quinta-feira, 26 de março de 2015

Governo timorense está a regularizar verbas em atraso do Ministério da Educação




Díli, 26 mar (Lusa) - O Ministério da Educação timorense anunciou hoje que estão a ser pagas verbas em atraso referentes a remunerações e outras regalias salariais de trabalhadores nacionais e estrangeiros.

Em comunicado remetido à Lusa, a tutela refere que o atraso, que se arrastava desde janeiro, constituiu uma situação "transversal a todas as entidades do Estado" no pagamento de "remunerações e outras regalias salariais relativos a prestação de serviços de nacionais e de internacionais, incluindo complementos remuneratórios".

O caso foi denunciado por professores portugueses no país, que se queixavam do atraso do pagamento das ajudas de custo e complementos salariais, verbas da responsabilidade de Timor-Leste, no âmbito do protocolo com Portugal, referente aos docentes contratados para os Centros de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE), conhecidos anteriormente como "escolas de referência".

Para este atraso no pagamento das verbas, salienta o ministério, contribuiu o "calendário da execução do orçamento de 2015 que se viu afetado, entre outros fatores, pela conjuntura política" do país, numa referência à substituição do governo timorense, agora liderado por Rui Araujo.

"O Ministério já está a executar o orçamento de 2015, regularizando situações pendentes comuns às entidades, unidades orgânicas e estabelecimentos de ensino dele dependentes, incluindo o processamento dos complementos remuneratórios dos docentes portugueses afetos ao Projeto dos CAFE, assim como as situações relativas aos encargos operacionais que dão resposta ao funcionamento regular dos CAFE", explica a tutela.

Além dos atrasos nos complementos salariais, os professores referiram a existência de carências financeiras importantes noutros componentes do projeto, não havendo dinheiro para comprar água para escolas ou pagar a eletricidade nas casas.

A situação levou o ex-presidente da República, José Ramos Horta, a deixar na sua página do facebook um "apelo ao primeiro-ministro" referente às "escolas de referência, professores e alunos, esquecidos pelo Governo".

Ramos-Horta explica que visitou o CAFE de Díli, onde deixou um "donativo pessoal" que "não era muito, não era pouco", e que falou da situação dos professores e das escolas num encontro com o chefe do Governo, Rui Araújo.

"Entre outras questões, apresentei o drama das escolas de referência, vítimas de negligência de quem de direito. Apelei para que ele melhorasse rapidamente as condições salariais e de vida dos professores que estão a atravessar situações muito difíceis e também as condições básicas das escolas - água e saneamento, merenda escolar, saúde", escreve Ramos-Horta.

"Só me resta, como timorense, ter fé que o primeiro-ministro vai agir com a firmeza e urgência que esta situação exige - e pedir desculpas aos professores e às crianças", refere o ex-governante timorense.

Atualmente o projeto beneficia 4.997 alunos distribuídos pelo pré-escolar e pelos 1º e 2º ciclos do ensino básico, "contando com a dedicação e competência de 93 docentes portugueses e de 34 professores nacionais que concluíram a sua formação complementar, nos últimos dois anos, nos CAFE".

"Brevemente, cerca de 60 professores portugueses irão completar o corpo docente dos 13 centros", refere o Governo.

O Ministério explica que está empenhado em reforçar a cooperação com os seus países membros da CPLP, considerando o exemplo dos CAFÉ um caso de "sucesso na cooperação".

ASP // PJA

GOVERNO TIMORENSE APROVA NOVO COMANDO DA POLÍCIA NACIONAL (PNTL)




Díli, 26 mar (Lusa) - O Governo timorense aprovou hoje, em Conselho de Ministros, a nomeação do superintendente Julio Hornay como novo comandante da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e do número dois da força, Faustino da Costa, informou o primeiro-ministro.

"A decisão foi tomada pelo Conselho de Ministros depois de uma longa reflexão e tendo em conta o critério principal do mérito, algo que implica senioridade, liderança e capacidade individual", explicou Rui Araújo.

Julio Hornay - que foi diretor da Academia de Polícia - substitui no comando da PNTL Longuinhos Monteiro que foi empossado, em fevereiro, como ministro do Interior.

As nomeações tinham sido sugeridas ao Governo pelo ministro do Interior com base em pareceres analisados pelo Conselho Superior da PNTL.

Rui Araújo falava aos jornalistas em conferência de imprensa depois da reunião semanal do Conselho de Ministros, um acontecimento pouco usual após os encontros do executivo.

No passado a informação sobre as reuniões do Conselho de Ministros chegava à imprensa com atraso - às vezes de um ou dois dias - com curtos comunicados praticamente sem informação detalhada.

ASP // JCS

Politécnico de Macau lança licenciatura para apoiar investimento chinês na lusofonia




Macau, China, 26 mar (Lusa) -- O Instituto Politécnico de Macau apresentou hoje uma licenciatura em Relações Comerciais China-Países Lusófonos que se destina a apoiar os investidores chineses no espaço da lusofonia.

"Trata-se de uma formação superior claramente inovadora, socialmente relevante que contribui para a criação de condições objetivas ao reforço da afirmação de Macau enquanto plataforma para o desenvolvimento das relações comerciais entre a China e os Países Lusófonos", disse a coordenadora do programa de estudos, Aurélia Almeida.

Com a criação deste curso, o Politécnico de Macau "procura contribuir para dar resposta às necessidades de formação de quadros altamente qualificados, capazes de apoiar os agentes económicos da China e de Macau no estabelecimento e desenvolvimento de relações comerciais com os países de língua portuguesa", explicou a coordenadora.

Os licenciados deverão "adquirir conhecimentos e competências no domínio da língua portuguesa e, ao mesmo tempo, da economia, do comércio e das regras legais aplicáveis à atividade comercial e industrial nos países lusófonos", salientou Aurélia Almeida.

O programa de estudos de quatro anos resultou de um "processo cuidadoso, objeto de um rigoroso estudo por parte dos docentes das respetivas áreas científicas".

Os dois primeiros anos do curso serão dedicados à formação em língua portuguesa - para os estudantes chineses - com o primeiro ano em Macau e o segundo em Portugal, sendo que os terceiro e quarto anos serão ministrados em Macau em áreas de competências como a economia, sistemas judiciais, direito económico internacional, marketing internacional.

A par da apresentação do curso, que contou com a presença do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, foi também lançado o manual "Português Global", um meio de ensino "especificamente concebido para apoiar o ensino do português a estudantes chineses do ensino superior", destacou Carlos André do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do Politécnico de Macau e que terá um papel importante também no novo projeto.

Para o presidente do Instituto Politécnico de Macau, Lei Heong Iok, o lançamento do curso - para o qual a partir de hoje estão abertas inscrições de candidatura e cujas aulas irão arrancar em agosto, no próximo ano letivo - é mais um "contributo" do estabelecimento não só para o ensino em português, como para a afirmação de Macau no "papel de plataforma".

"Vamos continuar a promover o ensino em português, a estabelecer relações de cooperação com instituições de Portugal e a desenvolver esta aproximação triangular entre a Macau, China e a lusofonia", sublinhou.

A língua veicular do curso é o português, muito embora o inglês possa ser utilizado como língua auxiliar quando se entender benéfico para o ensino.

JCS // PJA

A CIA ULTRAPASSADA PELO APOIO DOS POPULARES AO DAESH



Thierry Meyssan*

Ultrapassada pelo desenvolvimento fulgurante do Emirado Islâmico, que ela própria criou, a Agência Central de Inteligência(CIA) será reorganizada em profundidade. Mas o problema que enfrenta não tem precedentes: uma retórica que ela havia imaginado para a difusão de comunicados de reivindicação de actos terroristas, sob falsa bandeira, em contacto com uma população da qual ela ignorava até mesmo a existência, transformou-se numa poderosa ideologia. Para Thierry Meyssan, a reforma da CIA será ineficaz : tal não lhe permitirá gerir o cataclismo que ela provocou no Levante.

A CIA mostrou-se, em novembro último, incapaz de avaliar a situação na Síria. Perdida nas suas mentiras, a Agência já não conseguia, mais, identificar as motivações dos seus «revolucionários». Pior, ela estava incapaz de contabilizar os apoios à «rebelião», e os da República. Este falhanço não parou de piorar, como o demonstrou, no final de fevereiro de 2015, o colapso do Movimento da Firmeza(Harakat Hazm), o exército oficial da Agência na Síria. É claro que a vida continua, e, a CIA reagrupou já as suas forças numa nova formação, a Frente do Levante (Frente Shamiyat).

Ao criar a Al-Qaida, depois o Daesh (Exército Islâmico- ndT), a CIA pensou arregimentar mercenários para realizar missões, pontuais, que ela não podia assumir. Ela jamais considerou a possibilidade que simples populares pudessem levar a sério o fraseado, de pataco, que imaginara para redigir comunicados de acção. De facto, ninguém deu importância ao patuá de Osama bin Laden para quem a presença de soldados não-muçulmanos da Otan, durante a «Tempestade no Deserto», em território saudita era um sacrilégio, que exigia reparação. Não se encontrará, em nenhuma parte, no Alcorão justificação para essa maldição. Aliás, os mercenários da Al-Qaida não tiveram qualquer preconceito em lutar ao lado da Otan na Bósnia-Herzegovina e no Kosovo. Não parecia haver, portanto, qualquer razão para supôr que seria diferente hoje em dia.

Ora, aquando da guerra contra a Jamahiriya árabe Líbia, eu havia observado que certos mercenários da Al-Qaida pareciam querer, realmente, voltar ao estilo de vida do século VII, o «tempo do Profeta». Foi, pelo menos, o que aconteceu no obscuro Emirado Islâmico governado por Abdelkarim Al-Hasadi, em Dernaa. Mas não se tratava, para eles, do VII século levantino, então cristão, e não falando árabe, ou sequer do VII século francês do bom rei Dagoberto, mas do VII século da Península arábica, uma sociedade, fora do tempo, composta, de acordo com o Alcorão, de beduínos manhosos e cruéis que o Profeta tentou converter e apaziguar.

Em seguida, durante a guerra contra a República Árabe da Síria, eu observei que os Sírios que apoiavam a Al-Qaida (e agora o Daesh), sem motivações financeiras, eram todos membros de famílias numerosas, nas quais as mulheres não eram autorizadas a controlar a sua fecundidade. A clivagem que se operava no país nada tinha de político, no sentido moderno do termo. Agora, a ideologia dos civis que apoiam os jiadistas resume-se a este retorno às origens míticas, a dos detentores do camelo da Arábia da Idade Média. E, a CIA, que provocou isto, não entendeu a força de tal e não acompanhou a expansão do mesmo.

Não se trata, aqui, de «efeito bumerangue» – o Daesh não se voltou contra a CIA—. Mas da transformação de um grupúsculo terrorista num Estado e do triunfo de uma retórica, ridícula, entre certas populações.

A CIA encontra-se face ao problema de todas as administrações. O seu modo de organização, aquilo que lhe permitiu numerosas vitórias no passado, nas diversas partes do mundo, não funciona mais porque ela não soube adaptar-se. Organizar um golpe de Estado e manipular as massas, para que elas apoiem uma organização terrorista, são duas coisas muito diferentes.

É por isso que o diretor, John Brennan, anunciou uma revisão, completa, da estrutura da Agência, após 4 meses de consultas internas.

Até aqui, havia : 

• A Direcc
̧ão de Informações (ou Inteligência- ndT), encarregada de analisar os dados recolhidos ; 

• A Direc
̧ão de Operações, renomeada Serviço clandestino(ou encoberto- ndT), encarregue da espionagem humana ; 

• A Direcc
̧ão de Ciência e de Tecnologia, especializada no tratamento de informações cientificas e técnicas ; 

• A Direcc
̧ão de Apoio(ou Logística - ndT), encarregue da gestão de pessoal, de fornecimento de material e do financiamento.

O pessoal estava repartido segundo as suas competências: os intelectuais na Inteligência, os aventureiros nas Operações clandestinas, os matemáticos na parte Científica e os organizadores na Logística. É claro que cada direção estava, também, dotada de colaboradores com outros perfis, a fim de atingir os seus objectivos, mas, esquematicamente, cada direcção correspondia a um perfil humano particular.

Os documentos revelados por Edward Snowden mostraram-nos que a CIA é a maior agência de serviços secretos do mundo, com um orçamento de 14,7 biliões de dólares americanos, em 2013, (ou seja o dobro do orçamento total da República Árabe da Síria). Mas, entretanto, ela é, apenas, uma das agências de inteligência entre as 16 com que contam os Estados Unidos.

Em suma, com todo esse dinheiro e essas capacidades, a CIA estava prestes a vencer a União Soviética, que se afundou, por si mesma, sem a sua acção há já mais de 25 anos.

Para fazer avançar a Agência, John O. Brennan decidiu generalizar o modelo do Centro de Contra-terrorismo, criado em 1986, no seio da Direcção de Operações; um modelo, ultra-sofisticado, encenado na série televisiva 24 horas. Esta unidade, multidisciplinar, tem maravilhado, ao responder, quase instantaneamente, às questões se lhe colocaram. Ela é capaz de identificar um indivíduo, de o localizar e de o eliminar num nada, para o enorme deleite da Casa Branca. E, sabe-se que o presidente Obama vai, todos os dias, ao seu “bunker” subterrâneo, para determinar os alvos dos seus drones e ordenar a morte de quem ele quer, quando ele quer e onde ele quer.

Segundo Brennan, trata-se, nem mais nem menos, que fazer entrar a Inteligência na era das novas tecnologias, dos computadores e dos satélites. A Agência deveria, pois, ser rapidamente reestruturada em torno dos 16 Centros, encarregados de cada região do mundo, e de diversos objectivos gerais.

Mas, como é que o modelo do Centro Contra-terrorista teria podido identificar a transformação de um fraseado infantil numa ideologia poderosa?

O sucesso do Emirado Islâmico provêm, em primeiro lugar, dos seus apoios de Estado, do seu armamento e do seu dinheiro. No entanto, o apoio de que ele goza entre alguns Sírios, e certos Iraquianos, não tem nada a ver nem com o Alcorão, nem com a luta de classes. É a revolta por um modo de vida em vias de desaparecimento, de uma sociedade violenta, dominada pelos homens, contra um estilo de vida respeitador das mulheres e controlando a natalidade. Esta transformação fez-se na Europa com o êxodo rural e as duas guerras mundiais, sem provocar guerras adicionais. Ela foi concluída, no início dos anos 80, pelo Irão, do Imã Khomeini, com um sucesso estrondoso e espalhou-se, progressivamente, pelo mundo árabe até esbarrar no Daesh ; um conflito que não tem nada a ver com a distinção teológica entre xiitas e sunitas.

A sequência de eventos é, por si, previsível. Como sempre, os norte-americanos pensam que o seu problema será resolvido graças ao progresso técnico. Será com uma enxurrada informática que eles vão tentar entender a situação no « Próximo- Oriente».

Mas, como é que os Estados Unidos, fundado há dois séculos, poderia compreender o cataclismo que provocou na mais antiga civilização do mundo? Como é que os Norte- americanos —Bárbaros com dinheiro— e os Beduínos do Golfo poderiam dirigir povos civilizados desde há seis milénios? Porque é o segredo do Levante : uma quantidade de povos diferentes, tendo a sua própria história, a sua própria língua e a sua própria religião, e, falando uma mesma língua vernacular e com ela trabalhando juntos [1]. Os nasseristas e os ba’athistas tentaram transformar este mosaico numa única força política. Eles procuraram compor uma «Nação Árabe» com povos maioritariamente não-árabes. Um sonho do qual não resta, actualmente, senão a «República Árabe da Síria». É este projeto político que foi atacado pelo Daesh, e, é esta civilização que está, agora, ameaçada pelos populares que o apoiam.

Enquanto os Estados mono-étnicos são fáceis de conquistar, eles foram aprendendo, ao longo do tempo, que a sua diversidade e a sua miscigenação os tornam invencíveis. É por isso, aliás, que eles tem protegido os sobreviventes de um mundo passado; sobreviventes que, hoje, se revoltam contra eles e os corroem a partir de dentro.

Como é que a CIA podia antecipar que jovens Europeus, eles também nostálgicos destes tempos de ontem, se juntariam, às dezenas de milhar, ao Daesh, para se opôr à marcha dos tempos e destruir obras de arte milenares ?

A derrota israelita no Líbano, em 2006, mostrou que alguns cidadãos determinados eram capazes de fazer falhar o mais sofisticado exército do mundo. O homem triunfou, já, sobre a máquina. É um erro acreditar que o progresso técnico é o único critério de civilização, que os computadores irão permitir compreender quem quer que seja, ou mesmo dominá-lo. No máximo, eles podem colectar grandes quantidades de informação, fazer a sua triagem e sintetizá-la. A reorganização da Agência vai-lhe permitir responder a todas as questões correntes, mas a nenhuma sobre o que vai acontecer no futuro.

Os norte-americanos, e os europeus, são incapazes de admitir que povos que eles colonizaram recuperaram do seu atraso tecnológico, quando eles, próprios, não têm recuperado o seu atraso civilizacional. Encontram-se, confrontados, com as suas limitações e não tem poder para influenciar o cataclismo que, involuntariamente, suscitaram.

Thierry Meyssan em Rede Voltaire - Tradução Alva

Na foto: John Brennan, director da CIA, não compreende por que é que populares apoiam os seus mercenários, do Estado islâmico, apesar dos crimes por estes cometidos.

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

IÉMEN, PALCO DE UMA LUTA FRATRICIDA




O Iémen desde há muito que se tornou no palco do confronto fratricida entre duas correntes islâmicas da Península Arábica: de uma lado os sunitas apoiados pela Arábia Saudita; do outro xiitas com o suporte financeiro e militar do Irão.

Raúl Braga Pires, no seu blogue Maghreb-Machrek faz algumas análises à situação no Iémen, a última teve a haver com o massacre a duas mesquitas iemenitas.

Razões que, talvez, e entre outras, nomeadamente a dicotomia sunita-xiita, tenham levado à intervenção, hoje, de uma coligação árabe chefiada pela Arábia Saudita através debombardeamentos à capital Sanaa e a outras zonas controladas pelos xiitas.

Ainda assim, de destacar que as zonas controladas pela al-Qaeda ainda estão "sossegadas"; ou, mera consideração analítica, não fossem estes sunitas...

Interessante!

Não esquecer que o Iémen controla uma das entradas para o Mar Vermelho e é vizinho frontal do Djibuti e da conturbada Eritreia. E se o controlo do Mar Vermelho cair nas mãos de insurgentes isso terá efeitos catastróficos para o Canal de Suez; daí o Egipto também participar na coligação.

Foto: Público

*Investigador do CEI-IUL e CINAMIL

*Eugénio Costa Almeida* – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

“A França substitui o Reino Unido como principal aliado militar dos Estados Unidos”




A França substitui o Reino Unido como aliado militar principal dos Estados Unidos», alardeou a Agência France Presse.

Desde a sua reintegração no comando militar da Otan, a França participou, activamente, na destruicão da Jamahiria árabe Líbia e na tentativa de destruicão da República Árabe da Síria. Além disso, ela combate no terreno os Tuaregues do Mali e ofereceu ao Pentágono o seu porta-aviões Charles-de-Gaulle para intervir no Iraque.

Washington ficou surpresa com o afã francês, de colaborar em África, antes mesmo que ela tivesse solicitado o seu aliado.

Espanha - Andaluzia. PSOE GANHA ELEIÇÕES, PODEMOS ELEGE 15 DEPUTADOS




Teresa Rodríguez, candidata do Podemos, garantiu: "nunca mais existirão pactos secretos no Parlamento".

Os 35,44% dos votos obtidos por Susana Díaz, contra os 39,56% registados em março de 2012, permitem-lhe manter os 47 mandatos que tinha o PSOE-A, ficando, ainda assim, a oito deputados de conseguir a maioria absoluta.

A percentagem de votos alcançada pelo partido nas eleições autônomas na Andaluzia é a mais baixa da sua história. No sufrágio que lugar este domingo, o PP, com 33 mandatos, perde 17 deputados no Parlamento andaluz, registando os seus piores resultados dos últimos 25 anos. Em três anos, os conservadores perderam meio milhão de votos.

Já o Podemos, ainda que contando com uma estrutura incipiente na Andaluzia e escassos meios materiais, entrou com força no parlamento andaluz e consolidou-se como terceira força política, com quase 600.000 votos. A formação política liderada por Pablo Iglesias, que obteve 14,84% dos votos, elegeu 15 deputados.

O Ciudadanos alcançou nove deputados e a Izquierda Unida perdeu sete, não ultrapassando os cinco mandatos.

Teresa Rodríguez: “Este é um fotograma do filme da mudança” 

Lamentando não ser possível evitar “que existam 45 despejos amanhã”, a candidata do Podemos, Teresa Rodríguez, garantiu, no entanto, que “nunca mais existirão pactos secretos no parlamento”. “O mapa político na Andaluzia e em Espanha mudou. Este é um fotograma do filme da mudança”, afirmou Rodríguez.

“Onde o Podemos tiver olhos, terá olhos a cidadania”, frisou. O secretário da Organização do Podemos, Sergio Pascual, referiu, por sua vez, que os resultados eleitorais demonstram que "a mudança" no cenário político de Espanha "é já irreversível". "É um primeiro passo fundamental num ano político que é decisivo para o futuro do país", adiantou o dirigente.

Na sua conta de twitter, Paulo Iglesias escreveu: “O caminho faz-se caminhando. Obrigada Andaluzia, obrigada Teresa Rodriguez, obrigada caminhantes por este primeiro passo”.

Em Cádis, cidade Natal de Teresa Rodríguez, a formação política liderada por Iglesias conseguiu impor-se como primeira força política.

Carta Maior - foto: Jesús García Serrano/Facebook

Copiloto derrubou avião da Germanwings de forma deliberada, afirma promotor francês



Opera Mundi, São Paulo

Segundo gravação de uma das caixas-pretas, Andreas Lubitz trancou o piloto para fora da cabine e respirou 'normalmente' até o momento da colisão

O promotor de Marselha Brice Robin declarou nesta quinta-feira (26/03) que o copiloto da Germanwings teria provocado a queda do AirbusA320 voluntariamente, resultando na morte de 150 pessoas nos Alpes franceses.

No entanto, o responsável pela investigação do caso ainda não sabe quais teriam sido os motivos por trás da decisão e, até agora, "nada permite dizer que se trate de um atentado terrorista".

O copiloto da aeronave foi identificado como Andreas Lubitz, de 28 anos, de nacionalidade alemã. Segundo a AFP, ele teria experiência de 630 horas de voo, ao passo que o piloto tinha experiência de mais de 6.000 horas. O governo alemão declarou que não acredita que Lubitz estaria envolvido em atividades terroristas.

Conforme a gravação de uma das caixas-pretas, o copiloto respirou "normalmente" até o momento da colisão. O áudio ainda revela que, nos primeiros 20 minutos de voo, o copiloto manteve uma conversa "normal e cortês" com o comandante. Depois se escuta o comandante preparar o relatório de aterrissagem em Düsseldorf e o copiloto respondendo de forma "lacônica".

Posteriormente, o comandante pede para o copiloto assumir o comando do avião, provavelmente para ir ao banheiro, e em seguida é possível escutar o movimento de uma das poltronas e uma porta que se fecha. Nesse momento, quando o copiloto já está sozinho na cabine, o equipamento de voo da aeronave é configurado para descer da altitude de cruzeiro (38 mil pés, ou 11,6 km) para o nível de 100 pés (30 m). Lubitz não fala mais nada e, tampouco, deixa o piloto voltar à cabine, já que, para a porta ser aberta, é necessário que alguém opere a fechadura pelo lado de dentro.

"Ignoramos a razão, mas pode ser analisada como vontade de destruir o avião", comentou Robin, acrescentando que as vítimas não se deram conta do que ocorria até o último momento, porque na gravação não foram ouvidos gritos até pouco antes do impacto.

Questionado se acredita que o acidente foi resultado de um suicídio, o procurador respondeu que "pessoas que cometem suicídio geralmente fazem isto sozinhas... Eu não chamo isto de um suicídio".

Lufthansa

O presidente da Lufthansa, Carsten Spohr, deu uma entrevista coletiva à imprensa na manhã desta quinta na sede da empresa, em Colônia. Segundo ele, os pilotos da companhia (e os que trabalham na subsidiária Germanwings) não passam por nenhum teste psicológico antes do início da formação para pilotagem, mas que isso acontece durante e depois do treinamento, quando são há "provas regulares" e "diversas investigações". Spohr reafirmou a confiança da empresa "na qualidade, no trenamento e na qualificação" dos pilotos da companhia.

De acordo com informações confirmadas por Spohr, Lubitz interrompeu por um tempo o processo de formação na companhia, mas a Lufthansa não soube precisar o motivo da parada.

O executivo afirma que a empresa não sabe o que poderia ter levado o copiloto a, como se suspeita, ter deliberadamente derrubado o avião. Porém, ele evitou a palavra suicídio.  "Quando uma pessoa provoca com a sua morte a morte de outras 149 pessoas, não é a palavra 'suicídio' que deve ser empregada", disse. "Nós cremos que o avião foi deliberamente levado a colidir com a montanha, por vontade do copiloto."

Foto Efe

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O DEDO DO IMPERIALISMO NO BRASIL




O dedo do imperialismo esteve presente nas manifestações de 15 de Março no Brasil, ainda que de forma discreta. Há precedente. Nos meses que antecederam o golpe de 1964 o imperialismo actuou intensamente para a criação de uma base social de apoio aos golpistas. Organizações como o IPES e o IBAD, dirigidas pelo agente da CIA Ivan Hasslocher, despejaram rios de dinheiro na compra de deputados, em denegrir o governo do presidente João Goulart e em criar o clima adequado para levar o general Castelo Branco (amigo de Vernon Walters, da CIA) a decidir-se pelo golpe. 

Hoje passa-se algo semelhante no Brasil. Os métodos utilizados, como o lock-out de camionistas e os panelaços, são os mesmos que o imperialismo utilizou em 1973 para promover o golpe de Pinochet no Chile. A manipulação através de redes sociais das camadas médias e as palavras de ordem moralistas (como se a corrupção fosse uma exclusividade do PT) ocultam o desejo imperial de por no poder agentes directos seus, por meios constitucionais ou não. 

Nestes últimos anos o imperialismo desenvolveu uma grande perícia para derrubar governos e criou novas agências especializadas para o efeito, a exemplo do NED . A crise actual é consequência da política capituladora do PT, com constantes e enormes cedências à reacção. As tentativas de conciliação com a direita conduzem a recuos cada vez maiores. O incêndio da sede do PT em Jundiaí e o pedido de intervenção militar de manifestantes no Rio de Janeiro são indícios preocupantes do que pode vir a seguir. A política de "gestor do capitalismo brasileiro" assumida pelo governo Dilma/PT tem pernas curtas. Se não der meia-volta pode ter um triste destino.


Brasil. POR QUE FALTA A ÁGUA?



Malu Ribeiro* - Envolverde

É fato que o Brasil tem a maior reserva de água doce do mundo. Cerca de 12% da água doce superficial do planeta corre em nossos rios e bacias. Temos ainda grandes reservas de águas subterrâneas e chuvas abundantes em 90% do nosso território. Entretanto, em meio a maior crise hídrica da história do país, fica a pergunta: por que falta água no sudeste do Brasil?

O primeiro ponto é entendermos como esse cenário de abundância serviu para a construção do mito de que a água seria um recurso inesgotável. Ao longo da história do país, que é ligada a exploração dos recursos naturais, fomos aprendendo com os erros e com alguns esforços voltados a recuperar o que perdemos. O mais conhecido deles fica no Rio de Janeiro e data de 1861, quando o Imperador D. Pedro II ordenou um plano de reflorestamento da Floresta da Tijuca como solução ao enfrentamento de uma grave seca.
As florestas são grandes produtoras de água e protetoras de todo o ciclo hidrológico, por isso, fundamentais para a garantia de água, em quantidade e qualidade. A vegetação, sobretudo as matas ciliares, aquelas que protegem as margens de rios e mananciais, evita a perda de umidade do solo, a erosão e o assoreamento, abastece as nascentes e ainda mantém a umidade do ar, lançando vapor na atmosfera e favorecendo o retorno da água em forma de chuva.

Para avaliar a situação da vegetação nas principais bacias hidrográficas da região Sudeste, como a do Rio Guandu, a SOS Mata Atlântica realizou um estudo que apontou a relação direta entre o desmatamento, a oferta de água e a presença de remanescentes florestais nas áreas de drenagem dos sistemas de abastecimento.

Das bacias analisadas, a do Rio Guandu, principal fonte de água para o Estado do Rio de Janeiro, é a que se encontra em melhor situação, apesar de ainda estar longe do ideal. Dos 4.723 km2 que a compõe, 62,2% (2.939 km2) contém cobertura florestal natural acima de 1 hectare. Os bons índices devem-se às áreas protegidas e unidades de conservação públicas e privadas existentes nessa região, já que quase 70% do que está preservado está nessas áreas.

Tão importante quanto conservar e recuperar esses recursos naturais é evitar a pior forma de desperdício de água, a poluição. O potencial de contribuição dos nossos rios ao abastecimento público, incluindo aqueles que cortam as cidades, é tamanho que podemos afirmar que não haveria crise se houvesse mais cuidado com essas águas e boa gestão. No entanto, continuamos a tratar nossos rios como esgotos a céu aberto, a exemplo do que acontece com importantes rios do Rio de Janeiro, como o Carioca, um dos mais poluídos, mas que já foi fonte de água potável para a cidade.

Cito aqui outro estudo da SOS Mata Atlântica, divulgado há poucos dias, e que registrou, no intervalo de apenas um ano, um aumento da poluição e uma piora na qualidade da água dos rios pesquisados no Rio de Janeiro. Dos 15 pontos em que a coleta foi realizada, somente 5 apresentaram qualidade regular e os outros 10 pontos registraram qualidade ruim. Em 2014, 9 pontos tinham qualidade regular e 6 ruim. Nenhum dos pontos analisados apresentou qualidade boa ou ótima. Esses indicadores revelam a precária condição ambiental dos rios urbanos monitorados e reforçam a necessidade de investimentos em saneamento básico.

Para enfrentar a crise da água e melhorar a qualidade de vida é essencial recuperar nossas florestas e rios com investimentos e avanços nos índices de tratamento de esgoto, gestão dos resíduos sólidos, fiscalização e recuperação das áreas de preservação permanente urbanas e rurais. O desafio é urgente e de todos. (SOS Mata Atlântica/ #Envolverde)

Na foto: Rio Piracicaba Abaixo do Nível. Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas (12/02/2014)

* Malu Ribeiro é coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica.

** Publicado originalmente em O Globo e retirado do site SOS Mata Atlântica.

BRASIL RECONHECE EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE NEGRA EM AUDIÊNCIA NA OEA




Relatora da Organização dos Estados Americanos (OEA) diz que redução da maioridade penal é retrocesso.

Justiça Global e Anced/Seção DCI – Carta Maior

Na sexta-feira, 20/03, em audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre assassinato de jovens negros no Brasil, representantes do Governo brasileiro admitiram o cenário de extermínio no país.

O Secretário de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Ronaldo Crispim Sena Barros, assumiu que “o Governo Federal avalia que parte da elevada taxa de homicídio dos jovens negros deve ser atribuída ao racismo”. O país registra homicídio de 30 mil jovens por ano, segundo dados do Mapa da Violência 2014, dessas mortes quase 80% das vítimas eram negras.

Embora tenha reconhecido o extermínio, durante a audiência, realizada à pedido da Anced/Seção DCI – Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente, o Estado se calou quando foram apresentadas graves denúncias de violações de direitos humanos relacionadas ao sistema socioeducativo, como os casos nos estados do Maranhão, Ceará e Pernambuco, que envolvem desde adolescentes feridos com armas de fogo dentro das unidades, incluindo maus tratos e torturas.

Outro ponto abordado na audiência foi o desarquivamento da PEC 171/93, que prevê a redução da maioridade penal, medida claramente contrária aos direitos humanos das crianças e adolescentes. A relatora para criança e adolescente da OEA, Rosa María Ortiz, ressaltou a necessidade do governo brasileiro em adotar medidas efetivas para evitar esse grande retrocesso. “Em lugar de retroceder, é necessário progredir na proteção dos direitos, sobretudo dos jovens, sobretudo dos jovens negros”, afirmou.

Além do encarceramento em massa de jovens negros no sistema socioeducativo, as organizações destacaram a necessidade de aprovação do PL 4471 que extingue o auto de resistência, principal argumento da polícia brasileira para assassinar jovens negros, principalmente nas periferias. Rosa-Marie Belle Antoine, relatora para os direitos das populações afrodescendentes, lembrou das recomendações já feitas pela ONU sobre a Polícia Militar e a institucionalização do racismo no Brasil e questionou quais as estratégias práticas que o Estado apresenta para reduzir as violações. A relatora, disse ainda para o Governo Brasileiro que “reconhecer o problema é uma coisa, evitar é outra”.

As organizações pediram à CIDH que reforce as recomendações do fim da polícia militar, pelo fim dos auto de resistência e contra a redução da maioridade penal.

Participaram da audiência representantes da Anced/Seção DCI, Justiça Global e Campanha Reaja ou Será Morta/ Quilombo X.

A audiência está disponível neste link.

Créditos da foto: Carlos Latuff

LEONARDO BOFF ENCONTRA-SE COM JOSÉ MUJICA




No diálogo, além de América Latina e Brasil, a importância de enfrentar o consumismo e a competição construindo uma cultura e ética pós-capitalistas

Leonardo Boff, em seu blogOutras Palavras

Participando de um congreso iberoamericano sobre Medicina Familiar e Comunitária, realizado em Montevideo dos dias 18-22 de março, tive a oportunidade sempre desejada de um encontro com o ex-presidente do Uruguai José Mujica. Finalmente foi possível no dia 17 de março por volta das 16.00 horas. Tal encontro deu-se em sua chácara, nos arredores da capital Montevideo.

Encontramos uma pessoa que, vendo-a e ouvindo-a, somos imediatamente remetidos a figuras clássicas do passado, como Leon Tolstoi, Mahatma Gandhi, Chico Mendes e até com Francisco de Assis. Aí estava ele com sua camisa suada e rasgada pelo trabalho no campo, com uma calça de esporte muito usada e sandálias rudes, deixando ver uns pés empoierados como quem vem da faina da terra. Vive numa casa humilde e ao lado, o velho fusca que não anda mais que 70 km a hora. Já lhe ofereceram um milhão de dólares por ele; rejeitou a oferta por respeito ao velho carro que diariamente o levava ao palácio presidencial e por consideração do amigo que lho havia dado de presente.

Rejeita que o considerem pobre. Diz: “não sou pobre, porque tenho tudo o que preciso para viver; pobre não é não ter; é estar fora da comunidade; e eu não estou”.

Pertenceu à resistência à ditadura militar. Viveu na prisão por treze anos e por um bom tempo dentro de um poço, coisa que lhe deixou sequelas até os dias de hoje. Mas nunca fala disso, nem mostra o mínimo ressentimento. Comenta que a vida lhe fez passar por muitas situações difíceis; mas todas eram boas para lhe dar sábias lições e por e fazê-lo crescer.

Conversamos por mais de uma hora e meia. Começamos com a situação do Brasil e, em geral da América Latina. Mostrou-se muito solidário com Dilma especialmente em sua determinação de cobrar investigação rigorosa e punição adequada aos corruptos e corruptores do caso penoso da Petrobrás. Não deixou de assinalar que há uma política orquestrada a partir dos Estados Unidos de desestabilizar governos que tentam realizar um projeto autônomo de país. Isso está ocorrendo no Norte da Africa e pode estar em curso também na América Latina e no Brasil. Sempre em articulação com os setores mais abastados e poderosos de dentro do país que temem mudanças sociais que lhes podem ameaçar os privilégios históricos.

Mas a grande conversa foi sobre a situação da vida e do sistema Terra. Ai me dei conta do horizonte vasto de sua visão de mundo. Enfatizava que a questão axial hoje não reside na preocupação pelo Uruguai, seu pais, nem por nosso contienente latinoamericano, mas pelo destino de nosso planeta e do futuro de nossa civilização. Dizia, entre meditativo e preocupado, que talvez tenhamos que assistir a grandes catástrofes até que os chefes de Estado se deem conta da gravidade de nossa situação como espécie e tomar medidas salvadoras. Caso contrário, vamos ao encontro de uma tragédia ecológico-social inimaginável.

O triste, comentava Mujica, é perceber que entre os chefes de Estado, especialmente, das grandes potências econômicas, não se verifica nenhuma preocupação em criar um gestão plural e global do planeta Terra, já que os problemas são planetários. Cada país prefere defender seus direitos particulares, sem dar-se conta das ameaças gerais que pesam sobre a totalidade de nosso destino.

Mas o ponto alto da conversação, sobre o qual pretendo voltar, foi sobre a urgência de criarmos uma cultura alternativa à dominante, a cultura do capital. De pouco vale, sublinhava, trocarmos de modo de produção, de distribuição e de consumo se ainda mantemos os hábitos e “valores” vividos e proclamados pela cultura do capital. Esta aprisionou toda a humanidade com a ideia de que precisamos crescer de forma ilimitada e de buscar um bem estar material sem fim. Esta cultura opõe ricos e pobres. E induz os pobres a buscarem ser como os ricos. Agiliza todos os meios para que se façam consumidores. Quanto mais são inseridos no consumo mais demandas fazem, porque o desejo induzido é ilimitado e nunca sacia o ser humano. A pretensa felicidade prometida se esvai numa grande insatisfação e vazio existencial.

A cultura do capital, acentuava Mujica, não pode nos dar felicidade, porque nos ocupa totalmente, na ânsia de acumular e de crescer, não nos deixando tempo de vida para simplesmente viver, celebrar a convivência com outros e nos sentir inseridos na natureza. Essa cultura é anti-vida e anti-natureza, devastada pela voracidade produtivista e consumista.

Importa viver o que pensamos, caso contrário, pensamos como vivemos: a espiral infernal do consumo incessante. Impõe-se a simplicidade voluntária, a sobriedade compartida e a comunhão com as pessoas e com toda a realidade. É difícil, constatava Mujica, construir as bases para esta cultura humanitária e amiga da vida. Mas temos que começar por nós mesmos.

Eu comentei: “o senhor nos oferece um vivo exemplo de que isso é possível e está no âmbito das virtualidades humanas”.

No final, abraçando-nos fortemente, lhe comentei:”digo com sinceridade e com humildade: vejo que há duas pessoas no mundo que me inspiram e me dão esperança: o Papa Francisco e Pepe Mujica”. Nada disse. Olhou-me profundamente e vi que seus olhos se emudeceram de emoção.

Sai do encontro como quem viveu um choque existencial benfazejo: me confirmou naquilo que com tantos outros pensamos e procuramos viver. E agradeci a Deus por nos ter dado um pessoa com tanto carisma, tanta simplicidade, tanta inteireza e tanta irradiação de vida e de amor.

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