A
possibilidade, que em grande parte era uma realidade, da entrada dos
hipermercados Continente em Angola parece ter a certidão de óbito assinada. A
Sonae e a Condis vão divorciar-se. Por mútuo acordo? Talvez não.
Orlando
Castro
Aequipa
de Paulo Azevedo (Sonae) diz que que rainha santa Isabel (dos Santos) – dona do
país em parceria com o seu pai – a apunhalou pelas costas ao contratar dois
quadros de topo da área de retalho da Sonae e que trabalhavam nesta parceria,
Miguel Osório e João Seara.
A
dona da Condis parece pouco preocupada. É para o lado que dorme melhor. Com os
milhões que tem, a que junta os milhões que precisar, Isabel dos Santos não dá
ponto sem nó. A Sonae que se cuide.
Chegou
a falar-se que o Continente estaria de portas abertas no nosso país no Verão de
2015. A Sonae apostou forte. Constituiu uma equipa para acompanhar a abertura
dos hipermercados mas, é claro, primeiro foi necessário engolir uns tantos
sapos, o que fez esgotar os stocks de “alka seltzer” das próprias lojas. Depois
seguiram-se doses industriais de hóstias para tirar o pecado de negociar com um
dos regimes mais corruptos do mundo.
O
projecto que marcara a entrada do maior empregador privado português no
território angolano seria fruto de uma parceria estabelecida entre o grupo e,
como não poderia deixar de ser e corresponde à Lei da Probidade do nosso país,
a empresária e não se sabe quantas vezes milionária Isabel dos Santos que, para
quem não saiba, é filha do presidente José Eduardo dos Santos.
Para
a eventualidade de algum leitor só agora ter chegado a este mundo, recorde-se
que José Eduardo dos Santos é, para além de chefe do Governo, o presidente de
Angola desde 1979, sem nunca ter sido nominalmente eleito, bem como do MPLA
(partido que está no poder desde a independência).
Hipermercados,
supermercados, lojas de conveniência, lojas de proximidade, restauração,
para-farmácias, livrarias, vestuário, desporto, electrónica, centros
comerciais, administração de imóveis, investimentos financeiros, telecomunicações,
software e sistemas de informação e media são as áreas do império fundado por
Belmiro de Azevedo, a Sonae.
Mas
como tudo na vida, Belmiro de Azevedo é muito diferente do seu sucessor
dinástico, o filho Paulo Azevedo. O pai, que nem ao domingo descansava, dizia a
mesma coisa em qualquer dia de semana. Hoje a estratégia é diferente. O filho
diz às segundas, quartas e sextas uma coisa, às terças quintas e sábados outra
coisa. E ao domingo vai à missa.
O
acordo com a Condis – detida maioritariamente, como também não poderia deixar
de ser e sempre respeitando espírito e a letra da tal Lei da probidade, por
Isabel dos Santos – aconteceu ainda em 2011, sendo que o projecto previa a
abertura de uma rede de hipermercados Continente nosso país.
João
Seara era o homem forte do grupo para este projecto, sendo que deveria ocupar o
cargo de director executivo. A empresa nunca adiantou grandes pormenores,
dizendo apenas que “não estava definida nenhuma data em concreto, mas tanto a
Sonae como a Condis estão a envidar todos os esforços para proceder à abertura
da primeira unidade o mais breve possível”.
Nesta
típico ziguezaguear chegou-se a uma previsão que parecia ter fundamento: Verão
de 2015. No terceiro trimestre do ano passado já se falava de equipas mandatadas
para começar a definir as gamas de produtos que seriam enviados para Luanda e
que se juntariam a outros aqui produzidos. A própria Condis tinha em marcha a
construção de uma infra-estrutura que acolherá as instalações do hipermercado.
A
entrada da Sonae em Angola sofreu alguns contratempos, explicando-se assim a
relutância do grupo português em avançar com uma data concreta. A
internacionalização da empresa para o nosso país está em desenvolvimento desde
2012, ano em que a Sonae e a ANIP assinaram um contrato de investimento no
valor de 100 milhões de dólares, com vista à abertura de cinco hipermercados.
Todos
os atrasos poderão ter a ver com o facto de, durante algum tempo, a Sonae ter
tido dificuldades em engolir as regras da corrupção angolana. Daí as coisas não
terem corrido tão bem como o inicialmente previsto, isto porque Paulo Azevedo
anunciara a 17 de Março de 2011 que a entrada da empresa no mercado angolano
poderia acontecer já nesse ano.
Fernando
Ulrich, presidente do BPI, banco presente em Angola desde 1996, poderá ter tido
um papel importante ao garantir a pés juntos que em Angola não há corrupção. Ao
ouvi-lo dizer que “o BPI nunca pagou nada a ninguém para obter nada em troca
como nem nunca ninguém nos pediu nada para fazer o que quer que fosse em
troca”, Paulo Azevedo (Belmiro não foi nessa) sorriu e mandou avançar as suas
tropas.
Em
abono da tese de Fernando Ulrich, recorde-se que o procurador português que em
tempos investigava o caso “BES Angola” ingressou no Banco Internacional de
Crédito (BIC), presidido pelo cavaquista Luís Mira Amaral, uma instituição de
capitais luso-angolanos que, mais uma vez, é dominada pela tal impoluta cidadã
Isabel dos Santos, que é filha do não menos impoluto cidadão José Eduardo dos
Santos.
Paulo
Azevedo reeditou a velha teoria de rapidamente e em força para… Angola. Falhou
na rota.
É
pena. Como muitos angolanos (muitos mesmo) vivem na miséria e raramente sabem o
que é uma refeição, estavam à espera de fazer incursões ao Continente, ou
melhor, aos caixotes do lixo do Continente, e lá encontrar restos quase novos
de comida.
A
Sonae assumiu que não é uma empresa filantrópica e, por isso, negoceia com os
donos do poder e, no caso de Angola, do país. E, como sempre, é muito mais
fácil negociar com dirigentes vitalícios do que com os que resultam de uma vida
democrática. Aliás, a família Azevedo gosta muito de viver em democracia. Já se
os outros vivem em ditadura, o problema é deles. O que importa é haver gente
com muitos dólares. E o regime tem fartura dessa espécie.
Folha
8 (ao)
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