: Cavaco Silva é especialista na matéria. Recorde-se que foi Cavaco Silva que inventou a história das escutas a Belém, em que, supostamente, um assessor de José Sócrates (Rui Paulo Figueiredo) era um enorme coscuvilheiro que ouvia discretamente as conversas de Cavaco e outras figuras políticas. Era, no fundo, o espião secreto de Sócrates. Na altura, muitos do PSD ficaram indignados: um tipo que ouve conversas em cerimónias e jantares oficiais do Estado! Ui! Que tragédia! É o fim de Portugal! Agora, perante o escândalo de escutas, com recolha e armazenamento ilegal de dados pessoais de cidadãos portugueses, Cavaco Silva considera que é uma questão menor, que não merece o seu reparo público. O PSD, afinal, já não é tão sensível a escutas ilegais: comunica aos portugueses que se "considera tranquila" e apoia o Ministro. É até penoso ver uma pessoa inteligente e sensata como Jorge Moreira da Silva a prestar-se a esta papel lastimoso de defender o indefensável (Miguel Relvas) ...

4. Referi, há pouco, que o escândalo que envolve Miguel Relvas merecia um reparo de Cavaco. Devo confessar que julgo que um simples reparo não é suficiente. Miguel Relvas, ao brincar com dados pessoais dos portugueses, perdeu toda a sua (já pouca) credibilidade. Relvas violou princípios estruturantes da República Portuguesa: um Presidente da República forte teria de se impor face ao Primeiro-Ministro e exigir a demissão, rápida, de Miguel Relvas. Olhar para Miguel Relvas é olhar diariamente para os falhanços e os vícios da democracia portuguesa.

O ARCEBISPO ENGASGOU-SE




Paulo Ferreira – Jornal de Notícias, opinião

O arcebispo de Braga D. Jorge Ortiga confessou que quase se engasgou quando, anteontem, na mesma altura em que misturava um copo de leite com um troço de pão durante o pequeno-almoço, soube pelos jornais que o antigo presidente do BCP Jardim Gonçalves recebe uma reforma mensal de 175 mil euros. Há de ter dito: cruzes-credo!

A confissão foi feita durante a inauguração de uma creche. Não fosse o diabo tecê-las, Marco António Costa, secretário de Estado da Segurança Social, apressou-se a lembrar aos presentes que a verba "não é paga pelo Estado, mas por um banco". Mesmo assim, D. Jorge Ortiga não deixa de se espantar com a choruda maquia, com certeza por ter presente que o salário mínimo em Portugal é de 485 euros.

O arcebispo de Braga vai ter de optar: ou lê os jornais depois do pequeno-almoço, ou corre sérios riscos de se engasgar todos os dias, coisa pouco recomendável para a saúde de D. Jorge Ortiga. Por exemplo: quando os jornais nos dizem que a presidente do FMI, Christine Lagarde, ganha 380 mil euros e respetivas alcavalas e não paga um cêntimo de impostos (cruzes-credo!), ficamos engasgados. Por exemplo: quando o Tribunal de Contas conclui que a colocação de portagens nas ex-Scut foi mais benéfica para as concessionárias do que para o Estado (cruzes-credo!), ficamos engasgadíssimos.

Se leu ontem os jornais ao pequeno-almoço, D. Jorge Ortiga ter-se-á certamente engasgado novamente, ao verificar que o teimoso ministro das Finanças reconheceu que o desemprego em Portugal chegará, no próximo ano, aos 16% (mais de um terço afeta os jovens), cruzes-credo! Pior do que isso: a principal chaga social do nosso país tem raízes cada vez mais profundas, na exata medida em que o chamado desemprego estrutural mais do que duplicou nas últimas duas décadas. Com isto é que temos todos de ficar engasgados. Muito engasgados.

O que é isto do desemprego estrutural? É uma espécie de cancro que apenas se combate com terapêutica da dura. E, mesmo assim, nada garante que o bicho morra de vez. Quer dizer: mesmo que a economia cresça a bom ritmo, mesmo que a economia esteja no seu máximo potencial de crescimento, não terá capacidade para absorver este tipo de desemprego. Reformas estruturais profundas no mercado laboral podem ajudar a diminuir esta tragédia.

Sobra uma questão: como chegamos aqui? Durante anos e anos, não andámos a gastar milhares de milhões de euros em formação profissional, programas sociais de desenvolvimento, ações e mais ações de fomento ao emprego? O resultado da incompetência, da falta de estratégia na aplicação dos fundos comunitários, na escolha dos setores a apoiar, do protecionismo, do corporativismo e do medo em mexer nos sacrossantos direitos adquiridos (cruzes-credo!) deu nisto. Não se sentem engasgados como D. Jorge Ortiga?


Passos Coelho: "Governo não está a preparar baixas dos salários em Portugal"



Jornal de Negócios - Lusa

O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, afirmou hoje que o Governo não tem como política apostar "em nenhuma desvalorização adicional dos salários" em Portugal e não tenciona adoptar "novas medidas nessa matéria".

No final de um encontro com o primeiro-ministro da Bulgária, na residência oficial de São Bento, em Lisboa, Pedro Passos Coelho foi questionado pelos jornalistas sobre a opinião manifestada pelo conselheiro do Governo António Borges de que é "uma urgência" diminuir os salários em Portugal.

Na resposta, Passos Coelho referiu que falou recentemente sobre este assunto, no último debate quinzenal no Parlamento, afirmando em seguida: "Não é política do Governo apostar em nenhuma desvalorização adicional dos salários portugueses. E, portanto, o Governo não está a preparar baixas dos salários em Portugal".

O primeiro-ministro acrescentou que a política do Governo "está traçada" e passa pelo congelamento de salários na função pública e das pensões durante o período de assistência financeira.

"Recomendámos a toda a sociedade portuguesa que houvesse contenção salarial, de modo que isso pudesse jogar favoravelmente com a nossa necessidade de corrigir o desequilíbrio externo, e isso tem vindo a acontecer. Portanto, não sinto nenhuma necessidade de estar a acrescentar novas medidas nessa matéria", concluiu.

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Fischer: "Europa está em chamas e Angela Merkel anda a apagar o fogo com gasolina"



Jornal de Negócios - Lusa

O ex-ministro dos negócios estrangeiros alemão Joschka Fischer afirmou hoje num artigo publicado no jornal Sueddetusche Zeitung, que a Europa "está em chamas, mas a chanceler Angela Merkel anda a tentar apagar o fogo com gasolina".

Na opinião de Fischer, a Europa "está à beira do abismo e cairá nele nos próximos meses, e só poderá mudar de rumo se Berlim e Paris chegarem a acordo sobre uma união fiscal".

O político ambientalista entende por união fiscal a compra ilimitada de dívida pública de países da moeda única pelo Banco Central Europeu e a mutualização das respectivas dívidas, através da emissão de "eurobonds".

No artigo para o jornal de Munique, o ex-chefe da diplomacia alemã diz ainda que os tempos que correm "são graves, muito graves", e exorta a coligação de centro direita liderada por Merkel a alterar a sua política europeia.

O porta-voz do Governo alemão, Steffen Seibert, reagiu às posições de Fischer afirmando que a acção do executivo "não tem por objectivo destruir a Europa. O governo federal dá um grande contributo para o desenvolvimento da Europa, na crise actual".

No artigo no Sueddetusche Zeitung, Joschka Fischer defende que "a estratégia de austeridade de Merkel só agrava a crise financeira e conduz à depressão", lembrando que a mesma estratégia também não serviu para suplantar a grande crise económica mundial de 1929.

O político ambientalista refere ainda que, "se a Grécia se afundar no caos, haverá uma corrida aos bancos em Espanha, na Itália e em França que desencadeará uma avalancha capaz de soterrar a Europa".

Para Fischer, que foi ministro dos negócios estrangeiros do governo de social democratas e ambientalistas, entre 1998 e 2005, só a Alemanha pode garantir a sobrevivência da zona euro, e com o seu potencial económico deve financiar programas de crescimento.

Para isso, "vale a pena contrair mais dívidas", sublinhou.

Fischer escreve ainda que "nunca a Alemanha esteve tão isolada" e que "ninguém percebe a política dogmática" de Merkel.

"Na Europa acham que somos um condutor em contra-mão", afirmou o ex-MNE alemão.

Crise da dívida: A POLÍTICA DA AVESTRUZ



Frankfurter Allgemeine Zeitung, Frankfurt – imagem Andrzej Krauze – Presseurop

Os partidos políticos europeus estão em plena crise. Para além das suas tendências ideológicas, ocupam-se apenas de interesses particulares, como os dos reformados, a quem prometem alegremente salvar os benefícios que há muito já lhes foram tirados.


Os partidos políticos, instâncias fundamentais da democracia moderna, não param de deslizar em direção ao abismo. O facto de, desde há dois anos, caírem governos, de todas as tendências, uns atrás dos outros, da Eslovénia a Portugal, é apenas um primeiro sintoma de um mal sistémico. Na verdade, os ditames da economia decorrem da concorrência democrática entre os partidos.

É na Grécia que este fenómeno é mais notório. O berço da democracia realiza eleições fantasma que não servirão para nada. Nenhum dos partidos teve a coragem de inscrever no seu programa a única decisão verdadeira que o país ainda pode tomar: sair do euro, e da UE, e deixar falir a República helénica. Os partidos são apenas uma sombra das suas ideologias passadas – zombies saídos de uma época onde ainda havia alguma riqueza para distribuir.

Os partidos tradicionais, muitos dos quais nasceram durante os anos de pobreza do pós-guerra, já não conseguem gerir a vacatura de poder. Em Itália, Berlusconi, tribuno da plebe e milionário, foi empurrado para a saída pela dívida pública. Mas os partidos de esquerda, supostamente na oposição, não ocuparam o espaço que então se abriu.

Em vez disso, toda uma casta política barriguda capitulou, deixando a um “governo de especialistas” externo a tarefa de pôr em prática as medidas de austeridade necessárias. Hoje, os meios económicos exteriores à política temem essencialmente que a classe política mais cara do mundo volte a não se apresentar nas próximas eleições e que não se ponha fim ao sorvedouro.

Até agora, os cidadãos europeus têm enfrentado a gravidade da situação praticando a política da avestruz: a cabeça na areia, esperando que a tempestade passe e que possam voltar ao fofo conforto de outros tempos.

Nada de cortes para Henk e Ingrid

O veneno doce do Estado providência envolto em dívida atingiu mais claramente a França, o berço da Europa. O seu Presidente, recentemente eleito, François Hollande, deve a vitória exclusivamente às suas promessas de crescimento: mais despesas sociais, mais funcionários públicos e, a coroar isto tudo, a diminuição da idade de reforma, tornada símbolo da grande utopia europeia.

Hoje, o mundo inteiro tem os olhos postos na Alemanha, que tem fama de ser a última economia ainda solvente, mas quem a cobiça esquece-se que o financiamento das pensões alemãs assenta, também ele e desde há muito tempo, no crédito.

Os partidos dão mostras de um comportamento absolutamente irresponsável, mas não destituído de lógica. Para ganhar as eleições, é preciso continuar a mentir. Na Holanda, o astuto populista Geert Wilders abandonou momentaneamente as suas diatribes contra os muçulmanos para fustigar o euro e os perdulários de Bruxelas, ao mesmo tempo que elogia o bom e velho Estado providência que beneficia os progenitores holandeses, idosos e de pele branca, a quem, na sua lógica rudimentar, batizou como Henk e Ingrid.

Há já muito tempo que o Henk, a Ingrid e os milhões de reformados, pré reformados, funcionários públicos e outros beneficiários da redistribuição financeira de impostos decidem o resultado das eleições na Europa. Por isso, não se lhes pode falar em cortes.

Na Áustria, durante um congresso realizado recentemente, os dois principais partidos do país [o ÖVP e o SPÖ] não conseguiram entender-se sobre as medidas que devem ser tomadas para resolver o problema do financiamento das reformas – para além das propinas semestrais para os estudantes e da diminuição dos abonos de família. Medidas que afetam, precisamente, as pessoas que conviria aliviar porque é sobre os seus ombros que repousa o futuro do sistema social.

Os seniores, essas vacas sagradas

Na verdade, não são os presidentes ou os secretários-gerais que mandam nos partidos, mas sim os responsáveis pela política dos “seniores” que, desde os anos de vacas gordas, na década de 1970, redistribuem a riqueza e querem agora acompanhar a reforma dos senhores de cabelo branco que constituem a sua clientela.

Não é por acaso que a única utopia política que subsiste, após décadas de socialismo, de ecologismo e de europeísmo, seja – incluindo junto dos jovens – a titularização para a vida: os jovens eleitores franceses não pedem reformas estruturais a François Hollande, mas sim empregos na função pública.

Quanto aos Piratas alemães, querem instaurar um salário mínimo para quem não trabalha e promover a livre utilização dos conteúdos da Internet, que os criativos oferecerão de boa vontade e graciosamente ao mundo.

Estes partidos políticos europeus que aproveitam com a crise entoam a uma só voz o cântico das regras: “O nosso dinheiro tem que ir para a nossa gente.” Tradução: “O vosso crédito tem que ir para a nossa gente.”

É assim que a vida política de uma organização cujos objetivos eram, no passado, a solidariedade e a coesão se transforma agora numa corrida entre os usurários e mestres cantores populistas: a Europa é o território dos reformados, que estão dispostos a pegar em armas para o defender.

Correntes antigamente poderosas, como a social-democracia, já desapareceram tanto espiritual como moralmente em Itália e na Grécia, porque hoje servem apenas os interesses dos funcionários públicos e dos sindicatos, enquanto os interesses dos imigrantes, dos jovens, dos desempregados e das pessoas não qualificadas estão completamente ausentes das prioridades de uma esquerda que chegou à saturação.

Catástrofe pela direita

Por outro lado, como acontece na Holanda e em França, os democratas-cristãos estão em queda livre porque a sua base eleitoral, provinciana e envelhecida, se sente agora atraída pelo paraíso dos seniores que lhe é proposto pela direita populista.

Enquanto os cidadãos europeus continuarem convencidos que a política se resume, como aconteceu nas últimas décadas, a redistribuir mais-valias, a situação em que se encontram os partidos não vai mudar nem um milímetro.

Onde nos leva tudo isto? Na Grécia, as eleições já não são um assunto dos partidos: é o pânico a bordo. Em Itália, as elites têm um medo legítimo do regresso de uma casta política que não quer cortar em nada e, muito especialmente, que não quer cortar nos seus privilégios. Em França, ganharam os partidários mercantilistas da redistribuição de riquezas. Na Bélgica, governou-se muito tempo sem partidos, com sucesso, e o país dirige-se hoje, à falta de crédito e de reformas, para uma nova situação de bloqueio. Na Holanda, que vive da Europa, dois ou três grandes partidos rejeitarão, em breve, a Europa e o euro na sua forma atual. Em alguns países arruinados pelo sistema de concessão de crédito em vigor e que têm uma taxa de desemprego superior a 30% – estou a pensar em Espanha, em Portugal, na Irlanda – pouco importa a corrente ideológica que gere o marasmo.

Um destes dias, será necessário que os europeus encarem o facto de que o problema não está nos programas dos partidos, mas na própria Europa. E será apaixonante ver o que então subsistirá da atual configuração dos partidos.

O MEDO DA UCRÂNIA RACISTA É XENÓFOBO




No momento em que vivemos uma nova campanha de demonização da Ucrânia e dos ucranianos, proponho um olhar britânico independente sobre a raiz do medo que o Ocidente, supostamente esclarecido, sente em relação da “bárbara” Europa Central e do Leste.

Brendan O'Neill *

A ironia da campanha para boicotar o campeonato de futebol Euro-2012 na Ucrânia é tão enorme, que é difícil de descrever. Aqui temos um lobby que se apresenta como antirracista, existente apenas para proteger os jogadores de futebol e os fãs ingleses de serem abusados racialmente na Ucrânia, simultaneamente descreve a nação inteira do Leste Europeu como um burgo estranho de atitudes retrógradas. Aqui está um movimento que franze a testa publicamente contra as expressões de racismo, tratando a Ucrânia de uma maneira semelhante aos colonialistas vitorianos chegados ao interior africano e olhando com espanto aos nativos que se comunicam nas suas estranhas línguas locais. A campanha de boicote confirma que o moderno antirracismo é, na ironia das ironias, é mais sobre expressar a sua superioridade sobre a gente não educada do que assegurar a verdadeira igualdade.

Sob a bandeira do “antirracismo”, algumas declarações surpreendentemente radicais estão sendo feitas sobre a Ucrânia por parte daqueles que acham que os fãs de futebol devem ficar longe da Euro-2012 que acontecerá (na Ucrânia) no mês que vem. Aparentemente, o racismo é um “problema endêmico social” na Ucrânia, um país “notório pelos seus jovens extremistas”, diz o jornal The Sun. Se você acredita no The Sun, os britânicos decentes podem em breve ser obrigados a refazer a Segunda Guerra Mundial nos estádios na Ucrânia – aparentemente os “neonazis paramilitares” treinam os “bandidos em artes marciais, uso de facas, espingardas e pistolas” a fim de “criar o caos” durante o Euro-2012. O artigo do The Sun é acompanhado por uma foto de quatro homens ucranianos de aparência triste, na floresta, usando os uniformes pseudomilitares. Quatro putos não fazem o Quarto Reich.

Quando a família do jogador inglês negro, Theo Walcott, disse que não ia assistir Euro-2012, porque temia o ataque racista, a imprensa entrou em frenesim anti – ucraniano. Como qualquer outro país no mundo, a Ucrânia, sem dúvida, tem alguns racistas desagradáveis, mas a imprensa britânica continuamente descreve toda a nação como uma fossa de atitudes xenófobas. “Bandos nazis estão a espera dos torcedores ingleses”, diz outro jornal histericamente, dizendo-nos, mais uma vez, que o racismo é “endêmico”" na Ucrânia. O Foreign Office emitiu uma declaração que normalmente só é feita em relação dos países não europeus, aconselhando aos viajantes de “descendência asiática ou afro-caribenha” de tomar “os cuidados extra”. O ex-jogador do Arsenal, Sol Campbell, levou este medo da estranha Ucrânia à sua conclusão lógica, quando advertiu os fãs ingleses a não irem à Euro-2012, porque “você pode acabar voltando em um caixão”. Ele diz que à Ucrânia nunca deveria ter sido concedido Euro-2012, em primeiro lugar, porque se você for um país racista, “você não merece esses torneios de prestígio”.

Resumindo, os torneios só devem ser realizados apenas nos países civilizados, talvez aqui na Inglaterra, em vez de nos territórios da antiga União Soviética, onde as pessoas são estúpidas e preconceituosas e que estão à distância de uma saudação nazi para recriar o fascismo. A imprensa nos diz que alguns fãs de futebol ucraniano olham aos jogadores negros como “selvagens”, e eu tenho certeza que é verdade. Mas nos nossos fóruns de discussão online, ucranianos são frequentemente referidos por nós como “selvagens”, que vivem em um “país muito atrasado”. O que realmente estamos presenciando na histeria sobre as atitudes da Ucrânia é a expressão de um preconceito contra as estranhas pessoas do Leste, disfarçado de um sentimento antirracista iluminado. Se é estúpido que um pequeno número de seguidores ucranianos do futebol zombe dos negros e asiáticos, é também estúpido para a comunicação social britânica de zombar da Ucrânia inteira. Na verdade, a tentativa de demonstrar os credenciais antirracistas, sendo claramente xenófobos contra os do Leste, supostamente racistas, é a mais estúpida atitude de todas as possíveis.

* Brendan O'Neill é o editor de spiked, um fenômeno online independente, dedicado a elevação dos horizontes da humanidade, recorrendo à guerra de palavras contra a misantropia, pedantismo, preconceito, ludismo, iliberalismo e o irracionalismo em todas as suas formas antigas e modernas.

Fonte:

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A AMPLA CIDADE



Rui Peralta

O Cazaquistão e os amigos

Na cimeira de Segurança Nuclear de Seul, Coreia do Sul, realizada em finais de Março deste ano, Nursultan Nazarbayev reuniu-se conjuntamente com Medvedev e com Obama e depois, bilateralmente, com Obama. Neste último ano o Cazaquistão converteu-se no maior produtor mundial de uranio, ultrapassando a Austrália e o Canadá, sendo também uma importante fonte de gás natural e petróleo. As grandes empresas norte-americanas estabelecem contractos de milhares de milhões de USD com as empresas estatais do Cazaquistäo nas reservas de minerais, uranio, gás natural e petróleo.

O Cazaquistäo é o quarto país maior do mundo, equivalente a quatro Estados do Texas e maior que toda a Europa Ocidental, localizado numa região estratégica vital a Eurásia, exactamente no centro da Eurásia. Os interesses norte-americanos nesta região ampliaram-se durante a administração Carter tendo o seu conselheiro nacional de segurança, Zbigniew Brzezinski, por diversas vezes chamado a atenção desta região que ele designava por núcleo euroasiático que considerava ser de extrema importância para os USA manter a sua hegemonia nesta região.

O Cazaquistäo é um daqueles países em que o suborno é lei e a corrupção um assunto de família. O seu regime é conhecido por todas as estâncias internacionais pela sua repressão, sendo o seu nome um assunto diário nos relatórios da Amnistia Internacional, Human Rights Watch, Freedom House, etc. As liberdades civis parecem não existir no dicionário cleptocrático do regime, sendo substituída pela quase obrigatoriedade de obrigar a sociedade ao suborno e á corrupção. Desde o vendedor de rua ao chefe de estado, passando pelos responsáveis corporativos das grandes empresas estatais e ministérios, a cleptocracia é aqui uma ideologia dominante, que estende-se do estado ao resto da estrutura social. Aliás é talvez a único pais do mundo em que a cleptocracia é uma superestrutura cultural, bastantes pontos acima do Paraguai de Strossner, da Nicarágua dos Somoza ou da Cuba de Baptista e fazendo parecer os regimes neocoloniais em Africa uns meninos de coro das catedrais. Por falar em catedrais, vou continuar o meu relato da Peregrinação do Chris Two, que desejo partilhar convosco. Aqui vai:

Os dois Peregrinos chegaram ao Inferno Cristão, onde as almas condenadas são lançadas para um enorme forno a arder. É um inferno de fogo e enxofre. As almas dos hereges são encerradas em túmulos de fogo. As dos ingratos em cavernas com chão de lava ardente, onde as lágrimas gelam sob o rosto quente. Os preguiçosos continuam com o sangue nas veias, sendo sugados por vermes, trabalhando sem descansar. Os piores castigos são os aplicados aos ateus. Neste Inferno, Chris e o Anjo, percorreram a Via de Dante e visitaram a Praça de Jerónimo Bosch, onde pernoitaram num templo Copta, destinado aos visitantes. Aí despediram-se do Inferno do Ocidente e prepararam a sua entrada no Inferno do Oriente.

O Portão de Entrada do Inferno do Oriente é uma ilha remota, um pedaço de cinzas quentes, rodeado por um mar de chamas. Localiza-se no extremo oeste do submundo. Nela habitam enormes serpentes e algumas almas que para aí são levadas, num barco de amianto, cada mil anos. O barco transporta as almas para a ilha e no regresso leva as almas que deixou no milénio anterior. Como as almas que ficam na ilha não sofrem tormento algum, enquanto aí permanecerem, a Ilha é conhecido por Ilha do Alivio.

Saindo desta Ilha e subindo o mar de chamas, chegaram a um Inferno, onde o fogo não é preponderante. A sua entrada consiste em 3 portas e tem 7 divisões. O guardião desta região tem mais de 80 mil léguas de altura. Aqui os suplícios das almas consistem em longas caminhadas pelas serras elevadas. As almas são atacadas por tigres alados, lobos vermelhos, disformes serpentes enormes e aranhas gigantes. Quando terminam a caminhada, as almas, sofrem os mais variados castigos, desde rolarem por cima de lâminas de machado, até passarem por buracos de agulhas, ou serem eternamente devoradas por abutres ou corvos. Por aqui transitam as almas condenadas por concupiscência, avareza e fúria e têm de ser almas com origem nas regiões da Índia. Naraka é o seu nome. Chris e o Anjo permaneceram por vários dias neste Inferno, nas altas serras, onde a paisagem é de grande beleza.

Na próxima Ampla Cidade continuarei o relato de Chris Two nos infernos e volto agora ao tema de hoje: o Cazaquistäo. Perante todo este panorama de repressão e corrupção é claro que os trabalhadores sofrem na pele as amarguras de uma exploração selvagem e de baixo custo. Uma das maiores greves da história deste país foi iniciada em Maio do ano passado, no centro petrolífero de Zhanaozen, no Mar Cáspio, que o regime decidiu terminar de forma abrupta e brutal, no dia 16 de Dezembro, quando o exército abriu fogo sobre os trabalhadores em greve. As cifras oficiais falam em 16 mortos e 20 feridos (em alguns dados oficiais esta cifra aumenta para 50) enquanto os sindicatos cifram em 70 mortos, 500 a 800 feridos e mais de mil grevistas detidos. Os dirigentes grevistas ainda hoje estão detidos (37 trabalhadores) e os advogados, jornalistas e repórteres que trabalharam com os trabalhadores foram detidos pela polícia no exercício das suas funções, agredidos na rua por grupos de homens encapuçados ou ameaçados de morte. Segundo um informe da Human Rights Watch no passado mês de Maio, os 37 trabalhadores são continuamente submetidos a actos de tortura, proibidos de serem visitados e estão detidos em celas solitárias, de onde só saem para os interrogatórios e para uma saída semanal ao pátio da prisão. Isto desde Dezembro. Apresentam sinais de má nutrição, fraqueza, escorbuto, cegueira e problemas nervosos da mais diversa ordem (tremuras, irritabilidade, fobia ao barulho e perca de capacidades motoras).

Um exemplo do nível desmedido de repressão é um decreto presidencial que proíbe o uso de pastilhas elásticas em público, sendo condenados os prevaricadores a pesadas multas e em caso de reincidência ao encarceramento automático até ao máximo de 3 anos. Segundo o presidente Nazarbayev a medida é a primeira entre muitas, retiradas do exemplo de Singapura (um dos locais preferidos de Nazarbayev e com certeza considerada por ele um modelo a seguir, pela aberração das suas instituições e alto nível de condicionamento social a que os cidadãos desse laboratório capitalista que é Singapura, são sujeitos).

No entanto os USA falam da vontade de Nazarbayev em construir um estado democrático e pluralista e elogiam a forma como o Cazaquistäo aceita o conselho e as orientações dos países democráticos ocidentais, no sentido da transparência. Mas a realidade é outra. Nursultan Nazarbayev é presidente vitalício de um Estado de partido único (concorrem ás eleições dois partidos apoiantes de Nazarbayev). Mas além dos USA, a federação Russa e a Republica Popular da China têm grandes laços de amizade com o regime de Nazarbayev. Existe um oleoduto que vais desde o mar Cáspio até á China e a Rússia mantem no Cazaquistão (que foi o centro do programa espacial soviético) rampas de lançamento e instalações relacionadas com o seu programa espacial (os satélites russo são lançados ali). Todos eles têm uma preocupação comum: o controlo dos recursos da eurásia.

Para além de ser o maior produtor de urânio do mundo, o Cazaquistão participa em pontos importantes da cadeia nuclear, desde a mineira ao processamento e construção de reactores nucleares. Neste sector tem um acordo com a norte-americana Westinghouse e com a japonesa Toshiba (a maior accionista da Westinghouse, detendo um consorcio estatal do Cazaquistäo 7,7% das acçöes da Westinghouse), na construção de reactores, que engloba ainda uma parceria com a General Electrics. Aliás a Toshiba é um intermediário nas relações de Nazarbayev com o Japão, organizando os embarques de urânio, do Cazaquistäo para o Japão, depois dos acidentes de Fukushima.

No sector petrolífero a Exxon Mobil e a Chevron, participam na exploração de gás natural e de crude, com as estatais do Cazaquistão. Ao nível militar as relações com os USA e com a OTAN são estreitas. Simulações militares conjuntas, treinamento, armamento, programas de ajuda, são frequentes entre o Cazaquistäo, a OTAN e os USA, assim como programas militares e policiais conjuntos com a Rússia e uma estreita cooperação em termos de equipamento e treinamento de forças de segurança com a China. Todos são grandes amigos do Cazaquistäo, não importando o uso de mão-de-obra infantil na colheita do tabaco, o desrespeito pelos mais elementares direitos cívicos, pelas liberdades individuais e sociais, não importando que as greves sejam reprimidas e os trabalhadores torturados. Nada disso importa, pois o Cazaquistäo está no bom caminho.

Enquanto escrevo, está a ser implementado um programa universitário de cooperação entre as Universidades norte-americanas de Wisconsin, Pitt, Duke, Houston e Pensilvânia e a recém-criada Universidade Nazarbayev, localizada na nova cidade de Astana (conhecida por pequena Dubai), uma cidade construída com o dinheiro do petróleo e convertida em nova capital do país. A Universidade Nazarbayev é frequentada por 20 mil estudantes e funciona só em língua inglesa e com programa de estudos norte-americanos. Aliás em termos de educação a UE financia o Instituto Superior de Comercio Internacional, a Rússia o Instituto de Aeronáutica, a Universidade de Pequim tem um convénio com o Instituto Superior de Telecomunicações e o Japão suporta uma rede de centros de formação profissional no sector mineiro.

Complexos, os jogos euroasiáticos…


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