Martinho
Júnior, Luanda
1 – Se há, no momento da viragem entre as opções da hegemonia unipolar para um
universo humano multipolar, uma região repleta de perigos, essa região é a que
se convencionou chamar de Médio Oriente, (Ásia do Sudoeste).
De facto os perigos ali estão em concentrado: sua intensidade é enorme e
impactam numa área mais restrita que a área com riscos em África, onde eles
estão muito mais diluídos, são mais difusos, de muito menor custo (tendo em
conta a tipologia das intervenções) e nem por isso deixam de causar ainda mais
vítimas.
Além do mais uma grande parte dos conflitos contemporâneos em África têm origem
no Médio Oriente, onde as monarquias sunitas arábicas impulsionam as redes
radicais islâmicas e, sem qualquer pinta de respeito, disseminam-nas não só em
direcção à Síria, ao Iraque, ao Líbano ou ao Iémen, mas também em direcção ao
Egipto, à Líbia, à Somália, ao Quénia, ao Mali, à Nigéria e a outros que mais adiante
se verá em África…
Essa disseminação integra a panóplia de meios instrumentalizados pelo império:
com baixo custo o império desestabiliza, para depois pegar nas suas próprias
forças armadas e ir para África “apagar a fogueira do terrorismo”, subalternizando
a esse tipo de projectos as forças armadas dos países africanos!
… Se há hoje riscos em Angola do sangue voltar a jorrar, é do Médio Oriente que
eles nos chegam, pelo menos em termos financeiros, sob impulso do império!...
2 – Como o mapa nos ilustra de forma tão eloquente, é no Oriente Médio onde se
concentra a produção mais barata de petróleo e de gás, que são extraídos quase
ao nível do solo, um solo arenoso e de relativamente fácil perfuração!
Por dentro do continente e no mar se concentram também algumas das vias e rotas
de transporte mais estratégicas e por isso ali estão as duas presenças a que me
refiro:
- Uma (a da hegemonia unipolar do império anglo-saxónico), a que se relaciona
com as monarquias arábicas feudais desde a década de 20 do século passado
(impactos maiores no Médio Oriente, a sul)!
- A outra (a da emergência multipolar) sobretudo impulsionada pela Rússia e
pelo Irão (mas também com a presença da China no mar), muito mais “fresca” que
a anterior (impactos maiores na Ásia Central, a norte)!
Esse quadro esbate-se em África, onde não é tão impressivo, nem tão evidente…
até por que em relação ao petróleo e ao gás, a quantidade é menor e os custos
de produção são consideravelmente mais elevados…
Por razões físico-geográficas, históricas, económicas e financeiras, a
intensidade dos riscos tornou-se muito elevado no Médio Oriente, em relação a
outras regiões do globo e uma dessas razões pode-se hoje ter como determinante:
é ali que estão alguns dos maiores compradores de armas do planeta e algumas
das forças militares convencionais mais poderosas da Terra!
Israel, Arábia Saudita, a Síria, o Irão, são alguns dos maiores compradores de
armas, década após década, numa tendência que remonta ao antecedente do Tratado
de Quincy, no final da IIª Guerra Mundial, quando o Presidente Roosevelt, a
caminho de Ialta, se encontrou com o monarca saudita Ibn Saud, a “casa de
Saud”!
A troco de manter as prerrogativas dos seus mais importantes consórcios no
acesso ao petróleo, os Estados Unidos passaram a garantir a segurança das
monarquias arábicas e por isso não foi difícil à CIA, quando os soviéticos
estavam no Afeganistão no período final da Guerra Fria, recrutar Bin Laden e
instrumentalizar a Al Qaeda!...
3 - … E são insurgentes, uma parte deles ligados à Al Qaeda e todos eles
armados pelos aliados arábicos e por alguns dos componentes da NATO com os
próprios Estados Unidos à cabeça, que espalham o terror do Cáucaso ao Iémen,
passando pelo Iraque, pela Síria e pelo Líbano, utilizando trampolins como a
Turquia, a Jordânia e sobretudo a Arábia Saudita, o Catar, os Emiratos Árabes,
o Bahrein!...
… Enquanto a emergência expande seus oleodutos no continente Euroasiático com a
Rússia à cabeça, ao mesmo tempo que procura neutralizar o terrorismo islâmico
no Cáucaso e na Síria.
As linhas da hegemonia unipolar mesmo assim estão debaixo de compressão geo
estratégica no Médio Oriente e começaram a sofrer vários reveses.
Os Estados Unidos estão-se a retirar do Iraque e do Afeganistão, deixando neste
último a pior das manchas que o mapa aliás indica em cores vivas: um país cuja
principal exportação (para a União Europeia como para os próprios Estados
Unidos) é o ópio!
O Afeganistão passou a ser, segundo o Wikileaks, o país vigiado a 100% pelos
meios electrónicos do império e o ópio tem também que ver com isso!
O império conseguiu que sua voracidade financeira, em função dos interesses
criminosos da aristocracia financeira mundial, investisse no petróleo, no gás,
no armamento e… no ópio!
4 – A dialéctica entre o mundo obsoleto protagonizado pelo império e seus
aliados e a vontade emergente, é muito forte nesta região tão crítica, sob os
pontos de vista geo estratégico e geo político do Médio Oriente.
As velhas instituições internacionais não estão a conseguir encontrar
capacidades para o diálogo, para a procura de consensos e até para uma trégua,
ou um simples cessar-fogo que dure algumas horas, ou uns dias!
Por isso torna-se bem claro com este exemplo, que novas instituições
internacionais têm de ser criadas, por que é impossível ressuscitar o que é
obsoleto e foi imposto a muitos pelo império que se exerce com hegemonia
unipolar e recurso ao fundamentalismo islâmico, ao fascismo, aos nazis e a
todos aqueles que sustentam a ditadura do capital!
Enquanto a Arábia Saudita se mantiver sem alterações profundas em termos de sua
própria sociedade, o império, ainda que com o enfraquecimento do “padrão”
petro-dólar, recorre a um manancial maquiavélico para garantir manipulação,
ingerência e guerra!
Grande parte dos países da região poder-se-ão fraccionar, a Turquia incluída,
em especial se houver um agravamento das tensões internas nas monarquias
arábicas.
Alguns sinais disso já começaram a aparecer, entre eles uma deriva nos
relacionamentos internacionais da Arábia Saudita que começou há muito pouco
tempo e ainda não teve a maturidade suficiente…
Durante muito tempo as tensões fulcrais entre os dois campos vão aqui
subsistir!
Mapa do Médio Oriente: um mar de petróleo e o ópio exportado pelo Afeganistão,
numa região que é uma das maiores compradoras de armamento e possuem alguns dos
mais poderosos exércitos convencionais do globo!