segunda-feira, 17 de junho de 2013

O IRAQUE. O FARDO DOS NOVOS COLONOS



Rui Peralta, Luanda

I - Os iraquianos que acreditam ser possível um Iraque independente e democrático, sabem que a encruzilhada actual empurra o país para o agravamento da guerra e como consequência para a ditadura. A ocupação estrangeira conseguiu criar um regime que deu continuidade ao despotismo da clique de Sadam Hussein, afogando as aspirações do povo iraquiano a uma vida digna.

O sistema criado pela ocupação, baseado na distribuição sectária e étnica do poder, produz tensões sociais fortes, fragmentação politica e impõe um apartheid cultural na sociedade iraquiana. O principal objectivo deste sistema é o de aprofundar as divisões do país, destruir a unidade e a coesão nacional, para depois poder traçar novas fronteiras e reforçar no terreno os fantoches neocoloniais das multinacionais.

É impossível às instituição democráticas poderem implementar-se no Iraque actual, ou ao Estado reforçar o seu papel e assumir as suas funções. As consequências de dez anos de ocupação são trágicas, dramáticas e destruidoras. A sociedade iraquiana está completamente destruturada e a nação iraquiana mergulhou num abismo, onde a violência impera. A consolidação da soberania nacional, requere o reforço da soberania popular, instituições civis regidas pela lei. Mas estas são aspirações tornadas miragens, pela ocupação. USA, estados do golfo e Turquia, alimentam uma guerra sectária, com o propósito de dividir o Iraque em pelo menos três estados. Financiam o terrorismo, mantendo assim a instabilidade corrosiva e prolongando a agonia da população.

A incapacidade do Estado em estabelecer o seu domínio político leva a que o poder tribal, as milícias sectárias, os mercenários que pululam pelo país, levados pelas companhias ocidentais, como seguranças privados, assim como os mercenários infiltrados através das fronteiras, que militam na Al-Qaeda, preenchem o vazio de poder e facilitam a interferência estrangeira – dos quais são veículos - nos assuntos iraquianos.   

Mas a elite política iraquiana tem dois problemas: não é elite e não é política. Ou seja, não existe. A ocupação colocou no poder os que vieram dos USA, geralmente comerciantes, traficantes e funcionários indígenas das multinacionais, que faziam formações nos USA, os chefes tribais, os líderes dos clãs, os funcionários religiosos, mas nenhum deles é de elite e nem, vale a pena referir a cultura politica, mesmo ao nível da cidadania. Não são pessoas que demonstrem muitas preocupações sociais, com direitos ou com questões de administração da polis ou da res publica.  

O resultado é que o Iraque tem no poder uma camada inútil de homens de negócios falidos (o melhor que os USA conseguiram arranjar para colocar no poder, sem fazerem muitas perguntas). Não se faz nada neste país, a não ser que se possa lucrar com qualquer coisa. Daí que a política social, a educação, a saúde, sejam áreas em que, os governantes, nada fazem, porque não são rentáveis, nem passiveis de serem comissionadas. Na saúde e na educação ficam-se pelas escolas e clinicas privadas. Isso rende, mas hospitais públicos, escolas publicas? Não rende, logo não há.   
                  
Por detrás disto vem o resto. O Iraque não tem um exército, coeso, disciplinado, mas sim uma coleção de milícias, privadas, compostas por mercenários e de múltiplas lealdades. E tem uma polícia que segue pelo mesmo caminho. Instituições democráticas? Nem na televisão para estrangeiro ver. As que existem funcionam á margem do sistema político. O poder judicial debate-se com graves problemas, sendo o mais grave deles a sua inerente incompetência. O poder legislativo é anedótico e está permanentemente paralisado, bloqueado pelos negócios…dos deputados. A soberania popular é um conceito estranho á “boa governação” iraquiana e quanto á soberania nacional, os dirigentes iraquianos não sabem o que isso é, tão habituados que estão a dizer “Yes sir”.

Claro que existem excepções…quanto mais não seja para confirmar a regra.

II - Assume, por isso, particular relevância o plano norte-americano, apresentado pelo vice-presidente Joe Biden, que preconiza um “Iraque federado”, uma espécie de “Estados Unidos do Iraque”, que divide o país em três Estados, atropelando a História milenar da região. Com este plano, os USA demonstraram quais foram os objectivos que os motivaram durante a agressão e posterior ocupação do território iraquiano. Apresentado como um plano vital para a restruturação do Estado iraquiano, o plano é apenas mais uma das muitas projecções norte-americanas no Iraque, que o tempo esquece, por não serem concretizáveis.

Bastaria aos norte-americanos terem procurado exemplos políticos concretos de autonomia, para verificarem que este plano tem todas as condições para ir cano abaixo, a partir de uma qualquer sanita, num qualquer WC de Bagdade. Mais uma vez os governantes norte-americanos não parecem ser grandes conhecedores das realidades histórico-geográficas da região, sendo os factores culturais demasiado complexos para as linhas esquemáticas da geopolítica e da geoeconomia norte-americanas, elaboradas como se fossem memorandos de uma qualquer multinacional, contendo apenas os chavões necessários para os empregados compreenderem. Talvez Harvard e Yale tenham descido no nível da qualidade do ensino, ou talvez a política externa norte-americana esteja a ser desenrolada por sargentos das forças especiais, que pesam menos nas contas de salários das corporações, uma vez que são mão-de-obra mais barata do que os diplomatas, formados em Harvard ou em Yale.

Um exemplo concreto de como as articulações culturais podem funcionar ao nível político, encontra-se por debaixo do nariz dos estrategas norte-americanos: o Partido Comunista do Iraque (PCI) que tão louvado foi pelos institutos norte-americanos para a democracia como o National Endowment for Democracy (NED), o International Republican Institute (IRI), o DNI e a Freedom House (FH). A presidente do DNI, a ex-Secretária de Estado Madeleine Albright, por diversas vezes referiu-se ao papel do PCI, em termos elogiosos e agradecendo a colaboração prestada no derrube de Sadam.

Pois o PCI tem uma estrutura política completamente autónoma para o Curdistão iraquiano: o Partido Comunista do Curdistão (PCK). Os curdos constituem 20% dos membros do Comité Central (CC) do PCI e todo o Secretariado do Comité Central do PCK é membro do Bureau Politico (BP) do PCI. Foram criados comités especializados e comissões de coordenação entre os BP dos dois partidos e os dois CC, com o objectivo de fazer consultas e de formular planos de acção apropriados. O PCK tem o seu próprio programa e actua com total independência nos assuntos relacionados com os Curdos do Iraque e na articulação com os partidos curdos da Síria e da Turquia (o PCK tem uma relação muito estreita com o PKK, o partido dos Trabalhadores do Curdistão e com diversas organizações curdas na Síria).

Um segundo exemplo, que a CIA conhece bem, são as articuladas e bem coordenadas organizações xiitas, tanto as nacionais iraquianas, como as comunitárias (curdas, da União do Povo Curdo, as do Sul do Iraque e de outras comunidades). São também um exemplo de autonomia política e que actuam de forma absolutamente independente, mas com uma extrema coordenação e articulação, surgindo como um bloco, tanto no parlamento, como nas ruas ou nas situações de defesa. Se os estrategas norte americanos olhassem com atenção para as terras que ocupam, ficariam, a saber que as estruturas organizacionais xiitas obedecem a um princípio em tudo idêntico ao do centralismo democrático, embora os centros de decisão sejam centrífugos.

Mas têm ainda um terceiro exemplo, que inclusive foi amparado pelos operacionais da CIA, desde os tempos da guerra afegã contra os soviéticos, que são as redes sunitas, miríades de redes, que formam redes de redes, até á Rede das redes. E encontrariam com certeza muitos outros exemplos de coordenação politica e de autonomia real, na sociedade iraquiana, que demonstram a inutilidade dos projectos federalistas da Casa Branca, face às estruturas federais de soberania popular, que existem no Iraque, á margem do sistema criado pela ocupação.

III - A ocupação resolveu os problemas da Halliburton e dos monopólios globalizados, mas não os do povo iraquiano, no seu todo. O desemprego, a miséria e a corrupção, são as marcas visíveis e de longo-prazo da ocupação. Aos iraquianos resta-lhes um longo caminho, onde a consolidação das instituições da soberania popular e a edificação de um Estado capaz, são as ferramentas necessárias ao progresso e desenvolvimento da nação iraquiana.

Para isto acontecer, assume particular urgência a alteração do actual sistema de distribuição de poder, assente na fórmula sectária e étnica, que distorce a vida politica e social do país. A eliminação deste sistema é o ponto de partida para a reconstrução da economia e da sociedade iraquiana. Reapropriação dos recursos e criação de um sistema gerador de riqueza e de bem-estar para o povo, criando uma política social assente nos serviços públicos de saúde e educação. Esta é a forma de assegurar a coesão social e de afirmar a cidadania e de assegurar o combate ao terrorismo, assegurando os direitos humanos.

O Reino Unido e os USA deram as costas, de forma arrogante, tão arrogante como quando ocuparam o país. Para trás deixaram um rasto de destruição e morte. Segundo o Dr. Jawad al-Ali - um especialista em oncologia, do Hospital Universitário de Sadr (ou do que resta dele), um quadro superior iraquiano internacionalmente reconhecido pelos seus trabalhos científicos e um académico de nome nos meios universitários mundiais - morrem entre 30 a 35 pacientes com cancro, em cada mês. Antes da ocupação a média era de dois a três casos. Segundo ele, entre 40% a 48% da população na faixa etária dos 30 a 35 anos, padece de cancro.

Por sua vez a Dra. Ginan Ghalib Hassen, pediatra, declarou numa entrevista efectuada a John Pilger, e publicada no Guardian, que existem imensos casos de neuroblastoma, um tumor que era raro (uma média de 1 caso em cada 10 anos) e que foi repentinamente incrementado, provocado por malformações genéticas, um processo similar ao que ocorreu em Hiroxima. Entre a classe médica de Bagdade a opinião é unanime. As munições de uranio empobrecido utilizados pelas forças norte-americanas e britânicas, são as grandes responsáveis pelo incremento exponencial de casos cancerígenos. É bom não esquecer que foram usadas mais de 300 toneladas de uranio empobrecido na guerra do golfo.

Karol Sikora, oncólogo, director do programa para o câncer da OMS durante a década de 90, assumiu no British Medical Journal, que os assessores britânicos e norte-americanos, no comité de sanções ao Iraque, bloquearam constantemente o equipamento de radioterapia, as terapêuticas de quimioterapia e os analgésicos, que estariam preparados para serem embarcados para o Iraque. Segundo o Dr. Karol, a OMS proibiu todos os seus responsáveis de fazerem qualquer referência a este assunto.

Estas declarações foram coadjuvadas, recentemente, por Hans von Sponeck, ex-assistente do secretário-geral da INU e alto responsável pelos assuntos humanitários da ONU no Iraque. Hans acusa o governo norte-americano de ter impedido a investigação nas zonas em que foram utilizadas munições com uranio empobrecido. A OMS e o Ministério da Saúde do governo Iraquiano efectuaram um estudo conjunto, que abarcou 10 mil e oitocentas localizações, mas mantem-se secreto e proibida a sua divulgação.

As instituições internacionais fazem orelhas moucas quando se fala no Iraque. Mas não só as instituições internacionais. A morte de 57 iraquianos, num só dia, recentemente ocorrida, passou despercebida, devido ao assassinato de um soldado britânico em Londres. Parece que não houve espaço, nas cadeias televisivas, jornais e rádios, para dar a notícia dos 57 iraquianos mortos. Todo o espaço informativo foi ocupado pela morte do soldado britânico…

IV - Segundo o ministério iraquiano para os assuntos sociais, cerca de quatro milhões e quinhentas mil crianças perderam um dos seus progenitores, ou seja, 14% da população iraquiana é constituída por órfãos. Cerca de um milhão de famílias têm uma mulher, como cabeça de família, demonstrativo do elevado número de viúvas. O Iraque é uma sociedade formada por famílias destruturadas, onde a violência doméstica e as crianças abusadas são uma práctica do quotidiano. Esta é outra herança da ocupação.
   
Observe-se a situação da mulher iraquiana. Iniciemos a observação pela envolvente. Nos últimos anos, o discurso oficial do Ocidente criou uma nova versão feminista, adaptada á denominada “Guerra contra o terrorismo”. Nos meios de comunicação, na literatura, na cultura popular do Ocidente, afirma-se que as guerras no Próximo Oriente têm uma motivação feminista e François Hollande usou o mesmo argumento nos preparativos da agressão ao Mali.

Garantir os direitos da mulher em países onde esses direitos lhes eram negados, converteu-as em vítimas oprimidas e indefesas. Estas guerras assumem, assim, uma missão civilizadora, modernizadora, em tudo idênticas às motivações coloniais, ao “fardo do homem branco”. O novo discurso feminista do neocolonialismo, adaptou-se e comercializou-se, ocultando o real motivo das intervenções, invasões e ocupações militares.

As mulheres da Ásia ocidental mantêm a luta que as levará a sair da posição subalterna em que se encontram, no interior das suas próprias culturas. Esta luta está intimamente associada aos problemas económicos e políticos de que estas sociedades padecem. As guerras, as ocupações, as invasões estrangeiras complicam ainda mais a situação da mulher, como acontece no Iraque e no Afeganistão. A carestia, o desemprego, a miséria, as atrocidades da guerra, são duras realidades que duplicam a tarefa da emancipação das mulheres.  

Elas testemunharam o que aconteceu aos maridos, sofrem com os filhos a incerteza do futuro, não esquecem que na guerra de 1991, os soldados norte-americanos enterraram vivos iraquianos, nas areias do deserto, executaram prisioneiros de guerra e assassinaram milhares de soldados iraquianos que estavam em retirada, dois dias depois do cessar-fogo, naquela que passou a ser denominada por Estrada da Morte. Não esquecem que Bush pai prometeu apoiar os rebeldes xiitas e que depois os abandonou á sua sorte, quando compreendeu que eles não procuravam o sonho americano. Não esquecem os treze anos de sanções económicas que mataram dois milhões de iraquianos.

São mulheres. E como todas as mulheres, de qualquer cultura, de qualquer parte do globo, não esquecem. Como podem esquecer? São elas que lançam a humanidade ao mundo. Mesmo no Tigre e no Eufrates… 

Fontes
Khamas,  Eman Ahmed La identidad colectiva de las mujeres iraquíes como víctimas http://www.rebelion.org
The Guardian, October, 12, 2010
The Guardian, May, 20, 2013
The Guardian, May, 24, 2013
The Guardian, May, 25, 2013
The Guardian, May, 26, 2013

Turquia - ERDOĞAN E A EUROPA: ONZE ANOS DE MAL-ENTENDIDOS



SLATE.FR, PARIS – Presseurop – imagem Rodrigo

Uma das prioridades do primeiro-ministro turco, quando chegou ao poder, há mais de dez anos, era a adesão do seu país à UE. Contudo, as divergências com a UE parecem tê-lo levado a mudar de opinião. E essa impressão é reforçada pela sua atitude perante a contestação das últimas semanas.


Em 2002, Recep Tayyip Erdoğan fazia campanha para umas eleições das quais o seu partido sairia vencedor, alguns meses mais tarde. Então, Erdoğan falava de coisas concretas, da vida quotidiana, das liberdades de religião, cultural, linguística e de expressão… Nos seus comícios, respirava-se um clima popular, mais amigável e menos nacionalista do que nos encontros de alguns outros partidos.

A preparação para a integração na União Europeia era, dizia Erdoğan, uma etapa necessária e útil, o melhor meio para reformar o país… Aos seus interlocutores estrangeiros, Erdoğan explicava que o seu novo “Partido da Justiça e do Desenvolvimento” (AKP) se transformara, rompera com o seu passado islamita e antieuropeu.

Durante a noite de quinta-feira, dia 6, para sexta-feira, dia 7, onze anos mais tarde, o discurso é completamente diferente. As referências são otomanas, Recep Tayyip Erdoğan pede a Alá que torne “eterna” a “fraternidade”, a “união” e a “solidariedade” árabe e muçulmana e aposta no orgulho nacionalista turco dos seus apoiantes, dos seus “soldados” que, em número de alguns milhares, vieram ao seu encontro e afirmam estar dispostos a “esmagar” os “vândalos”.

O primeiro-ministro turco não diz uma única palavra sobre as reivindicações (contra os abusos autoritários do Governo, contra o capitalismo desenfreado, em favor da liberdade de expressão e de estilo de vida) das dezenas de milhares de jovens que estão na ruadesde 31 de maio.

“Hipocrisia” e “duplicidade de critérios”

Também não diz uma única palavra sobre a Europa. A não ser as pronunciadas algumas horas mais tarde, no decorrer da conferência de imprensa conjunta com o comissário europeu Stefan Füle. Ao mesmo tempo que declara estar aberto às “exigências democráticas”, Recep Tayyip Erdoğan acusa a União Europeia de “hipocrisia” e de “duplicidade de critérios”. Queixa-se da falta de progressos das negociações de adesão, uma “situação tragicómica”, e recorda àqueles que criticam a forma como está a gerir a crise atual que, no que se refere a democracia, a Turquia não tem lições a receber de “certos países europeus”.

Recep Tayyip Erdoğan não está com meias palavras. As suas declarações são ofensivas e pouco diplomáticas. Os termos usados pelo primeiro-ministro turco são os mesmos que este usaria se tivesse abandonado todas as esperanças e todo o desejo de integração europeia do seu país.

Que aconteceu? O contraste entre o homem de 2002 e o de 2013 é flagrante. Será de espantar? Ou, pelo contrário, de fazer como os seus mais irredutíveis opositores e ver nesse contraste a prova da existência de uma “dupla agenda” de Recep Tayyip Erdoğan e do AKP? Os quais, uma vez libertos da tutela militar, graças ao apoio da UE, teriam ficado livres para pôr em marcha o projeto secreto de uma política neo-otomana, distante dos valores laicos, democráticos e ocidentais.

O Governo do AKP, que assumiu funções em 2002, levou a cabo e ampliou uma série de reformas democráticas de fundo, que tinham sido iniciadas pela coligação que anteriormente estivera no poder. Ao ponto de espantar os seus opositores mais irredutíveis.

Decapitar o inimigo

Bruxelas apreciou o facto: a Turquia obteve uma data – outubro de 2005 – para a abertura do processo das negociações de adesão à UE. O AKP apresenta-se como um partido “democrata muçulmano”, usando assim uma fórmula semelhante à da tradição democrata cristã, a mais europeia das correntes políticas dominantes. A adesão da Turquia à União Europeia é o oposto do confronto de civilizações, declara Recep Tayyip Erdoğan.

Extremamente minoritários, os meios liberais de esquerda, europeus convictos, tornaram-se, sem o saberem realmente, os seus embaixadores devotados juntos dos diplomatas e dos jornalistas ocidentais. Encontraram finalmente no AKP um partido que tinha a coragem e os meios para decapitar o inimigo comum, o Exército (autor de quatro golpes de Estado militares em cerca de trinta anos) e de o confinar aos quartéis.

No entanto, essas reformas iriam em breve ser interrompidas. Em 2004-2005. Muito antes de a batalha contra os militares estar ganha. Por duas razões. A primeira é pouco conhecida, mas é essencial para se compreender Recep Tayyip Erdoğan.

Em 2003, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)confirmou a dissolução, pelo Tribunal Constitucional turco, do partido islâmico Refah, justificada por, no contexto turco, este constituir uma ameaça à democracia, enquanto a dissolução do partido comunista e de partidos autonomistas era considerada como sendo contrária ao direito europeu. Recep Tayyip Erdoğan não compreendeu essa diferença.

Violenta campanha difamatória

Pior ainda: em junho de 2004, ao emitir o acórdão definitivo sobre o caso Leila Sahin, o supremo tribunal de Estrasburgo confirmou a exclusão daquela jovem da universidade, por uso do véu islâmico. Um choque para Recep Tayyip Erdoğan, cujas filhas tiveram de ir estudar para os Estados Unidos, para poderem continuar a usar o véu. Mais uma vez, Erdoğan não compreendeu que aquilo que é autorizado na maior parte dos países europeus, ir para a universidade com o véu, fosse motivo de um acórdão contrário, no caso da Turquia.

E, quando fala de “duplicidade de critérios”, Erdoğan tem essencialmente em mente esses dois acórdãos. Estes fizeram vacilar a sua frágil convicção de que a União Europeia garantia a liberdade de religião.

A segunda razão é mais conhecida. Em 2005, os franceses tiveram de se pronunciar sobre o tratado que estabelecia uma Constituição europeia. A candidatura turca foi alvo de uma violenta campanha difamatória. A Turquia foi usada como um papão, instrumentalizado, para fins eleitorais, pelo Presidente Nicolas Sarkozy, que – juntamente com a Alemanha – propôs à Turquia uma “parceria privilegiada”, uma fórmula destituída de sentido para o único país que, havia tanto tempo (1995), tinha assinado um acordo de união aduaneira com a União Europeia.

Recep Tayyip Erdoğan queria restituir o orgulho e um destino nacional aos turcos que o tinham elegido, mas o que estava a acontecer representava o contrário disso. O facto marcou-o profundamente: sentiu-se humilhado. A espiral infernal tinha começado.

Situação quase esquizofrénica

Muitos responsáveis turcos deixaram de acreditar nessa União Europeia que os desprezava. A Turquia decidiu abrandar, depois parar ou mesmo inverter o movimento de reformas liberais e democráticas, necessário a uma integração demasiado hipotética. Recusou-se a aplicar as regras da união aduaneira a Chipre, país que já era membro da União Europeia e cujo norte continua a ocupar.

Desde outubro de 2005, foram abertos à negociação 13 dos 33 “capítulos” mas apenas um foi fechado. Desde junho de 2010, que nenhum outro “capítulo” foi aberto. Em julho de 2012, Ancara suspendeu todos os contactos com a União Europeia, durante os seis meses de presidência da União por Chipre, que Ancara continua a recusar-se a reconhecer.

Neste momento, Recep Tayyip Erdoğan encontra-se numa situação quase esquizofrénica relativamente à União Europeia. Por um lado, está a tomar consciência de que o sonho otomano seduz moderadamente os vizinhos árabes, e de que a influência da diplomacia turca na região se deve em boa parte à sólida integração ocidental do país. Por outro, tornou-se agora quase impossível reconhecer perante a opinião pública turca que, afinal, a integração europeia seria, pelo menos do ponto de vista económico e diplomático, a melhor coisa que poderia acontecer à Turquia.

VISTO DA TURQUIA

Erdoğan é responsável, mas mantém popularidade

Continua o braço-de-ferro entre o Governo de Recep Tayyip Erdoğan e os manifestantes que, há mais de duas semanas, ocupam o Parque Gezi, em Istambul. Dia 16 de junho, a polícia dispersou com recurso a gás lacrimogéneo e flash-ball os perto de dez mil manifestantes que se tinham reunido no parque. Os manifestantes reagiram, erguendo novas barricadas e, em inúmeras outras cidades, surgiram manifestações espontâneas.

Quanto à opinião pública turca, uma recente sondagem do instituto MetroPOLL, citada na edição inglesa do diário turcoZaman, revela que os turcos mostram-se cada vez mais preocupados com as medidas de força tomadas pelo Governo em democracia e reconhecem que há uma interferência cada vez mais notória no seu estilo de vida. […] Um em cada dois respondentes (49,9%) considera que o Governo se encaminha para um estilo de governação autoritária e repressiva, contra 36% que consideram que o Governo progride para a via da democratização. […] Em relação aos protestos do Parque Gezi, esta sondagem revela que a opinião pública turca atribui a escalada de manifestações ao Governo, em geral, e ao primeiro-ministro, em particular.

A popularidade do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), de Erdoğan, perdeu, por seu lado, 11% em junho de 2013, comparativamente ao período homólogo do ano anterior, dos quais 7% foram perdidos no último mês, continuando a ser o primeiro partido do país.

Brasil – DILMA E OS JOVENS: NÃO É APENAS UM PROBLEMA DE EDUCAÇÃO




Luiz Carlos Azenha, São Paulo – Correio do Brasil, opinião

O blogueiro Altamiro Borges costuma falar sobre a capilaridade dos grandes conglomerados de mídia do Brasil apontando para as agências de distribuição de fotos e notícias, que espalham o conteúdo gerado no Rio de Janeiro ou em São Paulo mesmo para os pequenos jornais ou emissoras de rádio do interior de Goiás ou da Amazônia.

Quando a Secom, a Secretaria de Comunicação ligada à Presidência da República, diz que mudou a distribuição de verbas publicitárias para fomentar e apoiar órgãos locais e afirma que isso contribuiu para a democratização de conteúdos, está falando uma meia verdade: isso pode até resultar na contratação de jornalistas locais, mas não garante que a pauta seja distinta da dos grandes meios, que ocupam espaço nas publicações com seus colunistas e ditam o que é ou não pauta nacional.

De minha parte, tenho escrito sobre o paradoxo da chamada “crise da mídia”. As empresas demitem jornalistas e reduzem custos ao mesmo tempo em que aumentam sua influência sobre o público através da apropriação das ferramentas disponíveis aos usuários das redes sociais.

No passado, o leitor de Arapiraca, em Alagoas, provavelmente teria de esperar o dia todo até receber sua edição de O Globo impressa no Rio de Janeiro. Agora, via Facebook, ele recebe o artigo do Merval Pereira pregando a prisão de José Dirceu disseminado pelos próprios internautas. Mais que isso, recebe o artigo recomendado por um parente ou amigo, o que acrescenta um peso — vamos dizer, “emocional” — ao conteúdo.

O poder dos conglomerados se ampliou na medida em que eles dispõem de mais recursos para disputar espaço nas redes sociais.

Surgiu, no entanto, uma inédita capacidade dos mais jovens, antenados e digitalizados, de influir na pauta nacional através da formação de redes de opinião múltiplas e não necessariamente ligadas a partidos políticos.

Como tenho dito desde o primeiro Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, a disputa agora já não é apenas pelo controle dos meios de produção de notícias, que de fato se democratizaram pelos padrões capitalistas (montar um blog e comprar uma câmera digital exige muito menos capital que o que Roberto Marinho usou para montar uma rede de TV). A disputa hoje é também sobre a capacidade de disseminar em rede conteúdos de seu interesse.

O erro do Partido dos Trabalhadores em geral e do governo Dilma em particular foi descuidar da informação na era da informação.

Lembro-me de quando Ronald Reagan, o Grande Comunicador, estava em minoria no Congresso dos Estados Unidos e decidiu falar diretamente aos eleitores, por cima dos mandatos distritais, usando para isso a visibilidade garantida ao púlpito presidencial.

Donald Regan, assessor de imagem do presidente norte-americano, bolava os eventos. Reagan desembarcava no interior do Texas e, ao lado de fardos de feno, falava sobre a política agrícola, garantindo espaço na mídia local e regional.

A presidente Dilma aparentemente não gosta de usar o púlpito para fazer política, ou seja, para contestar as versões sobre os fatos apresentadas como verdades absolutas pela mídia (como o apagão elétrico que, afinal, nunca aconteceu), para defender suas próprias ideias e influir na pauta de debates.

Com isso, perante a opinião pública, está sempre na defensiva. Ainda que o apagão tenha, afinal, se mostrado uma ficção midiática, a nova dinâmica das redes sociais disseminou fortemente a impressão de um governo acuado, sem respostas, vacilante — com implicações para a imagem deDilma que podem ter tido algum impacto inclusive nas pesquisas de opinião.

Ossificado, o PT parece não ter entendido até agora a importância da batalha da comunicação. Em desvantagem nos espaços da grande mídia, o partido já deveria ter desenvolvido uma estrutura para produzir e disseminar conteúdos nas redes sociais.

Falo de discursos, notas oficiais e posicionamentos individuais dos parlamentares do PT, partido que dispõe ainda de um amplo corpo de técnicos e intelectuais que poderiam influir nos debates nacionais e se contrapor à pauta proposta pelas grandes redações.

É irônico que Dilma tenha sido vaiada justamente no estádio mais bonito dos que foram construídos para a Copa das Confederações e que, dizem os que estiveram lá, deveria servir de orgulho para a engenharia nacional.

O que me leva ao segundo ponto. Não se trata apenas de um problema de comunicação, mas também e principalmente de prioridades políticas.

Ao abraçar as empresas de telefonia — sejam quais forem os motivos para isso — e engavetar um Plano Nacional de Banda Larga baseado na universalidade, no investimento público e no livre acesso em praças ou pontos de encontro de jovens, o governo Dilma fechou as portas para que milhões de seus apoiadores ingressassem no mundo digital, disseminando suas ideias e opiniões nas redes sociais. A culpa é de Paulo Bernardo?

Ao abraçar os ruralistas — sejam quais forem os motivos para isso — e demolir a Funai, o governo Dilma se afastou dos indígenas, causando o desgosto de centenas de milhares de jovens internautas com grande capacidade de mobilização nas redes. A ironia suprema é que hoje a direita usa a causa indígena… para atacar um governo cujo partido principal de sustentação sempre teve compromisso histórico com os indígenas. Culpa da Gleisi Hoffmann?

Ao abraçar os fundamentalistas — sejam quais forem os motivos para isso — e cancelar campanhas de esclarecimento sobre a AIDS, além de demonstrar ambiguidade na questão do Estatuto do Nascituro, o governo Dilma perde o apoio de outro tanto de jovens militantes políticos que também são militantes digitais capazes, articulados e influentes. Culpa do Alexandre Padilha?

Ao abraçar Gulherme Afif Domingos, o vice-governador de Geraldo Alckmin, e torná-lo ministro — sejam quais forem as justificativas para isso –, além de prometer apoio federal para a repressão a um movimento social em São Paulo, o governo Dilma se distancia profundamente de sua própria base (a Juventude do PT, saibam, faz parte das manifestações). Culpa de José Eduardo Cardozo?

Notem, portanto, que não se trata apenas de um problema de comunicação.

O fato é que existe uma nova dinâmica da informação, comandada em parte por jovens inconformados, que querem mudanças.

Porém, os compromissos do governo Dilma contribuiram para alijar das redes sociais uma parcela significativa de seus apoiadores, que se encontram entre os excluídos digitais.
Além disso, deram motivo para que militantes com poder de influência multiplicassem as críticas aos rumos da coalizão cada vez mais conservadora liderada pelo PT.

É como se houvesse um choque geracional entre o mundo digital e o mundo analógico (na observação de gente como Marcelo Branco e Sergio Amadeu) — com o PT encarnando, sem reação, o papel de um governismo conservador e desatento às pressões sociais que, lá atrás, estiveram na origem do próprio partido.

Luiz Carlos Azenha é jornalista, editor do site Viomundo.

Brasil: Dilma poderá ter surpresa nas urnas, avalia o publicitário Duda Mendonça




Correio do Brasil, São Paulo

O publicitário Duda Mendonça, responsável pela área de marketing da campanha vitoriosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, alertou à presidenta Dilma Rousseff que, mesmo com a popularidade em alta, novos candidatos podem significar uma supresa nas urnas.

– Para quem está hoje com 70% de popularidade, não faz sentido não ganhar no primeiro turno. Significa que tem alguma coisa que está mexendo aí”. Ele se refere à taxa da aprovação pessoal da presidente em algumas pesquisas. No Datafolha, a administração dilmista é aprovada por 57%.

Com 68 anos, Duda deverá voltar às campanhas políticas em 2014, provavelmente na candidatura do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),Paulo Skaf, que visa o governo do Estado de São Paulo, pelo PMDB. Segundo afirmou ao diário conservador paulistano Folha de S. Paulo, o “risco maior” para Dilma na corrida presidencial é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).

– Ele é realmente novo. Ele é a surpresa. O Aécio (Neves) já tem muito tempo aí. A Marina (Silva) também. Já não são novidades – disse.

Segundo Mendonça, “a eleição é uma coisa que mexe muito com o país. Mexe muito com as pessoas pobres. Mistura tudo. É uma emoção só”.

Mesmo que o país viva hoje um panorama mais positivo do que há 10, 20 anos “depois de quatro anos, depois de oito anos, as pessoas se habituam com as conquistas. Querem outras. Na hora que elas sentem que qualquer coisa mexeu, elas esquecem um pouco tudo de bom que elas ganharam. Querem mais”, adianta o publicitário.

Para Duda Mendonça, as manifestações de rua nos grandes centros, sobretudo em São Paulo, aparentemente contra o aumento da passagem de ônibus, são um exercício de democracia. Mas querem dizer muito mais:

– As pessoas têm o direito de se manifestar contra aquilo que acham errado, contra aquilo que incomoda. Contra aquilo que bate no bolso, sobretudo. Agora, é lógico que sempre no período de eleição essas coisas ganham uma dimensão…

Segundo o marketeiro político, as eleições do ano que vem já estão na rua.

– É só você ler os jornais (…). A eleição está na rua. Ainda mais quando tem uma eleição de presidente por trás. Acelera a eleição de governador, acelera a eleição de deputado. Então, o calor está na rua – afirmou.

Embora a situação do país tenha melhorado, “na hora que tem uma derrota, o pau quebra”, disse. “Depois de quatro anos, depois de oito anos, as pessoas se habituam com as conquistas. Querem outras. Na hora que elas sentem que qualquer coisa mexeu, elas esquecem um pouco tudo de bom que elas ganharam. Querem mais”.

– No plano nacional, o PT governa há 10 anos. Em São Paulo, o PSDB governa há 20 anos – acrescentou dizendo que não há uma fórmula capaz de evitar a fadiga de material na política.

Para Duda Mendonça, se tal fórmula existisse seria “muita responsabilidade para quem lida com isso”.

– Acontece que as pessoas querem mais. E querem, às vezes, atitudes mais jovens. Querem reviravoltas mais importantes. Ninguém pode deixar de dizer que o Brasil melhorou muito nos últimos anos. Mas, essa melhora as pessoas assimilaram e querem mais. Elas estão esperando que isso aconteça – afirmou.

“Os governos da presidente Dilma e do presidente Lula foram uma sequência. E isso tem vantagens. Não há uma interrupção. Só que o eleitor hoje está muito mais sábio. Muito mais experiente, muito mais maduro”, continua.

– Bobo é achar que o eleitor é bobo. Na televisão, antigamente, quem batia no outro, eles (os eleitores) aceitavam tudo. Depois descobriam que aquele que batia, que criticava, que levantava críticas, ele era pior. Era pior do que quem estava sendo acusado. Ele (o eleitor) entendeu que a televisão não é o espaço para bater nem para agredir ninguém. É um espaço para se falar de planos, de progresso – acrescentou.

Outro fator a ser levado em conta nas próximas eleições é o papel da internet que, ainda segundo o publicitário, “cresce assustadoramente” e está muito maior agora no Brasil.

– A televisão é, sem dúvida, o grande veículo para uma campanha política. Mas a internet cada vez mais cresce. Vai crescer e até superar a televisão em algum prazo. Sobretudo, com um público jovem e com acesso das pessoas mais pobres. Antigamente, isso era uma coisa de elite. Hoje, não. Hoje, todo mundo tem internet. Todo mundo vê – concluiu.

Na foto: O governador Eduardo Campos (PE)

Portugal – Greve Professores: Fenprof. Muitos exames foram "feitos com ilegalidades"



Jornal i - Lusa

Adesão à greve foi superior a 90%

Os sindicatos estimam que a greve dos docentes se tenha fixado numa adesão próxima dos 93%, com mais de 20 mil alunos impedidos de realizar exame nacional de Português, e que muitos só se realizaram com “ilegalidades e arbitrariedades”.

Os números foram avançados hoje, num hotel em Lisboa, por Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), que falava em nome de todos os sindicatos que convocaram a greve de professores que hoje decorreu a nível nacional.

“Em diversas escolas onde os exames se realizaram isso só foi possível através do recurso a ilegalidades, a irregularidades e a arbitrariedades que não deviam ter acontecido e que agora, pensamos nós, competirá à IGEC (Inspeção-Geral de Educação e Ciência) averiguar o que se passou e agir em conformidade. Só a título de exemplo chegaram-nos informações de recurso a vigilantes que não são docentes. Desde terapeutas a formadores”, referiu Mário Nogueira.

O líder da Fenprof enumerou ainda várias situações denunciadas por professores de todo o país e que, no entender dos sindicatos, configuram irregularidades ou até mesmo violações da lei.

Entre as denúncias recebidas pelos sindicatos estão a vigilância da prova de Português por professores da disciplina, a distribuição de alunos de salas onde não se puderam realizar exames por salas onde estes já estavam a decorrer, chegando a haver 30 alunos por sala, a utilização de espaços que “não são próprios” para a realização das provas ou a substituição “na hora” de docentes do secretariado de exames por outros sem consulta do conselho pedagógico, “como exige o regulamento”, e o recrutamento de docentes “à porta da escola” para vigilância de provas sem que tivessem tido qualquer preparação para o efeito.

De algumas escolas chegaram mesmo denúncias de terem sido recrutados pais para fazer vigilância dos exames.

“É de legalidade duvidosa, para nós não é certo que algumas destas substituições não configurem uma efetiva violação da lei da greve. Iremos ainda tentar perceber o que se passou”, declarou Nogueira.

O sindicalista recusou ainda que a realização de exames de Português por 70% dos alunos inscritos possa ser considerada uma derrota para os sindicatos, reafirmando que a greve dos professores não era aos exames.

“Se 93% dos professores tivesse feito greve e nenhum exame tivesse ficado por fazer isso teria sido uma grande vitória dos professores”, disse.

Os professores, que começaram por fazer uma greve ao serviço de avaliações, decidiram agendar uma paralisação geral para hoje para contestar o regime de requalificação profissional e a mobilidade geográfica proposta pelo Governo, bem como o aumento do horário de trabalho de 35 para 40 horas semanais.

Face à ausência de acordo entre Governo e sindicatos, um colégio arbitral decidiu pela não realização de serviços mínimos.

O Ministério da Educação ainda recorreu da decisão, mas não obteve resposta em tempo útil, tendo garantido que as escolas estavam preparadas para a realização das provas.

O ministro da Educação, Nuno Crato, anunciou hoje que os alunos que hoje não conseguiram realizar os exames de 12.º ano terão de faze-los no próximo dia 02 de julho.

Portugal – Justiça: A MULHER DE CÉSAR



António Marinho Pinto – Jornal de Notícias, opinião

Luís Noronha Nascimento deixou este mês (dia 12) a presidência do Supremo Tribunal de Justiça e jubilou-se, ou seja, deixa de trabalhar, mas continua com todas as regalias dos juízes no ativo, incluindo as remuneratórias. O trajeto que o levou a presidente do STJ começou no início dos anos noventa. Primeiro conquistou o sindicato dos juízes, depois o Conselho Superior da Magistratura e, finalmente, o STJ.

Noronha Nascimento é daquelas pessoas que não olha a meios para atingir os fins. Os seus princípios estão orientados para os seus fins. Ideologicamente, é um estalinista puro, ou seja um indivíduo que é capaz de fazer alianças com o próprio diabo, se isso for útil ao que pretende. O seu granítico corporativismo judicial é como que uma síntese entre Béria e Torquemada. Os direitos dos cidadãos pouco interessam perante os privilégios dos juízes.

De uma ambição sem limites, instrumentalizou o sindicato dos juízes e o próprio CSM. Muitos acusam-no de, a partir do CSM, ter controlado o acesso ao STJ e, assim, ter formado, com amigos seus, o colégio eleitoral que haveria de o eleger presidente desse tribunal. O caso chegou a ser denunciado, mas sem quaisquer consequências. Todos se calaram, ou melhor todos comentavam em privado, mas publicamente agiam como se nada estivesse a acontecer, mostrando, assim, o que é, desde há muitos anos, o principal (des)«valor» da nossa República Democrática: a cobardia.

A sua ilimitada vaidade levou-o a contratar, mal chegou a presidente do STJ, uma agência de comunicação e a alterar o site do tribunal para aparecer, logo na abertura, em lugar de destaque, a sua fotografia em pose provinciana de estadista. Enquanto todos os outros tribunais mostravam aquilo que se procura no site de um tribunal, o do STJ exibia a figura mefistofélica do seu presidente ladeado de bandeiras.

Em encontros promovidos por titulares de outros poderes de estado, Noronha Nascimento dava sempre nas vistas pelo seu protagonismo de circunstância, normalmente exibindo aos anfitriões uma cultura geral do tipo Reader's Digest. Essa vaidade pessoal levou-o a degradar a própria dignidade de juiz, pois aceitou incumbências incompatíveis com o seu estatuto funcional, designadamente a de representar, em atos políticos no estrangeiro, titulares do Poder Político que ele poderia vir a ter de julgar.

Mas foi a decisão de mandar destruir as escutas de José Sócrates no processo «Face Oculta» que levantou dúvidas sobre a sua imparcialidade como juiz, já que o suspeito era nem mais nem menos o primeiro-ministro e líder da maioria política que aprovara, contra toda a nossa tradição judicial, algumas medidas tão queridas pelos conselheiros do STJ, nomeadamente a célebre «dupla conforme», ou seja, a impossibilidade de se recorrer para o STJ da decisão do tribunal da relação que confirme a decisão de primeira instância.

Portugal é dos países que tem mais conselheiros, porque, no final dos anos oitenta, o atual código de processo penal previa um recurso direto da primeira instância para o STJ. Isso foi aproveitado pelos juízes para aumentar o número de conselheiros de cerca de vinte para mais de setenta. Esse tipo de recursos acabou há muito, mas os conselheiros mantiveram-se (como se mantém o subsídio de habitação do tempo em que os juízes não podiam permanecer mais de seis anos no mesmo tribunal). É certo que, devido à crise económica e financeira, Noronha Nascimento só realizou parcialmente o binómio sindicalista de «menos trabalho e mais dinheiro». Os juízes do STJ têm hoje muito menos trabalho do que tinham quando ele foi eleito presidente e mantêm os seus principais privilégios.

Por outro lado, o filho de Noronha Nascimento conseguiu, durante o tempo em que o pai foi presidente do STJ, arranjar um emprego num organismo do Estado que dependia diretamente de José Sócrates. Pode ser apenas coincidência, pode tudo ter corrido dentro da mais estrita legalidade e normalidade, mas, até por isso, Noronha Nascimento deveria ter-se recusado a apreciar o caso das escutas de José Sócrates e, sobretudo, não deveria andar a fazer insistentes declarações públicas sobre a irrelevância criminal de conversas telefónicas cujo conteúdo as pessoas ignoram. É que a um juiz não basta ser honesto, é preciso parecê-lo.

Portugal – Greve de Professores: MAIS DE 22 MIL ALUNOS NÃO FIZERAM EXAME



Pedro Sousa Tavares – Diário de Notícias

O Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, disse esta tarde que "mais de 70%" dos alunos inscritos fizeram o exame nacional de Português, citando informações do Júri Nacional de Exames. Ainda assim, face aos 74 407 inscritos nas provas, as contas do ministro significam que mais de 22 300 alunos não fizeram as provas.

Os sindicatos de professores anunciavam, esta manhã, taxas de adesão à greve da ordem dos 90%, desconhecendo-se ainda a versão do governo.

No entanto, o facto de as escolas terem recebido orientações para convocarem todos os seus professores - e não apenas os que estavam destacados para o serviço aos exames - atenuou o impacto dos protestos. Houve escolas onde todas as provas ou grande parte delas realizaram-se graças ao recurso a outros professores para a vigilância, nomeadamente professores do 1.º e 2.º ciclo.

Mas houve também várias escolas onde não se realizou qualquer prova ou onde apenas uma parcela dos alunos fez a avaliação externa.

Nuno Crato disse que os alunos que não fizeram exame serão avaliados no dia 2 de julho, às 09.30.

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Portugal: PODE UM HOMEM SOZINHO DAR CABO DE UM PAÍS?



Miguel Sousa Tavares - Leituras

Pode, se o deixarem à solta: é o que Vítor Gaspar está há quase dois anos a tentar fazer a Portugal. Ele dará cabo do país e não deixará pedra sobre pedra se não for urgentemente dispensado e mandado regressar à nave dos loucos de onde se evadiu.

Já suportámos tudo a Vítor Gaspar: nove trimestres consecutivos de previsões sucessivamente falhadas; erros de avaliação de uma incompetência chocante; subidas de impostos que conseguiram o milagre de fazer cair a receita fiscal; meio milhão de novos desempregados em menos de dois anos e milhares de empresas chutadas para a falência; cortes cegos em tudo o que estava em marcha para mudar o nosso paradigma de país subdesenvolvido — como a aposta na investigação, na ciência, nas novas tecnologias, nas energias alternativas; um despudor e uma arrogância a corrigir os erros cometidos com novos erros idênticos, que, mais do que teimosia e obstinação suicidarias, revelam sim o desespero de um ditador intelectual perdido no labirinto da sua ignorância. Gaspar não sabe como sair do desastre em que nos meteu e, como um timoneiro de uma nave em rota de perdição, ele já não vê nem passageiros nem carga, ou empregos e vidas a salvar: prefere que o navio se afunde com todos a bordo e ele ao leme. Sem sobreviventes nem testemunhas.

Vendo-o na sua última aparição pública, a dar conta das linhas orientadoras do DEO, percebi que ele já não tem rumo nem bússola. Nem sequer tem linhas orientadoras da estratégia orçamental ou do que quer que seja. Apenas tem um número, que, aliás, vai sucessivamente engrossando à medida que o desastre se vai tomando cada dia mais nítido: 1,3 mil milhões, 4 mil milhões, 6,5 mil milhões. Cada nova previsão falhada, cada novo erro de avaliação por ele cometido, tem como consequência, não um pedido de desculpas ou a promessa de se render e arrepiar caminho, mas antes a ameaça de mais e mais sacrifícios sobre uma economia e um povo exauridos. Afinal, anuncia ele agora, a recessão não vai inverter-se no final deste ano, como previra, mas só lá para 2015 ou 16; afinal, o “desemprego ainda vai subir antes de começar a descer” daqui a uns dois anos, talvez; afinal, a “sustentabilidade das contas públicas”, que nos diziam iminentemente assegurada, vai exigir sacrifícios “para uma geração”. Mas o que mais me choca ainda é o tom nonchalant com que debita as novas ameaças, como se, milhão a mais milhão ou a menos, dois anos a mais ou dois anos a menos, não fizesse grande diferença nas vidas concretas de gente concreta, destruídas a mando da sua incompetência.

Sim, incompetência: porque o mais extraordinário de tudo é pensar que Vítor Gaspar impôs ao país uma política de austeridade suicida que o conduziu a uma das maiores recessões da sua história e sem fim à vista e, em troca, não conseguiu as duas que ele e os demais profetas da sua seita de fanáticos juravam ir alcançar sobre as ruínas do país: nem fez a reforma do Estado nem controlou o crescimento da dívida pública — pelo contrário, perdeu-lhe o controlo. Mas para onde foram então os 24.000 milhões de euros que as políticas de austeridade de Vítor Gaspar roubaram à economia, às empresas e aos trabalhadores e pensionistas, nestes dois anos? Sumiram-se para onde, serviram para quê?

Incompetência, porque tudo aquilo que Vítor Gaspar sabe fazer e faz, qualquer merceeiro, sem ofensa, sabe fazer: contas de somar e subtrair. Agora, faltam-lhe 6,5 mil milhões? É fácil de resolver, basta agarrar numa caneta e num papel.

Ora, vejamos: conta de subtrair — tiram-se 2 mil milhões aos pensionistas e 3 mil milhões aos salários dos funcionários públicos. Temos 5 mil milhões, faltam 1,5.

Conta de somar: aumenta-se o IRS (o único imposto que ainda garante retomo acrescido na receita fiscal). Aí estão os 6,5 mil milhões — a “reforma do Estado”. Mas alguém lembra então a Gaspar que isto vai significar menos consumo privado e que menos consumo significa mais falências, mais desemprego, mais subsídios de desemprego a pagar. Contrariado, Gaspar volta a agarrar na caneta e desenha nova “medida de estratégia orçamental”, ou seja, nova conta de subtrair: tira-se meio milhão às verbas do subsídio de desemprego. E quando alguém lembra ao ministro que o subsídio de desemprego já foi reduzido na sua duração a um paliativo mínimo e as suas regras de acesso, de tão restritivas que são, apenas abrangem 45% dos desempregados, Gaspar responde: “Então, por isso mesmo, e, aliás, em obediência ao princípio da igualdade, diminui-se a prestação aos que a têm”.

É assim que Vítor Gaspar governa o país, perante a aquiescência do primeiro-ministro e a cumplicidade do Presidente da República. Eles sustentam que tudo fará sentido e valerá a pena no dia em que Portugal regressar aos mercados.

Não é um sonho, é um delírio: quanto mais o PIB cai mais sobe a dívida pública, calculada em percentagem do PIB. E, quando olharem para nós, sem a “protecção” da troika, o que irão os mercados ver? Um país em recessão permanente, com a dívida sempre a subir e governado por Passos Coelho e Vítor Gaspar. Em que filme de aventuras é que eles aprenderam que um país assim é salvo por filantropos? Não, Gaspar não nos vai levar de volta aos mercados, a não ser em condições de estertor final; ele vai é levar-nos de volta a um novo resgate. E esse vai fazer-nos retroceder cem anos.

Há alternativa? Há, tem de haver. É isso que o novo primeiro-ministro italiano, Enrico Lette, anda a dizer pela Europa fora: tem de ser possível fazer a reforma financeira dos Estados e fazer aceitar os sacrifícios necessários para tal, desde que, em contrapartida, tudo o que os governos tenham para oferecer não seja uma geração de sacrifícios, como anuncia displicentemente Vítor Gaspar. Porque, como disse Leite, aquilo que não faz sentido e que é intolerável é continuar com políticas que geram taxas de desemprego de 15, 20, 25% e de desemprego juvenil entre 30 a 50%. Pode ser que na nave dos loucos onde se produzem génios da dimensão de um Vítor Gaspar se tenha congeminado a tese final do capitalismo triunfante: uma economia sem trabalho e sem trabalhadores. Às vezes dá-me mesmo a ideia de que sim, mas é preciso que a loucura deles seja da estirpe mais perigosa de todas para imaginarem que a Europa e qualquer uma das suas nações sobreviverá assim e pacificamente.

Mesmo com um Governo italiano arrastando ainda e uma vez mais o fantoche de Berlusconi, mesmo com uma França chefiada pelo triste Hollande ou uma Espanha chefiada pelo incapaz Rajoy, mesmo com a Grécia de Samaras, a Europa do sul está finalmente a mover-se, por instinto de sobrevivência. Sem perder tempo, Lette foi direito à origem do mal: a Berlim e a Bruxelas. Ele não fará abalar Angela Merkel nas suas convicções e interesses próprios e não conseguirá também fazer com que Durão Barroso deixe de oscilar conforme o vento, até ficar tonto. Mas, se conseguir unir o sul e juntar-lhe outros povos acorrentados pelos credores e condenados à miséria, enquanto o norte prospera sobre a ruína alheia, de duas uma: ou a Europa se reconstrói como uma livre associação de Estados livres ou implode às mãos da Alemanha. Qualquer das soluções é melhor do que esta morte lenta a que nos condenaram. (…)

É claro que nada disto dá que pensar a Vítor Gaspar, que vem de outro planeta e para lá caminha, nem a Passos Coelho, que estremece de horror só de pensar que alguém possa desafiar a autoridade da sua padroeira alemã. Nisso também tivemos azar: calhou-nos o pior país para viver esta crise. Mas este Governo vai rebentar, tem de rebentar. Porque a resposta à pergunta feita acima é não. Não, um homem sozinho não pode dar cabo de um país com quase nove séculos de história.


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