sábado, 6 de julho de 2013

QUANDO O FUTEBOL JÁ NÃO CALA A MÁGOA



Rui Peralta, Luanda

I - Os recentes protestos e manifestações que tomaram conta das ruas das principais cidades brasileiras começaram em São Paulo, tendo como pano de fundo o aumento do preço dos transportes. Em breve a corrupção, a desigualdade social e a falência dos serviços públicos, passaram a temáticas do protesto. A reação das forças de segurança, adicionou a questão da ineficácia da polícia e da sua forma de actuação e á medida que o movimento se foi expandindo, os protestos englobaram as despesas públicas com a Taça das Confederações e com o Mundial de Futebol de 2014.   

O silêncio governamental (aos 3 níveis governamentais, da cidade, estadual e federal) só foi quebrado pela presidente Dilma Roussef, alguns dias apos os inícios dos protestos, passando a mensagem que a presidente e o governo federal estavam atentos e a ouvir as ruas e que o governo federal iria tentar responder às reivindicações. Esta foi uma fase em que os protestos, apesar de já se fazerem ouvir em outras cidades estaduais, estavam ainda muito focados em São Paulo, uma cidade governada pelo PT, embora o Estado de São Paulo esteja sob gestão da oposição. 

Dilma falou sobre as exigências dos manifestantes: o civismo, as melhores escolas, os melhores hospitais, melhores serviços de saúde e o direito de participação na gestão da res pública. Mas as palavras de Dilma não foram sentidas pelos protestos como um acto de inflexão na politica governamental, que tem conduzido á destruição do sector publico da saúde e da educação e que continua a afastar a população do exercício da soberania popular efectiva, não criando mecanismos de participação directa da população na resolução dos seus assuntos mais prementes.

O cidadão brasileiro sente-se manipulado. Assiste ao enfraquecimento das instituições publicas, mergulhadas numa crise sem precedentes e muitas vezes vitimas de uma politica de “laissez-faire” conducente á corrupção generalizada, á violência policial institucionalizada e limitando as politicas sociais ao fantasmagórico programa de combate á pobreza, iniciado por Lula e que parece ter perdido a sua vitalidade dos primeiros tempos. Talvez por isso, pela sensação de manipulação pressentida pelo cidadão, as palavras de Dilma, por muito sentidas que sejam, não colham confiança, o factor que foi perdido pelos cidadãos em relação às medidas do governo de Dilma.  

II - As ruas das principais cidades brasileiras foram ocupadas por milhares de cidadãos que protestavam contra o aumento dos preços dos transportes públicos e contra a delapidação do erário publico, representada pela Taça das Confederações e pelo Mundial de Futebol que aplicam enormes verbas públicas em eventos internacionais, á custa da degradação do sistema público de saúde e de educação.    

Apesar de ser a quinta economia do mundo, a realidade brasileira reflete grandes assimetrias no que respeita á distribuição de rendimentos. Os compromissos do PT de Lula introduziram o Brasil num grupo selecto de economias (BRICS) que oscilam entre o crescimento desmesurado (China e India), o crescimento elevado (Brasil), os que procuram recuperar a grandeza do passado, crescendo para sobreviverem á decadência (Rússia) e o não crescimento, explosivo (Africa do Sul). Mas mesmo com estes resultados diferenciados, o capitalismo BRICS impôs-se e as novas elites locais, extasiadas com riqueza proporcionada pelo desenvolvimento, divulgam a boa nova evangélica dos “mercados patrióticos”, da “responsabilidade social” e outras patranhas para enganar e iludir a imensa camada de pobres, desempregados, trabalhadores mal remunerados e uma classe média endividada á nascença. 
 
Durante a última década, os governos do PT conseguiram, de facto, resultados consideráveis no combate á pobreza. De acordo com os dados da Comissão Económica para a América Latina (CEPAL), da ONU, o Brasil, com uma população estimada em 200 milhões de habitantes, reduziu, na última década, a pobreza em cerca de 25% (redução media das várias vertentes dos programas aplicados, que oscilaram entre reduções de 20% a 38%). Estas reduções tiveram impacto favorável na vida de 27 milhões de cidadãos brasileiros. Por sua vez a pobreza extrema foi reduzida em cerca de 10% (de 6% a 13%, consoante as vertentes programáticas).

Nos programas económicos para combate á pobreza desenvolvidos pela presidente Roussef, participam 50 milhões de brasileiros, o que representa um incremento de 60% em relação ao participantes no programa de 2010, o último do mandato de Lula. A taxa de desemprego é hoje a mais baixa da História do Brasil e se olharmos, exclusivamente, para estes índices, poderíamos dizer que o Brasil estava no bom caminho. Mas a política social não se resume às medidas profiláticas de combate á pobreza e ao desemprego. Tem de existir complementaridade nessas medidas e continuidade no acompanhamento da situação.

A política social engloba, também, políticas de saúde pública e educação, assentes no acesso e usufrutos destes direitos de forma universal e gratuita, que são bandeiras de luta nos actuais protestos. Foi a ausência do aprofundamento destas politicas, que provocaram o desgaste do PT, fazendo do bem encaminhado programa de luta contra a fome, apenas um cartaz eleitoral, por muito que os resultados apontem em sentido contrário.

É evidente que os sectores vinculados á oligarquia, que nunca renunciaram ao seu anterior controlo do aparelho de Estado (e que continuam, inatacáveis, nos bastidores, uma vez que o PT nunca efectuou as medidas necessárias de saneamento da administração publica) tentam tirar partido destas mobilizações, contribuindo para o descrédito do governo e promovendo a instabilidade. Com o mesmo intuito, os grupos da extrema-direita e os gangues do narcotráfico, diluem-se nas manifestações, provocando actos de violência.

Por sua vez, alguns sectores políticos de suporte ao governo, afastam-se e juntam-se á mobilização popular. É o caso do Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922 e que foi um suporte do governo do PT, que afasta-se dos acordos com o PT e acusa Dilma Roussef e o seu gabinete de “terem perdido o contacto com o povo”. Mas também a Central de Trabalhadores do Brasil (CTB) retirou o seu suporte (embora critico e não isento de diversas rupturas, mesmo durante o governo de Lula) e mesmo dentro do PT existem posições de apoio á mobilização popular.

Este movimento colocou algumas questões essenciais e que o governo brasileiro deve levar em conta: a polarização entre os interesses públicos e privados, a sua relação e a necessidade dos serviços públicos de saúde, educação e habitação. Dilma deu sinais de compreender a necessidade de aprofundar a transformação - apesar de encabeçar um executivo mergulhado nas águas putrefactas do capitalismo BRICS e das politicas desenvolvimentistas, que começam todas em nome do progresso e da criação de riqueza para todos e terminam, inexoravelmente, na corrupção generalizada, na destruição dos sectores públicos e nas benesses aos interesses privados - e comprometeu-se a melhorar os transportes públicos (reivindicação base no inicio dos protestos, em São Paulo) destinando uma verba de 20 mil milhões de USD.

Dilma Roussef aproveita, ainda, para poder avançar com o seu projecto de reforma do Estado e propõe a convocação de um referendo que autorize a eleição de uma Assembleia Constituinte que rediga e faça aprovar uma nova Constituição. Este poderá, efectivamente, ser um mecanismo indispensável á transformação, mas que impacto terá sobre a massa plural dos manifestantes, ou se eles compreendem a necessidade e a profundidade desse projecto, é outro assunto.

Para já e enquanto Dilma não faz passar melhor a sua mensagem, o movimento sindical convocou uma jornada de luta, para o próximo dia 11 de Julho. A jornada foi convocada pela Confederação Unitária dos Trabalhadores – CUT, Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores – UGT, Confederação Nacional de Lutas e Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros – CGTB. Segundo a convocatória, o objectivo desta jornada é o de incorporar as reivindicações dos trabalhadores á reivindicação da rua.

III - O panorama parlamentar brasileiro é constituído por uma aliança de extrema-direita, ruralista, pelo PMDB, o histórico do centro-direita, um conjunto diversificado de partidos do centro-esquerda (PDT, PSDB, PTB, PSB e mais alguns) e á esquerda sentam-se os dois Partidos Comunistas (o Brasileiro e o do Brasil, respectivamente PCB e PC do B) e o maioritário PT. Apesar da diversidade de frutas na quinta, o sumo é pouco e ácido. O clientelismo eleitoral predomina neste cenário e os deputados, estaduais e federais, ficaram “perplexos e atónitos” com os recentes protestos.
   
Este cenário tem efectivamente de ser alterado e Dilma Roussef tem a percepção de que não é possível aprofundar as reformas impulsionadoras da transformação social, sem primeiro alterar o cenário institucional. Pendente continua o projecto de reforma-agrária, preso na máquina burocrática. Este ano interromperam a demarcação das terras indígenas e um conjunto de “representantes do povo” pretende estender a actividade mineira a céu aberto a toda a Amazónia. Foram negados mais recursos aos sectores da Saúde e da Educação, deixaram deteriorar os transportes públicos colectivos e beneficiaram as empresas privadas de transporte, que não levam em conta as necessidades de deslocação da maioria da população e que limitam os horários, por questões de rentabilidade.
   
O governo do PT, pela voz de Dilma, anunciou que o segundo semestre deste ano seria um “festival de licitações” para represas, autoestradas, portos e outras infraestruturas. O festival teve inicio ainda no primeiro semestre com a adjudicação, em Maio ultimo, de blocos de exploração petrolífera num território onde residem 76 assentamentos para a reforma agrária, no nordeste do país, sem que tenham sido apresentadas quaisquer alternativas aos camponeses. O festival irá continuar já de seguida com as negociações que cederam terras às multinacionais mineiras e do agronegócio (agroindústria e transgénicas agrícolas), provocando uma miríade de conflitos com os camponeses, os Sem-Terra e as comunidades indígenas, atropelando todos os contratos anteriores, feitos com estes sectores e suspendendo o diálogo com as estruturas representativas dos camponeses, pequenos proprietários e comunidades indígenas.  

Nos grandes centros urbanos, os “megaeventos” (curioso como os sinais de decadência de um sistema social, são sempres representados através de actos de monumentalidade) levaram ao corte e á suspensão dos projectos sociais desportivos e culturais nas favelas e bairros periféricos, suspenderam a reforma urbana e financiaram, com os dinheiros públicos obtidos nestes cortes, a especulação mobiliaria e o parasitismo virulento desta actividade vergonhosa, formada por alcateias de vigaristas e que têm por detrás e pelo lado os gangues do narcotráfico e os intermediários das lavagens de dinheiro.
    
Dilma tem razão quanto á necessidade de “reformar o Estado”, quando o Congresso se dá ao luxo de ameaçar, através de uma emenda constitucional, com o término das investigações sobre a corrupção (PEC 37) e com o abandono da demarcação das terras indígenas (PEC 215). Tudo isto é de facto um “festival”, rasco e de mau gosto. A reforma de estado tem cabimento e será uma alteração fundamental, mas se for um instrumento que implique profundas alterações na política brasileira, a começar pela alteração fundamental: mudar a política desenvolvimentista, que arrasta o Brasil para um imenso casino, onde se passeiam as elites do PT e a velha oligarquia, de braço dado às novas elites BRICS, com os seus tiques de novo-riquismo, enquanto os restantes cidadãos ficam á porta de entrada do casino, ou quanto muito são porteiros do mesmo.

A surpresa manifestada pelos três poderes institucionais perante os protestos é revelador da urgência da reforma de estado, pois revela o quanto decrépitos e esclerosados são os seus actores principais. Outra coisa não poderia suceder depois de anos de vandalismo e de manipulação, com que os trabalhadores, os indígenas, os pobres, os desempregados, foram tratados, tanto nas áreas urbanas, como nas áreas rurais. Pensavam, os surpreendidos actores institucionais, que bastariam os programas contra a fome e a pobreza, para colocar um sorriso na face de cada brasileiro? Pensariam, os atónitos responsáveis políticos, que o Brasil é só futebol e negociatas tropicais? Será que achavam, mesmo, que depois de uma serie de medidas e de políticas irrisórias, a cidadania brasileira (rica e fértil em lutas históricas pelos seus direitos), desprezada e enganada durante anos por discursos de conciliação, não acabaria por dar voz ao seu sentir? 

IV - As propostas de Dilma para responder às reivindicações da rua, não serão as mais apropriadas para os ouvidos dos manifestantes, é certo, mas evidenciam as contradições no seio da elite dirigente. A primeira proposta é a da Responsabilidade Fiscal. Mas esta é uma mensagem dirigida mais ao capital financeiro internacional, do que directamente às reivindicações populares. A Camara dos Deputados, numa tentativa de resposta imediata aos protestos sobre os gastos sociais, aprovou no dia 26 de Junho uma medida que destina 75% das royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde.

A priori estes números podem soar bem aos mais incautos (e aos que andam de má fé, pela vida fora) só que esta questão das royalties é um daqueles pântanos lamacentos, onde as aparências iludem e as ilusões parecem-se. É que o Estado brasileiro apenas obtém 8% da renda petrolífera, nestes contratos. Ora, atendendo a que os recursos necessários aos serviços públicos básicos são absorvidos pela Divida Publica (que absorveu 42% do orçamento para 2013), é manifesto a ineficácia desta medida. Esta é portanto uma daquelas medidas para acalmar a “populaça” e deixar passar a “arruaça”. Ou seja, areia para os olhos.

A segunda proposta - a primeira de que Dilma falou, logo no início dos protestos - já falámos dela: a reforma do Estado. É uma proposta real e conducente a uma transformação profunda do cenário político brasileiro. Mas o poder judicial já fez saber que não quer nada com mecanismos de reforço da soberania popular e o centro direita através do PMDB, aliado do PT no governo, rejeitou a possibilidade de uma Constituinte. As experiencias constitucionais da Venezuela, Bolívia e Equador são um leviatã para a oligarquia brasileira e para os meios que vivem dos sofisticados esquemas negociais da sociedade brasileira.

Outra das propostas é a de catalogar a corrupção como crime hediondo. O facto de ter sido aprovada no Congresso, no entanto, não resolve grande coisa. Para os corruptos tanto faz que os seus actos sejam considerados hediondos, ou não. O efeito é o mesmo e provavelmente até faz subir a parada. O combate á corrupção não se prende apenas com a figura e o molde que lhe possamos atribuir em temos judicias, mas tem de ser encarado como uma guerra de longa duração, contendo varias frentes, feita por leis de excepção e por politicas concretas, que permitam não apenas varrer da superfície do jardim a erva daninha, mas matar a raiz. Talvez a reforma de estado seja um passo mais importante, que possa criar no novo quadro constitucional, as instituições que constituirão a linha da frente nessa guerra prolongada. As medidas anticorrupção têm de ser sentidas por toda a sociedade e em todas as esferas sociais. Implicam o mundo laboral e empresarial e também um poder judicial eficaz e realmente autónomo. Implicam saneamentos da administração pública central, estadual e local. Tudo o resto são paliativos, paninhos quentes que arrefecem depressa.   

V - Pouco importa, agora, saber qual o caminho dos protestos, se serão corroídos e extintos ou se serão absorvidos na ordem institucional, ou se constituirão uma qualquer alternativa politica. O importante destes movimentos é a sua autonomia e a sua praxis de participação. A democracia brasileira, tal como a grande maioria das sociedades democráticas actuais, assenta nos mecanismos de representatividade e não no exercício directo da soberania popular. A longo prazo este mecanismo é fatal para a democracia, que não consegue obter os equilíbrios necessários para o seu funcionamento, pois escamoteia a base do sistema, a soberania popular.   Estes movimentos preenchem o vazio institucional que está no lugar dos mecanismos participativos e do equilíbrio entre representação e participação. A questão não se coloca entre rua e parlamento, mas sim entre a decisão da rua, a sua esfera directa e a definição da sua esfera partilhada e a decisão do representante, da sua esfera directa e da sua esfera partilhada.

O problema não é a opção entre reforma agrária e agroindústria, mas sim a realização da reforma agrária, projecto de socialização da terra e a execução dos projectos agroindustriais, assentes na capitalização das terras e como estes projectos se podem envolver, não numa esfera comum, mas nas suas esferas de actuação. Não serve de nada parar a reforma agraria, a não ser que se pretenda que o Brasil sofra eternamente um atraso estrutural na sua agricultura e não leva a lado algum escamotear os benefícios da agroindústria, a não ser que se pretenda o atraso tecnológico na agricultura do país e a ausência dos factores de elevação da produtividade e rentabilidade. São diferentes esferas e diferentes respostas, mas ambas necessárias á criação de riqueza e ao desenvolvimento. Não é uma opção entre extracção mineira e comunidades indígenas, mas de como inserir o necessário sector mineiro no ambiente, de como envolver a comunidade indígena no desenvolvimento e de como a sua participação nas decisões é crucial.

Os caminhos abertos são vastos, mas não constituem novidade, nem são nenhuma reinvenção da roda. São apenas os instrumentos possíveis á cidadania de intervir, de participar nas decisões e de decidir e afirmar a sua decisão, perante o vazio institucional que foi criado em torno da soberania popular e que apenas favorece as elites económicas e politicas e a sua respectiva circulação e renovação.

O Brasil demonstrou, nestes protestos, que não é só um pais tropical abençoado pelo Capital, que não é só futebol (como pretendem os corruptores organismos internacionais futebolísticos, que não passam de centros de lavagem de dinheiro e cujo lugar deveria ser no banco dos réus, dos tribunais internacionais) samba e Carnaval. O Brasil, afinal, também é (e os protestos assim o demonstram) …futuro.
      
Fontes

Brasil: APROVEITAR E MUDAR




Fato é que é necessário aproveitar a pressão das ruas para dirigir a política no interesse coletivo, diminuindo o poder fechado de "soluções" entre os poderes, sem nenhuma participação popular. No front político não será de se estranhar que se dissolva a precária base de sustentação do governo Dilma, que virou um saco de gatos ideológico e político. Por Amir Khair

Amir Khair – Carta Maior

As manifestações de rua estão sendo aproveitadas para várias finalidades. Para a direita, o que interessa é desgastar o PT e o governo Dilma. Vislumbram a possibilidade de tirar o PT do poder e procuram o candidato que possa satisfazer suas vontades, com chances eleitorais.

A esquerda tem a possibilidade de tencionar os governos no sentido de avançar as políticas públicas na área social. Teme, no entanto, que a onda de repúdio à política e políticos acabe por gerar falsas soluções que acabem por interromper os avanços conquistados de mais distribuição de renda, e coloquem no governo um novo Collor. 

Fato é que é necessário aproveitar a pressão das ruas para dirigir a política no interesse coletivo, diminuindo o poder fechado de "soluções" entre os poderes, sem nenhuma participação popular.

No front político não será de se estranhar que se dissolva a precária base de sustentação do governo Dilma, que virou um saco de gatos ideológico e político. 

Há que buscar suporte político ao atender as pressões legítimas de soluções que reduzam despesas da maioria da população e que consigam ampliar e aprimorar os serviços nas áreas sensíveis como transporte e saúde e jogar força na estratégica área da educação, especialmente via aporte de recursos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), ampliando o percentual de 10% que o governo federal aporta a esse fundo. Uma possibilidade para novos recursos é regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas, que o Congresso senta em cima das propostas para não atingir o bolso dos deputados e senadores.

Mas, há que tomar cuidado. Muitas vezes argumenta-se que faltam recursos para atender as demandas da população. Sim, faltam. Mas há que cobrar duramente das administrações, que usem os recursos passados pela população no interesse coletivo e de forma eficaz, ou seja, fazendo mais e melhor com os mesmos recursos seja ao terceirizar, seja ao fazer diretamente. Pouco se sabe sobre os custos reais dessas duas vias.

O interesse da chamada elite é pelo Estado mínimo e privado máximo. A palavra de ordem deles é redução das despesas de custeio para aumentar o resultado primário para pagar os juros do rentismo, que domina o País.

Há, no entanto, que ter clareza política nesse embate ideológico e defender intransigentemente o Estado, mas na sua função de velar pelo interesse coletivo e não o do capital ao direcionar recursos públicos.

A mais clara realidade sobre esse papel do Estado está no fato do descaso de prefeitos, governadores, vereadores, deputados, Ministério Público, Tribunal de Contas e a mídia praticamente ausentes nas suas funções de proteção aos interesses, por exemplo, dos que pagam as contas do transporte coletivo via tarifa e/u via subsídio pago às empresas operadoras.

O que se viu em decorrência da pressão das ruas foi um vergonhoso jogo de cena onde alguns governantes baixaram as tarifas por parcos centavos, afirmando que só se o governo federal reduzisse tributos é que poderiam baixar mais, ou ainda afirmações de pseudo economias que iriam fazer fundindo órgãos, como fez o governador de São Paulo, com uma "economia" de R$ 130 milhões neste ano, algo como 0,07% do orçamento do Estado.

A falta de compromisso com a população, especialmente a de menor renda, que depende do serviço público na educação, saúde, assistência social e segurança, pode ser vista na quantidade, qualidade e baixa eficiência da prestação dos serviços, tornando-os mais caros do que deveriam. O caro aqui se refere ao custo para ter o serviço, seja esse custo feito diretamente, seja feito através de empresa privada contratada para isso.

Há ausência praticamente total de auditoria de custos em tudo que o setor público contrata e de transparência no que executa diretamente. Falta vontade política para verificar o valor que está sendo pago ao prestador de serviço ao executor da obra. Em geral tudo que é entregue ao setor privado para fazer em lugar do setor público pode estar sendo pago com valor acima do que deveria caso o governo se dispusesse a olhar com mais cuidado tudo que contrata e, muitas vezes não o faz por falta de quadros e/ou de competência para isso.

A população que paga a conta tem todo direito de saber o porque do valor cobrado e o governo através dos seus três níveis (federal, estadual e municipal), poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) e agências "reguladoras" de FHC, o dever de não jogar contas indevidas sobre os usuários e contribuintes.

Deve-se questionar as tarifas do transporte coletivo, da mesma forma, o pagamento às empresas do lixo e varrição de vias (uma das maiores despesas das prefeituras), as contas das concessionárias (água e esgoto, energia elétrica, telefonia e gás) que são uma verdadeira caixa preta funcionando como potentes bombas de sucção do ganho das pessoas. 

Assim que continue a pressão das ruas. Se Dilma quiser buscar respostas via Congresso vai-se frustrar, pois lá tem sido mais um banco de negócios para satisfazer os interesses de cargos e ganhos pessoais dos "representantes" do povo. Felizmente ainda há exceções. 

O que vale é participar e lutar para avançar e fazer os governos ampliarem o atendimento com melhor qualidade à área social. Sem pressão nada acontecerá. É aproveitar a força do movimento para mudanças que estão emperradas. 

Fotos: EBC

CHILE, O “PARAÍSO” NEOLIBERAL




O presidente chileno, Sebastián Piñera, se converteu no melhor promotor das linhas diretrizes sobre o controle da economia global que se projetam de Washington e da União Europeia, mediante a utilização de mecanismos financeiros como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Central Europeu. Por Hedelberto López Blanch, do Rebelión

Hedelberto López Blanch – Rebelión - Carta Maior

A atividade do presidente chileno, Sebastián Piñera, tem sido intensa nos últimos dias e ele não tem descansado nem um momento em propagandear as bondades que representam, para o bem dos países, a aceitação de sistemas neoliberais, de livre comércio e privatizações.

Inegavelmente se converteu no melhor promotor das linhas diretrizes sobre o controle da economia global que se projetam de Washington e da União Europeia, mediante a utilização de mecanismos financeiros como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Central Europeu (BCE).

Para as potências econômicas ocidentais, o Chile foi, desde a ditadura de Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973, o paradigma do sistema neoliberal na região com o objetivo de permitir a entrada das companhias transnacionais que enriquecem com a extração de suas grandes riquezas minerais.

Piñera teve um papel destacado na criação e estímulo da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México, Peru e agora Costa Rica) cujos motivos são os de reunir governos afins aos Estados Unidos (que apoiam o livre mercado e as privatizações) e tratar de impulsionar uma espécie reduzida da ALCA (Área de Livre Comércio para as Américas) que Washington tentou criar em meados da década de 1990.

Mas o perigo maior será que esta Aliança aponta em dividir a região em dois polos diametralmente opostos ao tentar debilitar a força integradora latino-americana que os governos democráticos e nacionalistas surgidos nos últimos anos alcançaram, que têm como premissas defender seus recursos naturais e humanos em defesa da independência e soberania econômica de seus povos.

O mandatário chileno visitou Washington no princípio de junho, onde se reuniu a portas fechadas com o presidente Barack Obama e ambos, em declarações à imprensa, exaltaram as semelhanças políticas e econômicas existentes entre seus países e defenderam o impulso nas negociações dentro do Acordo de Associação Transpacífico (TPP).

Obama felicitou as conquistas da economia chilena, que cresceu 5,6% em 2012 e destacou o papel do país sul-americano na Aliança do Pacífico, que disse, é integrada pelos países com as economias mais abertas da América Latina.

Resulta que, ao que parece, as contas feitas não são tão fidedignas, pois, na última rendição diante do Congresso (com aroma pré-eleitoral com vistas às eleições de novembro), Piñera criticou a herança recebida de sua antecessora, Michelle Bachelet, e reivindicou que sob seu governo o país cresceu uma média do 5,8% anual e foram criados quase um milhão de empregos.

A afirmação gerou uma forte resposta da oposição, que questionou o manejo oficial das estatísticas, o descumprimento de projetos e o insuficiente investimento em infraestrutura.

A revista inglesa The Economist afirmou que o prestígio estatístico do Chile está posto em dúvida pela recente discussão sobre se o governo manipulou as cifras para baixar a pobreza em uma pesquisa oficial da Caracterização Socioeconômica Nacional (CASEN).

A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) encontrou que a taxa de pobreza não era 14,4% como o anunciado, mas 15%, parecida com a de 2009. Mas o governo enviou seu relatório de volta, pedindo que incluísse dados sobre ingressos informais recebidos pelos desempregados. Pela primeira vez nos 25 anos de história da CASEM, a CEPAL refez seus cálculos, o que custou o cargo ao representante da instituição latino-americana neste país.

Além disso, a CASEN afirma que foram criados apenas 420 000 empregos, muito longe dos anunciados pelo governo e que a pobreza afeta 2 564 000 de pessoas que sobrevivem em severas condições.

Os analistas afirmam que se fossem verdadeiras as cifras manejadas pelo Executivo, não haveria razão para que proliferassem, como sucedeu, as greves estudantis e mineras em todo o país.

Os estudantes, com apoio de professores e familiares, reclamam uma educação menos privatizada, pois são poucos os que podem pagar os altos preços do ensino. Mais de 700 estabelecimentos de ensino médio foram ocupados pelos alunos que foram reprimidos com força pelos carabineros. Esta luta desigual se mantém há vários anos.

Durante a presidência de Salvador Allende, 100 por cento das minas de cobre passou ao controle do Estado, situação que Pinochet reverteu e que conduziu, na atualidade, a que 70% da produção encontre-se em mãos de empresas privadas, a maioria estrangeiras.

A estatal Codelco possui apenas 30% do negócio do cobre e as estrangeiras 70%, mas as contribuições ao fisco são diametralmente opostas, pois a Codelco contribui com 70% e as transnacionais com 30%, pese a seus enormes lucros.

Como estabelece o Tratado de Livre Comércio (TLC) firmado entre o Chile e os Estados Unidos em 2004, grandes facilidades são concedidas ao investidor estrangeiro, dirigidas fundamentalmente à mineração e aos serviços de eletricidade, telecomunicações, água e bancos.

Por este motivo, segundo um estudo da Universidade do Chile, anualmente saem do país capitais pelo valor de 30 bilhões de dólares, o que representa aproximadamente 22% do Produto Interno Bruto.

As gestões de Piñera para impulsionar acordos neoliberais não ficaram apenas no salão Oval da Casa Branca, mas se expandiram com visitas à diretora do FMI Christine Lagarde, ao presidente do BM Jim Yong Kim e ao chefe do Departamento de Estado estadunidense John Kerry.

Para fechar o círculo, se encontrou com o presidente da Comissão de Assuntos Exteriores do Senado Robert Menéndez, um dos principais articuladores do bloqueio norte-americano contra Cuba e de impedir as viagens de cidadãos deste país à Ilha do Caribe.

Não cabe dúvida que o presidente chileno é consequente com suas ideias, pois como é lógico em uma pessoa como ele, que possui um capital de 2,22 bilhões de dólares segundo a revista Forbes e que aparece no número 437 entre os mais ricos do mundo, não pode pensar em resolver os problemas das grandes maiorias em sim em como incrementar seu capital.

Tradução: Liborio Júnior

Portugal: ELEIÇÕES E ALTERNATIVA




Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Acabe-se com o enxovalho! Não podem prosseguir as humilhações que vêm sendo feitas ao povo, à República Portuguesa, ao regime democrático que tanto sacrifício exigiu para ser conquistado. Quem não se dá ao respeito não é respeitado! Quem não assume a verdade dos factos com que lida sujeita-se a que outros o humilhem e o submetam, exatamente pelo conteúdo das mentiras.

O governo da Sr.ª Merkel afirmou há dois dias, sobre a situação política portuguesa, "o caminho é difícil mas é o único que garante o sucesso". Isto é um insulto ao povo português, só possível porque o nosso governo faz da mentira um instrumento de governação para subjugar a sociedade portuguesa.

De que sucesso fala esta gente?

Do empobrecimento generalizado, da destruição de empresas e do Estado Social, do brutal agravamento do desemprego, cujo número total de desempregados é hoje superior em mais de 330 mil às "previsões" da troika, da recessão económica que é umas quantas vezes maior do que aquilo que nos haviam dito que ia acontecer, da emigração forçada de milhares e milhares de jovens qualificados?

Deitemos mão das aprendizagens feitas no nosso longo e rico percurso histórico como povo e como nação, das nossas capacidades, recursos e valores. Discutamos com serenidade e seriedade os desafios e os sacrifícios a assumir, mas com a certeza de que é um futuro digno que encetamos.

O apodrecimento do governo PSD/CDS contamina perigosamente toda a sociedade, põe em causa os valores da política, da democracia, da soberania do país.

É preciso realização de eleições no mais curto espaço de tempo possível. Só a intervenção esclarecida e consciente do povo pode sustentar uma solução. Mas estas eleições têm de ser caracterizadas pela verdade na análise dos problemas, no rigor das propostas, na clareza dos argumentos e, acima de tudo, nos compromissos de governação.

Desiludam-se os que pensam que é possível estar de bem com Deus e com o Diabo, pois as mudanças profundas, as ruturas que hão de surgir, vão obrigar a clarificações. O prosseguimento de compromissos políticos e sociais, característicos do velho centrão de interesses instalados, comprometerá o futuro de Portugal.

Nós não estamos meramente perante a "crise da dívida pública", mas sim num processo muito complexo que abrange o conjunto da UE e, em particular, da Zona Euro. Em Portugal esse processo tem várias dimensões, designadamente: (i) a desarticulação profunda do setor produtivo - o seu enfraquecimento geral e a desindustrialização - com perda direta de centenas de milhar de empregos e fortíssimas limitações futuras para a criação de emprego; (ii) a crescente dependência do sistema financeiro, com endividamento galopante das pessoas e das empresas; (iii) a canalização de recursos financeiros para setores especulativos e rentistas, que também tem facilitado a saída do país de milhares de milhões de euros; (iv) uma brutal transferência do rendimento do trabalho para o capital.

O Estado não pode ser o duro cobrador de impostos para alimentar o mercado da dívida, os mercados sanguessugas da saúde ou do ensino e negociatas de grandes interesses privados. É preciso um sistema fiscal justo, uma aplicação do nosso dinheiro no investimento e na garantia de direitos sociais fundamentais.

Se não queremos uma sucessão de resgates, então temos mesmo de conseguir renegociar a sério a dívida. Ou reduzimos a dívida e os seus encargos, ou ela nos destrói.

Temos de responder a situações de carência e de pobreza, mas é imprescindível colocar a criação de emprego como primeira prioridade na discussão das atividades úteis que podemos desenvolver, da discussão da industrialização, da inovação, da competitividade, das qualificações e formação.

Uma alternativa efetiva tem de discutir e definir caminhos a percorrer, no plano nacional e europeu, face a uma situação de bloqueios financeiros com que podem tentar chantagear-nos.

A rutura com as políticas dominantes no país e na UE é difícil, mas é uma necessidade e a única via para retomarmos o caminho do desenvolvimento.

Portugal: Avaria no ar condicionado das urgências do S. José obriga à mudança de doentes



TVI 24

Plano de contigência acionado para contornar altas temperaturas

As urgências do Hospital de São José, em Lisboa, estão a funcionar «num espaço alternativo nesta unidade hospitalar» na sequência da avaria do ar condicionado, que obrigou também à transferência dos doentes do serviço de Observações para os claustros.

«O Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (CHLC) esclarece que, na sequência de uma avaria que afetou o ar condicionado na Urgência Polivalente do CHLC - Hospital de S. José, e perante o agravamento das condições atmosféricas, o Centro Hospitalar decidiu implementar o plano de contingência para estas situações, utilizando para isso um espaço alternativo nesta unidade hospitalar», esclareceu o hospital, em resposta enviada à agência Lusa.

O gabinete de comunicação adiantou também que os doentes do Serviço de Observações foram transferidos para os claustros do hospital, «onde existem vários aparelhos de ar condicionado em funcionamento».

Na sexta-feira, a Direção Geral da Saúde (DGS) alertou que o país está muito próximo de ultrapassar as temperaturas máximas históricas e revelou que o calor já aumentou a procura das urgências hospitalares.

Em conferência de imprensa conjunta entre a DGS e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), o diretor-geral da Saúde, Francisco George, chamou a atenção para o risco de excesso de mortalidade que estas temperaturas podem trazer, sobretudo para idosos com mais de 75 anos e portadores de doenças crónicas.

Sem adiantar números ou pormenores, o gabinete de comunicação do Hospital de São José confirmou também que houve «um ligeiro aumento da procura da urgência polivalente nos últimos dias» naquela unidade hospitalar.

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) colocou hoje os distritos de Lisboa e Setúbal em aviso vermelho, o mais grave de uma escala de quatro, por previsão de «persistência de valores elevados da temperatura máxima».

O aviso vermelho vai manter-se ativo até às 21:00 de domingo.

Portugal: CENTENAS PEDEM DEMISSÃO DO GOVERNO DEBAIXO DE 40 GRAUS




Manifestação da CGTP decorre entre o Mosteiro dos Jerónimos e o Palácio de Belém

Algumas centenas de pessoas estão desde as 15:00 concentradas junto ao Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, para pedir a demissão do Governo, num protesto promovido pela central sindical CGTP.

Debaixo de um sol abrasador, os manifestantes empunham cartazes da central sindical e de sindicatos, com frases como «Governo rua!».

Grande parte dos manifestantes estão ao sol, mas alguns abrigam-se à sombra das árvores que estão no jardim frente ao Mosteiro, numa tarde em que os termómetros em Lisboa ultrapassam os 40 graus.

Entre as palavras de ordem, os manifestantes gritam «É só mais um empurrão e o Governo vai ao chão», «Portas, Coelho e Cavaco são farinha do mesmo saco», «Quem luta sempre alcança, queremos mundança» e «É preciso, é urgente correr com esta gente».

Isabel Lopes, trabalhadora da Segurança Social no Porto, disse à agência Lusa que «vale a pena estar neste protesto, com este calor, para que o Governo seja demitido».

«Este Governo é incompetente, corrupto e está a destruir Abril. É preciso a força do povo», adiantou esta funcionária pública.

Ana Isabel, empregada de limpeza que veio de Setúbal, afirmou também que é necessário o Governo «ir para a rua» porque «está a destruir o país».

«Apesar do calor, vale a pena estar aqui para lutar pelo futuro dos nossos filhos, para que tenham uma vida melhor», disse Ana Isabel manifestando convicção de que o Governo, «mais tarde ou mais cedo», vai acabar por se demitir.

- Em atualização

Portugal: RÉQUIEM



José Manuel Pureza – Diário de Notícias, opinião

Não é por haver crise política que haverá segundo resgate da troika. É por estar aí o segundo resgate da troika que a crise política está aí. O que falhou não foi o entendimento político entre as direitas coligadas. O que falhou - estrepitosamente - foram as políticas de empobrecimento encaradas como promessa de regeneração económica e social. Não tiveram outro resultado senão o empobrecimento sem mais. E a dívida, em nome de cuja diminuição tudo se fez e tudo se exigiu, não parou de subir. Foi isso - e não a defesa coerente da legalidade constitucional por quem cumpre fazê-lo num Estado de direito - que fez demitir o primeiro-ministro de facto Vítor Gaspar. Assim como o que fez demitir Paulo Portas foi a perspetiva do vendaval social que o corte de 4700 milhões de euros na despesa pública, de que é guionista investido, acarretará sem outros efeitos senão os da destruição da economia e da sociedade.

O Governo morreu porque a sua política o matou.

Virá agora o segundo resgate, há muito inevitável. Negando-o, o Governo antecipou-o sucessivamente atirando as responsabilidades para o Tribunal Constitucional, para os partidos da oposição ou para os sindicatos. A dança de demissões dos últimos dias mostra que nunca houve outra causa para o segundo resgate senão a política de teimosia irresponsável do Governo em matéria económica e social.

Por isso é que é tão irrelevante a troca de sms entre Passos e Portas sobre a substituição do ministro das Finanças e tão importantes os telefonemas e conversas pessoais dos administradores dos bancos portugueses com dirigentes da coligação governamental para os pressionar para que se abjure qualquer cenário de eleições. Aquela é do domínio do folhetim dos estados de alma, estes são exercício de política dura.

Esse jogo político palaciano e dissimulado tem como contraponto a incredulidade e a repulsa da grande maioria das pessoas. Se necessário fosse, os últimos dias mostraram que na governação ditada pela troika vale literalmente tudo desde que o resultado nunca seja a expressão democrática da vontade popular. Desde que se cumpram os desígnios de quem manda, todas as fórmulas de poder são boas. Neste regime de administração colonial, ao vice-rei exige-se não que represente o seu povo e que por ele seja reconhecido como legítimo governante, mas sim que represente o verdadeiro soberano e submeta o povo. Assim está a ser em Portugal, pela mão de gente formada na pior política pelas jotas. E o espetáculo desta política feita por jogadores da política sem outra vertebração ideológica senão a de agradar a quem manda está a degradar até ao limite o apoio popular à nossa democracia. Ora, se isto não é um funcionamento não regular das instituições democráticas, então eu não faço ideia do que isso possa ser.

Exigir eleições, nestas circunstâncias, é exigir o mínimo de decência. É combater o sequestro de um país inteiro por um pequeno grupo de experimentalistas delirantes ao serviço de uma pequena elite financeira com a cumplicidade chocante do Presidente da República. A coisa é simples: Portugal não tem governo, precisamos de eleições para preencher esse vazio indisfarçável. Tudo o resto é insulto para a democracia.

Portugal – Sondagem: ESQUERDA COM 56% NO PARLAMENTO. PSD BATE MÍNIMOS



Pedro Raínho – Jornal i

PS, PCP e BE reúnem a maioria mais alargada desde o início do barómetro. Intenção de voto no PSD é agora de 23,7%

Há três meses que o PS vem reconquistando a preferência dos eleitores, que tinha perdido em Abril. Uma recuperação que anda a par da instabilidade que se acentuou entre os parceiros de coligação. No barómetro i/Pitagórica deste mês, o partido regressa à casa dos 34% das intenções de voto com que - somando os 13,2% atribuídos ao PCP e os 8,9% do BE - lidera a margem mais segura conseguida pela esquerda parlamentar até ao momento. Do outro lado da linha, a direita recua para a sua votação mais fraca de sempre - juntos, PSD e CDS ficam um ponto abaixo dos socialistas.

A sondagem foi realizada entre os dias 28 de Junho e 2 de Julho - coincidiu, por isso, com os primeiros episódios da mais recente (e aguda) crise política no seio da coligação. Para já, é o PSD quem mais se ressente. Os sociais-democratas marcam em Junho uma nova linha vermelha de impopularidade, ao recolher 23,7% das intenções de voto. São quase menos 2% que no último mês, altura em que o partido tinha, também aí, assinalado uma nova marca negativa (com 24,5% dos votos).

O CDS continua a sua caminhada descendente rumo ao resultado negro atingido no primeiro barómetro, em Outubro de 2012 (quando não foi além dos 8,3%). Este mês, os centristas recolhem 9,1% das preferências dos eleitores. Mas o barómetro não reflectirá ainda as ondas de choque da demissão de Paulo Portas, dado que esta coincide já com a recta final do inquérito.

ESQUERDA DOMINA PARLAMENTO

O PS ainda não consegue vislumbrar no horizonte os 36,7% de intenções de voto que o partido conseguiu reunir em Março deste ano, muito menos a maioria absoluta por si só. Veio o congresso em Abril e, por essa altura, os socialistas caíram para os 28,6%. Os últimos meses têm sido de recuperação, com os socialistas a chegarem agora aos 33,9% - a confirmar-se o resultado, seria preciso que o PS se coligasse para chegar à maioria dos deputados no hemiciclo. Para este resultado contribuem em particular os eleitores do sexo masculino, entre os 35 e os 54 anos, da classe média.

Por seu lado, o PCP continua a afirmar-se como a terceira força política em Portugal - cenário que vem ganhando expressão desde o mês de Janeiro. E agora com uma nova confiança recolhida junto dos eleitores, que atribuem ao partido 13,2% das preferências - o melhor resultado dos comunistas até ao momento.

Porém, em sentido contrário ao da restante esquerda e do centro-esquerda parlamentar, o BE afunda-se nos resultados. Desde o início que os bloquistas têm quase sempre rondado os 9% das preferências dos inquiridos, mas são agora lançados do melhor resultado que tinham atingido no barómetro (9,4% em Maio) de volta para os 8,9%.

NÃO SEI OU NÃO VOTO

A relativizar de forma acentuada estes resultados surgem dois dados importantes: o primeiro é a percentagem de eleitores que admitem estar ainda indecisos quanto ao sentido de voto que adoptariam, caso as eleições legislativas se realizassem hoje. São 34,2% dos 503 inquiridos ouvidos no barómetro, aqueles que dizem não conseguir escolher os seus representantes. A tomada de decisão poderia influenciar (e inverter) significativamente o resultado final das votações.

O segundo dado é a abstenção. É significativa a percentagem de abstencionistas confessos, que neste barómetro oscilam entre os 40,2% e os 49,2%.


Portugal: Portas mantém-se no Governo; Pires de Lima vai ser ministro da Economia



Ana Catarina Santos - TSF

Paulo Portas vai passar a vice primeiro-ministro do Executivo, com a responsabilidade da coordenação das pastas económicas. A TSF apurou ainda que Pires de Lima vai ser ministro da Economia.

A TSF sabe que na proposta entregue ontem por Passos Coelho ao Presidente da República, o CDS-PP vai ganhar um novo ministro no Governo, passando de três para quatro ministros.

Para além de Paulo Portas, vão manter-se Assunção Cristas e Pedro Mota Soares, e o ministro da Economia passa a ser António Pires de Lima, que substitui Álvaro Santos Pereira.

Os interesses do Estado estão acima dos interesses do partido

e acima dos interesses pessoais, foi este o lema que esteve por trás da decisão de Paulo Portas, que depois de ter dito que a demissão do Governo era irrevogável, volta agora atrás.

Para além das novas funções como vice primeiro-ministro, Portas vai também assumir a coordenação de todas as áreas económicas, ficando com uma função transversal a várias pastas do Governo.

A estabilidade governativa fica, assim, assegurada não apenas com a manutenção do CDS-PP na coligação, mas com a presença do próprio líder do partido.

Quanto a António Pires de Lima, vai assumir pela primeira vez funções executivas num Governo. O empresário, atual ceo da Unicer, ontem à noite, à saída da reunião do Conselho Nacional não quis confirmar a notícia, mas a TSF sabe que aceitou o convite de Portas.

Oficialmente ninguém no CDS nem no PSD confirma estes nomes porque há um compromisso para não revelar publicamente detalhes sobre o acordo, até o Presidente da República se pronunciar.

Na foto: Paulo Portas, Pires de Lima

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TURQUIA: OS EURO-SULTÕES E OS “PASHAS” DO OCIDENTE (II)




Rui Peralta, Luanda (ler a 1ª parte)

V - O Adalet ve Kalkınma Partisi (AKP) é um partido de raízes islâmicas, embora visto pela comunidade internacional, erradamente, como um partido islâmico. Segundo o artigo 68 da Constituição turca, não são permitidas formações políticas com referência ou designação religiosa, pelo que AKP, apesar das suas raízes islâmicas, não comporta qualquer referência religiosa na sua denominação, definindo-se como um partido conservador democrático, na mais estrita visão ocidental.  

Recep Tayyip Erdoğan, o actual primeiro-ministro - condenado a 10 meses de prisão, em 1997, por incitação á violência – gosta de identificar o AKP a um projecto de “democracia islâmica”, de forma a permitir a comparação com o projecto “democrata-cristão” dos partidos europeus, principalmente com o mais próximo (em termos geopolíticos) a CDU da Alemanha. Esta comparação é de grande utilidade para o AKP e permite normalizar a opção “democrata-islâmica”, integrando-a no espaço político de uma Europa predominantemente cristã, o que permite á Turquia uma maior penetração no mercado europeu, um espaço intrinsecamente laico (mesmo ateu, quando larga a sua componente regional e insere-se no mais vasto mercado global).  

Este projecto político turco, durante as duas primeiras legislaturas – a de 2002 que o AKP ganhou com cerca de 34% dos votos e a de 2007, onde conquistou perto de 47% – estabeleceu-se em quatro princípios fundamentais: reformismo político, neoliberalismo económico, posicionamento politico no espaço do centro-direita e uma política exterior proactiva. Na actual legislatura – a terceira, ganha com uma substancial maioria de 49% - o AKP assume um quinto princípio fundamental na sua praxis politica: a destruição do aparelho kemalista, eliminando qualquer reminiscência politica do projecto kemalista na sociedade turca. E isso significa, quer se queira ou não, um rude golpe para o laicismo turco, tão caro às classes médias urbanas e aos sectores maioritários da burguesia nacional, mas também a vastos sectores populares.

A transição democrática turca foi iniciada e controlada pelos militares, sob três condicionantes: um sistema tutelado, instituições políticas subservientes a esse controlo e um processamento eleitoral devidamente controlado pelas máquinas partidárias concordantes com estes princípios de sociedade democrática “controlada”. Mas este é o cerne do projecto kemalista, um projecto nacionalista de cariz cegamente desenvolvimentista, gerador de instituições políticas frágeis e de uma oligarquia institucional assente no enfraquecimento da soberania popular e na exacerbação da “soberania nacional” desrespeitador, por isso, dos equilíbrios necessários às dinâmicas do desenvolvimento.   

Não é por isso de admirar que no cenário dos actuais protestos, surja a facilitada, manipulada e manipuladora explicação das contradições entre laicismo e islamismo (reais, mas não cruciais) e as referencias á influencia kemalista e destruição das suas reminiscências (oposição / governo, como se as contradições parlamentares se resumissem a essas duas forças, ignorando por completo os diversos sectores da esquerda turca e da extrema-direita, suficiente forte e enraizada na sociedade turca ao ponto de ter representação parlamentar, até aos sectores independentistas e autónomos curdos).

Um ponto de acordo entre as diversas tendências que formam os protestos populares é a figura de Erdogan, que por sua vez, ao contrário do presidente Gul, do vice-primeiro-ministro Bulent Arinç e dos sectores moderados do AKP, nada fez para atenuar esta situação, ao acusar os manifestantes de que os protestos são “ideológicos” e organizados por “grupos extremistas” e deixando sempre no ar a “mão dos serviços secretos sírios” ou dos “terroristas curdos, financiados e organizados pelos sírios”.         Os protestos turcos evidenciaram dois elementos políticos em crise: a liderança de Erdogan e a ausência de um projecto politico oposicionista. Mas também comprovaram que o actual movimento de protesto não pode gerar qualquer alternativa politica, por uma razão muito simples: não está nos seus horizontes. É um protesto que inclui vários níveis e grupos de interesses, demasiado heterogéneo e simultaneamente vago nos seus propósitos, cujo único ponto de consenso é a saída de Erdogan e o término das medidas legislativas que afectam a liberdade individual e o laicismo na sociedade turca. 

VI - O golpe militar de 1980 pôs um fim a décadas de violência que opunha grupos armados da esquerda revolucionária e da extrema-direita nacionalista (cujo grupo principal era os Lobos Cinzentos, com fortes ligações aos serviços secretos turcos e cujas milícias eram usadas pelos militares no “combate ao terrorismo”). Os conflitos armados provocaram o desgaste do sistema institucional implementado pela Constituição de 1961, criando uma situação de vazio de poder que gerou a intervenção militar (de matriz kemalista).

A ordem politica que emerge do golpe de 1980 tem três vectores fundamentais: Foi uma ordem política de pacificação; Aumentou os instrumentos coercivos do Estado e em nome da paz institucionalizou a violência, durante a vigência da ditadura; A repressão atingiu os sectores kemalistas tradicionais devido ao seu posicionamento estatista (as elites kemalistas mais tradicionais defendiam uma politica económica fortemente marcada pelo peso do sector publico, contrariamente aos interesses das novas elites kemalistas, que defendiam a liberalização económica, para fazer frente á crise petrolífera) e a sua oposição, apesar de membros da NATO, ao eixo anglo-saxão - que na época exercia uma enorme influencia na geopolítica euroasiática – evidenciada na ocupação do Norte do Chipre e na confrontação militar com a Grécia, representante dos interesses britânicos na região. 

Em 1982, quando os militares entregam o poder aos sectores políticos civis, a elite politica kemalista, renovada e expurgada, revela-se incapaz de responder ao enfrentamento constante do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK) e ao alastramento das guerrilhas curdas e demonstra a mais absoluta incompetência ao ser incapaz de parar a espiral de endividamento e a corrupção, que minou a sociedade e a economia turca. Estes insucessos dos kemalistas levaram aos descontentamento de uma classe média emergente, no interior do país, de origem rural, que lutava pelo seu espaço no mercado, tentando quebrar a hegemonia dos cosmopolitas laicos de Ancara, cujas classes médias eram liberais e ocidentalizadas.

As forças políticas islâmicas (na época ainda não existia o AKP e a força politica de raiz islâmica predominante era o Partido Rafeh) canalizaram esses protestos e começaram a criar uma força conservadora, evidenciada pelas eleições regionais, onde o seu peso eleitoral era ampliado pelo funcionamento do sistema eleitoral. O avanço dos conservadores levou á reorganização das suas forças políticas e dos mecanismos de representação, tendo sido criado o AKP, que chegou ao poder em 2002.

O AKP, no primeiro mandato, organizou a economia, atenuou os problemas com os curdos (embora através de paliativos que só serviram para adiar a questão e que originariam novos problemas e novas revoltas curdas) e adocicaram a boca das elites ocidentalizadas, dos sectores laicos da classe média e das camadas populares urbanas, continuando a negociar a integração europeia (processo que foi iniciado pelas sucessivas governações kemalistas, apos 1982).

Foi este o início do fim das elites kemalistas, incapazes de se renovarem e completamente ultrapassadas pelas dinâmicas que as suas políticas geraram durante décadas (um cenário idêntico ao mexicano, com o PRI). 

VII - O Imperio Otomano, em ruinas, era um cenário de violência e sofrimento, que presenciou o genocídio arménio, as migrações forçadas de comunidades islâmicas nos Balcãs e a destruição de povos não islâmicos. A Republica de 1923 rompeu com esse passado e criou uma nova identidade e uma renovada narrativa histórica. Baseada numa visão nacionalista, a Republica de 1923, impulsionadora da Revolução Industrial na Turquia, criou uma nova classe média, moldada á imagem e aos valores das classes médias ocidentais. 

O culto da personalidade a Mustafa Kemal Atatturk, o seu principal dirigente, forjou a unidade nacional necessária para o estabelecimento das políticas desenvolvimentistas. Nascidas as elites kemalistas, a Republica torneou a II Guerra Mundial e foi um Estado-Frente durante a Guerra Fria, desenvolvendo um modelo burocrático-militar, fortemente integrador, que assegurou um sistema político hibrido, pintado por eleições que colocavam políticos no poder e pouco mais. Curdos, comunidades islâmicas e não islâmicas, foram assimiladas através de políticas de desapropriação e “progroms” coordenados pelo Estado.

Garantida a unidade nacional, implementada a visão kemalista, avançando a industrialização, a Republica atingira os seus primeiros objectivos e razões da sua existência. A segunda fase revelou-se muita mais complexa e transporta consigo uma elite cada vez mais difícil de se renovar e sem líder, desde a morte de Atatturk. Na frente externa o Ocidente vê na Turquia um forte e importante aliado, em desenvolvimento acelerado e um policia regional de grande operacionalidade.

Todo este resumido quadro histórico joga em torno de uma sociedade que sempre se regeu por um regime hibrido que oscilava entre a abertura e o autoritarismo, até ao presente. Tal como até ao presente a figura de Estado-Frente ao serviço da NATO, nunca foi alterada. Esses factores são marcantes nas políticas interna e externa turcas. São evidentes no populismo autoritário e paternalista de Erdogan e na forma como reagiu aos últimos protestos e foram evidenciados durante a questão iraquiana e na actual crise síria, que transformou a Turquia num intermediário logístico, com todos os riscos que isso acarreta em termos de segurança interna e de agravamento dos conflitos permanentes com os curdos e com outras comunidades e grupos étnicos e religiosos.

E todos estes factores foram sendo adicionados aos protestos, á medida que o tempo passou. Do autoritarismo, á questão social (que arrastou os sindicatos), juntaram-se as questões do género, da homossexualidade, o conflito sírio, as reivindicações turcas e das comunidades minoritárias, estabelecendo-se plataformas de interesses, que pela sua dispersão nunca poderão constituir uma força organizada, mas que poderão ser cargas de impulsão no decorrer do presente e no futuro próximo.    
          
VIII - A Praça Taksim tem um significado para os trabalhadores turcos. Em 1977, no Primeiro de Maio, meio milhão de manifestantes dirigem-se para a praça. É o segundo ano em que esta data pôde ser celebrada na Turquia, depois de 50 anos de proibição. No ano anterior, 200 mil manifestantes tinham-se concentrado nesta praça, para realizarem um comício. Aquele ano de 1976 foi um ano de luta operária, que conheceu uma imensa vaga de greves. O sindicato dos metalúrgicos tinha ocupado mais de 120 fábricas e as greves do sector duraram onze meses, envolvendo centenas de milhares de trabalhadores, que contaram com o apoio dos estudantes, através das grandes greves estudantis universitárias de 1976.

No dia 1 de Maio de 1977, quando meio milhão de trabalhadores marcham em direcção á praça Taksim a polícia disparou e os confrontos iniciaram-se, tombando 40 trabalhadores mortos e um número incerto de feridos. Estes acontecimentos sangrentos, ocorridos na praça, levaram a que fosse naquele lugar, até ao golpe militar de 1980, ano em que foram novamente proibidas, que as concentrações sindicais fossem realizadas.

Os números do golpe militar de 1980 foram negros. 600 mil detidos e torturados, 50 mil exilaram-se no Ocidente (Alemanha, Suécia e França), 700 sentenças de mortes (48 por enforcamento), 200 casos comprovados de morte por tortura e mais de 20 mil associações políticas, sindicais, socioprofissionais, culturais, proibidas pelo regime militar. Os golpistas contaram com o apoio da CIA e de uma rede da CIA que naqueles anos estava activa em toda a Europa, Eurásia e América do Sul: a Gládio, uma rede formada pela NATO, com organizações de extrema-direita, sectores militares e suportada pela CIA, com o objectivo de combater a “infiltração comunista” (e que chegou a tentar um golpe de estado em Itália, o que gerou um enorme escândalo, na época e obrigou ao cancelamento das operações da rede na Europa ocidental).

Mas mesmo durante a ditadura militar a praça Taksim, foi palco de todas as manifestações de protesto clandestinas, semiclandestinas, possíveis contra o regime militar. Foi, portanto, uma escolha errada de Erdogan, que passando por cima da importância da praça na Historia recente do país, que ele conhece perfeitamente, veio propor o que mais não é do que uma operação imobiliária, que criará enormes lucros às empresas escolhidas, com certeza todas elas financiadoras das campanhas do AKP (esta é uma situação normal e transversal a todos os “regimes democráticos” da Eurásia, Europa, Africa, América, Ásia, é um fenómeno global, próprio da decadência a que a actual ordem politica mundial chegou).

IX - Os recentes protestos que eclodiram na Turquia resultam da confluência de descontentamentos com diversas origens, mas expressam um denominador comum: a rejeição de um projecto que nega a soberania popular, de um projecto autoritário e que despreza as liberdades individuais e os direitos sociais, que rejeita o envolvimento tuco nos assuntos internos da Síria e o papel de polícia de choque que a Turquia desempenha na região, em paralelo com Israel.

A Síria assume nestas manifestações um papel não central, mas omnipresente. Quando a 11 de Maio o governo turco acusou os sírios de serem responsáveis pelos atentados em Reyhanli, ninguém acreditou nisso. Quando a polícia turca desmantelou uma rede da al-Nusra na cidade de Adana, que produzia armas químicas e não conseguiu prender os seus militantes, todos sorriram discretamente, com o envolvimento dos serviços secretos turcos e com o engano dos polícias.

Quando no final de Abril a Associação de Paz da Turquia e o Conselho Mundial da Paz, promoveram um acto publico contra a intervenção turca na Síria, em Antakya, largos milhares de pessoas, de todos os sectores da sociedade turca, participaram. Por sua vez os habitantes das aldeias da província de Hatay manifestam-se semanalmente pela paz e contra as movimentações de terroristas que atravessam a fronteira e que provocaram o colapso da economia local, em virtude do encerramento da fronteira. Portanto os protestos na praça Taksim são um prolongamento destes protestos contra a intervenção e o envolvimento turco no conflito sírio, ao qual foram adicionados as outras questões de fundo.

As movimentações de massas crescem e assumem uma dinâmica de crescimento considerável e o governo manifesta a sua incapacidade em lidar com essa dinâmica. Os protestos não estão sujeitos a qualquer orientação politica e tem sido evidente que desde o Partido Comunista Turco ao partido líder da oposição parlamentar, o Partido Popular Republicano, as máquinas partidárias foram surpreendidas e têm sido arrastadas pelo processo e o mesmo aconteceu às estruturas sindicais.

Sultões e “pashas” ensombraram o passado e o presente da Turquia. Mas têm cada vez menos lugar no futuro. Por muitas praças Taksim que derrubem, para apagar a memória do povo…

Fontes
Margolis, Eric  Turkey’s Riots Threaten a Decade of Progress http://www.lewrockwell.com/margolis
Gálvez, Héctor Erdoğan y "la mujer de rojo" http://rebelion.org
Öksem, Kerem Angry Nation: Turkey since 1989. Zed Books, London 2011


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