terça-feira, 28 de maio de 2013

CAVACO SILVA NÃO É PALHAÇO, MAS É UM POLÍTICO COBARDE

 


Henrique Raposo – Expresso, opinião
 
O meu problema com o palhaço é a falta de precisão do termo. A palhacite, aguda ou moderada, é um conceito demasiado gasoso. Prefiro termos com mais sustança. Cobardia, por exemplo. Ao contrário da palhacite, a cobardia política é algo que podemos medir com algum grau de precisão. E, por amor a Nossa Senhora, reparem bem no termo: cobardia política. Não está em causa a pessoa, mas o político. Como pessoa, como pai, marido ou avô, o Dr. Anibal será, com certeza, um herói, um Rambo da vida doméstica, um Chuck Norris da intimidade, um Titã do miminho. Mas, como político, Cavaco Silva tem sido o leãozinho amarelo de Oz. Exemplos? A posição de Cavaco Silva sobre os cortes nas pensões é um exemplo clássico de cobardia política. Mais? Cavaco pactuou com a governação socialista, deixou Sócrates e Paulo Campos à solta, e depois assumiu a primeira vaga de oposição ao governo que herdou o país arruinado pelo socratismo. A conversa da "falta de equidade" foi inaugurada pelo reformado Cavaco Silva logo em 2011.
 
Esta juba amarela de Cavaco é evidente até na forma como respondeu a Miguel Sousa Tavares. O termo palhaço é infeliz? É. O próprio Sousa Tavares já o reconheceu. Mas uma expressão infeliz não justifica a abertura de um processo pelo ministério público a pedido do próprio Presidente. Se tivesse a dimensão que julga ter, Cavaco Silva teria sido o primeiro a pedir a não-instauração de um processo. Dessa forma, o ónus cairia apenas no jornalista em causa. Em vez de ser magnânime, Cavaco foi picuinhas e resolveu processar um jornalista através do poder coercivo do Estado. Isto é como ver um elefante a mostrar medo perante a mosquinha que poisou na sua tromba. Por mais ridícula ou ofensiva que seja, a opinião de um jornalista não tem poder coercivo, não aumenta impostos, não aumenta a contribuição da segurança social, não muda a vida de ninguém.
 
Para mal dos nossos pecados, esta não é a primeira vez que Cavaco Silva usa a falácia do bom-nome: no caso BPN, nunca deu as respostas certas, aliás, nunca quis ouvir as perguntas. Agora, usa o argumento da "honra ofendida do chefe de estado". O Presidente em exercício parece partir do pressuposto de que Cavaco e Portugal são sinónimos e, assim, transforma qualquer ataque a Cavaco numa ofensa a Portugal. Ora, convém relembrar que o Dr. Cavaco não é um rei, não é um símbolo, não é o imperador do Japão, não é um ser longínquo e semi-divino acima da batalha política. O Presidente em exercício é um político profissional, foi eleito pelos portugueses e tem uma enorme influência nos destinos do país. Neste sentido, está mais do que inserido no campo de tiro da crítica e da sátira. Um ataque a Cavaco não é um ataque à Presidência, ao regime, ao país. Aliás, um ataque a Cavaco até pode ser uma defesa do regime e um atestado de patriotismo.
 

BRUXELAS TRAVA LINHA DE CRÉDITO DE MAIS DE MIL MILHÕES A PORTUGAL

 


Ana Tomás – Jornal i
 
Presidente do Banco Europeu de Investimento afirmou que há mais de mil milhões de euros a taxas de juro atractivas, destinados às PME, que aguardam luz verde da Comissão Europeia
 
O Presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI) denunciou esta terça-feira, em Paris, que a Comissão Europeia está a bloquear uma linha de crédito para Portugal de mais de mil milhões de euros.
 
Em declarações à RTP/Antena 1, o alemão Werner Hoyer afirmou que há mais de mil milhões de euros a taxas de juro atractivas, destinados às PME, que aguardam luz verde da Direcção-geral da Concorrência para serem desbloqueados.
 
“O ano passado, assinámos um contrato de financiamento que está travado na Comissão Europeia por questões de concorrência. Precisamos de ultrapassar este obstáculo muito rapidamente porque o dinheiro está à espera no nosso banco e são mais de mil milhões de euros que poderiam ser desembolsados de um dia para o outro se a Comissão Europeia desbloqueasse, explicou o presidente do BEI.
 
O responsável lembrou ainda que os tratados prevêem que “em circunstâncias extraordinárias essas preocupações possam ser ultrapassadas”, desde que haja “sentido de urgência” e “boa vontade”.
 
Werner Hoyer esteve em Paris para participar numa conferência que juntou políticos e intelectuais europeus para debaterem o problema do desemprego jovem.
 
Presidido pelo presidente francês, François Hollande, o encontro contou, entre outros, com a presença dos ministros das Finanças de França, Alemanha e Itália e do ministro da Economia português, Álvaro Santos Pereira, que insistiu no pedido de ajuda ao BEI, argumentando que a escassez de crédito às empresas portuguesas é uma das razões para a subida do desemprego.
 

Portugal: SEGUNDO RESGATE À VISTA

 


Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião
 
Até lá, a troika deixa subir o défice meio ponto, voltamos aos mercados e os juros tornam-se incomportáveis. A história vai repetir-se
 
Torna-se claro e óbvio que Portugal vai regressar aos mercados lá para Setembro e que, passados uns meses, volta a precisar de ajuda para se financiar, a fim de evitar juros agiotas.
 
A ajuda voltará a ser dada sob a forma de troika ou com outra qualquer geometria, mas é um cenário mais do que provável, para não dizer que é certo.
 
Todos os santos dias que passam se somam indícios dessa inevitabilidade. São défices a crescer, recessões acima do previsto, receitas abaixo do esperado, desemprego em ascensão, despesas sociais a subirem, empresas a fecharem, pessoas a emigrarem, capitais a fugirem, enfim, toda a panóplia de episódios que antecipam as rupturas económicas que depois degeneram em dramas sociais cada vez mais graves.
 
Bem podem uns dirigentes europeus dar umas loas a Portugal e assinalarem uns pontos positivos. São afirmações destinadas a evitar agitações nos mercados europeus, mais do que propriamente para considerar que Portugal está no bom caminho. Só não é emitido um diagnóstico sinistro porque o nosso país está colado à economia espanhola e o que se passar cá pode agravar as circunstâncias económicas do vizinho, gerando então um problema incontrolável e colossal para a Europa de norte a sul.
 
Perante estas circunstâncias recessivas só há uma solução possível no imediato: permitir novamente a flexibilização dos números do défice que foram estabelecidos com a troika, conforme ontem mesmo admitiram, juntos em Lisboa, o presidente do Eurogrupo e Vítor Gaspar. É claro que dar isso já por adquirido seria uma reviravolta excessiva em relação ao discurso oficial. Optou-se antes por uma acção psicológica para preparar o inevitável.
 
Portanto, não há que ver. O caminho está definido. E as etapas são claras. Agora proclama-se que a coisa não está brilhante e que podemos precisar de uma autorização para aumentar o défice. Dentro de um mês pede-se o tal meio por centro de tolerância. A seguir vamos aos mercados e uns meses depois somos resgatados.
 
Ao longo de dois anos houve várias alterações aos objectivos assentes com a troika, sempre motivadas pela evolução negativa da nossa economia, que entrou numa espiral recessiva dada a intransigência de Vítor Gaspar ao encetar uma política meramente orçamental, descurando a economia.
 
Agora é evidente que já não há tempo de inflectir o percurso de queda e que vamos chegar ao fim deste ciclo numa situação muito pior do que aquela em que estávamos quando fomos resgatados.

A economia está morta e os portugueses estão exaustos psicológica e financeiramente, o que torna impossível um arranque da economia num prazo inferior a três ou quatro anos.
 
É a verdadeira pescadinha de rabo na boca, que só não se engole a si própria porque está morta e frita. Nós vamos vivendo, mas a girar sobre nós próprios numa espiral tão dramática como imparável, a menos que haja uma alteração radical de circunstâncias que modifique todas as premissas externas e internas. Ainda ontem, Paul Krugman dizia no seu blogue que “o importante, agora, é mudar as políticas que estão a criar esse pesadelo”. Não sendo um santo da casa, talvez ele seja ouvido. Mas convenhamos que é pouco provável…
 

"Europa vive catástrofe social e esquerda deve enfrentar capital financeiro" – Louçã

 


Em entrevista à Carta Maior, o economista português Francisco Louçã adverte para a situação de catástrofe social em vários países europeus que coloca o mundo frente a uma situação perigosa. "A primeira grande depressão, nos anos 30, produziu o fascismo, o nazismo e a guerra. Estamos começando a viver uma segunda grande depressão". Para Louçã, a luta central da esquerda hoje é contra o capital financeiro que se julga imune à democracia e está escravizando países e povos. Por Marco Aurélio Weissheimer.
 
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior
 
Porto Alegre - A Europa já começa a viver uma situação de catástrofe social que coloca o mundo inteiro frente a uma situação muito perigosa. Quando houve a primeira grande depressão, nos anos 30, ela produziu o fascismo, o nazismo e a guerra. Estamos começando a viver uma segunda grande depressão. Em alguns países, como Portugal, Grécia e outros, estamos no nono trimestre de recessão, no terceiro ano consecutivo de recessão. E ela é muito mais profunda agora do que aquela que se seguiu imediatamente após a crise dos subprime em 2008, e está começando a atingir os países centrais. Estamos, portanto, diante de um quadro perigosíssimo do ponto de vista social e político. A avaliação é do economista e político português, Francisco Louçã, dirigente do Bloco de Esquerda, uma das principais forças que luta contra as políticas de austeridade que instauraram a recessão e o desemprego em vários países europeus.

Em entrevista à Carta Maior, Louçã fala da dimensão dramática que a crise começa a assumir no continente europeu e aponta o que considera os principais desafios para a esquerda: a luta contra o capital financeiro e contra a lógica que transformou a dívida soberana de países em elemento de acumulação de capital. A esquerda, defende Louçã, precisa saber que o seu eixo estratégico é atacar o sistema financeiro.

“O sistema financeiro gera a dívida não só como uma forma de exploração clássica do trabalho, mas como uma forma transversal de criar, sobre toda sociedade, uma noção de culpa, de culpa do país, da população, uma noção de subordinação. Há um texto da juventude de Marx, “Banca e crédito”, em que ele diz que a relação entre devedor e credor é a forma mais violenta de alienação, porque representa a coisificação da pessoa como dinheiro. Creio que estamos caminhando neste sentido”.

Louçã falou sobre esses temas, dia 21 de maio, no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, em um debate sobre a crise do capitalismo na Europa, promovido pelos mandatos do deputado estadual Raul Pont e da vereadora Sofia Cavedon, do PT. Antes disso, concedeu essa entrevista à Carta Maior.

Carta Maior: Qual é a situação econômica de Portugal no atual cenário de crise vivido na Europa? E qual a comparação que pode se estabelecer com o quadro da Grécia?

Francisco Louçã: Portugal completou, em maio, dois anos de intervenção da chamada “troika” (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu). A Grécia, em contrapartida, completou três anos. Nos dois casos, o resultado é uma catástrofe social. A austeridade foi aplicada por meio de um grande aumento dos impostos sobre o trabalho e, sobretudo, pela via da redução do apoio social aos desempregados, do investimento público na saúde, da degradação da escola pública. Em Portugal, educação e saúde são serviços públicos de grande dimensão, prestígio social e apoio democrático.

Na Grécia, o desemprego entre os jovens já ultrapassa os 50%; em Portugal, ultrapassa os 40%. E é preciso considerar também que na outra metade, entre os jovens que estão conseguindo trabalhar, mais de 60% estão em empregos totalmente precários, o que caminha na direção contrária da tradição contratual de regulação do trabalho na Europa. É um trabalho muito mal pago e por períodos muito curtos. Essa grande mudança na estrutura social é o resultado direto de dois ou três anos do programa de austeridade.

Esse programa provoca uma recessão e a diminuição da receita fiscal, ou seja, um aumento do déficit, o que leva a medidas suplementares de reorganização social, de engenharia social para aumentar a transferência de rendimentos da população para a renda financeira que é dívida, ou do trabalho para a renda do capital.

Um dos objetivos mais importantes dessa política tem sido atingir o sistema da previdência social, tanto no sentido de diminuir o pagamento das pensões quanto no de aumentar a idade da aposentadoria e prolongar o tempo de trabalho. Essa disputa sobre o tempo do trabalho e sobre o salário do trabalhador pensionista tornou-se o centro de toda a estratégia desta nova organização da economia. O desemprego geral na Grécia, na Espanha e em Portugal atingiu um recorde histórico. Em números reais, é mais de 22% em Portugal. Mas o efeito conjugado dessas políticas não atinge só os países mediterrâneos, mas também outros países como a Itália. Considerando apenas Itália e Espanha já temos aí duas das maiores economias do mundo. A Itália e a Espanha, junto com outros países periféricos como Grécia, Irlanda e Portugal, representam juntos cerca de 6% do produto mundial, o que é um peso enorme, com efeitos muito grandes sobre a União Europeia.

Essa política também já está provocando uma recessão no conjunto da União Europeia. A França já está em recessão técnica (segundo trimestre consecutivo de recessão) e a Alemanha entrará em recessão técnica em poucos meses. Nove dos dezessete países da zona euro estão em recessão e é provável que, até o fim do ano, quase todos estejam em recessão, com alguns apresentando um risco muito grande. O risco maior talvez seja o da Holanda, que é uma extensão econômica da Alemanha e uma extensão política do governo da senhora Merkel, mas cujo grau de endividamento das famílias é tão grande que provoca uma instabilidade no sistema financeiro.

A novidade na Europa é que a recessão instalou a crise nos países que provocavam a recessão, nos países que dirigiam a política de austeridade. Já não é um problema dos países do sul, mas sim do conjunto da União Europeia. Isso talvez seja o elemento mais grave do cenário atual pelo efeito de contaminação que apresenta sobre algumas das maiores economias.

Carta Maior: Diante desse cenário, como é que se mantém ainda essa política de austeridade? Qual o discurso oficial para justificar esse caminho?

Francisco Louçã: O discurso oficial consiste em afirmar que a dívida é uma culpa e que, se há desemprego, é preciso baixar o salário, mesmo que o salário seja muito baixo. É o discurso neoliberal de sempre. A redução do salário é a variável que permite relançar a acumulação, porque a rentabilidade da empresa aumenta na medida em que o salário baixa, e relançar o ajuste fiscal no conjunto da economia.

A experiência concreta é totalmente contraditória com essa teoria grotesca. A experiência prova que a redução do salário reduz a procura, aumenta o déficit orçamentário e a crise como um todo. Ou seja, essa política aumenta a dívida, que era o objetivo de correção da política econômica. Ao invés de reduzir a dívida, aumenta. A lógica social dessas políticas é explicada pela dominação do capital financeiro. Para o capital financeiro, a dívida pública soberana dos países europeus passou a ser a garantia da rentabilidade de longo prazo das aplicações dos excedentes financeiros. Isso ocorreu há vinte anos na América Latina e na África, e agora ocorre na Europa.

O mercado da dívida pública passou a ser a garantia de rentabilidade. Já não são mais os mercados futuros de matérias-primas, de alimentos, também não é mais o mercado imobiliário que provocou a crise dos subprime nos Estados Unidos. O mercado da dívida pública tem uma grande vantagem do ponto de vista do capital financeiro: ele tem a segurança de uma relação política de dominação muito forte e, portanto, garante durante um período longo – pelo menos dez anos – uma extração financeira sobre os impostos dos países que ficam condicionados a um juro muito elevado e submetidos a uma vulnerabilidade perante o sistema financeiro. É, portanto, uma renda garantida e produzida na relação de Estado para Estado.

O processo que estamos vendo agora é a grande recomposição do capital financeiro depois da crise dos subprime nos Estados Unidos, o enorme poder que o sistema financeiro tem, mesmo sobre os bancos comerciais, e a subordinação política dos governos, da socialdemocracia e da direita europeias ao receituário neoliberal e a essas políticas agressivas do rentismo financeiro sobre as populações.

Carta Maior: Quais são as consequências políticas da aplicação dessa lógica no plano econômico e financeiro? No caso da Grécia, tivemos um partido de esquerda diferente da socialdemocracia que quase chegou ao poder. Na França, os socialistas chegaram ao poder acenando com algum tipo de mudança, que até agora não se confirmou. Por outro lado, em alguns países temos o crescimento de partidos nacionalistas de extrema-direita. Do ponto de vista da esquerda, o resultado de tudo isso não parece ser nada bom...

Francisco Louçã: Qualquer tragédia social é muito prejudicial à esquerda. Qualquer desagregação social, destruição de serviços públicos, qualquer diminuição da democracia é prejudicial à esquerda. A privatização dos hospitais públicos em Madri é uma diminuição da democracia para todos os efeitos. Qualquer recuo social desse tipo é sempre muito prejudicial à esquerda. Mas as situações são bem diferentes. Há um grande ascenso da extrema direita nazista na Grécia e há uma recomposição das direitas e de vários populismos, incluindo um certo populismo à esquerda, como o de Beppe Grillo, na Itália, e o renascimento de Berlusconi como força dominante na direita italiana.

Já na Espanha, há uma desagregação do regime, um ascenso da Esquerda Unida, que já tem cerca de 15% nas pesquisas, e uma queda do Partido Popular, que é o partido histórico da direita espanhola, e também da socialdemocracia. Ambos estão com cerca de 20% nas pesquisas. Talvez o fenômeno mais particular da Espanha é a grande desagregação e pulverização do sistema eleitoral, dado o peso de nacionalidades como Catalunha, País Basco e Galícia.

A Grécia é o país que apresentou a alternativa de esquerda mais forte. O Syriza representou 27% dos votos, apenas 2% menos que o partido de direita que ganhou a eleição. E hoje, nas pesquisas, continua mantendo esse protagonismo popular. Se houver um governo de esquerda na Grécia é porque o Syriza ganhou e conseguiu construir uma coligação para romper com a troika. Do ponto de vista político, tem a proposta mais avançada, é o partido mais consistente do ponto de vista estratégico e tático e é a força mais polarizadora da sociedade. É o caso onde a experiência da desagregação produziu uma força que a esquerda deu corpo e resposta social e integrou, assimilou e compôs uma grande frente política.

Do outro lado, o partido da direita, a Nova Democracia, de Samaras, fez uma coligação com dois grupos que vêm da esquerda, o Pasok (Partido Socialista) e a Nova Democracia (que, aliás, é uma cisão do Syriza, ocorrida há muitos anos), dois grupos socialdemocratas. Há três anos, o Pasok tinha 40% das preferências de voto na Grécia. Hoje está com menos de 6%. A sua participação em um governo comprometido com a destruição do país e sob a liderança da direita provocou uma catástrofe eleitoral numa longa e profunda tradição social que tinha a socialdemocracia grega. Papandreu ainda é o presidente da Segunda Internacional, mas é uma mera sombra no país.

A Grécia é um caso de grande polarização e destruição social onde a esquerda aparece com a proposta de um governo que possa romper com a troika e anular uma parte da dívida para recuperar a soberania grega, e onde o centro e a direita vão se desfazendo neste contexto.

A França é um caso diferente, pois começou agora a entrar em recessão e tem políticas de austeridade, mas nada que se compare à experiência de catástrofe social vivida pela Grécia. A França também é um país muito politizado, com uma esquerda política muito forte. A Frente de Esquerda, que juntou várias forças de esquerda em torno de Jean-Luc Mélenchon, fez 10 milhões de votos, cerca de 10% do eleitorado, e representou uma alternativa muito forte na última eleição francesa. Hollande ganhou com a promessa de fazer da França um parceiro mais forte dentro da União Europeia para se contrapor às visões mais neoliberais e autoritárias de Merkel, mais especificamente para corrigir o tratado orçamentário europeu, que obriga a destruição do Estado social, das políticas públicas na saúde, educação e previdência social, pela via da restrição orçamentária. Foi uma desilusão completa.

Um ano depois, Hollande não é só o presidente francês que perdeu popularidade mais depressa no primeiro ano de seu mandato, como enfraqueceu o papel da França no quadro da União Europeia, como um contraponto a Alemanha. Hoje, a França é um país menor no contexto da União Europeia porque obedece sem fazer nenhum combate. A desilusão com Hollande e o Partido Socialista francês é muito forte neste contexto.

Há também alguns fatores de desagregação política no cenário europeu. O Partido Democrático italiano, antigo Partido Comunista que representa hoje a Segunda Internacional na Itália, fez uma aliança com Berlusconi e está se aproximando cada vez mais desse horizonte da austeridade e de ataque social.

Só haverá renascimento de uma esquerda forte na União Europeia, como existe em alguns países como Grécia, Portugal, Espanha e França, se ela for capaz de protagonizar uma alternativa que proponha um governo que enfrente o capital financeiro e possa romper com a troika e recompor uma política social.

Carta Maior: O mais próximo disso hoje seria a Grécia?

Francisco Louçã: Certamente. Na Grécia é onde há um partido em melhores condições do ponto de vista da popularidade e eleitoral para conseguir essa iniciativa. Mas a tragédia social que se vive é tão forte que pode haver mudanças muito rápidas. O erro na Itália é uma esquerda que foi para o centro, aceitou políticas de destruição social, perdendo credibilidade e autoridade. Perdeu seu patrimônio político de esquerda e não polarizou o país. É isso que permite nomes como Beppe Grillo ou mesmo Berlusconi terem um protagonismo tão importante. O grande problema na Itália é que o centro não é moderado, mas muito radical em sua defesa do neoliberalismo. É um centro agressivo e destruidor. Nós precisamos de uma esquerda que se contraponha a isso.

Há movimentos sociais na Europa, como os indignados na Espanha, em Portugal onde houve recentemente (15 de março) uma manifestação com um milhão de pessoas nas ruas (cerca de 10% da população), um fenômeno social e popular gigantesco. A esquerda contra a troika representa hoje cerca de 20%, o que ainda não é suficiente para protagonizar um governo, mas é suficiente para formar uma força política muito importante.

Carta Maior: Neste contexto de crise, quais são os riscos que corre a União Europeia?

Francisco Louçã: O risco mais forte, no curto prazo, é o euro, que é só uma parte da União Europeia, incluindo 17 países de um total de 27. A estrutura do euro foi concebida para favorecer a Alemanha como um império financeiro. A Alemanha já era o maior exportador do mundo e uma grande potência industrial e política, mas o centro da finança ainda era a City de Londres. O euro permitiu a Alemanha transformar Frankfurt não só no centro de controle da União Europeia por meio do Banco Central Europeu, como também em um centro financeiro de primeiro plano. Isso foi um grande reforço do poder político que Merkel protagonizou. Mas isso foi feito com um euro que distorce a economia, prejudica muitos países e cria um efeito dominó de descontrole social e de crise social que não para.

Ao mesmo tempo, o autoritarismo do governo de Merkel e do governo da União Europeia os leva a cometer erros muito evidentes. A forma como trataram Chipre é um exemplo disso. Chipre é uma economia muito pequena, representando 0,2% da economia europeia. No entanto, ao atingirem a confiança no sistema bancário em Chipre, disseram aos depositantes nos bancos espanhóis e italianos que eles podem sofrer um imposto-surpresa sobre os seus depósitos. Isso ataca a confiança no sistema bancário que é uma base fundamental do sistema capitalista. Isso teve um efeito dominó muito forte no conjunto da União Europeia, o que prova, aliás, a estupidez e a arrogância dessa direção europeia. Portanto, os riscos de desagregação são fortes.

Se a União Europeia e o euro não reduzirem o peso da dívida pela via de uma mutualização ou de alguma outra medida, a desagregação do euro é muito provável e pode afetar não apenas os pequenos países do Mediterrâneo, mas também alguns países importantes. A Espanha seria o primeiro. No dia em que um país sair do euro, os mercados financeiros apostarão sobre qual será o próximo. Assim, a Grécia sair do euro não é uma solução para a crise que se impôs ao povo grego, mas representa um risco para toda a zona euro e para a União Europeia.

Sob a égide dessas políticas neoliberais, a União Europeia promove a privatização do sistema financeiro, que em grande parte era público, gera a privatização da previdência social, que era pública, do sistema de saúde, que é um mercado importantíssimo para o capital financeiro. Vender saúde é o melhor negócio que se pode ter porque, quem precisa de saúde, pagará qualquer preço por isso. A procura não está condicionada. Todos os recursos de uma família são direcionados a salvar uma criança se ela tiver um problema de saúde. A chantagem sobre a vida das pessoas é absoluta. É por isso que o neoliberalismo insiste tanto em entrar nesse mercado.

Carta Maior: Você disse que as situações de desagregação social vividas hoje na Europa não ajudam em nada a esquerda. Há alguns anos, durante um debate no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, você defendeu que a esquerda precisava ter ideias fortes para combater o neoliberalismo. Quais são essas ideias fortes de que a esquerda precisa para enfrentar o que está acontecendo na Europa?

Francisco Louçã: Quando houve a primeira grande depressão, nos anos 30, ela produziu o fascismo, o nazismo e a guerra. Estamos começando a viver uma segunda grande depressão. Em alguns países, como Portugal, Grécia e outros, estamos no nono trimestre de recessão, no terceiro ano consecutivo de recessão. E ela é muito mais profunda agora do que aquela que se seguiu imediatamente após a crise dos subprime em 2008, e está começando a atingir os países centrais. Estamos, portanto, diante de um quadro perigosíssimo do ponto de vista social e político.

Neste contexto, a questão decisiva no curto prazo é o combate à dívida. Creio que aí a esquerda precisa de ideias muito fortes. Ela precisa saber que o seu eixo estratégico é atacar o sistema financeiro. O sistema financeiro gera a dívida não só como uma forma de exploração clássica do trabalho, mas como uma forma transversal de criar, sobre toda sociedade, uma noção de culpa, de culpa do país, da população, uma noção de subordinação. Há um texto da juventude de Marx, “Banca e crédito”, em que ele diz que a relação entre devedor e credor é a forma mais violenta de alienação, porque representa a coisificação da pessoa como dinheiro. Creio que estamos caminhando neste sentido.

O sistema financeiro internacional tem a particularidade de estar totalmente protegido da democracia. Os governos podem ser substituídos, sob a condição de que, qualquer governo, obedeça ao sistema financeiro, cobrando de seu povo o custo da dívida crescente. O ponto mais forte da ideia que a esquerda deve defender é a recuperação da soberania da democracia como capacidade de decisão sobre o tempo. A dívida não é só exploração, mas também significa retirar das pessoas a possibilidade de escolher o tempo, de viver o futuro. Não há futuro quando a dívida determina toda a política de uma sociedade, quando determina o empobrecimento de uma sociedade.

É por isso que o problema do desemprego jovem é tão importante. O que vemos hoje na sociedade sob o domínio das ideias liberais é que não deve haver contrato de trabalho, que os sindicatos devem ter um papel residual, que as relações sociais contratuais devem desaparecer e ser precarizadas.

Essas ideias fortes do liberalismo só podem ser enfrentadas com ideias muito fortes à esquerda. Nós sabemos que nosso alvo é o capital financeiro e que o rastro de destruição que esse capital está deixando tem como ponto de apoio a certeza de que é imune à democracia. Esse contra-ataque tem que ter como ponto de partida um governo de esquerda. É preciso que haja governos de esquerda comprometidos com a luta contra o liberalismo. Governos que nasçam do ressurgimento de uma esquerda leal, fiel aos seus compromissos e ao seu povo, e que não dependa da socialdemocracia. Precisamos de uma esquerda socialista, da luta social e popular que possa tomar como bandeira essa vontade de conseguir uma maioria para um governo de esquerda totalmente comprometido com a ruptura com o liberalismo e com a finança. Isso significa uma luta de altíssimo nível e intensidade. Significa política dura que precisa de enorme sustento social, consciência e organização social. É disso que nós precisamos.
 

JEROEN DIJSSELBLOEM: “SR. EURO” DEBAIXO DE FOGO

 


NRC Handelsblad, Amesterdão – Presseurop – imagem Hajo / Caglecartoons
 
O presidente do Eurogrupo está a receber cada vez mais críticas. Depois de algumas gafes políticas, é agora acusado de ser excessivamente influenciado pela sua equipa de arrogantes funcionários do Ministério das Finanças holandês.
 
 
Às oito da noite de 13 de maio ficou a saber-se que os 17 ministros das Finanças da zona euro tinham acabado a sua reunião. “Finalmente, o Eurogrupo tem um gestor eficiente”, foi o comentário de um diplomata de um dos países do euro. Que gosta de manter as rédeas curtas quando lidera reuniões é um dos poucos elogios que o ministro holandês Jeroen Dijsselbloem recebeu desde que assumiu a presidência do Eurogrupo, em janeiro.
 
Basta fazer algumas perguntas a altos funcionários europeus e de governos nacionais e a outras partes envolvidas para obter uma longa ladainha de queixas. Um dos aspetos que irrita muita gente é o facto de os funcionários holandeses do Ministério das Finanças estarem paulatinamente a assumir a coordenação do Eurogrupo. Como resultado, os pontos de vista coletivos têm um pendor holandês muito maior do que era costume até então.
 
Nomeação orquestrada pelos alemães
 
Ao contrário do seu antecessor, Jean-Claude Juncker, Dijsselbloem contratou um grande número de funcionários do Governo holandês para o Eurogrupo, o que parece confirmar a antiga fama de que os holandeses “falam muito e gostam de dizer aos outros como devem fazer”.
 
A nomeação de Dijsselbloem foi orquestrada pelos alemães. Quando, no ano passado, Juncker anunciou que deixava o cargo, o ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble quis ser o seu sucessor. No entanto, quase toda a gente discordou dessa ideia porque uma Alemanha já dominante passaria a ser dona e senhora da zona euro. Quando, em novembro, Dijsselbloem sucedeu a [Jan Kees] de Jager e a Holanda pareceu adotar uma postura mais moderada, Schäuble passou a olhá-lo como uma alternativa leal. Não faltou quem manifestasse as suas dúvidas. Outros perguntaram: “Esta é uma missão que um ministro pode desempenhar ‘a meio tempo’?”, “especialmente alguém novo no cargo”, acrescentavam outros. Mas Schäuble, no entanto, não queria um presidente permanente e a tempo inteiro, temendo vir a deparar-se com mais uma instituição europeia. Schäuble queria que a presidência continuasse nas mãos de uma “capital europeia” porque, pelo menos ali, sabe-se o que se passa no mundo.
 
Mas, aparentemente, Schäuble mudou de opinião. Segundo algumas fontes bem informadas, a chanceler alemã Angela Merkel começa a estar convencida de que a Europa deve ter uma presidência e, isto, por várias razões.
 
Nostalgia de Juncker em Bruxelas
 
Para começar, em fevereiro, Dijsselbloem recusou excluir a possibilidade dos titulares de contas terem de ajudar a pagar as perdas dos bancos de Chipre. E isso acabou por provocar uma fuga de capitais. Depois, em março, aconteceu a tristemente célebre longa noite de negociações sobre Chipre. Foram tantos os participantes a ameaçarem opor o seu veto que contornar todos esses vetos se tornou um objetivo em si mesmo. E isso acabou numa decisão lamentável: os aforradores que tinham menos de €100 mil no banco, cobertos pelo Sistema Europeu de Garantia de Depósitos, perderam parte do seu dinheiro. Muitos observadores se perguntaram se Juncker teria permitido tal coisa. “Mas Jeroen Dijsselbloem, que ouve sobretudo os seus colaboradores em Haia, não fez nada”, diz um alto funcionário europeu.
 
Outro dos problemas que Dijsselbloem enfrenta é um certo vento de nostalgia a favor de Jean-Claude Juncker que sopra em Bruxelas. Juncker, o único outro presidente que o Eurogrupo alguma vez teve (desde 2005), é um federalista de uma espécie rara: tem autoridade. O seu espírito confuso e o seu problema de álcool parecem esquecidos.
 
Berlim irritada
 
A seguir, no final de março, Berlim não gostou das declarações de Jeroen Dijsselbloem ao Financial Times. O presidente do Eurogrupo defendeu que os titulares de contas bancárias deveriam, a partir de agora, dar uma contribuição financeira mais frequente em caso de resgate dos bancos. Os países europeus ainda estão a negociar este assunto. Nem todos os países são favoráveis a esta solução. Entre os seus partidários, o calendário suscita desacordo, bem como a questão de saber quem devem ser os primeiros sacrificados: os acionistas, os detentores de obrigações ou os titulares de contas?
 
Depois destas declarações de Dijsselbloem, as ações dos bancos europeus caíram. Isso não lhe custará a cabeça, diz um funcionário europeu. “Mas basta que a notação de um único banco europeu desça para que a cabeça dele role.”
 
Uma pessoa a tempo inteiro para o cargo
 
Pode perguntar-se se a escolha de um outro ministro como presidente do Eurogrupo não levantará os mesmos problemas. Assim, em vez de encararem a possibilidade de o substituírem, alguns defendem, para aquele cargo, uma pessoa a tempo inteiro, que não esteja à frente de um ministério nacional e que possa servir o interesse coletivo. “A melhor solução para o Eurogrupo”, diz Peter Ludlow, reconhecido historiador do Conselho Europeu, “seria a nomeação de um presidente permanente e com experiência. Uma pessoa a meio tempo e com dois cargos, não funciona”.
 
Toda a gente concorda que não é fácil liderar o Eurogrupo. Para além de 17 ministros é também composto por três membros da troika: o BCE, a Comissão Europeia e o FMI. Por vezes, as reuniões são tão tensas que há pequenos grupos que se isolam para tentarem primeiro entender-se entre si e, depois, convencerem os outros. Umas vezes, são os países dotados de um “triplo A” que preparam as decisões, nos bastidores. Outras, é o “clube de Frankfurt”: alguns dos maiores países da zona euro, o BCE e o FMI. Tudo se passa fora das estruturas, de maneira que os grandes, por vezes, espezinham os mais pequenos.
 
“O Eurogrupo é do século passado”
 
“O Eurogrupo é do século passado. Simboliza todos os falhanços da arquitetura da Europa”, diz Guntram Wolff, do grupo de reflexão Bruegel. No entanto, para retirar o direito de veto aos países do Eurogrupo e funcionar com votações por maioria, se os governos assim quiserem, será preciso alterar o tratado europeu.
 
Uma tal alteração do tratado pode demorar anos a ser feita. Uma alternativa poderia ser a celebração de um tratado diferente para a zona euro, que dissesse unicamente respeito aos países da zona euro. Mas essa iniciativa também não pode ser posta em prática de um dia para o outro. Enquanto espera, o Eurogrupo tem de fazer aquilo que pode. É por isso que tudo depende do peso e do tato do presidente. Talvez seja pedir demais a um ministro.
 

Portugal - 28 de Maio: CONJUGAÇÃO DO REGIME SALAZARISTA FAZ HOJE 87 ANOS

 


Em breve trecho retirado da Wikipédia assinalamos o golpe de 28 de maio de 1926 que viria a constituir a conjugação das condições para a implementação do Estado Novo salazarista cuja repressão ceifou vidas até 25 de abril de 1974, votando Portugal ao obscurantismo, ao fascismo-nazismo parceiro de Mussolini, Franco e Hitler.
 
Volvidos 87 anos Portugal apresenta sintomatologia de estar a voltar ao passado sob a capa de uma vivência em democracia que já não o é na sua plenitude. Os condutores do atual sistema têm vindo a experimentar medidas e facetas semelhantes aos tempos salazaristas no que se refere à implementação da exploração dos trabalhadores, da sua repressão através do desemprego massivo, da austeridade que conduz à segregação os velhos, os jovens e cerca de dois milhões de portugueses.
 
Como há oito décadas atrás foi implementada a Sopa do Sidónio pelo governo de Passos Coelho e sob o ministério do ministro Mota Soares. Agora chamam-lhe Cantinas Sociais. Ocorre que nem essas cantinas sociais, nem organizações congéneres de cariz hipocritamente caritativo satisfazem os portugueses carenciados. E esses rondam já quase três milhões se incluirmos os novos pobres “envergonhados” que só em círculos muito fechados assumem passar fome e todo o tipo de privações implementadas pelo governo de Passos-Portas-Cavaco Silva.
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. E na atualidade está a prevalecer a vontade de uns quantos energumenos fascizantes da modernidade que se têm vindo a aproveitar da democracia para a destruir tal como ela deve ser, assente na liberdade, na justiça, no respeito pelos Direitos Humanos, e no combate ao esclavagismo que tem corpo na exploração imposta pelos ditos “mercados” a quem o atual governo português e outros servem em conluio com os tecnocratas da União Europeia.
 
Do 28 de maio de há 87 anos fica o referido trecho da Wikipédia:
 
A Revolução de 28 de Maio de 1926, Golpe de 28 de Maio de 1926 ou Movimento do 28 de Maio, também conhecido pelos seu herdeiros do Estado Novo por Revolução Nacional, foi um pronunciamento militar de cariz nacionalista e antiparlamentar que pôs termo à Primeira República Portuguesa, levando à implantação da Ditadura Militar, depois auto-denominada Ditadura Nacional e por fim transformada, após a aprovação da Constituição de 1933, em Estado Novo, regime que se manteve no poder em Portugal até à Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974. A revolução começou em Braga, comandada pelo general Gomes da Costa, sendo seguida de imediato em outras cidades como Porto, Lisboa, Évora, Coimbra e Santarém. Consumado o triunfo do movimento, a 6 de Junho de 1926, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, Gomes da Costa desfila à frente de 15 mil homens, sendo aclamado pelo povo da capital.
 
Redação PG
 

ATÉ DA VOZ DOS DONOS JÁ TÊM MEDO

 

We Have Kaos in the Garden
 
Conferência de imprensa no Ministério das Finanças com Vítor Gaspar e Jeroen Dijsselbloem. O jornalista Anselmo Crespo, da SIC. Decide fazer duas questões em português ao presidente do Eurogrupo:

«Eu gostava de saber se foi ou não foi pedido pelo Governo português para se discutirem nas próximas reuniões do Eurogrupo um ajustamento do défice do próximo ano de 4 para 4,5% e se é esse o tipo de ajustamento que poderá vir a ser necessário. Gostava também de lhe perguntar como vê a crise da coligação e se de alguma forma fica preocupado com as divergências que existem na coligação e na eventualidade de uma crise política em Portugal». O holandês respondeu educadamente, sem entrar em polémicas, mas Vítor Gaspar aproveitou para demonstrar o seu desagrado.

«Relativamente à questão da existência de um pedido do Governo português, confesso que não consigo deixar de registar a deselegância de fazer a pergunta a um político estrangeiro na presença do representante do Governo português mandatado para conduzir essas negociações. Parece-me que ter essa atitude em Portugal e no Ministério das Finanças é uma atitude de uma enorme deselegância».

Inelegância? Porquê? Porque o Presidente do Eurogrupo respondeu que um ajustamento do défice era possível mas era necessário um pedido do governo português mas que isso não fora feito? Por se ficar a saber que o Ministro diz uma coisa cá dentro e faz outra lá fora? Que nos mente? Não precisa de ficar assim, afinal nós já há muito que o sabíamos e, quando se faz uma conferência de imprensa conjunta o objectivo é que os jornalistas façam as perguntas que querem a quem querem. Deselegante é mostrar que receia as respostas do seu convidado e que elas o desmintam. Deselegante e desonesto.
 
Veja a fotomontagem ampliada clicando em cima ou no original
 

Portugal: UM GOVERNO A CAIR AOS POUCOS




1 - O Governo de Passos Coelho está completamente paralisado, sem estratégia e sem que os ministros se entendam. Só dialoga com a troika, com a subserviência conhecida, perante os autocratas que a constituem. Ninguém sabe de quem realmente dependem.

Mas é um Governo teimoso, porque o Presidente da República, isolado, no seu palácio, contra a população que o elegeu e cada vez mais o critica, considera, estranhamente, legítimo, o Governo. Só por ter sido, há dois anos, eleito, com um programa de promessas que não tem qualquer correspondência com o que tem vindo a fazer?

No sábado passado houve uma grande manifestação - empurrada e contida por um montão de polícias - em que, sendo inicialmente contra o Governo de Passos Coelho, a personalidade mais vaiada foi o Presidente Cavaco Silva.

Quer isto dizer que a crise que nos afeta não é só financeira e económica, é também política - assim o quer o Senhor Presidente -, social e ética. Uma crise de regime, se Cavaco Silva teimar em ser ele - ou parecer - a mandar no Governo, contra os termos da Constituição da República que jurou e que o Governo conscientemente ignora.

Atenção, porque uma tal crise apavora os mercados, que vão começar a fugir. Serão os primeiros a fazê-lo, com as consequências que daí advirão. O Senhor Presidente não deve ignorar esta perigosíssima situação e por isso tem de agir, quanto antes, contra este Governo que ninguém quer nem respeita. Senão será seu cúmplice.

É caso para se pensar: estará o Senhor Presidente Cavaco Silva a ser chantageado, como tem sido o ministro Paulo Portas, e daí os seus ziguezagues políticos? Não quero acreditar. Mas de qualquer modo o Presidente deve refletir e mudar rapidamente, porque está a seguir um caminho errado e muito perigoso. Para o País e para ele.

2 - Em toda a parte do País, o Governo de Passos Coelho está a ser atacado. Até o Pai, médico ilustre, em Vila Real - terra de nascimento do primeiro-ministro -, numa entrevista bem paternal e interessante, aconselhou o filho a abandonar o Governo, quanto antes, porque tudo vai de mal a pior. Passos Coelho, parece não ter ouvido o seu Pai.

Agora, imagine-se, foi o Porto - a cidade invicta - que se resolveu a atacar o Governo. Pela voz dos mais prestigiados portuenses. Dos académicos aos empresários, a antigos políticos do PSD e do PS - e os profissionais e homens da cultura. Segundo a batuta e a voz do ainda presidente do município Rui Rio. Porquê agora? Em virtude do boicote que o Governo está a fazer à Sociedade de Reabilitação Urbana - Porto Vivo. Rio reuniu uma centena de notáveis para enviarem uma carta de protesto ao primeiro- -ministro que foi assinada por todos os sectores de atividade (vide Público de domingo). Cito: "Todos os antigos presidentes da Câmara do Porto ainda vivos, Aureliano Veloso e Fernando Gomes; todos os reitores que ainda estão vivos, Oliveira Ramos, Alberto Amaral e Marcos dos Santos. Os principais empresários, cientistas, presidentes dos conselhos científicos das principais faculdades. Ou seja: o Porto completamente unido, repudiando uma atitude do Governo." Como se escreve no Público mais adiante: "Empresários como Belmiro de Azevedo (Sonae), Américo Amorim, Artur Santos Silva, Macedo Silva e Ferreira de Oliveira (Galp). Um vereador da Câmara do Porto, Manuel Correia Fernandes disse: finalmente a revolta." Além de D. Manuel Clemente, bispo do Porto e futuro cardeal-patriarca, o grande cientista Sobrinho Simões, Daniel Bessa, economista, a cientista internacional Maria de Sousa, Odete Patrício, Abrunhosa Brito, Rosário Gamboa e Braga da Cruz, etc.

É extraordinário. É uma cidade - a segunda de Portugal - que se levanta contra este Governo e as suas habituais malfeitorias. É mais uma prova importante de para onde nos conduziu a política incompetente deste Governo, que o Presidente considera legítimo, e que o País desesperado, de norte a sul, considera incapaz e que nos está a arruinar. É caso para exclamar: Até quando, Catilina, abusarás tu da nossa paciência?

O Povo, os professores, os de-sempregados (mais de um milhão), os que passam fome e os ricos conscientes, os militares, os cientistas e até os economistas mais lúcidos, não suportam mais este Governo. E o Presidente da República continua a chamar-lhe legítimo, quando o Tribunal Constitucional parece querer reprovar, pela segunda vez, o Orçamento que lhe foi apresentado? Quando as centrais sindicais, os parceiros sociais e a maioria dos partidos políticos o reprovam. Mesmo o PSD, na sua esmagadora maioria. Atenção: está-se a brincar com o fogo!

3 - Pela força das coisas - como diz o Povo - a crise da União Europeia, da Zona Euro, está a mudar. Quem lê a imprensa estrangeira não duvida disso. A chamada austeridade não conduz a nada de bom. A Alemanha começa a sentir os efeitos negativos da austeridade que impôs aos países em crise. Porque as exportações para esses países começaram a ser recusadas. Era inevitável. Mas a chanceler Merkel só agora começou a sentir e a perceber isso.

Com efeito, a crise do euro não afeta só os países "pobres", ditos periféricos (que não são), mas todos, como alguns comentaristas e políticos previram, entre os quais modestamente me conto. Primeiro a Grécia, a Irlanda e Portugal, depois a Espanha, a Itália, Chipre e surpreendentemente a Holanda (de quem em Portugal ninguém fala) e agora, em grandes dificuldades, a França.

Curiosamente as dificuldades da Alemanha começaram a aparecer. A sua economia cresce pouco, um ou dois por cento, e dificuldades sérias estão à vista. O que obriga a chanceler Merkel a refletir - porque estão a aproximar-se as eleições e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, continua implacavelmente sem mudar de opinião como fanático neoliberal que é.

A chanceler Merkel, pelo contrário, parece estar a falar da necessidade de mais emprego, de empresas mais flexíveis e de menos austeridade. Quem tal diria há uns meses? Deve ter, finalmente, percebido, que a hora não é de mais austeridade, mas de mais emprego, com a crise europeia - da Zona Euro, mas não só - a agravar-se todos os dias.

Pelo seu lado, o Presidente Hollande, apesar das dificuldades da França e com a legítima vontade de as ultrapassar, voltou a falar do eixo franco-alemão, criador da CEE. Mas não esqueçamos que, para voltarmos aos tempos anteriores à crise, falta-nos os social-democratas e os democratas-cristãos.

Contudo, os socialistas europeus começam a dizer-se progressistas, para incluir toda a esquerda, enquanto os democratas-cristãos desapareceram. É preciso que o Papa Francisco reanime a doutrina cristã, como tem feito e, sobretudo, incentive o reaparecimento dos partidos democratas-cristãos. Se assim acontecesse tornar-se-ia mais fácil refazer o eixo franco-alemão e criar um governo europeu que mandasse na Zona Euro. Estaríamos nesse caso no bom caminho para vencer a crise e para reanimar a tão necessária aliança entre a União Europeia e a América. O que seria bom para a paz no mundo e para a reforma tão necessária da ONU.

Caso contrário, por mais esforços que faça Barack Obama, caminharemos inevitavelmente para um novo conflito mundial, com o regresso aos nacionalismos que nos levaram à II Guerra Mundial.

4 - Fiquei surpreendido com o facto de o Senhor Presidente da República pedir ao Ministério Público que pusesse uma ação judicial contra o ilustre jornalista Miguel Sousa Tavares, por lhe ter chamado Palhaço. Como ele já reconheceu foi excessivo. Mas para quê uma ação? Não terá ninguém dito ao Senhor Presidente que uma frase infeliz dava para rir, quanto muito um dia, pondo a ação judicial a ser discutida bastante tempo, enquanto durar o processo, que infelizmente não é rápido. Para quê? Talvez para ficar por muito tempo na cabeça dos portugueses...

Com a devida vénia lhe digo, Senhor Presidente, foi mais um erro que cometeu. A vingança em política nunca colhe...

Portugal: TRANSPORTES PERDERAM 45 MILHÕES DE PASSAGEIROS EM 2012




Maior queda foi protagonizada pelo metropolitano em Lisboa

Os transportes públicos perderam 45 milhões de validações em 2012, de acordo com dados divulgados nesta terça-feira pelo Instituto Nacional de Estatística. No ano passado, foram movimentados 399,4 milhões de passageiros, o que representa um recuo de 10,2% face aos 444,7 milhões de 2011.

A maior queda foi protagonizada pelo metropolitano em Lisboa, que registou uma redução de 13,4% na procura, tendo perdido em termos absolutos 23,9 milhões de passageiros. No Porto, também houve uma descida no número de validações no metro, embora apenas de 2,2%.

Também o transporte fluvial assistiu a um recuo de 12% na procura, passando de 31,2 para 27,4 milhões de passageiros entre 2011 e 2012. Nos comboios, houve igualmente uma quebra, neste caso de 11,3%. A CP transportou no ano passado 132,2 milhões de pessoas, quando tinha alcançado 149,1 milhões em 2011.

Apenas o transporte aéreo escapou à tendência verificada no ano passado, tendo registado um acréscimo de 1,3% no número de passageiros para um total de 31,1 milhões (em 2011, tinha alcançado 30,7 milhões). 

Portos com crescimento tímido

Já o movimento de mercadorias nos portos portugueses manteve-se estável em 2012, com um crescimento de 0,5% para 67,8 milhões de toneladas, revelou nesta terça-feira o INE. Porém, o número de embarcações entradas caiu 7,9%, fixando-se em 13.069.

Entre Janeiro e Junho do ano passado, verificou-se um desempenho muito positivo na movimentação de mercadorias, tendo-se registado aumentos de 9,1% no primeiro trimestre e de 5,9% no segundo. No entanto, a segunda metade do ano penalizou os resultados de 2012, muito fruto dos constrangimentos provocados pelas sucessivas greves no sector.

O tráfego internacional correspondeu a 56,3 milhões de toneladas de mercadorias em 2012, ou seja, 83% do movimento total, apresentando um acréscimo de 2,1%. O aumento, ainda que inferior ao registado um ano antes (6,3% em 2011), compensou o abrandamento no transporte de mercadorias entre portos nacionais, que caiu 7% no ano passado.

Os três principais portos nacionais (Leixões, Lisboa e Sines) concentraram 77,8% do movimento de mercadorias em 2012, sendo de se destacar o crescimento homólogo de 10,3% na carga movimentada por Sines.

Portugal: ENTREVISTA A JORGE SAMPAIO NA ANTENA 1



Antena 1

O antigo Presidente da República Jorge Sampaio considera que a situação política e económica do país está completamente bloqueada, porque se desperdiçaram todas as hipóteses de consenso. Quanto ao PS, este precisa de mais preparação, embora o atual executivo esteja no poder há dois anos e continue a não estar preparado. À Esquerda, Sampaio só vê entendimentos para as eleições autárquicas e não para o governo.

O ex-dirigente socialista e conselheiro de Estado insurge-se contra as fugas de informação do Conselho de Estado, porque desta forma deixa de se poder falar em liberdade no órgão. Em relação ao encontro da passada segunda-feira, Jorge Sampaio garante que se falou de tudo e que todos falaram do presente, mas não comenta a ordem de trabalhos e o comunicado. 

Nesta entrevista conduzida pela jornalista Maria Flor Pedroso, Jorge Sampaio afirma pela primeira vez que a ideia de eleições não é de evitar a todo o preço, sublinhando que a democracia tem sempre soluções. Aliás, Cavaco Silva tem dados para medir a temperatura ao povo. O ex-chefe de Estado só não vai mais além na análise da atualidade, porque entende que seria a expressão de uma divergência, e, como antigo Presidente da República, não quer potenciar essa situação.


Governo confirma que homem morto pela polícia na Suécia é emigrante português



RTP - Lusa

O secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, confirmou hoje que o homem morto a 12 de maio na Suécia é o português Lenine Martins Relvas, acrescentando que a polícia está ainda a investigar as circunstâncias da morte.

Em declarações à agência Lusa, José Cesário disse que a polícia sueca confirmou que "o homem que foi morto a 12 de maio é Lenine Relvas Martins", um português, que vivia na Suécia desde 1975, para onde emigrou como torneiro mecânico, e que era casado com uma sueca de origem finlandesa.

O português terá sido alegadamente morto pela polícia sueca e o incidente terá estado na origem dos tumultos que abalaram os arredores de Estocolmo na semana passada.

Sobre as circunstâncias da morte, o secretário de Estado adiantou que a polícia está ainda a investigar, não havendo, para já, qualquer informação nova.

José Cesário, que já antes tinha identificado o português e aguardava apenas confirmação da identidade por parte das autoridades suecas, explicou que Lenine Martins Relvas tinha dupla nacionalidade e que o seu caso está a ser tratado como cidadão sueco.

O secretário de Estado adiantou que as autoridades portuguesas estão em permanente contacto com a polícia sueca e continuarão a acompanhar o caso.

Portugal: SECRETÁRIA DE ESTADO DO TESOURO VAIADA À CHEGADA AO BARREIRO



GR – VC – Lusa – foto João Relvas

A Secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, foi vaiada por dezenas de manifestantes à entrada da Casa da Cultura do Barreiro, onde presidiu à abertura do I Fórum Baía do Tejo.

Dezenas de pessoas marcaram presença no protesto para fazerem sentir o seu descontentamento face às políticas do governo, sendo que alguns deles acabaram por entrar na Casa da Cultura e interromper o discurso de abertura de Maria Luís Albuquerque, sem que se tivesse registado qualquer incidente.

Mais tarde, a secretária de disse compreender os protestos, face à dureza das medidas que estão a ser aplicadas.

Em declarações aos jornalistas, Maria Luís Albuquerque lembrou que o trabalho realizado pelo governo já permitiu melhorar a credibilidade do estado português e reduzir as taxas de juro nos mercados internacionais.

Por outro lado, salientou que o eventual incumprimento das condições exigidas pelos credores teriam consequências ainda mais graves para s condições de vida dos portugueses e para o País.

ÁFRICA MALI, MALI, OU A RECONSTRUÇÃO DA PLURIDIMENSIONALIDADE



Rui Peralta, Luanda

I - Quando penso, falo ou escrevo sobre o Mali, fico rodeado de questões, interligadas, conectadas, criando um emaranhado de pontos de interrogação. O Mali converteu-se em quê? Converteram o Mali em quê? O capitalismo fez o quê do Mali? No que é que o neocolonialismo converteu o Mali? O que é que a França fez do Mali? O que fazem os franceses no Mali? E os malianos foram convertidos em quê? Ou será que se converteram? E nesse caso, converteram-se em quê? Será que foram os Planos de Ajuste Estrutural, a massacrá-los durante 30 anos, que os converteu? Ou terá sido que se converteram, como consequência dos Planos de Ajuste Estrutural durante 30 anos? E como foi possível que vastos sectores da sociedade maliana tenham encarado François Hollande – um personagem típico da pobreza de espirito da Gauche – como libertador e a Operação Serval – que introduziu a escória militarista dos Enfants de la Patrie, no Mali – como a solução para os seus problemas com a Al-Qaeda, os bandos de Ansar Dine e dos restantes grupos fascistoides que pululam pelo Mali? Será que pensaram que a vida iria ser como antes? Mas, antes do quê? Antes da independência? Antes dos Planos de Ajuste Estrutural?

Este emaranhado de questões conduz a um emaranhado de respostas, que depois de ponderadas poderão, ou não, conduzir a um novo emaranhado de perguntas. No entanto, quem não quer saber de perguntas, nem de respostas, é François Hollande, que quando passou em Bamaco, assumiu uma postura (ou uma impostura?) de Cesárix (uma mistura de Julius César com Asterix) e (levando a sério o seu papel de César Gaulês) prometeu que o Mali, com a ajuda da França, teria uma nova independência “não contra o colonialismo, mas contra o terrorismo”.
          
Um facto é que a intervenção militar não resolveu grande coisa, embora possa ter reduzido alguma capacidade operacional dos fascistas islâmicos. Mas nas cidades ocupadas pelos franceses, Gao e Tombuctu, os bandos armados fascistoides e da Al Qaeda continuam com os atentados e Kidal permanece sob controlo do Movimento de Libertação Nacional de Azawad (MNLA). Por isso os franceses reveem os seus efectivos militares e reavaliam os seus objectivos.

A cooperação dos franceses com a CEDAO na mobilização de forças africanas da Missão Internacional de apoio ao Mali (MISMA) não é satisfatória e a França não participa na Missão das Nações Unidas no Mali, a MINUSMA, que iniciará as suas funções no terreno em Julho. Fica longe do discurso de Césarix, a intervenção francesa. Das palavras inflamadas, Hollande passou, muito pouco tempo depois, ao cálculo racional das contas da mercearia, embora ainda esteja longe da única atitude de bom senso: retirar.

II - O problema do Mali não pode ser explicado pela crise humanitária e pela insegurança no Norte do país, provocada pela Al Qaeda e pelos bandos fascistoides islâmicos e bantos, ou ainda menos pela crise institucional vivida a sul e que gerou o golpe de estado em 22 de Março de 2012. Estas não são causas, factores geradores da actual situação, mas sim consequências, factores gerados pelo problema principal. E o problema principal não á apenas o ajustamento estrutural, o FMI e o Banco Mundial. Essas são, também, consequências e não causas.

E por muitas voltas que alguns sectores malianos queiram dar ao assunto e atirar as culpas ao neoliberalismo e às prácticas neoliberais encetadas pelas elites dirigentes do Mali nos anos oitenta, nunca conseguirão sair do círculo vicioso da crise, enquanto não assumirem a realidade e não identificarem a raiz do problema.

O cerne da questão foi ignorado pelo movimento de libertação nacional e nisto o Mali não é caso único, mas apenas o caso normal do continente africano (e também na Ásia). Ao ignorarem o problema fundamental, os movimentos de libertação, que transportaram para o seu seio todas as contradições do mundo que os rodeava, adiaram a resolução das contradições e não as resolveram. E ao não resolverem as contradições foram resolvidos por elas.
       
O cerne da questão é o capitalismo. E essa envolvente é de difícil contorno para os países periféricos que resolveram romper com o colonialismo. Muitos deles (o caso do Mali, também) tentaram inicialmente “as vias do desenvolvimento não capitalista” e assumiram um discurso (umas vezes vago, ás vezes inflamado e noutras incoerente) socialista e uma práctica conducente, que sofria dos mesmos problemas do discurso. Como as contradições internas nunca foram resolvidas e em determinado momento do percurso, os elementos vivos da contradição tornaram-se pantanosos (porque minados pelo neocolonialismo) as independências resultaram em meros factores históricos de acumulação de capital, mesmo que (e principalmente nesses casos) o discurso e a praxis do Estado fossem socialistas.

O neoliberalismo na periferia africana (uma periferia periférica a outras periferias) não é mais do que o resultado lógico a que os processos de independência chegaram na década de oitenta. E o Mali é um exemplo típico desse processo. Por não resolver as contradições internas, todas as políticas de desenvolvimento tentadas, frustraram-se no lamaçal do subdesenvolvimento, até chegarem ao ponto de ruptura com a situação anterior, que representou o assumir do neoliberalismo.

O que aconteceu com as outras tentativas de desenvolvimento aconteceu também com o neoliberalismo, no Mali e no resto do continente, E o que se está a passar no Mali não é mais do que o resultado do falhanço de mais uma tentativa de desenvolvimento. Por outro lado, dizer que as políticas desta fase neoliberal tiveram fortes repercussões no empobrecimento, não é verdade. Tiveram as mesmas que as anteriores, só que com maior impacto, porque as elites dirigentes perderam a fatia do poder que lhes permitia esconder a realidade.

Por isso a pobreza, a ausência e/ou incipiência dos sistemas públicos de saúde e de educação, de politicas de habitação e urbanismo, aparecem agora tão evidentes. Mas o neoliberalismo não as causou ou agravou. A pobreza, herança do colonialismo, é a mesma, hoje como ontem. Pode ter sido colmatada, pelas independências, mas nunca resolvida. Os sectores públicos não foram destruídos, pela simples razão de que nunca existiram, ou quando existiam não funcionavam, ou mal se faziam sentir, para além dos limites dos principais centros administrativos.

A única realização do neoliberalismo no Mali foi a formação de uma nova elite económica, que chegou ao momento de necessitar de transformar-se em elite política e que disputa o poder com a anterior elite, responsável pelo período de acumulação de capital. Nada mais. A decomposição do processo neoliberal gerou o resto, que já vinha de trás e que deixou de estar comprimido na imensa panela de pressão criada pelas políticas de acumulação da fase pós-independência: a rebelião tuaregue, o desemprego, a fome, a miséria e a ausência de alternativas conducentes a uma vida melhor.

Os factores externos, aliados á decomposição interna geraram o resto: a Al Qaeda, os bandos fascistoides, o aproveitamento do neocolonialismo francês, a inserção falhada na economia global, a crise sistémica global, o deslocamento dos centros financeiros, o movimento das periferias, etc.. E todos estes factores externos e internos entrecruzaram-se em 2011-2012, com as greves, as marchas de protesto contra o custo de vida, a precariedade, o desemprego, o referendo constitucional, as questões culturais identitárias, as questões territoriais, a corrupção e a impunidade.          

III - A esquerda neocolonialista francesa olha para África com a mesma atitude preconceituosa da direita francesa. A diferença entre a Gauche e a Direita sobre África não está na atitude perante o continente, que ambas as forças consideram ser o seu pátio das traseiras (tal como os USA têm o seu pátio na América Central e do Sul, a França considera ser da sua responsabilidade histórica ter um pátio, também), mas sim na atitude em relação aos USA.

A Gauche é lambe-botas por natureza. Hollande olha para Obama com um misto de admiração, deslumbramento e temor. É uma atitude imbecil, mas é o espelho da Gauche. A direita divide-se, neste campo. Sarkozy e os seus correligionários abraçam a bandeira dos USA e deleitam-se nela, não com temor, mas apenas com contentamento, como qualquer funcionário eficiente perante o patrão beneplácito. Já os gaullistas duros seguem a preceito as fórmulas do seu “maître” De Gaulle e assumem uma atitude desconfiada em relação aos seus aliados norte-americanos (e estes consideram-nos comedores de batatas fritas).
     
Mas Hollande tem ainda outro problema. Ele é de uma Gauche que não sabe nada de África, deixando as suas decisões ao sabor da sua ignorância. É evidente que o dossier do Mali está entregue a funcionários do Eliseu, absolutamente conhecedores do que estão a fazer (civis e militares). Mas Hollande, cada vez que abre a boca sobre o Mali ou sobre África, deixa escapar a sua imbecilidade e resvala para o absurdo. E neste sentido segue as pisadas de Sarkozy.
        
IV - África é, para França (e para o Ocidente e Oriente) um fundo estratégico. E este fundo estratégico assume maior importância desde que surgiu uma crença, baseada numa previsão que assume contornos de profecia, nos meios ocidentais e nos meios africanos: a crença que em 2050 África terá sete vezes a população que tinha em 1950, que eram duzentas e cinquenta milhões de pessoas. Esta previsão demográfica vale o que vale, como previsão. Se olharmos para a História do continente, observaremos que nos períodos em que a população atingiu picos demográficos, uma série de acontecimentos (alterações do curso dos rios, secas prolongadas, guerras internas, movimentos migratórios que originaram guerras de conquista, problemas ambientais, epidemias, o colonialismo e o consequente genocídio do negocio dos escravos) repunham os baixos níveis demográficos.

Sem pretender, de forma alguma, discutir a validade da previsão e os pressupostos em que tal previsão se baseia, ressalto, no entanto, que nos meios ocidentais e nos frenéticos partidários do capitalismo africano (desde os mais racistas defensores do “black capitalism”, aos primaveris liberalizadores, no norte do continente, passando pelos “comrades” do ANC, na África do Sul, pelo “African rainbow” e outros sectores, mais abrangentes em questões raciais, defensores do afro-capitalismo) esta previsão assumiu o contorno de uma profecia e originou uma crença.  Este sonho neocolonial, ultrapassa todas as quimeras do colonialismo e todas as mitologias africanas da época pré-colonial. Para além da extrema riqueza em recursos naturais, para além de ser um paraíso das matérias-primas, África seria, também, um enorme mercado consumidor. É só esperar cinquenta anos e zás, vamos ter a Era Africana, a Grande Quimera do ouro, do uranio, do que quisermos e com toneladas de consumidores no continente. É o imbondeiro das patacas, o African Dream e o African Way of Life. 
              
E esperemos que sim. Mas enquanto a tal questão central não for resolvida, tudo não passará de uma Utopia das novas elites globais, que se transformará, em África, com o passar do tempo, em mais um discurso do poder, destinado a alimentar alienadas almas famintas e que - no ocidente e no oriente - revelar-se-á como mais uma golpada que permitiu movimentar capitais excedentes e ganhar mais uns pontos no continente.

O Mali, enquanto parte do fundo estratégico, continuará subjugado aos interesses neocoloniais e ao jogo do retraçar de fronteiras, mesmo que, por obra do acaso, os bem-intencionados críticos malianos do neoliberalismo, tomem as rédeas do país, acabando por transformar-se em “ François Hollande´s”, quando verificarem que de boas intenções estão o mundo e a História, carregados.

V - Um dos argumentos de peso, utilizados pelos neocolonialistas franceses de esquerda, nesta sua incursão no Mali, foram as mulheres. Quando, um dia, Sarkozy perguntou a Hollande o que é que o exército francês fazia no Mali (como se ele, Sarkozy, não soubesse) provocou em Hollande uma reacção indignada (digna do melhor teatro francês do século XVIIII) que respondeu, exaltado, serem as mulheres malianas, o motivo. Mulheres vítimas da opressão do uso do véu e que não se atrevem a saírem de casa.

A resposta pode ter provocado um grande efeito, mas não se coaduna com a realidade. O véu a que oprime as malianas (e as africanas, em geral) é o mesmo que oprime os malianos (e os africanos, em geral). É o véu que os converte em matéria-prima eleitoral, que os chama ao voto, só para demonstrar como África é democrática e aparecerem nas televisões ocidentais e orientais, filas enormes de africanos a votar. O mesmo véu que os afasta de qualquer tipo de participação nas decisões dos seus países e do continente que os alberga, porque já “participaram”, quando elegeram os “representantes” e participam de xis em xis anos, para elegerem mais “representantes”, que os mantêm afastados dos centros de decisão, que não os querem ouvir, nem ver e muito menos saber das suas opiniões e da sua participação.
  
Uma coisa que não passa pela cabeça de Hollande é a coragem e a capacidade de resistência das mulheres africanas, dos milhões de mães que travam lutas quotidianas para alimentar os filhos e dar-lhes a educação que irá, supostamente, permitir que tenham uma vida melhor que os pais. Dos milhões de cidadãs activas, que no Mali e no resto do continente, participam arduamente na batalha pelo desenvolvimento, criando riqueza, para que os seus “representantes” utilizem em seu próprio proveito, esbanjando e exportando capitais para as metrópoles do Ocidente e do Oriente, deixando aos povos as migalhas bolorentas.

Hollande não conhece. Não imagina que por parte das mulheres, o exército francês nunca teria posto o pé no Mali, ou que quando a bota francesa pisasse o solo maliano, não seria mais do que uma bota, sem pé. Hollande desconhece que as mulheres de África não precisam de representação e muito menos de defensores. Basta-lhes a sua coragem, inteligência e a sua indomável tenacidade.   

VI - Opor aos bandos armados, apenas a solução armada, não é política que vá levar a lado algum. Ao optar pelo exclusivo da solução militar, o Mali abriu as portas á corrida armamentista e fechou as janelas á reflexão necessária para solucionar o problema. Os bandos armados fascistoides islâmicos e ultranacionalistas actuam onde o Estado não se faz sentir e onde a autonomia cidadã foi amordaçada pela representatividade. O outro lado da questão é mais trágico. É que a guerra é uma forma de injectar capital, na moribunda economia maliana.

E essa é a razão pela qual o governo francês, de forma frenética, tenta quebrar as dúvidas dos seus parceiros europeus, que até agora apenas cooperaram na formação do exército do Mali, tentando fazer aprovar pela União Europeia, um vasto programa de ajuda ao Mali. Numa tentativa desesperada, os franceses pressionam a partilha do esforço financeiro conjunto europeu, para defesa dos seus objectivos na região Oeste africana.

Mas a França não tenta captar apenas capital europeu e traçou um plano de acções prioritárias, para 2013 e 2014. O ministro francês do Desenvolvimento e o ministro francês das Relações Exteriores anunciaram um programa de duzentos e quarenta milhões de euros para financiar o relançamento agrícola e serviços básicos no norte do Mali. Só que a paz e a reconstrução nacional do Mali, não são apenas assuntos de ajuda externa e muito menos no Norte do Mali, onde o dinheiro do narcotráfico circula abertamente, sem que tal facto pareça perturbar as elites malianas e muito menos os franceses.     

VII - A militarização irá absorver cade vez mais recursos e os franceses farão cada vez mais projectos e a corrupção será cada vez maior e os problemas irão permanecer, assim como a divisão do Mali e o problemas dos tuaregues e os bandos armados. O desemprego será uma constante e a pobreza o pano de fundo.

A solução não é uma mudança de paradigma, conforme defendem algumas vozes bem-intencionadas da intelectualidade do Mali. Porque se fosse um problema de paradigmas, haveria muitos paradigmas para mudar, a começar pela Tradição e a acabar na Economia. A gravidade da situação exige algo mais realista e sentido pelas populações do que a questão do paradigma da intelectualidade. Exige uma política baseada no conhecimento do ferreiro da aldeia, do artesão, do camponês na lavra, do operário, do professor, da criança que vai á escola e da criança que não tem meios para ir á escola, do desempregado, do jovem que é tentadoramente recrutado pelos bandos armados e pelo narcotráfico, por todos aqueles malianos e malianas que sofrem, sempre que existe uma mudança…de paradigma.

Porque, desde a independência política os paradigmas foram mudando e a situação piorando. Cada novo sonho transforma-se num novo pesadelo. E pesadelo, após pesadelo, o fardo tornou-se insuportável. O neoliberalismo foi uma mudança de paradigma. E no que deu? De início ia ser tudo rico, todos iam ser proprietários, todos iam fazer negócios, todos iam ter chorudas contas bancarias. A África Negra iría ser cor-de-rosa, até. E hoje? Mas e no período anterior ao neoliberalismo, o que aconteceu? A via não-capitalista, socializante, umas vezes mais, outras vezes menos, consoante os gostos e os gastos das elites administrativas, levou ao quê? Levou ao neoliberalismo. Foi um passo lógico.

Atribuir as culpas às políticas neoliberais é esquecer o passado, que conduziu até aí. E mudar de paradigma é continuar no mesmo ciclo de expansão-retracção. Quando tudo parece que vai, para todos, tudo começa a ir só para alguns. E essa é a base de todos os paradigmas: O tudo para todos. E como não se define o tudo nem o todos, o principal acaba nas mãos de poucos. É esse o paradigma.

VIII - Se é certo que a via exclusivamente militar, não é solução, um facto é que ela é parte da solução. Impõe-se a extinção dos bandos armados, religiosos, políticos, identitários e do narcotráfico, como passo necessário para a reconstrução. E essa extinção não passa pelas palavras nem pelas ideias, mas pelas armas. Esse é um passo indispensável na reconstrução do Mali. O segundo passo é a restruturação do Estado e a reposição do funcionamento institucional. E essa é uma questão de fundo, paradigmática, se assim quiserem e se desse tipo de linguagem gostarem.

É fundamental porque é nessa fase de restruturação que se colocam as opções do caminho a seguir. Que Estado? Que funcionamento institucional? Que mecanismos de poder popular? Quais os instrumentos da autonomia dos cidadãos? Quais as formas de controlo e de fiscalização da administração central? Que modelos de administração local?

É nesta fase que se tornam evidentes as opções e os interesses a elas subjacentes. Se os interesses forçarem a um Estado blablá, este será sempre limitado pelos interesses e nunca será suficientemente forte para impor os interesses de Estado. Se as instituições forem frágeis, os mecanismos institucionais ficam facilmente absorvidos pela corrupção e pelas negociatas e deixam de funcionar. Se os mecanismos diversos de poder popular não existirem, a democracia e todo a arquitectura constitucional fica comprometida e torna-se presa fácil da burocracia e dos grupos de interesse. E se isso acontecer a soberania popular fica enfraquecida e com o enfraquecimento da soberania popular, enfraquece a soberania nacional.

O Mali não precisa de 15 mil soldados franceses. Fariam falta se não fossem soldados, mas sim professores, médicos, engenheiros, profissionais que quisessem fazer a sua vida no Mali, se fossem imigrantes. Assim como os milhares de milhões de euros apregoados nos programas de reconstrução seria bem-vindos ao Mali se fossem aplicados nos sectores necessitados, de forma a serem uma plataforma de descolagem, assente em políticas integradas de desenvolvimento.

E as politicas integradas de desenvolvimento apenas são possíveis quando Tuaregues, Árabes, Berberes, Bambaras, Peuls, Songhays, enfim, quando as culturas e as identidades que povoam o território do Mali, construírem uma abordagem pluridimensional, que lhes permita a convivência franca e aberta, onde as reivindicações sejam colocadas na mesa e discutidas em situação de igualdade. E aí começa a autonomia cidadã, factor indispensável e fonte das liberdades, direitos e garantias. Segue-se a reapropriação dos recursos e esse é um passo imprescindível no processo de reconstrução da soberania nacional e popular.

IX - Está o Mali nessa via? Ainda, mas está a construir, nas reflexões de cada cidadão, uma alternativa. É que o Mali, ao contrário do que pensa o governo francês e as xenófobas elites francesas, existe. Existe como povo, que são povos, como Estado e como nação, que são nações, culturas, homens e mulheres. E tem dignidade, ao contrário dos cães que lambem as mãos dos donos e dos donos que gostam de ter as mãos lambidas pelos cães.

Fontes 
Sachs, Wolfgang et Esteva, Gustavo: Des ruines du développememnt. Les Editions Ecosociété 1996

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