O Acordo de Alvor foi assinado há
49 anos. Estive lá mas antes também cobri a Cimeira de Mombaça onde os três
movimentos de libertação concertaram posições comuns, para depois negociarem
com a potência colonial no Hotel da Penina. Nessa altura trabalhava na Emissora
Oficial de Angola (RNA). A equipa da Rádio incluía também Francisco Simons,
Horácio da Fonseca e o técnico Humberto Jorge. Já todos faleceram ainda que eu
fosse o mais velho. Isto anda tudo ao contrário. Neste momento quero deixar uma
palavra de amizade, reconhecimento e gratidão a esses camaradas, dos melhores
da Rádio Angolana.
Humberto Jorge criou no seu
quarto do Hotel D. João II (onde ficaram os jornalistas) um estúdio. Tínhamos
duas “nagras”, uma linha telefónica exclusiva e com o apoio da Rádio Difusão
Portuguesa (Algarve) conseguimos equipamentoss que permitiram criar a
estrutura. Emitíamos directamente a partir do Algarve.
Além do nosso trabalho
jornalístico tínhamos comentários de Sebastião Coelho (nos dois primeiros dias)
e Aquino de Bragança, jornalista moçambicano de origem indiana. Fazia
comentários nos jornais das 13 e 20 horas. Uma figura mundial da luta
anticolonial.
Maria do Carmo Medina participou
nas negociações como técnica de apoio à delegação do MPLA, liderada por Agostinho
Neto. Diógenes Boavida era membro oficial. Dois advogados de grande prestígio e
que se destacaram como defensores dos presos políticos. Ambos colaboravam com a
Emissora Oficial. Fontes que exigiram o anonimato dadas as funções que
desempenhavam.
A Dra. Maria do Carmo
Medina, ainda o Acordo de Alvor não estava assinado, alertou logo para a
“pressa” que FNLA e UNITA queriam impor ao processo de transição. Diógenes
Boavida achava possível a organização dos cadernos eleitorais e a realização de
eleições durante a transição “se o Governo se dedicar inteiramente a essas
tarefas. Temos de estar todos mobilizados para a realização de eleições”.
Diógenes Boavida não contava com
o susto apanhado pelos independentistas brancos, seus aliados da UNITA e pela
FNLA, no dia 8 de Novembro de 1974, quando chegou a Luanda uma delegação
oficial do MPLA, após a assinatura do cessar-fogo com Portugal, na chana do
Luinhameje, Leste de Angola. O Aeroporto então chamado Craveiro Lopes foi
engolido por dezenas de milhares de pessoas. Entre o aeroporto e a Vila Alice
os membros do MPLA passaram entre maresde gente. A polícia disse à imprensa que
só no largo do aeroporto estavam mais de 50.000 manifestantes. No percurso,
pelo menos 100.000!
A FNLA chegou à capital e nem um
polícia sinaleiro saudou os seus delegados. A UNITA nem chegou, já estava
instalada na sede da Polícia de Informações Militares (PIM), herdeira da PIDE.
Nos corredores da Associação Comercial de Luanda, sede dos independentistas
brancos. Apresentava-se como “ movimento dos brancos” e messa altura Savimbi
era apenas o ”Muata da Paz” em
português. Em umbundu ia correr com todos os portugueses.
Outro pormenor que ia contra a
realização de eleições. No Acordo de Alvor ficou escrito que cada movimento de
libertação fornecia 8.000 militares para as “forças conjuntas”. A FNLA estava
sem tropa, para cumprir tinha que usar militares zairenses. A UNITA nem 100
militares conseguia mandar. O único oficial que apresentou em Luanda, antes do
Acordo de Alvor foi o Tenente Sabino. Os outros militares, como Nzau Puna ou
Tony da Costa Fernandes, eram altos dirigentes, não podiam ir para a força
conjunta. Como podiam aceitar a realização de eleições? Por isso tinham tanta
pressa na sua realização. Fizeram tudo para que primeiro faltasse o tempo e
depois não existissem cadernos eleitorais!
No dia 31 de Janeiro de 1975
tomou posse o Governo de Transição. Um Colégio Presidencial dirigia. Era
constituído pelo Alto-Comissário (Portugal), Lopo do Nascimento (MPLA), Johnny
Pinock Eduardo (FNLA) e José Ndele (UNITA) dirigia. Cada parte tinha três
ministérios: Portiual, MPLA, FNLA e UNITA. Casa ministério tinha secretários de
estado dos movimentos não titulares. Tudo perfeito em termos de paridade. Todos
iguais.
No dia 1 de Fevereiro só tinham
que começar a trabalhar na organização dos cadernos eleitorais e na Lei
Eleitoral para a realização das eleições em Outubro de 1975. Apenas podiam
concorrer os três movimentos à eleição dos deputados da Assembleia
Constituinte. Só o MPLA com Diógenes Boavida já no papel de ministro da Justiça
se esforçou para a realização das eleições. Todos os outros, inclusive o
Alto-Comissário remavam contra a maré.
No primeiro dia de Fevereiro,
Daniel Chipenda abriu em Luanda, ao lado da sede central da FNLA, uma “delegação
do MPLA”. Ele dizia que era o presidente do movimento e pôs em causa o Governo
de Transição. No dia 4 de Fevereiro de 1975 Agostinho Neto chegou a Luanda.
Mais de um milhão de luandenses saiu à rua. Foi o susto definitivo dos
independentistas brancos e das direcções dos outros movimentos.
O líder do MPLA exigiu que o
Alto-Comissário tomasse medidas encerrando o quatrel de Chipenda (era uma base
militar) e desarmando os seus homens que eram muitos mais do que os da UNITA!
Também eram quase todos zairenses. Silva Cardoso disse que era preciso rer
calma. Neto ripostou: “Não é com calma que se desarmam bandidos”.
O Norte de Angola começou a ser
invadido, em Junho de 1974, pelas tropas de Mobutu, oficiais da CIA e militares
portugueses contrários ao 25 de Abril organizados no ELP. Tudo saqueado,
bancos, casas comerciais, fábricas, fazendas de café e as explorações de gado
no Planalto de Camabatela. O comando das tropas portuguesass mandou retirar as
forças para Luanda! A festa continuou depois da tomada de posse d Alto-
Comissário Silva Cardoso, imposto no cargo pela FNLA e UNITA, por indicação da
CIA.
O Artigo 13.º do Ascordo de Alvor
atribui ao Alto-Comissário “salvaguardar e garantir a integridade do território
angolano em estreita cooperação com o Governo de Transição”. O Artigo 24.º
define competências do Governo de Transição. Uma delas é “conduzir a política
interna, preparar e assegurar a realização de eleições gerais para a Assembleia
Constituinte de Angola”. Diógenes Boavida e outros juristas ligados ao MPLA
ficaram a falar sozinhos. Eram ridicularizados pelos ministros da UNITA e da
FNLA. Porque queriam eleições.
Agostinho Neto, numa entrevista
que me concedeu em Maio de 1975 e publicada no “Diário de Notícias” (Lisboa)
disse: “Temos de passar pelo crivo das eleições para sabermos quem representa
quem”. O Alto-Comissário Silva Cardoso sabotou as eleições. Os membros do
Governo de Transição i afectos à FNLA e UNITA fizeram o mesmo. Lisboa já estava
a caminho do 25 de Novembro e apoiava os sabotadores.
O Governo de Transição tinha o
dever de criar uma Comissão Central (Artigo 42.º) para “elaborar um projecto de
lei eleitoral, organizar os cadernos eleitorais, registar as listas dos
candidatos à eleição da Assembleia Constituinte apresentadas pelos movimentos
de libertação”. Tudo sabotado pelo Alto-Comissário Silva Cardoso que logo
em Fevereiro de 1975 disse que não existiam condições para realizar eleições!
Era o que Mobutu, Spínola e Nixon queriam ouvir. Assim que ouviram, começaram a
ouvir-se os disparos das armas.
Daniel Chipenda e as tropas
zairenses ao serviço da FNLA iniciaram em Luanda uma guerra sem quartel contra
as populações civis. Só o MPLA se opôs fazendo tudo para “desarmar os
bandidos”. Mas o Acordo de Alvor, no seu Artigo 29º cria a “Comissão Nacional
de Defesa” constituída por todas as partes signatárias. Competia-lhe “assegurar
e salvaguardar a integridade territorial de Angola (alínea b) garantir a paz, a
segurança e a ordem pública (alínea c) e velar pela segurança das pessoas e dos
bens (alínea d). Pelo contrário. O Alto-Comissário Silva Cardoso estava
conluiado com os bandidos armados.
Muitos falam do Acordo de Alvor
sem saberem o que dizem. O texto diz no Artigo 40.º: “O Governo de Transição
organizará eleições gerais para uma Assembleia Constituinte no prazo de nove
meses a partir 31 de Janeiro de 1975, data da sua
instalação”.
E no Artigo 42.º está escrito:
“Será estabelecida, após a instalação do Governo de Transição, uma Comissão
Central, constituída em partes iguais por membros dos movimentos de libertação,
que elaborará o projecto da Lei Fundamental e preparará as eleições para a
Assembleia Constituinte”. Leiam a Imprensa da época. Apenas Agostinho Neto,
Diógenes Boavida e outros dirigentes do MPLA reclamavam o cumprimento neste
artigo!
Os outros, quando perceberam que
seriam esmagados em eleições livres e justas, abandonaram o Governo de
Transição para avançar a guerra. E para não restarem dúvidas, Lisboa suspendeu
o Acordo der Alvor, para que a parte portuguesa e o MPLA não avançassem para o
acto eleitoral. Perdoar e abraçar os bandidos é a única solução. João Lourenço
trem razão.
Hoje mando o texto integral do
Acordo de Alvor, Talvez alguém queira conhecer quanto mais não seja para falar
do que conhece.
*Jornalista
# Leia a seguir TEXTO INTEGRAL DO ACORDO DE ALVOR