sexta-feira, 26 de junho de 2015

“O FMI ESTÁ A GOZAR CONNOSCO?”, pergunta Krugman




“Os mesmos que falharam redondamente em prever os estragos que a austeridade causou estão agora a dar lições aos outros sobre crescimento?”, questiona o Prémio Nobel da Economia no New York Times.

Na sua coluna, Paul Krugman ataca o FMI quando diz que as propostas gregas prejudicam o crescimento, recordando o historial de falhanço das previsões de crescimento da economia grega feitas pelo mesmo FMI. Leia aqui o texto traduzido pelo infoGrécia:

“Tenho estado bastante calado sobre a Grécia, por não querer gritar Grexit num auditório cheio de gente. Mas ao ouvir os relatos das negociações em Bruxelas, algo tem de ser dito – nomeadamente, o que é que os credores, em especial o FMI, julgam que estão a fazer?

“Esta devia ser uma negociação sobre metas para os excedentes orçamentais, e depois sobre o perdão da dívida que previne futuras crises intermináveis. E o governo grego concordou com metas que são até bastante altas, sobretudo considerando que o orçamento teria excedentes enormes se a economia não estivesse tão deprimida. Mas os credores continuam a rejeitar as propostas gregas com o argumento de que dependem muito dos impostos e não o suficiente em cortes na despesa. “Continuamos ainda no ramo de ditar a política interna.

“A suposta razão para a rejeição de uma resposta com base em impostos é que irá prejudicar o crescimento. A resposta óbvia é: estão a gozar connosco? Os mesmos que falharam redondamente em prever os estragos que a austeridade causou – vejam o gráfico, que compara as previsões no memorando de 2010 com a realidade – estão agora a dar lições aos outros sobre crescimento? Mais ainda, as preocupações sobre crescimento estão todas do lado da oferta, numa economia a funcionar pelo menos 20% abaixo da sua capacidade.

 "Falem com as pessoas do FMI e elas vão afirmar a impossibilidade de lidar com o Syriza, a sua irritação com o exibicionismo, e por aí adiante. Mas aqui não estamos na escola secundária. E neste momento são os credores, muito mais que o Syriza, que estão a mudar as balizas de sítio. Afinal o que se passa? O objetivo é partir o Syriza? É obrigar a Grécia a uma bancarrota presumivelmente desastrosa, para dar força aos outros?

Nesta altura é preciso deixar de falar sobre o “Graccident”; se acontecer o “Grexit” será porque os credores, ou pelo menos o FMI, quis que isso acontecesse".

Esquerda.net

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Grécia - Tsipras: “Não subestimem o que pode fazer um povo quando se sente humilhado”




A tensão subiu na cimeira do Conselho Europeu, quando o seu presidente, Donald Tusk, voltou a dizer que “o jogo acabou”, a propósito das negociações com a Grécia. Alexis Tsipras respondeu dizendo que “a Grécia tem 1.5 milhões de desempregados, 3 milhões de pobres e milhares de famílias sem rendimentos que vivem da ajuda dos avós. Isto não é um jogo.”

“Nem você, sr. Tusk, nem ninguém deve subestimar o que um povo pode fazer quando se sente humilhado”, prosseguiu Tsipras, explicando que a Grécia apresentou propostas com medidas difíceis para um país em crise. Para o primeiro-ministro da Grécia, a mudança de posição dos credores durante a semana “reflete infelizmente as posições mais extremistas do FMI e que não são diferentes dos anteriores programas”.

“Estou empenhado em fazer reformas na Segurança Social, acabar com as reformas antecipadas e consolidar os fundos de pensões a partir de outubro”, acrescentou Tsipras, concluindo que “no futuro, os historiadores terão dificuldade em perceber como é que após a nossa proposta não se chegou a um acordo”.

Já esta sexta-feira, Tsipras voltou a encontrar-se com Merkel e Hollande, com o primeiro-ministro grego a insistir ser incompreensível a insistência dos credores na mesma receita de cortes que prejudicam os de sempre. O encontro de sábado no Eurogrupo, que se deve prolongar pelo fim de semana, é decisivo para o desfecho da fase de negociações.

InfoGrécia

Portugal. MAIS UMA MÉDICA DE FAMÍLIA A EMIGRAR



José Manuel Silva – Jornal de Notícias, opinião

Em setembro de 2014, a Ordem dos Médicos recebeu um grito de alerta de uma colega especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF), colocada num ACES da Zona Norte da ARS-LVT. Era a única médica para cerca de 5000 utentes, dos quais 2000 faziam parte da sua lista. A situação era agravada pela incompreensão e até agressividade de alguns utentes, que não queriam perceber que é impossível uma única médica de família (MF) responder às necessidades de 5000 pessoas.

A seu pedido, a médica foi recebida pela diretora-executiva do ACES. Expôs a sua situação e o seu estado de esgotamento e pediu alguma flexibilização do seu horário (não uma redução), devido ao facto de viver a 30 km e ter dois filhos pequenos. Explicou ainda que a escala de Atendimento Complementar noutro Centro de Saúde, para a qual era compulsivamente escalada ao fim de semana, colidia com o facto de estar sozinha com os filhos e não ter onde os deixar, pelo que colocava a possibilidade de se ver obrigada a sair do SNS. Em resposta a esta justa pretensão, a diretora--executiva informou-a secamente que nada iria mudar.

Perante tamanha insensatez, com um baixo salário e sentindo--se maltratada, a MF procurou emprego na Europa e já tem contrato para emigrar para a Suécia, depois de ser submetida e aprovada em várias provas de seleção, estando atualmente a aprender a língua sueca num curso intensivo.

Só depois de apresentar a carta de exoneração a estultíssima gestão do ACES propôs alguma flexibilidade. Tarde de mais.

Dizem os livros básicos de gestão que os recursos humanos, particularmente os mais diferenciados (mas todos, obviamente), devem ser tratados com um mínimo de dignidade e respeito. Todavia, parece que no Ministério da Saúde (MS) ninguém percebe nada de gestão de recursos humanos. Não há quem lhes ensine? Eu poderia fazê-lo!

Espanta-me que o MS continue a nomear alguns desqualificados militantes partidários para presidentes de ACES e que continue a ignorar e nada faça para evitar as causas da emigração de tantas centenas de médicos, que muita falta fazem aos doentes portugueses.

Estando Portugal a formar médicos acima das necessidades, é por todas estas razões e por culpas próprias que, infelizmente, o MS não cumprirá a promessa de dar um MF a todos os portugueses até ao fim da atual legislatura.

Portugal. MARCO ANTÓNIO COSTA VAI TER DE IR A CONTAS COM A JUSTIÇA




Expresso revela o teor do despacho judicial de contraditório sobre a gestão gaiense, onde pontificavam Luís Filipe Menezes e o atual número dois do PSD

Valdemar Cruz - Expresso

Tem data de 19 de dezembro do ano passado, é assinado pelo juíz conselheiro Ernesto Cunha e, sob a designação de "Auditoria Orientada ao Endividamento do Município de Vila Nova de Gaia", defende que o município gaiense "desenvolveu uma gestão orçamental desiquilibrada, caracterizada pela ausência de sinceridade e fiabilidade na previsão de receitas, de racionalidade e prudência na efetivação de gastos e de monotorização da execução do orçamento no sentido de adequar a realização de despesas à arrecadação de receitas, tornando impossível o cumprimento atempado dos compromissos assumidos e acumulando dívidas a fornecedores originariamente de curto-prazo". 

Trata-se de um documento provisório com base no qual, no entanto, os visados terão de exercer o contraditório, já que, sublinha o juiz conselheiro, o relato é "claro e preciso, constituindo com todos os seus anexos uma base idónea, suficiente, e adequada para o exercício do direito de contraditório pelos responsáveis". 

Esta quinta-feira, a "Visão", num trabalho do jornalista Miguel Carvalho, divulga também o relatório preliminar da auditoria do Tribunal de Contas sobre a Câmara Municipal de Gaia, no qual é feita uma apreciação demolidora sobre a atuação do presidente da Câmara. Luís Filipe Menezes e o "vice-presidente", Marco António Costa, entre 2008 e 2012.

Também aqui as palavras são demolidoras. O relatório preliminar fala de "falta de sinceridade, transparência e fiabilidade na previsão de receitas", "falta de racionalidade e prudência na efetivação dos gastos" e  "falta de cumprimento atempado dos compromissos assumidos, acumulando dívidas a fornecedores". 

Marco António Costa foi o responsável pelo pelouro financeiro em quatro dos cinco anos auditados, mas a lista de políticos e responsáveis municipais instados a justificar as decisões tomadas é vasta. Envolve vereadores da coligação PSD/CDS, diretores, administradores e eleitos do PS, entre os quais o atual presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, que votou favoravelmente uma das operações consideradas ruinosas: a transferência da posição da autarquia para a Águas de Gaia no contrato celebrado com o consórcio SUMA (empresa de recolha de resíduos), liderado pela Mota Engil. O negócio veio a revelar-se prejudicial para a empresa municipal e o erário público. 

Município endividado

Num município que superava, em 2012, os 278 milhões de euros, o Tribunal de Contas encontra fortes indicíos de que, ainda assim, a autarquia terá ido muito "para além da sua capacidade financeira" em todo o período analisado, arriscando a rutura. 

Um dos exemplos maiores da deriva apontado pelos auditores é o facto de, entre 2008 e 2012, o executivo camarário ter assumido, no global, mais de 450 milhões de euros de "despesas sem cobertura".  

No documento, a que o Expresso teve acesso, são apontados os pontos principais sobre os quais incide a necessidade de justificações cabais sobre as opções tomadas. Entre os vários exemplos estão "a constituição de um Fundo de Investimento Imobiliário fechado que, tendo servido de veículo de financiamento indireto do Município, em tudo se assemelha a uma operação de 'sale and lease back' que, em termos económico-financeiros, se traduz numa forma de obter liquidez com recurso a um empréstimo por interposta pessoa, sendo o serviço da dívida pago indiretamente" pelo município de Vila Nova de Gaia (MVNG). Junta-se a celebração de contratos swap pelas empresas pertencentes ao grupo municipal, "em virtude de se tratar de contratos cuja finalidade económica se esgotou na pura especulação, não associada à cobertura de risco. 

Os negócios com a SUMA

Outro ponto polémico é o juízo de auditoria sobre a "posição contratual detida na SUMA, que se traduziu na instrumentalização de uma empresa controlada por si para contrair empréstimos (que lhes estavam vedados por limitações legais) e 'desorçamentar' 20,6 milhões de euros, valor que desapareceu do perímetro da dívida municipal e foi assumida pela empresa municipal que deveria ter contabilizado como um gasto, mas contabilizou como um ativo, ao arrepio da mais elementar lógica económica, financeira e contabilística". 

Em questão, também, a transferência das infraestruturas de saneamento "em alta para a SIMDOURO, operação que foi objeto de um segundo auto de transferência, cuja finalidade se traduziu na obtenção de liquidez imediata para o MVNG, à custa da perda de valor da empresa local por via da redução do seu ativo e da subsequente redução da sua dívida líquida, dando origem a movimentos contabilísticos que tiveram por base uma transação fictícia". 

O juízo de auditoria censura o modo como foi feito o recurso ao Programa de Regularização Extraordinária de Dívidas ao Estado, "que não alcançou os objetivos propostos", ou a não relevação contabilística dos juros de mora debitados por credores do município de Vila Nova de Gaia, "pelo não pagamento tempestivo das suas obrigações que, em 2012, ascendeu a 4,68 milhões de euros". 

Falta de prudência

Os auditores consideram que "as demonstrações financeiras de 2008 a 2012 "não estavam dotadas do necessário grau de prudência, pois não foi reconhecida a totalidade dos encargos que a autarquia previa suportar com processos judiciais em curso, sobrevalorizando os resultados económicos e os fundos próprios e subvalorizando os passivos". 

Há, diz o Tribunal de Contas, uma "sobrevalorização de ativos", em resultado de, pelo menos ao longo de cinco exercícios, o MVNG "ter mantido nas suas contas créditos sobre os quais não detinha os respetivos direitos ou cuja cobrabilidade era altamente improvável, não tendo constituído provisões".  

A deficiente previsão orçamental ao longo do quinquénio levou o município, sublinha o juiz conselheiro, "a incorrer em défices sucessivos, pois os reais fluxos económicos demonstram uma continuada ausência de sinceridade orçamental no cálculo da dotação previsional de receita". 

O relator defende que entre 2010 e 2012, a autarquia gaiense "ultrapassou o limite legal de endividamento" de curto, médio e longo prazo, além de ter ultrapassado o limite legal de endividamento líquido em 2011, 

Logo a abrir o documento, o juiz conselheiro baliza o comportamento dos agentes políticos e públicos ao fazer questão de expressar a sua convicção de que "cabe aos que administram dinheiros e ativos públicos, em nome do povo, e com mandato conferido pelo povo, e que prestam contas ao Tribunal de Contas (…) o ónus de provar através dos meios de prova que entenderem convenientes (…) que as contas que prestam e que as transações que lhes estão subjacentes são legais e regulares e são conformes aos fins de interesse público que justificam a assunção de compromissos e a autorização de despesas e de pagamentos, para os fins deliberados pelas assembleias representativas".

Foto: Alberto Frias

Portugal. AGUIAR BRANCO DEBAIXO DE FOGO. GENERAIS ARRASAM MINISTRO DA DEFESA




Mais de uma centena de oficiais, entre os quais estavam sete antigos generais e almirantes chefes de Estado-Maior, desfizeram num jantar em Lisboa os últimos quatro anos de governação no sector da Defesa. O ministro desvalorizou o encontro

Carlos Abreu - Expresso

Três repúdios, alguns sublinhados, vários alertas com muitas e duras críticas à política de Defesa do Governo. Eis a declaração lida aos jornalistas pelo general Loureiro dos Santos, no final do jantar de reflexão que reuniu esta quinta-feira à noite, num hotel de Lisboa, mais de uma centena de oficiais dos três ramos das Forças Armadas.

O primeiro repúdio foi para aquilo que consideram medidas apresentadas como reformas estruturantes mas que, no entender deste grupo de oficiais, entre os quais estiveram sete antigos chefes de Estado-Maior, “não têm sido mais do que ações avulsas, cujo efeito tem sido o degradar da instituição militar no que se refere a organização, capacidades e efetivos, bem como em relação à situação profissional e pessoal de quantos nela servem e, também, dos seus familiares”.

Segundo repúdio: “A tentativa de desresponsabilização política da tutela, que sempre tem feito o anúncio público das medidas tomadas, escudando-se na participação e concordância das chefias militares”.

Terceiro: “O repetido anúncio tutelar de um clima de satisfação e de tranquilidade institucional que só na aparência existe, tirando partido de forma iníqua, do sentido do dever, de disciplina e de profissionalismo dos militares”.

Ainda antes de se sentar à mesa, o coronel Vasco Lourenço, num crítico olhar para o interior da instituição, lamentou a aparente passividade dos chefes mas também dos seus subordinados quando estão no ativo.

“Não é só enquanto se é chefe militar e se exercem funções que se tem de assumir posições. Aplaudo estas iniciativas mas lamento que elas só surjam quando deixam de desempenhar funções. Assim como lamento que os militares no ativo, que estão a ser extraordinariamente mal tratados, esperem os militares na reserva e na reforma lhes tirem as castanhas do lume. Deviam estar aqui”, disse à Antena 1 o militar de Abril.

“QUEBRA DE SOLIDARIEDADE GERACIONAL”

De volta ao comunicado final, passemos aos sublinhados: “A degradação do serviço de saúde, que deixou de ter capacidades de reserva estratégica do Serviço Nacional de Saúde, com sérias fragilidades no apoio aos militares e seus familiares” (este Governo criou o Hospital das Forças Armadas que resulta da fusão dos quatro hospitais militares existentes em Lisboa); “a degradação da ação social complementar” (desde 2013 que se vem registando a redução das verbas para os programas de assistência social do Instituto de Ação Social das Forças Armadas); e o recém-publicado Estatuto dos Militares das Forças Armadas (entra em vigor na próxima quarta-feira, 1 de julho), que para estes oficiais “introduz uma quebra de solidariedade geracional, que nunca existiu, nem pode existir na instituição militar”.

Dito isto, o general Loureiro dos Santos, em nome dos oficiais presentes, passou aos alertas: a apelidada “Reforma 2020”, materializou-se no “cancelamento da maioria dos programas de modernização que estavam em curso, por menos recursos humanos e materiais, menos capacidades, menos unidades operacionais disponíveis, menos meios passíveis de serem empregues, quer em termos nacionais, quer no âmbito dos compromissos internacionais, e menores graus de prontidão, com realce para os meios aéreos e navais dedicados às regiões autónomas”.

“TRATAMENTO DESIGUAL”

“Apregoa-se o feito, de mais de mil milhões de poupanças, ignorando-se os muito mais que serão necessários despender para recuperar o que foi afetado, sem sequer preparar forças complementares ou prever medidas para o crescimento, em caso de necessidade, do sistema de forças nacional”, acrescentou o homem que chefiou o Estado-Maior do Exército (1991-1992) e também foi ministro da Defesa no IV e V governos constitucionais (novembro de 1978 a janeiro de 1980).

Mas as críticas à “atual ação governativa” não ficaram por aqui. Nos últimos parágrafos da declaração lida aos jornalistas lamenta-se que “a instituição que mais se reformou, desde a instauração do Regime Democrático, em 1974” é alvo de um “tratamento desigual, que parece configurar uma ação persecutória”.

“TRANQUILIDADE DOENTIA”

“O poder político não pode ser exercido apenas para justificar, arrogantemente, medidas e soluções tidas como únicas, o que em Democracia não é aceitável. Ao invés, reivindicamos que reconheça, de facto, que o que é diferente deve ser tratado de forma diversa, tal como, afinal, tem acontecido em relação a outras carreiras especiais do Estado”, afirmou Loureiro dos Santos para logo acrescentar: “Existe um ambiente de tranquilidade doentia que vem encontrando raízes na desmotivação profissional e que só o sentido do dever e da disciplina dos militares, tem evitado que se torne numa evidência pública, mas que não se pode mais silenciar.”

Ao tomar publicamente esta posição, este grupo de oficiais pretende evitar que “a gravidade da situação se torne irreversível e possa pôr em perigo a solidez e a estabilidade da instituição militar, para garantir o cumprimento das missões de soberania, face a possíveis cenários de grande incerteza e risco”.

Esta quinta-feira ao princípio da tarde, durante a conferência de imprensa no final do Conselho de Ministros, questionado sobre este encontro o ministro da Defesa desvalorizou-o.

"É um conjunto de oficiais que sempre estiveram contra a reforma que nós levámos a cabo. Em democracia, é normal e é legítimo que haja quem pense diferente. Portanto, não atribuo um valor nem um significado especial. Acho que é a democracia a funcionar", disse José Pedro Aguiar-Branco.

Portugal. FARTOS DE VACUIDADE POLÍTICA



Revista Seara Nova - Editorial – primavera 2015

Quarenta e um anos volvidos sobre a derrota da ditadura fascista, os portugueses estão confrontados com a actuação do governo de direita, que visa descaracterizar profundamente o regime democrático prosseguindo, com deliberada determinação ideológica, na destruição dos valores de Abril, de direitos, liberdades e garantias que a Constituição da República Portuguesa consagra.

É certo que este não constitui um problema novo, não surpreende, pois, desde há trinta e oito anos, os partidos políticos que assumiram o Poder Executivo, concorreram decisivamente para um visível enfraquecimento do nosso Regime Democrático. Mas nunca como agora a situação atingiu tais dimensões.

Os portugueses vivem hoje um momento histórico dos mais complexos, com restrições antidemocráticas promovidas por gente sem sentido de Estado, submetida a fortes interesses económicos e financeiros nacionais e internacionais, acção esta que tem possibilitado uma desenfreada exploração capitalista com efeitos tão perversos, tão nefastos, que não se pode afirmar nunca que, em cada região, em cada cidade, em cada bairro citadino, em cada vila ou aldeia, não paira a ameaça da fome, que o espectro do desemprego não cessa de aumentar, que as distorções de distribuição da riqueza não se acumulam ou que o desespero não domina o quotidiano de largos estratos da população.

Esta é a cruel realidade do País. Precisamente por isso torna-se urgente retomar os princípios democráticos por que o Povo lutou e abraçou com entusiasmo e com esperança. Importa, então, ter lucidez de espírito, capacidade de análise e de decisão por parte dos trabalhadores, dos intelectuais, enfim, da sociedade em geral, para se impedir no futuro e com combatividade, a continuação de políticas ideologicamente neoliberais que arruinaram a economia e conduziram Portugal para patamares inaceitáveis em Democracia.

Impõe-se, nesta altura, o dever efectivo dos portugueses darem ao mundo o exemplo moral de se oporem com firmeza às instituições capitalistas, tão avassaladoramente dominantes, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu ou a Comissão Europeia, que desprezam a soberania e independência do nosso País e a quem o governo se verga numa actuação que se pode classificar de verdadeiramente anti patriótica e que a História não deixará de julgar. Com a agravante do governo beneficiar do apoio do Presidente da República que, ao longo dos anos, se tem comportado mais como um mero militante do PSD do que como garante do normal funcionamento das instituições democráticas numa demonstração inequívoca de flagrante insensibilidade para os problemas que afectam milhões de cidadãos.

Este ano é um ano em que vai estar em jogo o futuro do País. As eleições legislativas podem proporcionar aos portugueses - vítimas, em proporções inauditas, das políticas que empobreceram o País - a audácia de derrotar com clareza os partidos responsáveis pelo descalabro do sector produtivo, pelo desmantelamento de empresas públicas estratégicas e essenciais ao desenvolvimento da economia, partidos que impõem austeridade sem limites, promovem a destruição de centenas de milhar de postos de trabalho, restringem as funções sociais do Estado e agravam as injustiças sociais.

Está nas mãos de todos escolhermos livremente em quem votar. Mas não devemos, na situação dramática que se vive, alhearmo-nos de um acto eleitoral de grande relevância para o futuro do País. Há que reflectir seriamente no facto de, se optarmos por nos abster de tomar posição, de expressar a nossa vontade política através do voto, isso beneficiará principalmente os mentores das políticas em curso.

Mas, atenção, para se reencaminhar Portugal para os Caminhos de Abril, para se relançar o País na senda do progresso e do desenvolvimento, não se pode prometer ao eleitorado que vão ser adoptadas medidas que, depois de analisado o seu conteúdo, se chega facilmente à conclusão de que são demagógicas e revelam contemplar, apenas, algumas alterações de circunstância às praticadas nos últimos anos e que, a serem aplicadas, acabarão por contribuir, efectiva e gravemente, para o prosseguimento das políticas que os trabalhadores, os desempregados, os reformados, os jovens obrigados a emigrar, tanto têm combatido.

Os portugueses estão fartos de formulações e de promessas perenes de vacuidade política.

Portugal. O REGRESSO DE RELVAS



Rafael Barbosa – Jornal de Notícias, opinião

1. O ministro da Educação acordou por estes dias para o problema do desequilíbrio entre os três períodos do ano letivo e tomou uma decisão: o primeiro período, o mais longo, será encurtado e começará, na prática, apenas na quarta semana de setembro.

As reações não se fizeram esperar. Filinto Lima, da associação de diretores, argumentou que "o espaço dos miúdos é na escola. Já têm férias suficientes". Jorge Ascenção, que representa as associações de pais, não consegue perceber a medida. "Como se vai fazer o mesmo com menos tempo?". Terão ambos razão, mas estão a desperdiçar argumentos. A medida de Nuno Crato não tem nada a ver com "um maior equilíbrio na duração dos três períodos letivos". O atraso no arranque do ano letivo tem como explicação, isso sim, o escândalo a que se assistiu no início do ano letivo que agora termina, com milhares de alunos sem professor durante várias semanas devido a erros sucessivos do Ministério. Acresce que o início do próximo ano coincide com o período de campanha eleitoral. Com a medida de Nuno Crato, o Governo poupa pelo menos uma semana de notícias sobre problemas nas escolas, entre eles a inevitável falta de professores. É apenas isto. E quando o objetivo é meramente eleitoral, não vale a pena perder tempo com argumentos pedagógicos. Basta denunciar o truque.

2. Miguel Relvas voltou à ribalta. Não por causa do livro que escreveu sobre a fusão de freguesias e que será lançado dentro de dias, antes por causa dos livros que não leu. O ex-ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares conseguiu despachar, num único ano letivo, as 36 disciplinas do curso de Ciências Políticas e Relações Internacionais: 32 graças a equivalências conseguidas com a sua experiência profissional, e portanto sem a necessidade de ler qualquer livro ou manual, e quatro graças a expedientes como o de dissertar sobre os artigos de jornal que publicou. É uma espécie de campeão nacional de créditos fraudulentos. Só lhe falta a medalha, sendo que ainda tem o canudo. Nada disto é verdadeiramente novo, ressurge apenas porque foi permitido aos jornalistas aceder ao processo da Inspeção-Geral de Educação e Ciência sobre as vigarices que se transformaram num negócio rentável da Universidade Lusófona. Não é novo, mas tem a virtude de recordar com quem é que Pedro Passos Coelho chegou ao poder e quais são as suas referências políticas. Uma delas é Miguel Relvas, o braço-direito que agora se dedica à profissão de facilitador de negócios. Na esteira, aliás, de outros grandes políticos e amigos do primeiro-ministro, como Dias Loureiro. Diz-me quem elogias, dir-te-ei quem és.

POVO GUINEENSE REFEM DE POLÍTICOS AMADORES



O Democrata (gb), editorial

Cada dia que passa os dirigentes deste traído país, não cessam de multiplicar episódios na interminável telenovela da vergonha nacional. Há muito tempo que o amadorismo é regra da governação, mas devemos reconhecer sem sombra para dúvidas que este modelo atingiu nos últimos tempos a órbita da banalidade extrema. Os detentores dos órgãos de Estado se transformaram em “atores de teatro” na praça pública.

O mito protector do Estado vaporou-se no meio da baralhada inqualificável. São verdadeiros políticos amadores! É incompreensível esta falta de cultura política que carateriza a “falaciosa” liderança atual enquanto os cidadãos querem ver o país seguir o rumo do progresso.

É insuportável a gritante incompetência desses homens desprovidos de visão de Estado e interessados em autopromover-se na sombra da desgraça coletiva. Até quando o impotente e passivo povo guineense vai “engolindo o peixe pela cauda”?

A atual crise institucional instalada é resultado de conflitos pessoais, acumulação de intrigas, soma de ambições desmedidas desses senhores que durante campanhas eleitorais prometem e juram “céu e terra” ao povo eleitor. Depois de investidos nas funções tornam-se autênticos pesadelos desse mesmo povo.

Verdadeiros homens de Estado sabem muito bem que na política os problemas, as divergências, são tratados em fóruns próprios e previstos pela Constituição da República. E sobretudo quando se trata de um país vulnerável em tudo como é o caso da Guiné-Bissau.

O imperativo do equilíbrio e do diálogo devia interpelar a cada um à razão e à moderação. Infelizmente assistimos diariamente a comportamentos banais que só tendem a agravar a vulnerabilidade das instituições de Estado e afastam cada vez mais a Guiné-Bissau do concerto de Nações prósperas.

Este povo já está farto de ouvir discursos vazios, de assistir ao “teatro”. Por conseguinte, não está mais interessado em ter dirigentes mesquinhos e incapazes de enveredar-se pela via do diálogo sobre assuntos importantes da República e preferem recorrer a pronunciamentos públicos numa clara disputa de protagonismo. Se a política se resumisse a essa mera banalidade, teria um nome diferente, se calhar chamar-se-ia “politicaria”.

O que este povo quer não é a “politicaria”, mas sim a estabilidade, a verdade e a reconciliação nacional.

Guiné-Bissau. Parlamento aprova moção de confiança ao Governo de PM Simões Pereira




A Assembleia Nacional Popular (ANP) da Guiné-Bissau aprovou hoje por unanimidade uma moção de confiança no Governo liderado por Domingos Simões Pereira

Um total de 81 deputados presentes, dos 102 com assento no hemiciclo, votou a favor da moção requerida pelo líder do executivo como "forte sinal de confiança e harmonização de posições" entre ANP e Governo.

O pedido surgiu numa altura de tensão entre Domingos Simões Pereira e o Presidente da República, José Mário Vaz, devido a divergências não especificadas por nenhuma das partes, mas que já duram há vários meses e que se refletem em declarações políticas divergentes.

Hoje os deputados deixaram a mensagem de que as "crises cíclicas não podem continuar", referiu Wasna Papai Danfá, líder da bancada do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), partido maioritário - que sustenta o Governo e que elegeu o Presidente da República.

"É um sinal de que a Assembleia Nacional Popular está com todos os órgãos de soberania" e recomenda "diálogo", acrescentou.

"Temos que saber representar o povo" e "o diálogo é necessário para haver paz e estabilidade", realçou.

O maior partido da oposição, o PRS, classifica a aprovação da moção de confiança como um "passo gigantesco para consolidar as instituições democráticas da Guiné-Bissau", referiu Daniel Embaló, líder da bancada.

"O Governo tem que ter tempo para trabalhar", referiu - sendo que o Executivo está prestes a cumprir um ano de mandato.

"O PRS vai continuar a lutar ao lado de Domingos Simões Pereira", acrescentou.

O Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) tem maioria na ANP e suporta o Governo - sendo que o líder do partido, Simões Pereira, é o primeiro-ministro.

Os partidos da oposição (PRS, PCD, PND e UM) estão também representados no Governo que foi empossado a 04 de julho de 2014.

Octávio Alves, ministro da Administração Interna, representou o Governo durante o debate e votação, manifestando "satisfação", mas sublinhando também que o voto traz "mais responsabilidade".

"É um impulso para trabalhar com mais afinco", acrescentou.

"As experiências dramáticas que o país já viveu" aconselham "ponderação e calma", acrescentou, considerando que entre os dirigentes políticos deve haver sempre "espaços de entendimento que é preciso explorar".

Lusa, em Notícias ao Minuto

Angola. Ativistas queriam cometer atentado contra José Eduardo dos Santos




A Procuradoria-Geral da República de Angola informou ontem à noite* em Luanda que o grupo de 15 jovens ativistas, detidos sábado em Luanda, estava a preparar um atentado contra o Presidente da República e outros membros dos órgãos de soberania.

Um comunicado da PGR, emitido hoje em Luanda, a que a agência Lusa teve acesso, refere que o Ministério Público validou a detenção dos 15 jovens ativistas, pois a conduta dos detidos configurava atos preparatórios para o cometimento do crime de rebelião.

O documento adianta que foi decretada a prisão preventiva "por inconveniência da liberdade provisória".

A PGR informa a sociedade angolana que continua a instrução preparatória, com vista à conclusão e introdução em juízo, assegurando o Ministério Público a garantia dos direitos fundamentais dos detidos, em conformidade com a Constituição angolana e a lei.

O comunicado detalha o processo de investigação levado a cabo pelo Serviço de investigação Criminal (SIC), que culminou com a detenção, na tarde do sábado passado, de 13 jovens em flagrante delito, e posteriormente de outros dois membros do grupo.

De acordo com a PGR, o SIC recebeu uma denúncia escrita que dava conta da realização de encontros de um grupo de cidadãos, que se reuniam aos sábados à tarde, desde 16 de maio deste ano, numa sala adaptada para ministrar aulas numa residência no bairro Vila Alice.
Os encontros tinham como objetivo a formação de formadores para mobilizar a população de Luanda para uma insurreição e desobediência coletiva, com a colocação de barricadas nas principais artérias da cidade capital e a queima de pneus em locais de maior afluência de cidadãos estrangeiros, nomeadamente o aeroporto internacional 4 de Fevereiro.

Acrescenta a PGR, que confirmados os factos constantes da denúncia pelo SIC e face à sua gravidade, foram emitidos mandados para Buscas, Revistas e Apreensões no local das reuniões, tendo sido encontrado na posse do grupo manuais de instruções e outros documentos, bem como escritos em cadernos com teores comprovativos das suas intenções criminosas.

Acrescenta ainda que durante as buscas e revistas, foram apreendidos na posse dos detidos, computadores portáteis, pen drives, telemóveis, entre outros objetos "com conteúdo suspeito".

"De realçar que entre os documentos apreendidos consta a composição de todos os Órgãos do Estado que seriam criados pelos insurrectos, desde o Presidente e o Vice-Presidente da República, o Presidente da Assembleia Nacional, os Tribunais Constitucional, Supremo, de Contas e Supremo Militar, entre outras instituições do Estado e os governos provinciais", lê-se no comunicado.

A nota refere ainda que os "insurrectos" pretendiam denominar os novos órgãos do Estado por "Governo de Salvação Nacional", tendo já a indicação dos nomes de futuros titulares dos cargos públicos, constando igualmente os nomes de alguns cidadãos ora detidos.

Lusa, em Notícias ao Minuto com atualização PG*

Angola. "Deixemos a justiça fazer o seu trabalho", diz PGR sobre vários "casos"



Gabriel Bung – Jornal de Angola

Em longa entrevista ao Jornal de Angola, o Procurador-Geral da República, João Maria de Sousa, esclarece em que ponto está a investigação sobre a “insurreição contra as forças da ordem” no Huambo e sobre o “caso Aneth”. Neste último processo, há cinco arguidos detidos e três mulheres foragidas.

Garantiu que no próximo ano, o Ministério Público conta com mais 100 magistrados que estão a concluir a sua formação.

Jornal de Angola – O que pode revelar sobre o caso Kalupeteka?

Procurador-Geral da República – Já muito se falou sobre a seita de José Kalupeteka, sobre a insurreição contra as forças da ordem e sobre os actos que enlutaram o nosso país e causaram muita dor às famílias das vítimas. Agora deixemos que a Justiça se ocupe dos processos instaurados, porque na verdade não é só um. Deixem que seja concluída a sua instrução sob a direcção do Ministério Público para na devida altura serem remetidos ao Tribunal competente. Houve uma insurreição contra as forças da ordem que sofreram baixas. Polícias foram assassinados. É preciso respeitar as vítimas e a dor dos seus familiares.

JA – Pode revelar em que ponto está o “caso Aneth”?

PGR – Esse caso assumiu grandes proporções na imprensa e na sociedade angolana em geral devido ao papel que desempenham hoje as redes sociais, papel que tanto pode ser positivo como negativo. E aqui há a sublinhar que a divulgação dos vídeos nas redes sociais de algum modo ajudou os órgãos de Investigação Criminal a esclarecerem a verdade material dos factos ocorridos dentro das quatro paredes do quarto de um determinado hotel.

JA – Isso legitima a violação de direitos pessoais?

PGR – A divulgação daqueles vídeos, indiscriminadamente, com o fim de denegrir qualquer pessoa, constitui violação grave, por ser atentatório contra os seus direitos fundamentais. De resto, isso agrava a responsabilidade criminal dos agentes dos crimes registados nas imagens, se estas tiverem sido colhidas por algum deles, ou der lugar à responsabilização individual de quem o tenha feito, independentemente de ter praticado ou não outro ilícito criminal.

JA – Em que ponto está o processo judicial?

PGR – Efectivamente, foi instaurado um processo-crime mediante queixa da ofendida, que já foi remetido para o Tribunal competente, com cinco arguidos em prisão preventiva, um homem e quatro mulheres, encontrando-se foragidas três presumidas arguidas. Aproveito para deixar claro que ainda que a ofendida ou ofendidos não tivessem apresentado queixa-crime, o Ministério Público tinha a obrigação de instaurar o processo, porque sendo crime público, é instaurado independentemente da forma como a autoridade judiciária tomou conhecimento dos factos criminalmente puníveis.

JA – A existência de três foragidas vai atrasar o processo?

PGR – Relativamente às três foragidas suspeitas de participação nos crimes investigados, a solução passa pela separação de culpas, de modo que o procedimento contra elas prossiga ao nível da instrução e possam ser submetidas a interrogatório, logo que sejam capturadas. Como se antevê, ninguém com culpas neste caso se vai furtar à acção da Justiça. Quanto aos detidos, a seu tempo serão julgados.

JA – Em que ponto está o processo instaurado aos líderes da Igreja Universal do Reino de Deus?

PGR – Devido a uma dezena de mortes e 100 feridos ocorridos durante uma vigília organizada pela Igreja Universal na Cidadela Desportiva de Luanda, na noite do dia 31 de Dezembro de 2012, que teve como propaganda “O Dia do Fim”, foi instaurado um processo-crime que correu seus trâmites na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da PGR, contra determinados líderes da Igreja Universal do Reino de Deus. Esse processo está no Tribunal Provincial de Luanda para onde foi remetido para efeito de julgamento.

JA – O Ministério Público já fez o seu papel?

PGR – A respeito desse processo até houve declarações pejorativas contra a PGR, como se não estivéssemos a fazer nada para a conclusão da instrução. O certo é que os familiares das pessoas que perderam a vida e os cidadãos que sofreram ofensas corporais são ou eram crentes da Igreja Universal. E em vez de se preocuparem com os danos sofridos na vigília de má memória, evitavam comparecer aos actos processuais para os quais eram convocados. Também foi difícil fazer comparecer os ofendidos para realizarem os exames periciais de medicina legal para determinação do grau das ofensas e lesões sofridas e posteriormente a realização dos exames de sanidade, essenciais e indispensáveis para o Ministério Público formular a sua acusação. O Ministério Público cumprirá o seu papel de acusador público até que se esgote com a condenacao ou nao dos reus.

JA – O que se passou com a detenção de activistas políticos em Cabinda?

PGR – No dia 14 de Março de 2015, na sequência da convocação de uma manifestação na cidade de Cabinda, com a distribuição de panfletos que apelavam à violência, foram detidos dois cidadãos, um dos quais advogado. Ambos foram restituídos à liberdade provisória pelo Ministério Público, prosseguindo normalmente a instrução do processo contra eles instaurado. Foi também detido um outro cidadão, tido como o mentor principal da manifestação.

JA – Por que razão este continuou detido?

PGR – Porque é trabalhador de uma empresa de onde dias antes foram furtados engenhos explosivos. Uma parte foi recuperada pelas forças policiais, quando um grupo de indivíduos que os transportava foi interpelado. Existe forte suspeita de que os explosivos se destinavam às acções de violência durante a manifestação. A ordem e tranquilidade públicas têm de ser asseguradas pelas forças de Polícia e não se pode permitir que a vida de milhares de pessoas seja posta em perigo pela conduta de alguns que violam a Constituição e a Lei. Os indivíduos que transportavam os explosivos conseguiram pôr-se em fuga, mas as investigações e diligências para a sua captura estão em curso.

JA – A Justiça continua lenta.

PGR – A morosidade processual é uma problemática que não diz respeito apenas ao nosso país e no nosso caso em concreto passou a constituir uma preocupação permanente para o Ministério Público, autoridade sobre quem recai a competência legal para dirigir a Instrução Preparatória dos processos criminais, independentemente de qual seja a autoridade que esteja a realizar a instrução dos autos.

JA – Quais as causas que levam à morosidade processual?

PGR – Várias são as causas que concorrem para a morosidade processual na fase preparatória e que consequentemente provocam morosidade na realização da Justiça. Posso citar algumas mais visíveis. A primeira causa é o aumento da população nos centros urbanos devido à migração de pessoas do campo para as cidades e a tomada de mais consciência dos seus direitos, originando um grande fluxo de processos, fruto de queixas e requerimentos apresentados junto dos órgãos de Justiça.

JA – O sistema está a responder?

PGR – Essa é outra causa fundamental da morosidade processual. O Poder Judiciário não se preparou para enfrentar tamanha demanda processual nos últimos tempos, face à dinâmica da sociedade. Embora o legislador procure produzir leis objectivando a sua eficácia no tempo e no espaço, o Estado sente-se de algum modo impotente para acompanhar a velocidade dos acontecimentos e para actualizar a lei em conformidade com a realidade social de cada momento. As próprias leis também influenciam a celeridade ou a morosidade processual, dependendo da sua actualização ou não.

JA – Já existe um número suficiente de magistrados e funcionários judiciais?

PGR – Os recursos humanos entram no rol de problemas. A quantidade de Magistrados Judiciais e do Ministério Público, os Oficiais de Justiça e Funcionários são insuficientes para dar vazão ao fluxo crescente de processos. Aumentar os recursos humanos não é a solução mágica dos problemas, porque é preciso formá-los inicial e continuamente, de modo a atingirem uma qualidade que satisfaça os anseios da população. Está em curso um processo de reforma do Poder Judiciário para que a sociedade possa contar com uma prestação jurisdicional rápida, eficiente e condizente com os tempos em que vivemos.

JA – Há instalações condignas em todo o país?

PGR – A reforma judiciária também abrange as condições materiais dos operadores de Justiça, pois em muitos lugares há Juízes e Procuradores a trabalharem em condições incompatíveis com a responsabilidade social e a dignidade das magistraturas.

JA – Que mudanças estão em curso na área processual?

PGR – Muitas disposições de natureza processual devem ser revogadas, actualizadas, objectivando mudar a estrutura e a organização do Poder Judiciário, com a adopção de procedimentos que visem agilizar a realização da Justiça.

JA – Ainda existe excesso de prisão preventiva?

PGR – A prisão preventiva está submetida a um estrito princípio de necessidade, daí que esta só deva ser adoptada quando a liberdade provisória aliada a medidas de coacção de controlo se apresentam insuficientes para impedir a fuga do arguido, para evitar perturbações na instrução do processo e evitar que o arguido cometa novos crimes ou perturbe a ordem e a tranquilidade públicas. A prisão preventiva não pode ser decretada arbitrariamente e tem de obedecer ao quadro legal, que é muito rigoroso nesse sentido.

JA – Quais são os mecanismos da prisão preventiva?

PGR – A lei consagra prazos distintos, consoante se trate de prisão preventiva com ou sem culpa formada e estabelece o princípio de que nenhum arguido pode estar preso sem culpa formada para além dos prazos legalmente estabelecidos. A prisão preventiva sem culpa formada conta-se a partir da captura e a prisão com culpa formada desde a notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público até ao despacho de pronúncia do Juiz. Esgotados os prazos fixados não se pode manter a prisão preventiva imposta ao arguido e é obrigatória a sua soltura, devendo ser colocado em liberdade provisória.

JA – Reconhece que existem excessos?

PGR – Reconheço que ainda há alguma negligência quer por parte dos magistrados do Ministério Público, quer dos instrutores dos processos no controlo dos prazos de prisão preventiva. Mas é preciso ter em conta as condições em que se trabalha nas unidades policiais, que dificultam a organização e a aplicação dos métodos para um rigoroso controlo da prisão preventiva.

JA – Há punições para os responsáveis que violam os prazos da prisão preventiva?

PGR – A lei manda punir os responsáveis pela manutenção de uma prisão fora do prazo por se traduzir em prisão ilegal e não são poucas as vezes em que são abertos inquéritos e processos disciplinares para se apurar as razões, com as consequentes punições quando se justifique. Neste momento, o Ministério Público está a realizar um trabalho conjunto com os oficiais do Serviço de Investigação Criminal e dos Serviços Prisionais, para o levantamento e auscultação dos reclusos a nível nacional, no sentido de se constatar a existência nos estabelecimentos prisionais de situações de excessos de prisão preventiva e outras irregularidades.

JA – E se o processo do detido já está no Tribunal?

PGR – Muitos casos de excesso de prisão preventiva correspondem a processos que já se encontram na fase judicial, nos Tribunais, sob a responsabilidade dos Juízes. Casos do género, a serem agora detectados, serão dirigidos aos respectivos Magistrados Judiciais, com as informações pertinentes, que certamente vão tomar as decisões que forem mais acertadas.

JA – Os arguidos têm formas de defesa quando estão detidos para além do prazo?

PGR – Têm todas as garantias. Perante uma situação de excesso de prisão preventiva, o arguido pode fazer recurso ao instituto do “habeas corpus”, que é uma providência de natureza extraordinária com dignidade constitucional, cuja finalidade consiste em pôr fim a situações de privação ilegal de liberdade em curto espaço de tempo.

JA – Os reclusos estão a beneficiar dessas garantias?

PGR – Na cidade de Luanda, onde o fluxo processual e o índice de criminalidade são os mais altos e a população carcerária igualmente maior, criou-se uma Comissão “ad hoc” que é integrada por representantes do Tribunal, do Ministério Público, do Serviço de Investigação Criminal e dos Serviços Prisionais, que reúne periodicamente para analisar as situações que vão ocorrendo, relacionadas com excessos de prisão preventiva, visando encontrar rápidas soluções. Quanto às providências do “habeas corpus”, têm sido requeridas e o Tribunal Supremo as tem apreciado.

JA –  Quais são os prazos da prisão preventiva durante a instrução?

PGR – Tal como estabelece a lei, desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou até ao pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público, os prazos de prisão preventiva não podem exceder os 30 dias por crimes dolosos a que caibam penas de prisão até dois anos. Ou 45 dias por crimes a que caibam penas de prisão maior e 90 dias por crimes contra a Segurança do Estado. Estes são os prazos iniciais, que podem ser prorrogados, quando for inadmissível a liberdade provisória, por despacho fundamentado do Ministério Público.

JA – Até onde podem ir as prorrogações?

PGR – A primeira prorrogação, que é de 45 dias, pode excepcionalmente ser repetida nos casos de grande complexidade do processo, podendo atingir um limite máximo de 120 dias para quem pratique crimes dolosos a que caibam penas de prisão até dois anos, 135 dias para os crimes puníveis com prisão maior e até 215 dias para os crimes contra a Segurança do Estado. Esgotados estes prazos, os detidos devem ser restituídos à liberdade provisória.

JA – Quando é aplicada a medida de coacção máxima?

PGR – Pela sua natureza cautelar e considerando o carácter excepcional da prisão preventiva, esta pode ser decretada como garantia de manutenção da ordem pública, da ordem económica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes da sua autoria. Estes pressupostos têm de ser reais e baseados em factos concretos que demonstrem que a liberdade do agente do crime representa um perigo real para o andamento do processo criminal e não em suposições ou meros juízos de valor.

JA – Em que circunstâncias é decidida a prisão do arguido?

PGR – Em instrução preparatória, a prisão só pode ser ordenada em flagrante delito, quando a infracção cometida corresponder a qualquer pena de prisão. Fora de flagrante delito a detenção só pode ser feita depois de emitido mandado de captura pelo Ministério Público ou por autoridade de polícia criminal competente. É ilegal toda a detenção que tenha como fim prender para investigar. Também é ilegal prender para que as buscas sejam mais eficazes. Todas estas situações são eticamente condenáveis e processualmente ilegais. Nestes casos, quer o Ministério Público, quer a entidade policial devem abster-se de ordenar a detenção sob pena de serem posteriormente responsabilizados criminal, disciplinar e civilmente.

JA – Os agentes judiciários têm outras alternativas?

PGR – As Autoridades Judiciárias têm à sua disposição os meios necessários à aplicação de outras medidas de coacção sem a necessidade de utilizarem um meio de que devem dispor com particular atenção, como é a prisão preventiva. Para a aplicação da medida de privação de liberdade é necessário que haja perigo de continuação da actividade criminosa ou de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Os despachos que validam detenções sem a observância daqueles requisitos devem ser considerados ilegais, com as consequências que daí decorrem.

JA – A prisão está a ser encarada como o último recurso?

PGR – A liberdade é a regra, à qual a prisão deve constituir a excepção. Entretanto, toda a pessoa privada de liberdade tem o direito de impugnar a ilegalidade da sua prisão ou detenção, ficando ressalvado, assim, o direito de defesa do grande lesado pela situação de detenção ilegal, o arguido. Sempre que o prazo de apresentação do arguido ao Ministério Público para o primeiro interrogatório não seja respeitado, fica-se perante uma situação de detenção ilegal, a qual permite que o arguido requeira ao juiz a providência de “habeas corpus” em virtude da detenção ilegal.

JA – Que medidas a Procuradoria-Geral da República tomou para impedir abusos?

PGR – No sentido de reduzir as reclamações relacionadas com prisões consideradas ilegais, no fim do ano passado voltamos a accionar o funcionamento de piquetes do Ministério Público junto aos órgãos de investigação e instrução criminal, aos sábados, domingos e feriados, para realizarem os interrogatórios dos detidos apresentados naqueles dias. Essa medida embora ainda não esteja a verificar-se em todas as províncias, brevemente estende-se a nível nacional.

JA – Está satisfeito com os resultados?

PGR – Temos evoluído no sentido de terminar com as práticas que lesam os arguidos nos seus direitos, pois o fim subjacente da prisão preventiva visa evitar a fuga ou o perigo da fuga, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa do arguido.

JA – A Lei da organização e funcionamento dos Tribunais já está a ser aplicada?

PGR – A lei começou a ser aplicada logo que entrou em vigor. Mas é necessário tomar-se medidas para o aumento do número de Magistrados, sejam eles Juízes ou Procuradores, porque os existentes não são suficientes para a execução da reforma em curso. Ao nível do Ministério Público continuamos com dificuldades em áreas que exigem a nossa intervenção, o que faz com que os serviços aqui e ali ainda sejam assegurados por acumulação. Mas não estamos de braços cruzados e a nossa perspectiva é a de até ao primeiro trimestre do próximo ano fazer ingressar no Ministério Público pelo menos100 novos Procuradores da República.

JA – Existem esses quadros altamente especializados?

PGR – Temos 28 Auditores que concluíram a formação teórica no Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ) a realizarem o estágio no Tribunal Provincial de Luanda. Até finais do mês de Julho estarão em condições de integrar os quadros do Ministério Público. No passado mês de Abril ingressaram no Ministério Público 27 novos Procuradores. Conseguimos, com o apoio incondicional do Executivo, enviar para Portugal, no mês de Março, 30 Auditores para fazerem formação no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa. Mais 30 Auditores foram fazer a formação em Moçambique, no Instituto Nacional de Formação Jurídica e Judiciária daquele país irmão.

JA – Tem números exactos dos magistrados em formação?

PGR – Sem medo de errar, garanto que vamos chegar ao mês de Março do próximo ano com o ingresso de um total de 115 novos Procuradores da República, 27 dos quais já em serviço desde Abril.

JA – Como foi feito o recrutamento e selecção?

PGR – Os 60 Auditores enviados para Portugal e Moçambique são funcionários da Procuradoria-Geral da República, licenciados em Direito, com mais de cinco anos de serviço. Foram seleccionados em concurso interno. São quadros familiarizados com o Ministério Público. Após a formação teórica no exterior do país e a prática aqui em Angola vão ser um marco de mudança da actual situação de carência acentuada de Magistrados do Ministério Público. A prioridade da sua colocação vai para as províncias com menos magistrados.

JA – Há outras fontes de recrutamento?

PGR – O INEJ iniciou recentemente um curso de formação para Magistrados com 100 Auditores que vão ser distribuídos pelas duas magistraturas até Junho ou Julho do ano de 2016. Embora numa primeira fase só tenhamos condições de cobrir 80 municípios onde o Ministério Público não está presente em tempo integral, é certo que deixaremos os cidadãos mais descansados, do ponto de vista do asseguramento dos seus direitos fundamentais. Eu defendo este princípio: onde houver Polícia deve estar também o Ministério Público para legalizar as prisões e transmitir a segurança jurídica nos negócios em que a população intervém ou nos negócios em que intervêm pessoas colectivas.

JA – Os Tribunais de Comarca do novo Mapa Judiciário vão ter magistrados suficientes?

PGR – Numa primeira fase abrem sem a quantidade ideal de Magistrados, mas acreditamos que com mais ou menos dificuldade é possível realizarmos com a qualidade suficiente e eficácia as atribuições que nos foram confiadas pela Constituição e pela Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da República e do Ministério Público.

JA – A modernização dos serviços da PGR está em curso?

PGR – Está em marcha e a primeira fase passa pela informatização dos serviços, uma situação que muito nos preocupa, porque estamos no século XXI, na era das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e os Serviços de Justiça já não se compadecem com os métodos e instrumentos de trabalho arcaicos, sob pena de nunca poderem atingir a excelência.

JA – Em que áreas as novas tecnologias são aplicadas?

PGR – As TIC oferecem-nos ferramentas que facilitam o nosso trabalho, sobretudo na gestão dos recursos humanos, na gestão dos processos em instrução e na gestão da prisão preventiva. Permitem acabar com as constantes deslocações dos Magistrados às cadeias para a recolha de informações. Infelizmente, este ano não temos a disponibilidade orçamental para que possamos dar o passo certo. Esperamos poder fazê-lo oportunamente. A modernização dos nossos serviços passa também pelo seu apetrechamento com outros meios técnicos específicos para os órgãos que trabalham com a investigação criminal, sem deixar de parte a importância que os transportes assumem para o nosso trabalho.

JA – Há magistrados do Ministério Público com especialização específica?

PGR – Essa é a segunda vertente da modernização e passa pela especialização dos nossos magistrados destinada a qualificá-los para os desafios do combate à criminalidade económica e do ambiente, sem descurar o combate aos crimes cometidos com a utilização das tecnologias informáticas que já começam a preocupar a nossa sociedade. Nos dias que correm é necessária uma preparação permanente dos quadros, pois a evolução, a dinâmica da sociedade moderna, a economia, a globalização e as novas tipologias criminais exigem uma especialização dos magistrados adaptada às áreas específicas da sua actuação.

JA – O Instituto Nacional de Estudos Judiciários responde a essas necessidades?

PGR – O instituto tem a vocação de dar formação inicial aos Magistrados, mas também se dedica à formação contínua nas distintas especialidades do Direito, tanto para Magistrados como para Técnicos e Oficiais de Justiça. Mas nem sempre esteve em condições de o fazer. Por isso, a PGR organizou cursos extraordinários para o refrescamento de magistrados do Ministério Público inseridos nas áreas Criminal, do Trabalho e dos Direitos Humanos. No mês de Setembro de 2014 realizamos uma formação na área do Cível, com pendor para os Direitos Difusos, nomeadamente os Direitos do Consumidor e do Ambiente.

JA – Está prevista uma actualização no modelo de investigação criminal?

PGR – Antes de responder a essa questão, quero informar que também vamos realizar formação dirigida aos magistrados da área de Família para a abordagem de temas relacionados com a União de Facto e o Direito Sucessório face à problemática das partilhas de bens nas famílias não unidas pelo casamento formal. Mas em matéria de modernização algo mais deve ser dito: nos termos da Constituição, a direcção efectiva da instrução e investigação criminal compete ao Ministério Público. Não podemos falar na modernização da PGR e do Ministério Público sem referir que o modelo de investigação criminal que praticamos também carece de revisão em benefício das funções da Polícia de Investigação Criminal.

JA – Como se vai processar essa mudança?

PGR – Em rigor, os órgãos de Polícia Criminal devem acompanhar a evolução da criminalidade e para isso deve ver modernizada a sua organização e funcionamento. É fundamental reestruturar a sua implantação geográfica e apetrechá-los de meios técnicos e de transportes adequados às suas funções.

JA – A Polícia criminal tem recursos humanos suficientes?

PGR – Os Serviços de Investigação Criminal também se debatem com um elevado défice de recursos humanos, o que não lhes permite responder cabalmente às actuais solicitações, algo que preocupa a entidade superior de tutela. Há toda uma necessidade e interesse em transformar o Ministério Público e os Serviços de Investigação Criminal em órgãos Judiciários mais activos, mais cooperantes, mais próximos das comunidades, capazes de dar resposta atempada às preocupações e anseios dos cidadãos e da própria Justiça.

JA – Que resposta está a ser dada aos casos de corrupção?

PGR – O tema corrupção é hoje um dos mais debatidos em Angola, mas também nos demais países. A corrupção engloba em si o abuso de poder, o branqueamento de capitais, a fraude fiscal e outros ilícitos económicos que fragilizam a economia dos Estados. Os casos publicados nos órgãos de comunicação social sobre corrupção não só têm o mérito de despertar os órgãos a quem incumbe o dever de investigar e esclarecer os crimes, de mobilizar o poder político para afirmar a sua vontade séria de perseguir e combater a corrupção, mas também tem a enorme vantagem de desenvolver a censura da corrupção por parte da grande maioria dos cidadãos de cada país, em concreto.

JA – Há meios para combater esses crimes?

PGR – A corrupção é um fenómeno criminal de que todos acabamos sendo vítimas, já que os seus efeitos se reflectem na instabilidade das instituições democráticas, no montante dos impostos arrecadados, nos preços dos produtos e serviços. Por isso estamos todos empenhados em combatê-la. Para isso, o Estado Angolano tem leis em vigor nesse sentido e aderiu às Convenções Internacionais de Combate à Corrupção. São muito frequentes as ligações entre corrupção, branqueamento de capitais e crime organizado, o que torna indispensável e essencial a cooperação e a colaboração de várias entidades Judiciárias internacionais no combate a esse tipo de criminalidade.

JA – A comunicação social ajuda a combater a corrupção?

PGR – Eu já reconheci a importância dos órgãos da comunicação social na denúncia dos crimes de corrupção. Porém, essas denúncias devem ser sérias e objectivas, pois a Imprensa deve primar pelo rigor na informação que leva ao público, para não ferir o direito de terceiros. Nem se deve esquecer que todo o suspeito goza do direito à presunção da inocência, um direito fundamental tão importante como qualquer outro. Mas, repito, a comunicação social tem sido muito útil para a denúncia de todo o tipo de crimes.

JA – A PGR tem serviços especializados para o combate contra a corrupção?

PGR – Existe a Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção, à qual cabe desenvolver actividades de prevenção e combate aos actos de corrupção e de fraude, com medidas eficazes de luta, entre outras acções legalmente previstas.

JA – O que acontece aos gestores públicos que não prestam contas?

PGR – A prestação de contas é um dever de todos os servidores públicos. A obrigação de prestar contas certas é clara e inequívoca. O Tribunal de Contas tem a função de fiscalizar a gestão financeira do Estado e julgar as contas que a lei sujeita à sua jurisdição. Quando detectar irregularidades na gestão, que constituam infracções financeiras, faz constar de um relatório de auditoria que depois de aprovado remete para o Ministério Público. Caso o Ministério Público confirme a existência da infracção, interpõe uma acção que pode ser de responsabilidade financeira reintegratória ou de multa, que dá lugar à responsabilidade financeira sancionatória.

JA –  Pode concretizar?

PGR – A responsabilidade reintegratória persegue infracções em que se apure extravio, perda, subtracção ou deterioração culposa ou dolosa de valores, bens ou materiais do poder público, ou pelos quais este responda. Tem como base sempre um prejuízo. A responsabilidade sancionatória persegue a violação dos procedimentos da gestão financeira pública. Sempre que na pendência do processo se encontrem indícios suficientes de desvio de dinheiro, o Ministério Público remete cópias das folhas que provem esses factos acompanhadas de um ofício aos Serviços de Investigação Criminal, para o respectivo procedimento.

JA – Existem muitos casos de desvio de dinheiro?

PGR – Não. Os casos de desvio de dinheiro são registados em pequeno número na PGR. Ultimamente registaram-se dois casos: o do Gabinete Técnico de Reconversão Urbana do Cazenga e do Sambizanga e o da Administração Municipal do Bailundo, com processos criminais em curso na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da PGR provenientes da Direcção Nacional de Inspecção e Investigação das Actividades Económicas.

JA – E quanto aos processos de multas?

PGR – Esses processos dão lugar à responsabilidade financeira sancionatória e têm como base a violação dos procedimentos da gestão financeira pública. São em maior número e as multas sancionatórias deles resultantes têm sido regulares e pontualmente pagas pelos gestores sancionados. Estes processos de multa não têm carácter secreto e uma vez arquivados, podem ser consultados por quem tenha interesse legítimo.

JA – A Lei da Probidade Pública está a ser cumprida com rigor?

PGR – Independentemente dos objectivos preconizados pelo legislador, essa é uma lei como qualquer outra, que persegue a regulação social e a conduta dos servidores públicos. Tendo em conta as experiências do passado, quando os jornalistas se referem a esta lei, estão sempre à espera que se fale das Declarações de Bens que os gestores públicos estão obrigados a apresentar no início de funções e a actualizá-las de dois em dois anos, enquanto estiverem em funções. Mas, na verdade, esta não é a única preocupação do Estado ao aprovar essa lei.

JA  – Então, qual é?

PGR – A Lei da Probidade Pública estabelece as bases e o regime jurídico relativos à moralidade pública e ao respeito pelo património público, por parte dos agentes públicos e aplica-se a todas as actividades de natureza pública. Como tal, a lei diz que integram igualmente o seu âmbito material, as actividades de entidades não públicas, singulares ou colectivas, circunstancialmente investidas de poderes públicos, e incorpora ainda princípios sobre os quais o agente público deve pautar-se no exercício das suas funções.

JA – Quais são esses princípios?

PGR – São os princípios da legalidade, da probidade pública, da competência, do respeito pelo património público, da imparcialidade, da urbanidade, da parcimónia, o princípio da lealdade às instituições e entidades públicas e aos superiores interesses do Estado, só para citar alguns. A Lei define quais os actos considerados de improbidade pública, como sendo os que atentam contra os princípios da Administração Pública, os que conduzem ao enriquecimento ilícito ou causam prejuízo ao património público. Define taxativamente como se materializa cada um daqueles actos e estabelece as sanções a serem impostas contra os infractores.

JA – Onde são entregues as declarações de bens dos servidores públicos?

PGR – Para satisfazer a curiosidade dos senhores jornalistas, quero dizer que a Declaração de Bens que constituem o património privado das entidades obrigadas por lei a apresentá-la e a actualizá-la periodicamente tem sido entregue na PGR, mais propriamente na Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção. Este serviço tem como parte das suas atribuições promover a transparência da gestão pública, realizar acções de fiscalização e controlo de eventuais actos de improbidade pública, passíveis de prejudicar o património público.

JA – A criminalidade aumenta?

PGR – Nos últimos anos não houve uma subida do índice de criminalidade no nosso país. Isto foi demonstrado por estudos realizados entre a PGR e o Ministério do Interior. Mas há registo de um considerável aumento dos crimes violentos. Refiro-me aos que causam o pânico e assustam as pessoas, daí a impressão de aumento generalizado da criminalidade. A divulgação de falsos delitos, como a prática de crimes violentos aqui e ali, nas redes sociais, que rapidamente se propagam, é outro factor para a criação de falsos alarmes, que causam na população um sentimento de profunda insegurança. Boatos sobre um homicídio na Centralidade do Kilamba assustaram meio mundo, moveram a Polícia Nacional e a imprensa para o local. Afinal, nada havia acontecido. Este é um exemplo.

JA – Como caracteriza a criminalidade no país?

PGR – Em geral, é caracterizada por delitos de ofensas corporais, furtos, roubos e homicídios. Nos últimos quatro anos, houve uma considerável subida de casos de violação, em regra contra menores. Não podemos descurar os crimes praticados no exercício da condução automóvel que causam mortes e danos materiais avultados provocados por motoristas embriagados ou drogados e por outros que não respeitam as regras de trânsito. Os crimes contra o património começaram a ocupar, já há algum tempo, lugar de destaque na criminalidade e tem crescido o número de assaltos a bancos e a pessoas junto às instalações bancárias ou a pessoas perseguidas após levantarem somas em dinheiro. Muitos autores dos crimes são jovens do sexo masculino.

JA – A delinquência juvenil é relevante?

PGR – É frequente afirmarmos que a falta de estruturação das famílias leva as crianças a encontrarem dificuldades e daí partirem para a delinquência. Mas a criminalidade envolvendo os menores não se restringe apenas às famílias pobres, atinge também aquelas que não sofrem desse mal que é a pobreza. Vemos, hoje, que a permissibilidade dos pais, que não impõem limites aos seus filhos, cria verdadeiros transgressores da lei e da ordem constituída. É incontestável que os meios de comunicação, principalmente, a rádio, a televisão e os jornais, exibindo imagens e notícias violentas, induzem muitas pessoas a desvios de conduta que podem chegar a práticas delituosas.

JA – Como está distribuída a criminalidade no país?

PGR – As quatro províncias com os índices de criminalidade mais altos são Luanda, Benguela, Huíla e Huambo. A do Cuanza Norte é a que tem os índices mais baixos.

JA – Os direitos humanos estão a ser defendidos?

PGR – Na Procuradoria-Geral da República temos um Núcleo de Protecção e Defesa dos Direitos Humanos integrado por Magistrados do Ministério Público. Estes magistrados têm participado em fóruns internacionais onde são debatidos temas sobre a problemática dos Direitos Humanos e têm actuado como peritos em apoio aos Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos e das Relações Exteriores nas sessões do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, apoiando da mesma forma os Departamentos Ministeriais junto da União Africana e da SADC.

JA – Quais são as actividades fundamentais do núcleo?

PGR – O núcleo tem realizado acções públicas no sentido de exaltar os Direitos Humanos para que a sociedade civil tome consciência dos seus direitos e deles usufrua. Também tem organizado acções de formação dirigidas a Magistrados do Ministério Público, a oficiais e agentes do Ministério do Interior e da Polícia Nacional. Aproveito esta oportunidade para abordar algumas questões de extrema importância em matéria de protecção e defesa de direitos e que têm preocupado o Ministério Público, enquanto instituição a quem a Constituição incumbe de fiscalizar a legalidade democrática.

JA – A que questões se refere?

PGR – Hoje, por tudo e por nada, as pessoas utilizam os seus telemóveis para colher imagens e sons das piores desgraças que podem acontecer a alguém. Violam a sua privacidade, o seu direito à imagem, ao bom nome e à reputação, à reserva da intimidade da vida privada e familiar. Colocam as imagens e o som nas redes sociais e esses registos correm o mundo, causando incalculáveis prejuízos às pessoas visadas. É preciso pôr termo a estas práticas. Vamos promover junto de quem de direito a adopção de legislação apropriada ao combate dessas práticas lesivas de direitos dos outros cidadãos.

JA – Porque acontece isso?

PGR – Estamos a perder o amor pelo próximo. Há gente capaz de presenciar um acidente, uma calamidade, de encontrar alguém a precisar de socorro, mas a primeira coisa que faz é sacar do telemóvel para colher imagens e partilhar com outras pessoas sem se preocupar com os que sofrem e necessitam de auxílio. Temos de acabar com a ideia de que qualquer acontecimento registado pelos telemóveis serve para ser partilhado nas redes sociais. Convido todos os cidadãos, sem excepção, a respeitarem a Constituição, a respeitarem os direitos dos outros e a evitarem situações de conflito com a lei, como forma de diminuirmos o volume de processos nos Tribunais e para que os órgãos de Justiça possam ser mais céleres e eficazes.

Foto: João Gomes

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