segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ESCOLA PÚBLICA, ESCOLA GRATUITA



Miguel Tiago - AbrilAbril, opinião

Uma sociedade em que os cidadãos não sejam colocados de forma igual perante a política, a economia, a cultura e os serviços do Estado, não é democrática.

Começam por estes dias a entrar nas escolas as crianças com os primeiros manuais escolares gratuitos. Pela primeira vez em Portugal, os pais mais ricos e os pais mais pobres vêem os seus filhos entrar com livros que custaram a ambas as famílias o mesmo esforço financeiro: nenhum. E entram todos com manuais nas mochilas, não há crianças de mochilas vazias enquanto outras as levam carregadas.

A proposta da gratuitidade dos manuais escolares há muito defendida pelos comunistas portugueses não está desligada do entendimento que temos do conceito de gratuitidade do ensino previsto e fixado na Constituição da República Portuguesa. Por isso mesmo, a gratuitidade dos manuais escolares para o 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico, determinada por proposta do PCP no quadro do Orçamento do Estado para 2016, reveste-se de uma importância proporcional ao silenciamento que essa conquista mereceu na comunicação social dominante.

Não se trata de uma medida do âmbito assistencial, é algo de alcance muito mais fundo e vasto. A perspectiva política em que assenta a proposta do Partido Comunista Português, e concretizada no quadro da actual solução política, é a da plena concretização da gratuitidade do ensino em todos os seus graus.

Seria politicamente desajustado dizer que a política do Governo PS rompe com as linhas e opções dos sucessivos Governos, mas não se pode negar que existem conquistas progressistas num contexto conservador, assim o determinem a dimensão da luta de massas, a força das organizações sindicais de classe e a força das organizações políticas dos trabalhadores. A gratuitidade dos manuais escolares é um desses elementos, um desses traços de conquista e progresso num contexto que não deixa de ser conservador e que não deixa de se enquadrar nas limitações e condicionantes que o capitalismo e a União Europeia colocam a Portugal, por opção dos sucessivos Governos, de entre os quais o actual não se destaca.

«Se a Escola não pode eliminar as assimetrias que existem na sociedade, pode fazer com que se repercutam o mínimo possível na aprendizagem de cada criança, de cada jovem.»
É também por isso que a gratuitidade dos manuais escolares para os alunos do 1.º ano do 1.º ciclo não pode ser dissociada de uma luta mais ampla e audaz, pela gratuitidade do Ensino, pela qualidade da Escola Pública e pela construção de uma democracia social, económica, cultural e política.

A gratuidade do ensino, de que faz parte a dos manuais escolares enquanto estes desempenharem o papel que actualmente desempenham no âmbito do processo educativo, é um dos pilares de uma Escola da República que é, por sua vez, o mais estrutural pilar de uma democracia.

Se é verdade que as dimensões social, económica, cultural e política da democracia são interdependentes e interpenetrantes, não é menos verdade que a Educação desempenha um papel absolutamente fundamental para a concretização de cada uma dessas dimensões. Uma sociedade em que os cidadãos não sejam colocados de forma igual perante a política, a economia, a cultura e os serviços do Estado, não é democrática. Uma sociedade em que uns têm condições para ter todos os meios e instrumentos de estudo e outros não conseguem comprar atempadamente os manuais escolares é uma sociedade que, logo no início da formação da cultura dos seus indivíduos, cria assimetrias e amplia clivagens.

A gratuitidade do Ensino, e daqui não podemos excluir a gratuitidade dos transportes, da alimentação, dos manuais e outros instrumentos de estudo, do alojamento, as propinas do Ensino Superior, é pois algo mais do que uma medida de acção social: é a base da Escola Pública. Se a Escola não pode eliminar as assimetrias que existem na sociedade, pode fazer com que se repercutam o mínimo possível na aprendizagem de cada criança, de cada jovem. Ou seja, um aluno filho de ricos estará sempre em vantagem, mas o Estado tem o dever de atenuar a vantagem, elevando as condições dos alunos filhos de pobres. A gratuitidade para todos, independentemente da sua capacidade económica é a resposta mais justa e mais democrática, pois que a justiça social em Portugal deve ser procurada através do sistema fiscal redistributivo. Se a família é rica, paga mais impostos e se é pobre, paga menos, mas quando chegam os seus filhos à escola, ambos terão do Estado o mesmo: a gratuitidade.

Este passo – o da gratuitidade dos manuais no 1.º ano do 1.º ciclo do Ensino Básico – não pode ser visto como uma conquista isolada, antes como um primeiro elo de uma corrente de progresso que, ainda que limitada, abre potencialidades democráticas que seriam impensáveis concretizar há, por exemplo, dois anos atrás. Este passo, no entanto, não pode de forma alguma ser menorizado ou secundarizado porque ele representa, para milhares de famílias portuguesas uma diferença substancial: há dois anos atrás, fustigados pelos cortes salariais, pelo aumento de impostos, pelo desemprego, os pais estariam a ser ainda confrontados com os custos dos manuais escolares; hoje, com a reposição salarial no horizonte mas ainda alvos de uma política fiscal injusta e de um desemprego estrutural avassalador, os pais portugueses podem ambicionar o alargamento da gratuitidade dos manuais escolares a outros anos de escolaridade, assim também se empenhem connosco na luta por uma escola pública, gratuita, democrática, inclusiva e de qualidade para todos. 

Foto: A gratuitidade do ensino é um dos pilares de uma Escola da República / Rádio Hertz

SAÍDA DO EURO. ASSIM, ANDAMOS A SERRAR PRESUNTO E POUCO MAIS



Mário Motta, Lisboa

SAÍDA DO EURO

O PCP aprovou ontem na reunião do Comité Central a existência de um aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e a recuperação da soberania monetária de Portugal. A saída do Euro está ao rubro na discussão.

Jerónimo de Sousa esclareceu que "Abre-se agora uma terceira fase de preparação do congresso [entre 2 e 4 de dezembro em Almada], em que os militantes são chamados a pronunciar-se sobre o texto e a eleger os delegados ao congresso". Pode ler na TSF.

Ficamos à espera. É certo e sabido que Portugal no Euro só está para perder e sem a mínima possibilidade de inverter a situação. O Euro serve a Alemanha e países mais fortes (grosso modo) à custa da dependência e controlos castradores da economia dos outros países, os mais fracos – na Europa de Leste e nos países do sul. Urge que Portugal possua moeda própria, o Escudo.

É FARTAR VILANAGEM

Em título, também na TSF, pode ficar a saber que, segundo o PS: "É possível que as nossas previsões não se venham a confirmar". E mais: “Carlos César acredita, no entanto, que o "ritmo de crescimento da economia vai aumentar".O líder parlamentar socialista elogia Marcelo e desafia o PSD a garantir votos para que haja presidente do CES.”

Sabemos que a chamada “geringonça” vai andando devagar, devagarinho e parada. As dificuldades para as populações mais carenciadas continuam gritantes. As parcas migalhas que foram distribuídas não chegam para superar a ínfima parte dos “cortes” impostos pelo governo neoliberal-fascista de Passos, Portas e Cavaco. 

César admite que nem todas as previsões se venham a confirmar, o que significa que os mais carenciados, os mais fragilizados podem esperar nada ou, talvez, mais algumas migalhas. O regabofe dos ricos cada vez mais ricos e os pobres (miseráveis) cada vez mais pobres (miseráveis) vai prosseguir. Costa, o seu governo, está a fazer que anda mas não anda. Enquanto os partidos de esquerda que o apoiam parlamentarmente vão ficando pacientemente à espera e na esperança que a “maquina” avance e a justiça social e as outras justiças inerentes ao Estado de Direito passem a ser uma realidade. A chantagem e os pauzinhos na engrenagem dispostos pela UE, pelo PSD e pelo CDS, pela globalização, são flagrantes… E Costa não dá o devido murro na mesa. Assim não vamos lá. Andamos a serrar presunto e pouco mais.

Para complicar (e muito) as medidas que seriam melhores para a maioria dos portugueses existe um exército muito ativo de jornalistas e fabricantes de opinião que são uma imensa mole de vendidos a umas quantas vantagens e avenças que lhes são proporcionadas pelos grandes grupos do capital. A manipulação e a intoxicação são o pão nosso de cada dia, a alienação é usada pelos portugueses (por imensos europeus) como bóia de salvação para sobreviverem neste caos imposto pelo neoliberalismo-fascista, sustentado, em Portugal, por Passos e quejandos da espécie dos vende-pátrias em prol da exploração dos povos e da instalação da miséria.

Até por isso a saída do Euro é imperiosa. A saída é certa. Mas quando? Quanto mais depressa melhor, com conta peso e medida.

Também é certo e sabido que um dia a revolta dos europeus ocorrerá. Provavelmente irão entregar-se nos braços do populismo, do fascismo. Isso não é o que interessa aos portugueses. Para os que esbulham os povos a máxima é “enquanto o pau vai e vem folgam as costas” e isso reflete-se no aumento das suas fortunas depositadas em odres a transbordar com o produto dos roubos e desumanidades.

Nada mais certo: É fartar vilanagem!

EUA: AS RAZÕES OCULTAS DO VENDAVAL TRUMP



Candidato não se alimenta apenas do grotesco. Ele captou revolta do americano médio contra o establishment político, a oligarquia financeira, a mídia arrogante. Por isso, poderá surpreender até o fim

Ignacio Ramonet – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho

Segundo alguns, e ainda que faltem dois meses para as eleições presidenciais do próximo 8 de novembro, nos Estados Unidos, o cenário está claro: a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton, seria eleita e se converteria – vencendo uma série de preconceitos machistas – na primeira mulher a governar os destinos da principal potência mundial do nosso tempo.

A pergunta é: o que aconteceu com o candidato do Partido Republicano, o tão “irresistível” e mediático Donald Trump? Por que, de repente, o magnata despenca nas pesquisas? [1] Sete em cada dez estadunidenses não se sentiriam “orgulhosos” em tê-lo como presidente, e só 43% o julgariam “qualificado” para sentar-se no Salão Oval (enquanto que 65% julgam, ao contrário, que a sra. Clinton está qualificada) [2].

Convém recordar que, nos Estados Unidos, as eleições presidenciais não são nacionais, nem diretas. Trata-se, isso sim, de cinquenta eleições locais, uma por estado, que determinam um número preestabelecido de 538 grandes eleitores. São eles, na verdade, quem elege o (ou a) chefe de Estado. Por isso, as pesquisas de nível nacional têm apenas um valor indicativo e relativo (3).

Diante de sondagens tão negativas, o candidato republicano remodelou sua equipe em meados de agosto e nomeou um novo chefe de campanha, Steve Bannon, diretor do site ultraconservador Breitbart News Network. Também começou a mudar seu discurso em direção a dois grupos decisivos, os afro-americanos e os hispânicos.

Trump conseguirá inverter a tendência, para impor-se na reta final da campanha? Não se pode descartar. Porque este personagem atípico, com suas propostas grotescas e suas ideias sensacionalistas, desbaratou até agora todos os prognósticos. Diante de pesos pesados como Jeb Bush, Marco Rubio ou Ted Cruz, que contavam com o resoluto apoio do establishment republicano, muito poucos viam-no vencendo as primárias do Partido Republicano – mas ele carbonizou seus adversários, reduzindo-os a cinzas.

É preciso entender que, desde a crise financeira de 2008 (da qual ainda não saímos), já nada é igual em lugar nenhum. Os cidadãos estão profundamente desencantados. A própria democracia, como modelo, perdeu credibilidade. Os sistemas políticos foram sacudidos até a raiz. Na Europa, por exemplo, multiplicaram-se os terremotos eleitorais (entre eles, o Brexit). Os grandes partidos tradicionais estão em crise. E em toda parte percebe-se o ascenso de formações de extrema direita (na França, na Áustria e nos países nórdicos) ou de partidos anti-sistema e anticorrupção (Itália, Espanha). A paisagem política parece radicalmente transformada.

Esse fenômeno chegou aos Estados Unidos, um país que já conheceu, em 2010, uma onda populista devastadora, encarnada então pelo Tea Party. O aparecimento do multimilionário Donald Trump na corrida pela Casa Banca prolonga aquela onda e constitui uma revolução eleitoral que nenhum analista soube prever. Ainda que sobreviva, aparentemente, a velha bicefalia entre democratas e republicanos, a ascensão de um candidato tão heterodoxo como Trump constitui um verdadeiro terremoto. Seu estilo direto, popularesco, e seu personagem maniqueísta e reducionista, apelando aos baixos instintos de certos setores da sociedade – muito diferente do tom habitual dos políticos estadunidenses – conferiu-lhe um caráter de autenticidade aos olhos do setor mais decepcionado do eleitorado da direita. Para muitos eleitores irritados com o “politicamente correto”, que acreditam que não se pode dizer o que se pensa sob pena de ser acusado de racista, a “fala livre” de Trump sobre os latinos, os imigrantes ou os muçulmanos é percebida como um autêntico desabafo.

O candidato republicano soube interpretar o que poderíamos chamar a “rebelião das bases”. Melhor do que ninguém, percebeu a fratura cada mais maior entre as elites políticas, econômicas, intelectuais e midiáticas, por um lado, e a base do eleitorado conservador, por outro. Seu discurso violentamente anti-Washington e anti-Wall Street seduziu particularmente os eleitores brancos, pouco cultos e empobrecidos pelos efeitos da globalização econômica.

É preciso lembrar que a mensagem de Trump não é semelhante à dos partidos neofascistas europeus. Não é um ultradireitista convencional. Ele próprio define-se como um “conservador com sentido comum” e sua posição, no leque da política, se situaria mais exatamente à direita da direita. Empresário multimilionário e estrela arquipopular da tele-realidade, Trump não é antisistema, nem – é claro – um revolucionário. Não censura o modelo político em si, mas sim os políticos que o têm dirigido. Seu discurso é emocional e espontâneo. Apela aos instintos, ao fígado, não ao cérebro, nem à razão. Fala para essa parte do povo estadunidense entre a qual começaram a se espalhar o desânimo e o descontentamento. Dirige-se a gente que está cansada da velha política, da “casta”. E promete injetar honestidade no sistema; renovar nomes, rostos e atitudes.

Os meios de comunicação deram grande divulgação a algumas de suas declarações e propostos mais odiosas, patafísicas ou “ubuescas”. Recordemos, por exemplo, sua afirmação de que todos os imigrantes ilegais mexicanos são “corruptos, delinquentes e violentadores”. Ou seu projeto de expulsar os 11 milhões de imigrantes ilegais latinos, que quer enfiar em ônibus e tirar do país, enviando-os para o México. Ou sua proposta, inspirada no seriado Game of Thrones, de construir um muro fronteiriço de 3.145 quilômetros ao longo de vales, montanhas e desertos, para impedir a entrada de imigrantes latino-americanos e cujo orçamento de 21 bilhões de dólares seria financiado pelo governo do México. Nessa mesma ordem de ideias, anunciou que proibiria a entrada de todos os imigrantes muçulmanos… E atacou com veemência os pais de um oficial estadunidense de religião muçulmana, Humayun Khan, morto em combate em 2004, no Iraque.

Também sua afirmação de que o casamento tradicional, formado por um homem e uma mulher, é “a base de uma sociedade livre”, e sua crítica à decisão da Corte Suprema, de considerar o casamento entre pessoas do mesmo sexo como um direito constitucional. Trump apoia as chamadas “leis de liberdade religiosa”, incentivadas pelos conservadores em vários estados, para negar serviços a pessoas LGBT. Sem esquecer suas declarações sobre o “engodo” das mudanças climáticas que, segundo Trump, é um conceito “criado pelos e para os chineses, para fazer com que o setor industrial estadunidense perca competitividade”.

Esse catálogo de necessidades horripilantes e detestáveis foi, repito, maciçamente difundido pelos meios de comunicação dominantes, não só nos Estados Unidos, mas no resto do mundo. E a principal pergunta que muita gente se coloca é: como é possível que um personagem com ideias tão lamentáveis consiga uma audiência tão considerável entre os eleitores estadunidenses que, obviamente, não podem estar todos lobotomizados? Algo não se enquadra.

Para responder a essa pergunta, foi necessário derrubar a muralha informativa, analisar mais de perto o programa completo do candidato republicano e descobrir quais outros pontos fundamentais, silenciados pelas grandes mídias, ele defende. Elas não lhe perdoam, em primeiro lugar, que ataque de frente o poder midiático. Criticam-no constantemente por incentivar o público em seus comícios a vaiar a mídia “desonesta”. Trump só afirma: “Não estou competindo contra Hillary Clinton, estou competindo contra os meios de comunicação corruptos”. [4] Em um tweet recente, por exemplo, escreveu:”Se os meios de comunicação repugnantes e corruptos me cobrissem de forma honesta e não introduzissem significados falsos nas palavras que digo, estaria ganhando de Hillary por uns 20%.

Por considerar a cobertura midiática injusta ou distorcida, o candidato republicano não teve dúvidas em retirar, de várias publicações importantes, as credenciais de imprensa para cobrir seus atos de campanha. Entre outros, Washington Post, Politico, Huffington Post eBuzzFeed. Atreveu-se a atacar a Fox News, a grande cadeia do direitismo panfletário, apesar de esta, no fundo, apoiá-lo como candidato favorito…

Outra razão pela qual os grandes meios de comunicação atacam Trump é porque denuncia a globalização econômica, convencido de que esta acabou com a classe média. Segundo ele, a economia globalizada está levando cada vez mais gente ao fracasso. O candidato recorda que, nos últimos quinze anos, mais de 60 mil fábricas tiveram de fechar nos Estados Unidos, e quase cinco milhões de empregos industriais bem remunerados desapareceram. É um protecionista fervoroso. Propõe aumentar os tributos sobre todos os produtos importados. “Vamos recuperar o controle, faremos com que os Estados Unidos voltem a ser um grande país”, afirma, retomando seu slogan de campanha.

Partidário do Brexit, Donald Trump revelou que, se chegar à presidência, também retirará os EUA do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, em inglês). Também investiu contra o Acordo de Parceria Transpacífica (TPP, em inglês) e assegurou que estará fora. “O TPP seria um golpe mortal para a indústria dos Estados Unidos”, declarou.

Em regiões como o rust belt, o “cinturão da ferrugem” do nordeste dos EUA, onde as deslocalizações e o fechamento de fábricas provocaram altos índices de desemprego e pobreza, esta mensagem cala fundo. Assim como seu repúdio aos cortes neoliberais impostos à seguridade social. Muitos eleitores republicanos, vítimas da crise econômica de 2008 ou que têm mais de 65 anos, precisam recorrer ao Social Security(aposentadorias) e ao Medicare (saúde pública), que o presidente Barack Obama desenvolveu e que outros líderes republicanos querem eliminar. Trump prometeu não tocar nestas conquistas sociais, reduzir o preço dos medicamentos, ajudar a resolver os problemas dos “sem teto”, reduzir os impostos pagos pelos pequenos contribuintes e suprimir o imposto federal que pesa sobre 73 milhões de famílias modestas.

Contra a arrogância de Wall Street, Trump propõem aumentar significativamente os impostos dos gestores de hedge funds, que ganham fortunas, e apoia o restabelecimento da Lei Glass-Steagall. Aprovada em 1933, em plena depressão, esta lei separou os bancos tradicionais dos bancos de investimento, para evitar que os primeiros pudessem fazer investimentos de alto risco. É óbvio que todo o setor financeiro opõe-se absolutamente ao restabelecimento da medida.

Na política externa, Trump quer estabelecer uma aliança com a Rússia, para combater com eficácia o Estado Islâmico. Embora, para isso, Washington tenha de reconhecer a anexação da Crimeia por Moscou. Também, e ao contrário de muitos líderes de seu partido, declarou que apoia o restabelecimento de relações entre os Estados Unidos e Cuba.

Todas estas propostas não invalidam, em absoluto, as inaceitáveis e odiosas declarações do candidato reupublicano, difundidas com fanfarra pelos meios de comunicação dominantes. Mas explicam, sim, o porquê de seu êxito em amplos setores do eleitorado dos Estados Unidos.

Notas:
[1] No final de agosto, Hillary tinha uma vantagem de 6,8 pontos sobre Donald Trump, em plano nacional, segundo a média de sondagens calculada na internet por RealClearPoliticas. Porém, no fechamento da versão em português deste texto, a diferença já havia caido para apenas 1,5 ponto. Acompanhe aqui.
[2] Vários estudos revelam também que a chapa democrata Hillary Clinton-Tim Kaine derrotaria a dupla republicana Donald Trump-Mike Pense em alguns segmentos sociológicos determinantes: as mulheres (51% x 35%), os afro-americanos (91% x 1%), as minorias étnicas (69% x 17%), os jovens (46% x 34%), os eleitores com curso superior (47% x 40%) e os homens (43% x 42%). Donald Trump só venceria entre os eleitores brancos (45% x 40%), os maiores de 60 anos (46% x 43%) e os eleitores brancos sem diploma (49% x 39%).
[3] Mesmo assim, segundo essas pesquisas, a candidata democrata também derrotaria Trump em vários estados decisivos, como Flórida, Pensilvania o Virgínia. Sabendo que a Califórnia (com 55 “grandes eleitores” e Nova York (29) votam sempre em favor dos democratas, bastaria a Hillary vencer na Flórida (29), Pensilvania (20) e Virgínia (13) para aproximar-se com folga da cifra mágica de 270 delegados que garante a eleição.
[4] Em seu comício de 13 de agosto, em Fairfield (Connecticut). Fonte: http://www.monde-diplomatique.es/
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LULA, O PERSEGUIDO



A acusação contra Lula confirma que o Brasil viveu um golpe de Estado e o que se segue é a etapa de perseguição aos derrotados.

Editorial do La Jornada*, do México

O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva foi acusado nesta quarta-feira (14/9) pelo Ministério Público Federal do seu país, em meio ao processo que investiga os subornos na estatal Petrobras. A denúncia apresenta o líder petista como “o comandante máximo do esquema de corrupção” que operava dentro da empresa, e afirma que ele recebeu comissões ilegais da construtora OAS. O passo seguinte pode ser dado pelo juiz Sérgio Moro, que decidirá se a denúncia é procedente, coisa que pode acontecer, visto que o mesmo é um inimigo declarado de Lula.

Embora a investigações em torno das operações ilegais, a chamada Operação Lava-Jato, vem apontando como principais acusados a vários políticos do PMDB, partido que agora governa o Brasil, o PMDB – como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, responsável por iniciar e promover a manobra de destituição de Dilma Rousseff –, não se deve ignorar o fato de que dirigentes históricos do PT, e particularmente o ex-mandatário agora acusado, são o objetivo prioritário dos promotores.

O contexto é significativo: a acusação ocorre dias depois de que Lula anunciasse sua intenção de se apresentar como candidato às eleições presidenciais de 2018, o que outorga à causa contra ele um matiz político inocultável. Também se deve considerar a pouca verossimilidade da versão apresentar, que contrasta com o nível de vida do velho dirigente operário, que se distancia muito de alguém que percebeu algum enriquecimento súbito – em contraste com os numerosos integrantes da classe política tradicional envolvidos em casos da Lava-Jato, que ostentam fortunas dificilmente explicáveis se não for pelos esquemas de corrupção, e o de Cunha é exemplo mais grotesco.

Em tais circunstâncias, a crise política que o Brasil vive talvez deva ser vista como uma operação de duas fases: uma legislativa, que concluiu com a destituição de Dilma Rousseff, e uma judiciária, que está voltada agora contra o seu mentor e antecessor no cargo. Seria esta, portanto, a reação de uma oligarquia que mal tolerou conjunturalmente o exercício da presidência por parte de um líder sindicalista metalúrgico e uma lutadora social que militou em um grupo guerrilheiro contra a ditadura militar nos Anos 60 do século passado. Além dessas evidentes antipatias, também está presente o afã de destruir o PT e o que representou o seu governo, que obedecia ao desígnio de mudar o rumo do poder público e da realidade socioeconômica da maior nação da América Latina, suprimir a política de soberania diplomática e as políticas populares de sua administração, para operar uma regressão ao neoliberalismo, tarefa que Michel Temer, o presidente imposto após a queda de Dilma, já vem realizando.

Assim, a acusação contra Lula parece confirmar o fato de que o Brasil viveu um golpe de Estado de colarinho branco, e que, como ocorria após as quarteladas militares de outrora, o que se segue é a etapa de perseguição aos derrotados.

*Tradução: Victor Farinelli, em Carta Maior

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