sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

MENTIRAS PROPAGADAS PELO PENSAMENTO ECONÔMICO DOMINANTE

 


Grande parte dos argumentos mostrados pelos meios de informação e persuasão econômicos para justificar certas políticas são pura ideologia cheia de mentira
 
Vicenç Navarro (*) - Carta Maior – em Pátria Latina
 
Permita-me, senhor leitor, que eu converse com você como se estivéssemos tomando um café, explicando-lhe algumas das maiores mentiras apresentadas diariamente no noticiário econômico. Você deveria ter consciência de que grande parte dos argumentos mostrados pelos maiores meios de informação e persuasão econômicos do país para justificar as políticas públicas ora implementadas são posturas claramente ideológicas, que não se sustentam com base na evidência científica existente. Vou citar algumas das mais importantes, mostrando que os dados contradizem aquilo que se diz. E também tentarei explicar por que continuam repetindo essas mentiras, apesar de a evidência científica questioná-los, e com que finalidade elas são apresentadas diariamente a você e ao público.
 
Comecemos por uma das mentiras mais importantes, que é a afirmação de que os cortes de gastos nos serviços públicos do Estado de bem-estar social – tais como saúde, educação, serviços domésticos, habitação social e outros (que estão prejudicando enormemente o bem-estar social e a qualidade de vida das classes populares) – são necessários para que o déficit público não aumente. E você se perguntará: “E por que é tão ruim que o déficit público cresça?”. E os reprodutores do senso comum lhe responderão que o motivo de se reduzir o déficit público é que o crescimento desse déficit determina o crescimento da dívida pública, que é o que o Estado tem que pagar (predominantemente aos bancos, que têm uma quantia em torno de mais da metade da dívida pública na Espanha) por ter pedido emprestado dinheiro dos bancos para cobrir o rombo criado pelo déficit público.
 
Reforça-se, assim, que a dívida pública (considerada um peso para as gerações futuras, que terão de pagá-la) não pode continuar crescendo, devendo-se, para isso, reduzi-la diminuindo o déficit público. Isso quer dizer, para eles, cortar, cortar e cortar o Estado de bem-estar até o ponto de acabar com ele, que é o que está acontecendo na Espanha.
 
Os argumentos utilizados para justificar os cortes não são críveis.
 
O problema com esta postura é que os dados (que o senso comum oculta ou ignora) mostram exatamente o contrário. Os cortes são enormes (nunca foram tão grades durante a época democrática) e, ainda assim, a dívida pública continua crescendo e crescendo. Veja o que está acontecendo na Espanha, por exemplo, com a saúde pública, um dos serviços públicos mais importantes e mais demandados pela população. O gasto público com saúde enquanto parte do PIB se reduziu em torno de 3,5% no período 2009-2011 (quando deveria ter crescido 7,7% durante esse mesmo período para chegar ao gasto médio dos países de desenvolvimento econômico semelhante ao nosso), e o déficit público diminuiu, passando de 11,1% do PIB em 2009 para 10,6% em 2012. A dívida pública não baixou, mas continuou aumentando, passando de 36% do PIB em 2007 para 86% em 2012. Na verdade, a causa do aumento da dívida pública se deve, em parte, à diminuição dos gasto público.
 
Como isso pode acontecer?, você se perguntará. A resposta é fácil de enxergar. A diminuição do gasto público implica a redução da demanda pública e, com isso, a diminuição do crescimento e da atividade econômica, fazendo com o que o Estado receba menos recursos através de impostos e taxas. Ao receber menos impostos, o Estado de se endivida mais, e a dívida pública continua crescendo. Desnecessário afirmar que o maior ou menor impacto que estimula o gasto público depende do tipo de gasto. Mas os cortes são nos serviços públicos do Estado de bem-estar, que são os que criam mais emprego e que estão entre os que mais estimulam a economia. Permita-me repetir essa explicação devido à sua enorme importância.
 
Quando o Estado (tanto central como autônomo e local) aumenta o gasto público, aumenta a demanda de produtos e serviços, e com isso, o estímulo econômico. Quando reduz, diminui a demanda e o crescimento econômico, fazendo com que o Estado receba menos fundos. É aquilo que, na terminologia macroeconômica, se conhece como o efeito multiplicador do gasto público. O investimento e o gasto público facilitam a atividade da economia, o que é negado pelos economistas neoliberais (que se promovem, em sua grande maioria, pelos maiores meios de informação e persuasão do país), apesar da enorme evidência atestada pela literatura científica (veja meu livro Neoliberalismo y Estado del Bienestar, editora Ariel Económica, 1997. Em português, Neoliberalismo e Estado de bem-estar).
 
Outra farsa: gastamos mais do que temos
 
O mesmo senso comum está dizendo também que a crise se deve ao fato de termos gastado demais, acima de nossas possibilidades. Daí a necessidade de apertar os cintos (que quer dizer cortar, cortar e cortar o gasto público). Via de regra, essa postura é acompanhada da afirmação de que o Estado tem que se comportar como as famílias, ou seja, “em nenhum momento pode gastar mais do que recebe”. O presidente Rajoy e a Sra. Merkel repetiram essa frase milhares de vezes.
 
Essa frase tem um componente de hipocrisia e outro de mentira. Deixe-me explicar o porquê de cada um deles. Eu não sei como você, leitor, comprou seu carro. Mas eu, como a grande maioria dos espanhóis, comprou o carro a prazo, quer dizer, usando crédito. Todas as famílias se endividaram, e assim funciona o orçamento familiar. Pagamos nossas dívidas conforme entram os recursos que, para a maior parte dos espanhóis, vem do trabalho. E daí surge o problema atual. Não é que as pessoas gastaram além de suas possibilidades, mas foram suas rendas e suas condições de trabalho que pioraram mais e mais, sem que a população fosse responsável por isso. Na verdade, os responsáveis por isso acontecer são os mesmos que estão dizendo que é preciso cortar os serviços públicos do Estado de Bem-estar e também diminuir os salários. E agora têm a ousadia (para colocar de maneira amável) de dizer que você e eu somos os culpados porque gastamos mais e mais. Eu não sei você, mas eu garanto que a maioria das famílias não comprou e não acumulou produtos como loucos. Pelo contrário.
 
A mesma hipocrisia existe no argumento de que o Estado gastou muito. Veja você, leitor, que o Estado espanhol gastou muito – não muito mais –, mas muito menos do que outros países de nível de desenvolvimento econômico semelhante. Antes da crise, o gasto público representava somente 39% do PIB, enquanto a média da UE-15 era de 46% do PIB. Na época, o Estado deveria ter despendido, no mínimo, 66 bilhões de euros a mais no gasto público social para ter gastado o correspondente ao seu nível de riqueza. Não é certo que as famílias ou o Estado tenham gastado mais do que deveriam. Apesar disso, continuarão afirmando que a culpa é da maioria da população, que gastou muito e agora tem que apertar os cintos.
 
Você também provavelmente escutou que esses sacrifícios (os cortes) precisam ser feitos “para salvar o euro”.
 
Novamente, esta ladainha de que “estes cortes são necessários para salvar o euro” se reproduz. Contudo, ao contrário daquilo que se anuncia constantemente, o euro nunca esteve em perigo. Não há sequer uma mínima possibilidade de alguns países periféricos (os PIGS, Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) da zona do euro serem expulsos da moeda. Na verdade, um dos problemas entre os muitos que estes países têm é que o euro está excessivamente forte e saudável. Sua cotação esteve sempre acima do dólar e seu poder dificulta a economia dos países periféricos da zona do euro. E outro problema é que o capital financeiro alemão lhes emprestou, com grandes lucros, 700 bilhões de euros, e agora quer que os países periféricos os devolvam. Se algum deles deixar o euro, o sistema bancário alemão pode entrar em colapso. O setor bancário (cuja influência é enorme) não quer nem ouvir falar da saída dos países devedores da zona do euro. Eu lhes garanto que é a última coisa que eles querem.
 
Essa observação a favor da permanência no euro é certamente óbvia, e não um argumento. Na verdade, acredito que os países PIGS deveriam ameaçar sair do euro. Mas é absurdo o argumento que se utiliza de que a Espanha deve, ainda mais, reduzir o tempo de visita ao médico para salvar o euro (que é o código para dizer, “salvar os bancos alemães e lhes devolver o dinheiro que emprestaram obtendo lucros enormes”). São essas as falácias constantemente expostas. Eu lhes garanto que são apresentadas sem que sejam comprovadas por nenhuma evidencia. Isso é claro.
 
A causa dos cortes
 
E você se perguntará: Por que então fazem esses cortes? A resposta é fácil de encontrar, ainda que raramente seja vista nos grandes meios de comunicação. É o que se costumava chamar de “luta de classes”, mas agora a mídia não utiliza essa expressão por considerá-la “antiquada”, “ideológica”, “demagógica” ou qualquer adjetivo que usam para mostrar a rejeição e desejo de marginalização daqueles que veem a realidade de acordo com um critério diferente, e inclusive oposto, ao daqueles que definem o senso comum do país.
 
Mas, por mais que queiram ocultar, essa luta existe. É a luta de uma minoria (os proprietários e gestores do capital, quer dizer, da propriedade que gera rendas) contra a maioria da população (que obtém suas rendas a partir de seu trabalho). É aquilo que meu amigo Noam Chomsky chama de guerra de classes – conforme expõe em sua introdução ao livro Hay alternativas. Propuestas para crear empleo y bienestar social en España, de Juan Torres, Alberto Garzón e eu (Em português, Há alternativas. Propostas para criar emprego e bem-estar social na Espanha).
 
Desnecessário dizer que essa luta de classes variou de acordou com o período em que se vive. Esta que está acontecendo agora é diferente daquela da época de nossos pais e avós. Na verdade, agora está inclusive mais ampla, pois não é somente das minorias que controlam e administram o capital contra a classe trabalhadora (que continua existindo), mas inclui também grandes setores das classes médias, formando as chamadas classes populares, conjuntamente com a classe trabalhadora. Essa minoria é fortemente poderosa e controla a maioria dos meios de comunicação, e tem também grande influência sobre a classe política. E esse grupo minoritário deseja que os salários diminuam, que a classe trabalhadora fique aterrorizada (daí a função do desemprego) e que perca os direitos trabalhistas e sociais. E está reduzindo os serviços públicos como parte dessa estratégia para enfraquecer tais direitos. A privatização dos serviços públicos, consequência dos cortes, também é um fator importante por permitir a entrada do grande capital (e muito particularmente do capital financeiro e bancários, e das seguradoras) nesses setores, aumentando seus lucros. Você deve ter lido como, na Espanha, as companhias privadas de seguro de saúde estão se expandindo como nunca haviam conseguido antes.
 
E muitas das empresas financeiras de alto risco (quer dizer, altamente especulativas) estão atualmente controlando grandes instituições de saúde do país graças às políticas privatizantes e aos cortes feitos pelos governos, que justificam essa medida com toda a farsa (e acredite que não há outra forma de dizer) de que precisam fazer isso para reduzir o déficit público e a dívida pública.
 
(*) Catedrático de Políticas Públicas da Universidade Pompeu Fabra e Professor de Políticas Públicas na Johns Hopkins University. Site pessoal www.vnavarro.org
 
Leia mais em Pátria Latina
 

Restam três anos a Obama na Casa Branca; para os cínicos, sua presidência já terminou

 


Já depois do primeiro aniversário de sua posse do segundo mandato, a supostamente invencível coalizão democrata foi capaz de levar adiante uma lei apenas.
 
Pablo Pardo/El Mundo – Carta Maior
 
Obama ganhou a reeleição, diziam, porque seu partido, o Democrata, era o futuro: tinha o apoio das mulheres, das minorias e dos jovens. Porém, já depois do primeiro aniversário de sua posse do segundo mandato, sua supostamente invencível coalizão foi capaz de levar adiante uma lei apenas, e agora enfrenta o risco de perder o Senado nas eleições de novembro. Por quê? Para Thomas Frank, a resposta se resume em uma frase apenas: porque os democratas ignoram seu eleitorado. Embasado nessa ideia, Frank cimentou sua reputação de Grilo Falante da esquerda norte-americana desde que, em 2004, publicou o livro que marcou as eleições em que George W. Bush foi reeleito: What's the matter with Kansas? (Ed. Antonio Machado, O que acontece com o Kansas, em português)

Segundo Frank, o Partido Democrata ignora os problemas econômicos dos eleitores e tenta evitar ser identificado com posições esquerdistas. Em vez disso, usa uma linguagem tecnocrata e tenta se apresentar como um partido responsável diante do extremismo de seus rivais. Então, o debate se limita a questões sociais e de valores, duas áreas em que os republicanos se movimentam como peixes dentro da água. Frank afirma saber o que está dizendo porque ele mesmo foi criado no Kansas – uma das bases do poder do conservadorismo norte-americano – e inclusive foi militante ativo republicano.

O êxito de What's the matter with Kansas? transformou o autor em uma celebridade nos Estados Unidos, amado e odiado igualmente por democratas e republicanos. Talvez porque, ainda que deteste os republicanos, acredita que são mais eficazes na hora de ganhar eleições. Sua popularidade foi tamanha que, entre 2008 e 2012, foi o vermelho oficial da conservadora seção de opinião do Wall Street Journal. Agora, com Pobres Magnates (Ediciones Sexto Piso), Thomas analisa o Tea Party, movimento que propõe a abolição do Estado de bem-estar do qual, paradoxalmente, se beneficiam grande parte de seus eleitores, que possuem rendas baixas ou médias.

Pergunta: Já passou um ano desde o segundo juramento ao cargo de Obama. Mas toda atenção está centrada nas eleições para o Congresso, em novembro. E quando estas se realizarem, falaremos apenas das eleições presidenciais de 2016. A presidência de Obama está adormecida?

Resposta: De modo geral, sim. Mas isso há muito tempo. A presidência de Barack Obama terminou quando o Congresso aprovou a reforma do sistema de saúde, em março de 2010. Agora mesmo, a grande questão da política dos EUA não tem a ver com a Casa Branca ou com os planos do presidente, mas sim com as possibilidades de os republicanos conquistarem a maioria no Senado em novembro. Isso seria catastrófico para Obama.

P: Pode acontecer?

R: Sim, e em boa parte, por culpa do Obama e dos democratas. Sempre que falei com lideranças desse partido e com seus estrategistas eleitorais, me transmitiram a mesma ideia: é preciso ganhar a presidência, o Congresso tanto faz. Os presidentes democratas nunca fazem campanha a favor de candidatos do seu próprio partido, mas os republicanos fazem.

P: O presidente vendeu a si próprio como o homem das mudanças. Traiu seus eleitores?

R: Não. Mas, para efeitos práticos, é como se tivesse traído. Quando Obama ganhou, tínhamos esperança. Eu estava entusiasmado. Pensávamos que seria diferente dos outros democratas. E não foi o caso. Não me interprete mal. Tem sido um presidente muito bom: não houve nenhum grande escândalo; sua reforma na saúde é histórica; e nos tirou das guerras estúpidas em que seu antecessor havia nos metido. Mas não foi capaz de entender seus eleitores.

P: O retorno de Clinton?

R: Ambos cometeram o mesmo erro: cair na chamada triangulação, que não é mais que a ideia de que o presidente deve ser um centralizador e se manter por cima das lutas políticas. Isso limita a possibilidade de fazer mudanças. Não acontece com os presidentes republicanos: eles são conservadores e não pedem desculpas por isso.

P: Você sempre defendeu que, sob aquilo que se denomina guerra da cultura, nos EUA, há motivações econômicas. Quer dizer que as ideologias que identificam os políticos são apenas uma máscara de interesses econômicos. As guerras da cultura são versão atual da luta de classes marxista?

R: São o que o movimento conservador dos Estados Unidos usa para dissimular que defende uma classe – os ricos – mas precisa do apoio de outra – os pobres – para governar. Por exemplo, o conceito de “elites de esquerdas [liberal elite, semelhante à esquerda divina ou à esquerda caviar da França]”, ao qual os republicanos constantemente recorrem, é pura retórica de luta de classes.

P: Os EUA têm a maior desigualdade de renda em 90 anos. Mas é malvisto falar de “classe”, em especial, de “classe operária” ou de “classe trabalhadora”. Em vez disso, usa-se a expressão “classe média” como uma grande caixa onde cabem desde pessoas que beiram a pobreza até milionários. Por quê?

R. Porque a esquerda decidiu assim. Nos anos 50, o movimento sindical norte-americano estava orgulhoso de suas vitórias, já que havia conseguido com que a classe operária conquistasse seus objetivos e aspirações de classe média. Desde então, falar em “classe operária” é um tabu. O problema é que isso é muito confuso, porque é colocar no mesmo saco gente que ganha 15 mil dólares brutos [36.385 reais] por ano e gente que ganha 15 milhões. Claro que os que dirigem as campanhas e escrevem os discursos sabem para quem estão falando.

P: Mas os republicanos também têm um argumento econômico. Dizem que sabem gerir a Administração Pública melhor.

R: O que fazem é privatizar a Administração Pública. Washington se transformou na cidade mais cara dos EUA pela proliferação de contratantes e de consultores de empresas privadas que cobram barbaridades do Estado para fazer tarefas que até então eram das Administrações Públicas.

P: Muitas dessas funções não podem ser realizadas pelas Administrações porque não têm capacidade, nem flexibilidade. Se as agências de qualificação de riscos ou as empresas privadas de espionagem estão com tanto poder é porque o setor financeiro ou a internet estão se expandindo em um ritmo inalcançável pelo Estado.

R: O problema é que essas empresas estão exercendo funções públicas motivadas pelo afã do lucro. Para mim, o mais grave do caso Snowden é que a NSA subcontratava seu trabalho para uma empresa privada, Booz Allen. Essas pessoas fazem o trabalho de espiões, mas fazem por dinheiro. E isso me causa medo, porque lidam com um material muito delicado.

P: Não me diga que, eleitoralmente, a esquerda faz tudo errado e que a direita faz bem.

R: Não, porque esse não é o problema. O problema é quando a esquerda renuncia à economia em favor da tecnocracia. Então, anula a possibilidade de criar mobilização social e, sem mobilização, não há reformas. É algo de que os republicanos sabem muito bem. Grupos como Patriotas, do Tea Party, têm uma capacidade de mobilização muito maior do que qualquer organização democrata.

O Tea Party diz que Obama destruirá os EUA. A Casa Branca, por sua vez, lança o Acordo de Associação Transpacífico e o negocia em segredo para beneficiar as grandes empresas. Qual das duas ideias é mais atraente diante da opinião pública?

P: Não me negue que os democratas também se consideram mais preparados que seus rivais republicanos.

R: Esse é outro problema. Se você perguntar a qualquer democrata sobre o Tea Party, o que ele vai te responder?

P: Que é um movimento racista cujo catalisador foi um presidente negro.

R: Exato. Essa é uma forma muito cômoda de tirar o corpo fora e não fazer a autocrítica. No entanto, o Tea Party tem algo mais além de uma motivação cultura, racial ou social. Tem uma motivação econômica. Os distritos eleitorais de onde os congressistas conservadores vêm são muito pobres. As pessoas que vivem nessas regiões estão desesperadas. É preciso ter em mente que, para uma parte dos EUA, esta crise não foi uma recessão, mas sim uma depressão, da qual as pessoas ainda não estão saindo e ninguém sabe quando elas sairão. Os republicanos têm políticas que equivaleriam a tornar essa situação perpétua porque consistem em desmantelar o sistema de pensões e o Estado de bem-estar social, mas eles centram sua mensagem em questões sociais. E os democratas são incapazes de oferecer uma alternativa econômica.

P: A ala esquerda democrata, em que você se enquadra, sempre pensa que, se não ganha, a culpa é dos eleitores.

R: Nós democratas transferimos a culpa de nossos fracassos para os eleitores. Bush ganhou porque trapaceou em 2000; o Tea Party é racista; os republicanos mudaram os distritos eleitorais para ter sobre-representação no Congresso...Tudo isso é certo. Mas também é verdade que muitos eleitores conservadores deveriam ser eleitores democratas por razões econômicas. Em vez disso, oferecemos soluções tecnocratas, e ainda reagimos com uma mistura de desprezo e irritação quando votam no Tea Party. Não conhecemos nossos inimigos, nos limitamos a depreciá-los.

P: Nos EUA, muitos têm a convicção de que o Partido Republicano não tem futuro porque está limitado a um grupo de homens brancos com mais de 50 anos.

R: Levamos décadas esperando mudanças demográficas que vão criar uma maioria sólida democrata: a legislação dos direitos civis [que permitiu que os negros votassem em grande parte do país]; a extinção da cultura branca, anglo-saxã e protestante [os chamados WASP]; a redução do voto dos 21 para os 18 anos... isso é confundir desejo com realidade. É certo que o Partido Republicano não pode continuar sendo o partido do homem branco para sempre, e também que os republicanos, agora mesmo, estão prestando um grande serviço a Obama com sua divisão entre conservadores e ultraconservadores. O seu candidato em 2012, Mitt Romney, que tinha tanto carisma quanto um pacote de espaguete, também prestou. Mas isso não vai durar para sempre. Os republicanos já demonstraram saber se adaptar às mudanças da sociedade.

Thomas Frank (1965), doutor em história pela Universidade de Chicago, é colunista da Harper's Magazine e já colaborou com o Wall Street Journal, com Le Monde Diplomatique, The Nation, The Washington Post e In These Times. Importante analista político e sociológico, entre seus livros mais conhecidos, além daqueles mencionados na entrevista, estão The Conquest of Cool (2011) e The Wrecking Crew, How Conservatives Rule (2008).
 
Créditos da foto: Pete Souza/TWH
 

Moçambique: Política tornou-se um veículo de acumulação de riqueza - entrevista

 


O filósofo e docente universitário Severino Ngoenha diz que o país deve reencontrar a paz o mais rápido possível
 
O País (mz)
 
O filósofo e docente universitário Severino Ngoenha diz que o país deve reencontrar a paz o mais rápido possível, para evitar que os moçambicanos sejam os novos judeus com malas prontas para fugir devido à instabilidade política.
 
Passados mais de 20 anos de paz, Moçambique vive uma instabilidade política. Por que regredimos para esta situação?
 
A primeira coisa que devemos fazer é tentar identificar três níveis de problemas, nomeadamente, social, político e militar. Esta instabilidade encontra-se na Tunísia, Congo, Burundi, Ruanda, Madagáscar, Síria, Paquistão, Bélgica, Coreias, Somália, etc. Estamos num mundo instável, mais instável do que o mundo que existia quando tínhamos dois blocos. O que leva à esta instabilidade: recursos; crises económicas no Ocidente; depois da segunda guerra e depois da guerra fria, o número de armas perdidas e exportadas aumentou no mundo; as crises do ocidente levam à desestabilização de outras partes do mundo. Outro problema é que nós estamos incapazes, a nível interno, de travar um diálogo real onde a paz justifique todos os meios e sacrifícios necessários. Confundimos tolerância com o facto de deixar o outro falar no Parlamento, mas não pensamos que a tolerância não é indiferença: quais são as reais condições em que o outro está e em que condições ele pode dialogar connosco. Ao nível de redistribuição de recursos, realmente ou aparentemente, parece que a política se tornou o veículo de acumulação. Digo realmente ou aparentemente porque, mesmo se não for verdade, os que detêm o poder político são aqueles que mais acumulam.
 
Está a dizer que há pessoas que acumulam mais riqueza em Moçambique?
 
Nós vivemos num mundo de atomização dos indivíduos. É evidente que você faz a sua carreira, faz a sua vida, torna-se uma pessoa importante e conhecida. Mas não pode deixar de lembrar que você vem de uma família, de um distrito e de uma nação. E não pode pensar que você pode acumular mais do que os outros, esquecendo que nós somos um país de 24 milhões de pessoas. Esta questão de atomização dos indivíduos, que não pensam nos outros, não é uma questão moçambicana; é uma questão que a gente começa a perceber que existe em toda parte do mundo. E, a gente começa a perceber que isto é um factor de instabilidade e de violência. Penso que a solução, ou a única coisa que me parece importante, não é encontrar culpado, não é saber quem é mais ou menos responsável. A única coisa importante que temos que fazer para que os nossos pais e irmãos não sejam os novos judeus, que têm sempre as malas prontas para fugir para o mato a cada noite, porque não tem onde dormir, é encontrar uma saída. Saída significa, para mim, acabar com a instabilidade que nós tínhamos conseguido nos últimos 20 anos.
 
Na situação que o país vive hoje, será que podemos identificar causas externas?
 
Isso é trabalho de sociólogos e politólogos. Mas eu penso que os recursos são factor importante. A produção de armas é também um factor importante. Um exemplo muito simples: a crise económica em Portugal levou ao aumento da emigração portuguesa para outras partes do mundo, como Angola, Moçambique e Brasil. Quer dizer que existe um sistema de vasos comunicantes entre os problemas de uma parte do mundo e os problemas de outra parte do mundo. É preciso um estudo muito rigoroso para tentar identificar as causas dos problemas com os quais estamos confrontados. Mas o importante é que tínhamos que fazer uma espécie de pacto social, uma espécie de contrato social, onde a palavra, a confrontação entre nós, fosse o único ingrediente válido no debate político moçambicano. Eu estava convencido que conseguimos chegar a isto, mas infelizmente derrapámos. Não importa quem é culpado, não importa quem começou, se nós podemos deixar alguma coisa às futuras gerações, essa coisa no mínimo é a paz. Frantz Fanon dizia que cada geração tem uma missão. Ela pode cumpri-la ou pode trai-la. Penso que a grande missão que nós temos, os chamados intelectuais, líderes políticos, as várias elites económicas e sociais, é tentar retrazer um clima de paz para todo o país.
 
As últimas eleições autárquicas tiveram pouca participação dos cidadãos. Em algumas autarquias, os níveis de abstenção chegaram a 75%, por exemplo. Os cidadãos perderam interesse pela vida política?
 
Há duas coisas: se tu olhares para o panorama geral das eleições no mundo, vais perceber que o nível de participação é baixo. Uma vez mais, não estamos perante um fenómeno moçambicano. Mas a segunda coisa é moçambicana: o quotidiano das pessoas, que é feito de lutas pela sobrevivência, acaba tendo primazia sobre todas as dimensões políticas. Isso, sobretudo, quando as pessoas têm a percepção real ou suposta de que as eleições e a vida política não têm uma incidência directa nas suas vidas. Eu vi as entrevistas que faziam em que os transportadores de “chapa” diziam que têm de ganhar o seu pão no quotidiano e não vão parar de transportar as pessoas para irem votar. As pessoas não têm a percepção de que o debate político e as eleições têm uma incidência directa no seu quotidiano. As pessoas têm a impressão de que tudo que acontece na vida delas é independente da política e vice-versa.
 
Mas a que se deve essa percepção de que a política não interfere directamente na vida das pessoas?
 
Isso é devido ao tipo de sistema político que nós temos. No primeiro livro que escrevi nos anos 90, eu falava de uma pirâmide. Nós temos uma pirâmide que começa com a Presidência, passa pelos governadores, desce para os distritos e para as localidades. Quando se vota num Presidente, ele está materialmente longe das pessoas. Mas isso não é um problema moçambicano, é geral. Se nós elegêssemos os nossos dirigentes nos distritos e nas localidades, eles estariam perto das preocupações das pessoas. Era muito mais fácil a mobilização de uma democracia que parte de baixo. É por isso que os “sete milhões de meticais” são uma das coisas mais importantes que houve no governo do Presidente Guebuza. Significa que as pessoas podem ter uma vida social e um debate real. Podem ter um interesse nos lugares concretos. Significa que a democracia tem de estar perto das pessoas. Quando ela está longe, significa que as eleições são para os grandes intelectuais e as grandes cidades de Maputo e outras.
 
Disse que os “sete milhões de meticais” são das melhores coisas que o Presidente da República fez. Mas ele é fortemente contestado por alguns círculos de opinião. O que explica isso?
 
Eu tenho seguido o debate de opinião sobre Guebuza sim Guebuza não. Estamos a falhar no objectivo. Estamos a preocuparmo-nos com pessoas, com uma certa liderança, em lutas que envolvem personalidades e indivíduos, estamos a falhar o essencial. Não é que eu tenha medo de dizer o que penso, mas o essencial neste país e neste momento não é tanto ver quem é culpado da situação em que estamos. A crítica que se faz ao Presidente Guebuza é que ele é responsável da situação em que estamos. Isso não é minha preocupação. A minha preocupação é encontrar forma de como conjugar forças para que, a partir do que já existe da moçambicanidade, a partir do que já existe e que aproxima Guebuza de Dhlakama, que aproxima Renamo da Frelimo e do MDM, etc., possamos construir uma paz que seja duradoura e que permita a todos os moçambicanos viverem juntos e que cada um possa dar a sua contribuição. Isso permite que os nossos filhos não sejam os futuros judeus e, segundo, para que possamos ter um futuro diferente.
 

Moçambique: PGR DIZ QUE VAI AGIR CONTRA ILÍCITOS NAS ELEIÇÕES

 


Exortando os cidadãos a denunciarem a violação da lei eleitoral
 
O País (mz)
 
A Procuradoria-Geral da República promete agir criminalmente contra autores de ilícitos eleitorais nas eleições gerais (presidenciais e legislativas) de 15 de Outubro, exortando os cidadãos a denunciarem a violação da lei eleitoral.
 
O Ministério Público, entidade subordinada à PGR, tem sido criticado por partidos políticos e observadores eleitorais por uma alegada falta de acção contra autores de ilícitos eleitorais, principalmente envolvendo membros da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder.
 
Confrontado ontem pela imprensa sobre a actuação das autoridades judiciais face às queixas sobre ilícitos eleitorais, o porta-voz da PGR, Orlando Generoso, afirmou que o Ministério Público vai agir criminalmente contra supostos responsáveis pela violação da lei, apelando aos cidadãos para que denunciem alegados casos de infracção.
 
“Vamos perseguir penalmente todos os casos de ilícitos eleitorais. A nossa acção será conduzida com isenção e imparcialidade, como manda a lei”, disse Orlando Generoso.
 
Na foto: Augusto Paulino, PGR
 
Leia mais na edição impressa do «Jornal O País»
 

ONU DEFENDE QUE GUINÉ-BISSAU TERÁ DE MUDAR CHEFIAS MILITARES

 


O representante das Nações Unidas na Guiné-Bissau, José Ramos-Horta, defendeu hoje que o primeiro passo do presidente a ser eleito nas eleições de março terá de ser a remodelação das chefias das Forças Armadas.
 
Para Ramos-Horta, o presidente terá que contar com o primeiro-ministro e o partido vencedor das eleições legislativas na tarefa que diz ser "essencial e crucial" para a modernização da estrutura militar.
 
O representante das Nações Unidas falava à margem de uma visita à sede da Rede das Mulheres contra a Violência de Género (Renluv), em Bissau.
 
A unidade dos titulares de cargos públicos na tarefa da reforma do setor militar "é uma condição primordial" para o sucesso da iniciativa, observou Ramos-Horta.
 
"Têm que estar unidos. Porque senão, o Governo propõe a reforma das Forças Armadas e o presidente faz politiquice e diz que não", enfatizou o responsável do gabinete integrado das Nações Unidas para a consolidação da paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS).
 
Ramos-Horta não entende a reforma das Forças Armadas como oportunidade para "expulsar ninguém".
 
O responsável da ONU aconselha os políticos e a sociedade civil guineenses a serem inteligentes nessa tarefa.
 
Ainda que o objetivo final seja a modernização das Forças Armadas, Ramos-Horta diz que a alteração da atual chefia "é a condição principal" para se atingir esse fim.
 
"Seria uma reforma com honra e com dignidade. Ninguém vai ser perseguido", referiu, considerando importante manter privilégios.
 
"A paz faz-se assim, não é com perseguições", sublinhou o chefe da UNIOGBIS.
 
José Ramos-Horta referiu que estava previsto o fim da sua missão na Guiné-Bissau no próximo domingo, mas já anunciou que continuará no país durante o processo eleitoral.
 
Lusa, em Notícias ao Minuto
 

Angola: Jornalista condenado a seis meses de prisão com pena suspensa

 


Um tribunal angolano condenou hoje um jornalista a seis meses de prisão, com pena suspensa, pelo crime de difamação da Polícia Nacional.
 
O jornalista, Queirós Chilúvia, que é diretor de informação da Rádio Despertar, apoiada pelo principal partido da oposição em Angola, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), disse à Lusa estar satisfeito por estar em liberdade, mas reafirmou que sua detenção durante cinco dias foi "ilegal".
 
Queirós Chilúvia foi detido na tarde do passado dia 02, junto à Divisão Policial do Cacuaco, um dos distritos de Luanda, depois de ter procurado saber junto da Polícia Nacional a razão dos gritos que tinha ouvido, provenientes do interior das instalações.
 
"A minha detenção, tal como disse o meu advogado foi ilegal. Incorreram em mentiras os agentes da corporação, alegando que eu não me havia identificado", disse à Lusa o jornalista.
 
Segundo contou à Lusa, Queirós Chilúvia ao passar na tarde do dia 02 junto À Divisão da Polícia no Cacuaco ouviu gritos de reclusos a pedirem socorro, e depois de infrutiferamente ter tentado obter a versão da polícia para o sucedido, entrou em direto na Rádio Despertar, relatando o que estava a suceder.
 
"Fiz referência aos factos, aos tumultos e gritos dos reclusos, depois disse o que via nesse momento, com agentes da polícia a retirarem um recluso inanimado", recordou.
 
Detido e acusado de difamar a Polícia Nacional, o jornalista disse à Lusa ter sido colocado na mesma cela de onde tinha sido retirado o recluso inanimado.
 
Os outros reclusos disseram-lhe que os gritos foram para chamar a atenção da polícia devido à sobrelotação e por o detido inanimado ser tuberculoso e o seu estado de saúde se ter agravado.
 
"Falar de justiça em Angola? Deve-se repensar a própria justiça. É difícil dizermos que em Angola há justiça quando temos ainda juízes e procuradores a dependerem de ordens superiores", criticou.
 
Africano Cangombe, advogado de Queirós Chilúvia, disse estar "feliz" com a libertação do seu cliente, após pagamento de caução, mas manifestou-se preocupado com o atual estado da justiça em Angola.
 
"Aceitamos a sentença. Queríamos conseguir a liberdade do jornalista. Agora vamos fazer outras diligências, porque trata-se de uma prisão ilegal", acentuou.
 
O advogado disse que há questões que precisam de ser trazidas a público para, disse, "prevenir casos futuros".
 
"Ficamos com a sensação que com este julgamento ficou claro que é preciso que as liberdades sejam respeitadas. É preciso que os órgãos do Estado, neste caso, devem reconhecer que o direito à informação é um direito consagrado na Constituição e que jornalistas no exercício das suas funções devem ter garantido o acesso e a segurança", considerou.
 
Lusa, em Notícias ao Minuto
 

Angola: Advogado de Bento ‘Kangamba’ participará em audiência de acusados brasileiros…

 

…de tráfico de mulheres
 
O advogado de Bento dos Santos "Kangamba", Paulo Iazs de Morais, afirmou que irá participar na audiência dos acusados brasileiros de integrarem uma rede internacional de tráfico de mulheres, no dia 31 de março, em São Paulo.
 
'Kangamba', apontado pelo Ministério Público Federal brasileiro como o principal financiador da rede criminosa, é sobrinho, por afinidade, do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos e a sua prisão preventiva foi pedida pela Justiça brasileira.
 
"Na audiência vão ser ouvidas testemunhas de acusação e de defesa, e o conteúdo poderá ser utilizado como prova para nós", afirmou Paulo Morais à agência Lusa, realçando que poderá fazer perguntas como advogado de uma das partes interessadas.
 
O advogado acrescentou que algumas das supostas vítimas devem ser ouvidas e que elas "vão dizer que não houve prostituição, mas sim que viajaram para realizar shows".
 
Cinco brasileiros e dois angolanos - ‘Kangamba' e Fernando Vasco Republicano -, são acusados de participarem da rede internacional de tráfico de mulheres que levavam as vítimas para a prostituição em Angola, Portugal, África do Sul e Áustria, em troca de pagamentos entre 10 mil dólares (7.290 euros) e 100 mil dólares (72,9 mil euros).
 
A investigação aponta que os suspeitos movimentaram cerca de 45 milhões de dólares (14,7 milhões de euros) em seis anos de atividade ilegal.
 
A audiência de março diz respeito somente ao núcleo brasileiro. O processo dos angolanos foi separado e será julgado separadamente.
 
O advogado de "Kangamba" afirma que as mulheres viajaram a Angola contratadas pelo seu cliente para fazer shows.
 
Paulo Morais disse também ter entrado com um ‘habeas corpus’ contra o pedido de prisão preventiva de ‘Kangamba'. O advogado alega que a Justiça brasileira é incompetente para julgar o caso, recordando que seu cliente tem imunidade diplomática e que a suposta prostituição teria ocorrido em Angola, e não no Brasil.
 
No caso de crime cometido internacionalmente, a lei brasileira prevê que estrangeiros só podem ser julgados no Brasil caso as leis penais sejam similares, o que não ocorre entre Brasil e Angola.
 
Entretanto, o desembargador federal Paulo Fontes afirmou no seu parecer que a competência do julgamento é da Justiça Federal do Brasil, considerando que o crime "se teria iniciado em solo nacional, com o aliciamento e envio das mulheres ao exterior". O recurso ainda será julgado.
 
FYB // JCS - Lusa
 

PR angolano “puxa orelhas" ao MPLA em reunião do Comité Central

 


José Eduardo dos Santos "puxou" hoje em Luanda as orelhas ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder desde a independência em 1975, na intervenção de abertura dos trabalhos do Comité Central, a primeira deste ano.
 
Na ocasião, José Eduardo dos Santos, líder do MPLA, e por esse facto Presidente da República, disse que o relatório de atividades do partido relativo a 2013 permitiu detetar "falhas e omissões, algumas das quais preocupantes que devem ser analisadas para se encontrarem as suas reais causas e as vias para as corrigir".
 
O líder do MPLA responsabilizou, designadamente, o Secretariado do Bureau Político de estar na génese da avaliação que fez.
 
"O Secretariado do BP, cuja tarefa essencial é estudar os assuntos através dos departamentos competentes e especializados e preparar a agenda e as matérias para apreciação e discussão pelo BP e o presidente do partido, tem sido muito lento nesse domínio e pouco dinâmico no acompanhamento e concretização das resoluções", disse.
 
Nesta reunião do Comité Central, os 268 membros deste órgão presentes vão avaliar o cumprimento das tarefas realizadas em 2013 e perspetivar as ações agendadas para este ano, designadamente a realização do próximo congresso do partido, que José Eduardo dos Santos defendeu que tem de ser debatido se terá caráter ordinário ou extraordinário.
 
A reunião, que decorre no Complexo Turístico Futungo II, Luanda Sul, tem o encerramento previsto para hoje à tarde.
 
EL // VM – Lusa – foto Pedro Parente, Angop
 

Guiné Equatorial: Obiang quer “comprar vontades” com investimento no Banif - oposição

 


O líder da oposição da Guiné Equatorial no exílio, Severo Moto, considerou hoje que o investimento daquele país africano no Banif é uma tentativa de “comprar vontades”, incluindo para a adesão à CPLP.
 
“Isto é dinheiro que serve para comprar vontades. E para que o Obiang e a sua família possam continuar a roubar”, afirmou Severo Moto, em declarações à Lusa em Madrid.
 
“Toda a gente sabe que o Presidente Obiang está a nadar na abundância do dinheiro que recebe do petróleo. Como nos EUA já estão atrás do que tem roubado e em França também, está a fugir desses países onde tem problemas e a refugiar o seu dinheiro em Portugal e noutros países”, disse.
 
Na quarta-feira, o Banif divulgou que estabeleceu um memorando de entendimento com a República da Guiné Equatorial visando a colaboração entre as partes no setor bancário, que poderá levar à entrada de uma empresa daquele país africano no capital do banco.
 
Lusa
 

Portugal: DEVEMOS MAIS. CRESCEMOS MENOS. ENTÃO ESTAMOS MELHOR.

 

Daniel Oliveira – Expresso, opinião
 
A semana passada o comissário Olli Rehn veio reafirmar a "narrativa" de que se fala: se Portugal tivesse pedido ajuda um ano antes (em 2010) hoje estaria bem melhor. E ainda mais preparado para regressar aos mercados em bom estado. Compreendo o papel destas declarações para efeitos de propaganda. Mas seria bom que tivessem uma relação com os factos. Na "narrativa" deste governo e do senhor Olli Rehn, o resgate aconteceu porque o Estado português se endividou de tal forma que já não podia pagar o que devia. Pelo menos não podia pagar com o crescimento que o País tinha. É isto, não é?
 
Então vejamos. Em 2010, a nossa dívida pública correspondia a 94% do PIB. Hoje é 129%. Sabemos que, para a dívida chegar aos 60% do PIB, como nos é exigido, teríamos de ter um crescimento económico médio de 4% nas próximas três ou quadro décadas. Sempre. E sempre com juros da dívida simpáticos. Alguém no seu prefeito juízo acredita nisto? Se a nossa dívida é ainda mais impagável do que era, o que mudou? Dirão, o problema não é a dívida, é o crescimento que a pode sustentar. Perdão, mas em 2010, quando supostamente deveríamos ter pedido ajuda - em contraste com este momento em que vivemos, que até podemos debater se regressaremos aos mercados sem rede ou optamos por um programa cautelar - o nosso crescimento era de 1,94. Em 2013 deve ter caído 1,5 e as versões mais optimistas dizem que cresceremos 0,8 em 2014. Ou seja, o crescimento muito menos prometedor do que em 2010 para garantir a sustentabilidade da nossa dívida.
 
A dívida é maior, o crescimento que a pode pagar é ainda mais anémico. Mesmo o défice, já agora, era mais alto em 2010, mas estava em linha com o défices extraordinariamente altos da generalidade dos países europeus nesses primeiros anos de crise. Quanto à divida privada (das empresas e das famílias), que sempre foi o nosso verdadeiro problema, tirando pequenas variações, nada de substancial mudou.
 
O que mudou, realmente, foram as taxas de juro. E foi por causa delas que, em 2011, Portugal foi obrigado a aceitar a intervenção externa.E essas são, de facto, hoje, muito mais baixas. Se bem que estamos a falar de taxas nominais. A queda da inflação a que temos assitido acaba por anular estes ganhos, mantendo as taxas reais quase inalteradas. Seja como for, perante a maior dívida desde que entrámos no euro e um dos piores crescimentos económicos, temos as taxas de juro mais baixas da década. Porque fizemos as reformas estruturais e os mercados, sempre sábios e atentos, apreciaram? Claro que não. Não fizemos qualquer reforma estrutural importante e os mercados estão-se nas tintas para isso. Se os mercados olhassem com atenção para a nossa dívida e para a nossa economia as nossas taxas de juros estariam nos píncaros. Pelo menos, muito mais altas do que em 2010.
 
A única diferença para os mercados é que as instituições internacionais, que através do "resgate" assumiram a "tutela" da nossa dívida, garantem uma intervenção externa permanente dos credores - seja por via da troika, de planos cautelares ou de regras europeias - que tirará daqui tudo o que puder tirar para pagar o que devemos. E o mais que ainda vamos dever. Essa é a sua segurança e essa é a razão porque as nossas taxas de juro acompanham muito mais as variações do que acontece na Europa do que em em Portugal.
 
Dizer que é isto, e não a recuperação do país, que garante que continuaremos a financiar-nos nos mercados estraga a história de Olli Rehn e do governo. Na realidade, parece que estamos tanto melhor para os mercados quanto pior vamos ficando. Parece não haver problema se devermos mais do que devíamos e crescermos menos do que crescíamos. Desde que cá esteja alguém para transformar o país num produtor para pagar uma dívida que está sempre a ser paga e sempre a crescer. Garantido uma transferência permanente de recursos da nossa economia para os credores. Eternamente, se necessário for. É por isso que não vale a pena continuarmos a enganar-nos com as pequenas oscilações dos juros e de cada pequeno indicador. Ou cortamos o ciclo vicioso (e será doloroso), ou nosso futuro está traçado. Nenhum país saiu do ciclo infernal de dívidas impagáveis sem as reestruturar radicalmente.
 

Portugal: OBRAS DE MIRÓ SAÍRAM DO PAÍS POR MALA DIPLOMÁTICA

 

Anabela Natário e Alexandra Carita - Expresso
 
O leilão dos Mirós está por realizar, mas a polémica gerada com a venda da coleção de quadros do extinto BPN parece que vai durar.

Os 85 quadros de Miró, cujo leilão previsto para ontem e hoje a Christie's suspendeu, foram para Londres via mala diplomática, ou seja o seu transporte foi efetuado como se se tratasse de propriedade do Estado, soube o Expresso.
 
O Expresso apurou ainda que a Direção-Geral do Património não passou quaisquer guias de transporte para que a coleção que pertenceu ao BPN saisse do país, facto que seria indispensável caso se tratasse de propriedade privada.
 
"Dizer que os Mirós são do Estado é uma mistificação", afirmou ontem à noite o secretário de Estado da Cultura, Barreto Xavier, em entrevista à TVI24.
 
Também ontem, mas à tarde, a leiloeira britânica anunciou em comunicado que cancelava a venda, devido "às incertezas legais" criadas pela "disputa nos tribunais portugueses".
 
"Eu não me vou pronunciar sobre uma situação que está em curso. (...) Não sou uma empresa de transportes, não sei se os quadros vão andar atrás para diante. Mas vão voltar para cá, sim", disse Jorge Barreto Xavier.
 
O Expresso sabe ainda que o grupo parlamentar do PS vai dar entrada a um requerimento para que lhe seja solicitado o contrato assinado entre a Parvalorem (empresa que gere os ativos do BPN) e a leiloera Christie's. O prazo limite para obtenção do documento é de 30 dias.
 
Contatado pelo Expresso, o secretário de Estado da Cultura ainda não mostrou disponibilidade para quaisquer esclarecimentos.
 
Leia mais em Expresso
 

Portugal: QUE PAÍS VAI SER ESTE?

 


José Manuel Pureza – Diário de Notícias, opinião
 
Pensar o pós-troika é muito mais do que pensar como se vai Portugal financiar depois de maio. É pensar que país vai ficar depois do ajustamento (ou melhor, depois desta fase do ajustamento, porque esse continuará, com a perpetuação da austeridade durante 15 ou 20 anos, algo já dito por Passos Coelho como sendo a sua "solução" para pagar uma dívida que sabe impagável).
 
O que já sabemos é que vai ser um país mais pobre, com menos trabalho e com menos capacidade de responder aos desafios do nosso tempo. É isso o pós-troika. E é para selar a estabilização desse desígnio que a direita económica e política procura um pacto de regime com o Partido Socialista.
 
O Portugal do pós--troika será evidentemente um país mais pobre, resultado da redução salarial generalizada, da brutal penalização das reformas e da perda de salário indireto traduzida no esfacelamento prático das políticas de universalidade de serviços públicos essenciais como a educação, a saúde ou a segurança social. A esse país mais pobre, o país da esmagadora maioria das pessoas, contrapor-se-á um outro Portugal, um minipaís em condomínio fechado, feito dos mais ricos do costume que verão, como estão a ver, a sua fortuna duplicar ou triplicar ao sabor de movimentos especulativos ou como prémio de truques fiscais.
 
Será também um país com menos trabalho. A euforia que tomou conta dos arautos do ajustamento pela austeridade face aos números do desemprego tem pés de barro. É claro que a criação de emprego é uma boa notícia para o País. Mas entendamo-nos: os dois pontos de recuo na taxa de desemprego, sendo um dado em si mesmo positivo, não podem servir de biombo para esconder as realidades da perda quantitativa e da desqualificação do trabalho em Portugal pela mão do ajustamento. Primeiro, por cada três empregos destruídos desde que se iniciou a aplicação do memorando com a troika criou-se apenas um (128 mil empregos criados, 435 mil empregos destruídos). Segundo, a população ativa está a diminuir acentuadamente: de acordo com o INE, essa diminuição situou-se em 117 mil pessoas só em 2013, o que, descontado o saldo natural da população, atira para cerca de 90 mil ativos a menos. E isso tem um nome: emigração. O País voltou a um padrão da década de sessenta, quando os homens emigravam e as mulheres ficavam em trabalhos pouco qualificados. Essa é a terceira nota: o emprego que está a ser criado, sendo escasso, é mau. Os dados do INE são inequívocos: cresce o emprego em ocupações entre uma e dez horas semanais e naquelas que ultrapassam as 40 horas por semana, sendo que onde o trabalho se situa entre as 30 e as 40 horas se registou uma destruição de mais de 310 mil empregos. Uma economia de biscates, de call centers e de jorna - dá isto razões para contentamento?
 
O país do pós-troika será, enfim, menos apetrechado para responder aos desafios do nosso tempo. A consideração da ciência e da cultura como gorduras a cortar - patente no desinvestimento indesmentível na formação de doutorados e na pesquisa de pós-doutorados, no vazio a que Nuno Crato remeteu a formação de adultos ou na confrangedora incultura (para além de irresponsabilidade) revelada pelo Governo em toda a novela dos quadros de Miró - traz--nos de volta o país de "pobrezinhos mas honrados". Ou talvez nem isso, porque até a honra de sermos nós por nós mesmos nos terá sido tirada quando chegarmos a maio.
 

XANANA ESTÁ “MAIS MADURO, MAIS SÁBIO E MAIS AUDAZ”

 


Rui Marques, ex-diretor da "Missão Paz em Timor" é um dos apresentadores do livro de Xanana. Eanes, que também estava no "Lusitânia Expresso", está no lançamento do livro.

Manuela Goucha Soares - Expresso
 
Doze anos depois da independência de Timor-Leste, a 20 de maio de 2002, "Xanana é um líder mais maduro, com mais sabedoria e mais audaz", disse ao Expresso Rui Marques, que em 1992 organizou a viagem do "Lusitânia Expresso" que tinha por objetivo principal chamar a atenção da comunidade internacional para a urgência de libertar Timor da ocupação indonésia.
 
Rui Marques e D. Ximenes Belo são os dois apresentadores do livro "Xanana Gusmão e os primeiros dez anos da construção do Estado Timorense", hoje às 17h30, na sede da CPLP em Lisboa.
 
Com chancela da Porto Editora e mais de 600 páginas, a obra reúne dez anos de discursos de Xanana, primeiro como Presidente da República e, depois, como primeiro-ministro do mais jovem país de língua oficial portuguesa.
 
Tem quatro prefácios dos portugueses Cavaco Silva, António Guterres, Jorge Sampaio e Durão Barroso, junta-se um quinto do timorense Agio Pereira, ministro da Presidência do governo chefiado por Xanana.
 
Ramalho Eanes no lançamento do livro de Xanana
 
O ex-Presidente da República António Ramalho Eanes estava a bordo do "Lusitânia Expresso", quando a Marinha de Guerra indonésia impediu o navio de prosseguir até Díli e vai estar presente no lançamento do livro de Xanana.
 
"Fiquei sensibilizado porque esta era uma ação promovida pela juventude, que muitos nessa época, catalogavam de 'rasca'. Pus como condição para participar que o Estado português não discordasse desta acção" de protesto que veio a ser objeto de alguma exploração mediática", conta o general Eanes na sua Fotobiografia publicada pelo Museu da Presidência.
 
Numa entrevista dada ao jornalista Adelino Gomes do "Público", por ocasião do 15º aniversário da interrupção de marcha do "Lusitânia Expresso", Eanes afirmou: "Admiti, então, que marinheiros indonésios iriam a bordo do 'Lusitânia' e procederiam à prisão de alguns dos seus tripulantes e passageiros. Admitimos, eu e o padre Batista, que nos contaríamos entre estes. Perante tal ameaça, descemos ao camarote para vestirmos roupa adequada".
 

ÁGUAS AGITADAS NO MAR DE TIMOR

 


Michael Leach e Rui Graça Feijó – Público, opinião
 
A espionagem deliberada praticada pelas autoridades australianas, a ser reconhecida, retirar-lhes-á o argumento de terem agido de boa-fé.
 
Andam agitadas as águas no Mar de Timor. Este mês começou a ser julgada no Tribunal de Justiça Internacional (TJI), em Haia, uma acção de arbitragem desencadeada por Timor-Leste ao abrigo do Tratado do Mar de Timor. Ainda antes de entrar na substância da material, o TJI teve de se debruçar sobre uma queixa prévia, uma vez que a Austrália, antecipando-se ao que se iria passar, promoveu algumas acções que põem em causa direitos de defesa de Timor-Leste.
 
Assim, a Organização Australiana de Serviços Secretos (ASIO) apreendeu documentos na posse da equipa de advogados encarregados de defender os interesses timorenses, incluindo vários protegidos pelo direito de confidencialidade nas relações entre advogados e seus clientes. Por outro lado, a residência da testemunha-chave apresentada por Timor-Leste foi alvo de uma rusga, e o seu passaporte confiscado, impedindo desta forma a sua deslocação a Haia para depor. O Procurador-Geral justifica a acção com o argumento de que se destinaria a prevenir a potencial identificação de actividades e agentes dos serviços de inteligência, mas não consegue afastar a ideia de que no mesmo golpe se atingem os direitos de defesa de Timor-Leste.
 
A argumentação timorense assenta na denúncia – que o Tribunal julgará se tem fundamento credível – de espionagem ilegal das autoridades timorenses por ocasião das negociações que conduziram à assinatura de um tratado entre as partes. Para esse fim, a Austrália terá colocado escutas em gabinetes governamentais timorenses, usando a sua agência de cooperação internacional, a AUSAID, como capa do processo, evidenciando que se tratou de uma acção deliberada e não de qualquer subproduto de uma rotineira escuta de comunicações. Terão sido equipamentos oferecidos a Timor-Leste no âmbito da cooperação a ser manipulados pelos serviços secretos – fazendo assim pairar uma nuvem de suspeição sobre toda a actividade de cooperação. Espiar as autoridades timorenses terá oferecido à Austrália uma vantagem comercial indevida. Com base nesta acusação, Timor-Leste – que tem visto no incidente um grave atentado à sua soberania, que concita uma unanimidade de posições dos vários sectores políticos – pretende obter to TJI uma resolução que invalide o tratado e permita a reabertura de negociações sobre a material contemplada no mesmo, à luz da lei internacional. De que se trata, afinal?
 
Timor-Leste e a Austrália não possuem uma fronteira claramente demarcada. Apesar disso, várias negociações permitiram obter acordos que autorizam a exploração de recursos naturais no Mar de Timor, e estabelecem modalidade de divisão dos respectivos proventos.
 
Em 1972, a Austrália estabeleceu um acordo muito favorável com a Indonésia, a que Portugal se recusou a juntar, preferindo aguardar o resultado das negociações internacionais que culminariam em 1982 com a Convenção da ONU sobre Direito do Mar (UNCLOS). A recusa de Portugal aderir ao acordo de 1972 criou uma espécie de “buraco” que recebeu a designação de “Timor Gap” na fronteira australo-indonésia. Em 1989, a Austrália e a Indonésia celebraram um acordo para a exploração dos recursos do Timor Gap, na base 50/50, numa chamada “Zona de Cooperação”. Portugal opôs-se a este acordo, mas o facto de a Indonésia não reconhecer a autoridade judicial internacional impediu que tal oposição tivesse sentido prático.
 
A independência de Timor-Leste em 2002 abriu as portas para que se procedesse a nova negociação. Nesse intervalo, a lei marítima internacional havia progredido significativamente no sentido de estabelecer fronteiras no ponto médio entre dois estados, abandonando o princípio das plataformas continentais em que se baseava a pretensão australiana – que no entanto aderira à Convenção em 1994. Este foi aliás o princípio usado pela Austrália para determinar a sua fronteira com a Nova Zelândia em 2004. Mas, antecipando a independência timorense, a Austrália abandonou a Convenção no início de 2002, dificultando a resolução de disputas no âmbito que esta definia, e que se traduziam no reconhecimento da jurisdição do TJI.
 
Na sequência da independência, a antiga “Zona de Cooperação” foi rebaptizada como Joint Petroleum Development Area (JPDA), e Timor-Leste (que poderia aspirar a ter total controle sobre a mesma) ficou com 90% dos seus rendimentos. De fora ficaram outros campos mais importantes, como o Greater Sunrise.
 
Num novo documento intitulado Certain Maritime Arrangements in Timor Sea Treaty (CMATS), ficou decidido que 20% do Greater Sunrise cabiam na JPDA, e que nos restantes 80% se observaria uma partilha igualitária de rendimentos. Uma condição, porém, estava por detrás deste acordo: é que Timor-Leste abdicava de reivindicar, por um prazo de 50 anos, a definição da sua fronteira marítima com a Austrália (período mais alargado do que o prazo estimado de vida útil destes campos petrolíferos). Não dispondo da opção de uma arbitragem internacional em virtude da saída da Austrália do sistema de resolução de disputas, Timor-Leste aceitou o CMATS em 2007, prescindindo da determinação de uma fronteira a meio caminho entre as respectivas costas, que colocaria uma percentagem substancialmente maior dos recursos petrolíferos do seu lado.
 
O que Timor-Leste deseja, com a actual acção judicial, é que seja aplicado um princípio reconhecido pela Convenção de Viena sobre Tratados Internacionais, que estipula que a sua validade depende de terem sido estabelecidos com “boa-fé”. A espionagem deliberada praticada pelas autoridades australianas, a ser reconhecida, retirar-lhes-á o argumento de terem agido de boa-fé. Se se provar que o fizeram com o intuito de obter ganhos comerciais ilícitos, então o argumento ainda ganharia maior força. Obtendo ganho de causa, abrem-se as portas a uma nova negociação sobre a divisão de proveitos no Mar de Timor.
 
Trata-se de uma opção arriscada para uma nova nação, sobretudo dado que a efectiva exploração dos recursos naturais pressupõe uma definição clara dos termos em que pode ocorrer, e uma negociação deste tipo poderia adiar significativamente o recebimento de rendimentos que são críticos para o desenvolvimento nacional. Por outro lado, a força da argumentação australiana, baseada no princípio das plataformas continentais, tem recuado significativamente nos últimos anos, e abrem-se assim perspectivas para que uma melhor acordo possa vir a ser alcançado. Para uma jovem nação tão dependente deste recurso finito para combater a pobreza e fomentar o seu progresso, o que está em jogo em Haia é de suprema importância. Não está em causa o princípio da partilha de recursos que legitimamente possam ser considerados comuns – mas tão só abrir a porta para que se encontre uma solução consentânea com o direito internacional e que represente uma partilha justa e equilibrada desses mesmos recursos. Ainda bem que a via escolhida por Timor-Leste para cumprir esse desiderato tenha sido a das instâncias jurídicas internacionais. Oxalá justiça venha a ser feita.
 
- Professor da Swinburne University of Technology, Melbourne, Australia
 
- Professor do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
 

Mais lidas da semana