terça-feira, 13 de agosto de 2013

DOCUMENTOS REVELAM CONEXÃO ENTRE ITAMARATY E OPERAÇÃO CONDOR

 


Exclusivo: Documentos – um elaborado por um agregado militar na Embaixada do Brasil em Buenos Aires, e o outro redigido por um quadro do Centro de Informações no Exterior do Itamaraty – descrevem o rapto do coronel Cardim Osorio, considerado um inimigo do general Geisel. Por Dario Pignotti
 
Dario Pignotti* - Carta Maior
 
Brasília – A primeira pista sobre a Operação Condor surgiu no Brasil e envolve um ex-chanceler que pouco foi investigado. O homem de confiança de Henry Kissinger no Brasil durante os anos da coordenação repressiva sul-americana foi Francisco Azeredo da Silveira, titular do Ministério de Relações Exteriores durante o governo do general Ernesto Geisel entre 1974 e 1979.

Ele ascendeu ao cargo depois de ser embaixador na Argentina, "onde ganhou a confiança dos militares, principalmente de Geisel, por ter executado muito bem o trabalho duplo de diplomata e colaborador dos serviços de inteligência que perseguiam e, quando necessário, eliminavam os opositores prófugos", denunciou Jarbas Silva Marques, um ex-prisioneiro político que foi também "testemunha direta da selvageria dos diplomatas que estavam em Buenos Aires fazendo trabalho sujo”.

“Azeredo autorizou não só pessoalmente, como supervisionou o sequestro e a tortura do coronel Jefferson Cardim, em Buenos Aires. Sei disso porque Jefferson Cardim me disse na prisão, onde fomos companheiros", completou Marques.

Até hoje pouco se sabe sobre a participação do Brasil no submundo repressivo regional devido a várias razões. Uma das principais é que os Estados Unidos tem evitado, tanto quanto possível, tornar públicos os documentos sobre ações encobertas executadas com a colaboração do Itamaraty e seu Centro de Informações no Exterior, o Ciex – discreto braço de espiões criado pelo ex-embaixador na Argentina e no Uruguai e suposto informante da CIA Manuel Pio Correa, uma década antes do surgimento da Operação Condor, criada em 1975, durante uma reunião convocada pela ditadura de Augusto Pinochet.

Apesar da escassez (por ocultação) de informações sobre as operações clandestinas e da ainda vigente lenda de que os generais brasileiros não se misturavam muito com seus primos, os gorilas do Cone Sul, qualquer análise sensata chegará à conclusão de que o Planalto, por ser o mensageiro do Departamento de Estado nesta parte do mundo, foi o fiador da Condor. Se Brasília não houvesse bendito – e instigado – o acionar dessa associação ilícita, ela seguramente teria sucumbido.

A gritante assimetria nos critérios adotados pelos governos recentes dos Estados Unidos para jogar luz sobre o ocorrido é sugestiva. Sob os governos de Bill Clinton e George W. Bush, foram desclassificados milhares de relatórios secretos sobre os regimes de exceção chileno, argentino e uruguaio, a partir dos anos 70, enquanto são contados os papéis relativos ao Brasil. Inclusive, é muito pouco o que foi liberado sobre o golpe de Estado contra João Goulart em 1964, depois do qual ele teve de exiliar-se em Montevidéu, onde, desde então, cada movimento seu foi seguido por uma camarilha de espiões brasileiros e uruguaios.

Será que, ao manter na sombra os crimes brasileiros, os Estados Unidos estão preservando a si mesmos?

Ou será que a Condor, como todo crime de Estado, jamais chegará a ser completamente esclarecido, e seus verdadeiros responsáveis gozarão de eterna impunidade?

O Brasil era, desde abril de 1964, o aliado mais confiável de Washington em sua guerra sem fronteiras para "conter" o avanço comunista, mas talvez 1971 tenha sido o ano chave: foi quando surgiu, do alto do poder, no encontro entre Richard Nixon e Emilio Garrastazú Médici, na Casa Branca, o pacto para semear a desestabilização dos governos inimigos e autorizar a caçada de opositores além das fronteiras nacionais.

"Acredito que a intensidade da organização entre Brasil, Argentina, Uruguai e Chile se iniciou depois de alguns sequestros de diplomatas, no Brasil, (embaixador norte-americano Charles Elbrick , 1969) e do agente norte-americano (Dan Mitrione, 1970), no Uruguai, pelas mãos dos Tupamaros, o cônsul brasileiro em Montevidéu (Aloísio Dias Gomide, 1970), as operações de guerrilha argentina dos Montoneros, que eram fortes", declarou o filho do coronel Jefferson Cardim Ossorio, Jefferson "Jeffinho" Lopetegui Ossorio, em entrevista à Carta Maior, a quem assegurou a "participação total, a responsabilidade criminal que teve no sequestro meu, de meu pai e do embaixador Azeredo da Silveira, que nos acompanhou pessoalmente ao avião que nos deportou clandestinamente ao Brasil".

Certamente, Azeredo da Silveira, que havia sucedido o suposto colaborador da CIA, Correa, no cargo, atuou em sintonia com a política de Estado terrorista acordada entre Nixon e Médici, e agiu em consequência a autorizar e acompanhar o rapto do coronel dissidente Cardim Osorio, que foi apenas o primeiro de vários delitos similares perpetrados na capital argentina desde 1970.

Documentos


Dos documentos obtidos em primeira mão por este cronista, um, encontrado em 2011 e elaborado por um agregado militar na embaixada de Buenos Aires, e o outro, redigido por um quadro do Ciex, descrevem com farta informação o rapto do coronel Cardim Osorio, "que sempre foi um inimigo jurado do general Geisel, desde os anos 50", conta seu filho Jeffinho, perpetrado a pouco de desembarcar em Buenos Aires vindo de Montevidéu.

Depois de ter sido espionado na capital uruguaia por serviços brasileiros e daquele país, o coronel “Jeffinho" e um sobrinho do militar foram raptados em uma doca de Buenos Aires no dia 11 de dezembro de 1970, ou seja, cinco anos antes que a ditadura de Pinochet trouxesse militares de outros quatro países para institucionalizar a Condor.

Um dos telegramas secretos que narra o acontecido com o militar brizolista leva em seu canto superior direito um carimbo da Agência Central do Serviço Nacional de Informações e o número de protocolo 001061.

No documento de seis páginas, originado da embaixada brasileira no dia 19 de dezembro de 1970, se revelam os detalhes da operação coordenada entre brasileiros, argentinos e uruguaios que se consumou com o sequestro do coronel Jefferson Cardim, um dos troféus mais cobiçados pela ditadura, e que finalmente seria deportado clandestinamente ao Rio de Janeiro, depois de ser torturado em uma sede da polícia federal do regime do ditador argentino, general Roberto Marcelo Levingston, que também foi informado de todo o acontecido.

"Esse material é uma peça para ser estudada profundamente, eu o chamo de primeira prova documentada sobre uma ação repressiva internacional, seguindo o modelo de coordenação e repressão dele. Sempre disse que o conceito do Condor foi inventado pelo Brasil e essa comunicação secreta, elaborada na Embaixada em Buenos Aires, está confirmando perfeitamente esta tese", declarou Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

Formalmente, a Condor foi fundada em 1975 no Chile, em uma reunião em novembro daquele ano, onde havia correspondentes brasileiros, uruguaios, argentinos, paraguaios, etc.… mas esses papéis não deixam dúvidas de que o sistema existia desde muito antes, porque o rapto e a deportação de Jefferson são fatos pioneiros que depois se repetiriam em casos similares nos anos de 1976, 1977, 1978.

Mas não se deve perder de vista que isso aconteceu em 1970 e que não foi um fato isolado, porque, em outro operativo internacional, em 1971, no aeroporto de Buenos Aires, foi sequestrado quando chegava do Chile Edmur Pericles Camargo, o "Gauchão", que continua desaparecido.

E é muito significativo que, como exposto nesses papeis, o sequestro de Jefferson em 1970 tenha se comunicado com as principais figuras militares e diplomáticas dos governos brasileiro e argentino, e que estes autorizaram tudo o que se fez com o coronel e seu filho, muito jovem naquele momento. Ou seja, se enterra a ideia de que os repressores eram delinquentes que desobedeciam as ordens superiores", observa Krischke.

É verdade que a contribuição entre diplomatas e repressores do Brasil e da Argentina foi motivo de comentários elogiosos no relatório elaborado pelo agregado militar no dia 19 de dezembro de 1970.

No telegrama, se acrescenta também, parte das declarações arrancadas dos dois prisioneiros, Jefferson e seu filho (o terceiro detido foi libertado quase que imediatamente), sob tortura na "Subdelegacia de Assuntos Estrangeiros da Polícia Federal", onde o "Coronel Cáceres (argentino)” recebeu dois agregados militares brasileiros, um disposto na Argentina e o outro em Montevidéu, aos quais manifestou um "notável interesse por parte das autoridades argentinas em colaborar", diz a nota.

"Depois de informar (o coronel argentino Cáceres) sobre os antecedentes de Jefferson e a importância de sua detenção, lhe expressei nosso interesse em que seja entregue às autoridades brasileiras", narra o memorando.

Em um dos fragmentos mais reveladores do cabo (página 5) o autor admite estar surpreso de que, pouco menos de um dia depois da detenção dos opositores brasileiros "fui informado pela Coordenação Federal da Polícia de que o presidente (general Roberto Marcelo) Levingston havia firmado o decreto (autorizando a deportação) e esse fato foi comunicado ao Itamaraty (Chancelaria)", se lê na nota de 19 de dezembro.

Em outro despacho secreto do dia 22 de dezembro de 1970, esse originado no Ciex se menciona que o presidente uruguaio Jorge Pacheco Areco teria sido informado da operação que se executou em Buenos Aires a partir de informações procedentes de Montevidéu, onde residiam as vítimas junto a outros exilados notórios, como o presidente deposto João Goulart e o governador Leonel Brizola.

"Quando li esses papeis descobertos por vocês, a princípio me surpreendi, fiquei meio chocado. Mas depois me dei conta que estava tudo escrito, e eu sabia que por trás de tudo o que nos aconteceu estava a Condor, ou a coordenação repressiva que ainda não se chamava dessa forma. Me veio um calafrio. Depois de informar (o coronel argentino Cáceres) sobre os antecedentes de Jefferson e a importância de sua detenção, lhe expressei nosso interesse em que seja entregue às autoridades brasileiras", narra o memorando. “Porque, pela primeira vez, havia um papel, algo oficial escrito pelos militares, com o carimbo oficial, demonstrando que o Itamaraty estava absolutamente inserido por trás do sequestro meu e de meu pai", resume Jefferson Osorio Lopeteguy Cardim.

*@DarioPignotti

Tradução: Liborio Júnior
 

AUSÊNCIA DE UMA LEI DE IMPRENSA EMPERRA PROJETOS DE MÍDIA EM ANGOLA

 

Deutsche Welle
 
Em entrevista à DW África, a pesquisadora da Human Rights Watch, Lisa Rimli, diz que muitos projetos estão no papel porque a regulamentação da Lei está parada desde 2006. Ela denuncia intimidação e aliciamento dos média.
 
Organizações ligadas à proteção dos direitos humanos e da liberdade expressão têm denunciado diversas violações da liberdade do exercício do jornalismo em Angola. Conforme a Freedom House, que apresenta anualmente relatórios sobre a liberdade em cada país, a mídia em Angola opera em ambiente restritivo.
 
Os veículos de comunicação do Estado continuam sendo a principal fonte de informação e o governo mantém um controle firme sobre a mídia privada.

A organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) denunciou para a DW África a sistemática intimidação, pressão e restrição da atividade jornalística em Angola. Em entrevista exclusiva, a investigadora da organização pró-direitos humanos, Lisa Rimli, disse que um dos grandes desafios do país é a regulamentação da Lei de Imprensa, pela qual se espera desde 2006.

Restrições na frequência

"O universo dos médias independentes em Angola é muito reduzido e, desde 2008, é cada vez menor", constata Rimli. Para a investigadora, o espaço radiofônico seria demasiadamente condicionado e a maior parte dos jornais e rádios privadas estaria sob controle direto ou indireto do partido no poder (MPLA).

A Rádio Despertar é um dos poucos veículos de comunicação privado em Angola. Mesmo assim, sofre restrições, transmitindo somente em Luanda. A emissora "nem sequer é ouvida em toda a capital", constata.
 
Poucos são os veículos tradicionais privados com liberdade de expressão. Por isso, as mídias sociais – como blogs e web sites - são cada vez mais importantes. "O problema é que 3% das pessoas têm acesso à internet em Angola", lamenta.

Lisa Rimli acrescenta que outro empecilho é que Estado interpreta as leis de forma vaga e usa instrumentos de cooptação de profissionais de imprensa para reduzir o poder crítico da mídia independente. A lei angolana considera o ultraje ao Presidente ou aos órgãos da soberania um crime contra a segurança do Estado.

Em 2011, por exemplo, o editor do Jornal Folha 8, William Tonet, foi processado por três generais do Exército de Angola e acabou sendo condenado à prisão. Trata-se de um caso emblemático, onde os militares foram acusados de corrupção pela reportagem. "Em Angola muitos jornalistas são acusados de abuso da Lei de Imprensa", disse Rimli.

Intimidação

Rimli denuncia pressões informais e invisíveis, mas, ao mesmo tempo, extremamente sofisticadas e eficazes. Neste contexto, poucos profissionais conseguem ser jornalistas investigativos sem restrições. "Pouquíssimos conseguem levar queixas a tribunais sobre os abusos que documentaram", afirma.

Ela considera que a cobertura do serviço de segurança do Estado angolano é bastante ampla e existe uma intimidação individualizada. Por vezes, ela ocorre através de familiares de jornalistas, que, por sua vez, acabam pressionando o profissional de imprensa a abandonar o trabalho.

Conforme Rimli, também acontecem as ameaças diretas anônimas, via telefone ou SMS. Familiares também podem ser ameaçados. "Há indivíduos que são mais fáceis de serem intimidados do que outros. À medida que o jornalista é visto como teimoso, as intimidações podem subir de nível. O comum nisto é que nesta variação de práticas o objetivo é o mesmo", constata.

Aliciamento

Muitos jornalistas são vulneráveis à pressão econômica porque o custo de vida é muito alto no país. "São oferecidos acessos a casas próprias ou empregos nos veículos de imprensa estatais. É claro que este tipo de aliciamento leva a autocensura”.
 
Tentativas de aliciamento como estas podem parecer menos perigosas, mas têm uma ameaça velada porque "recusar uma oferta destas pode ser perigoso", adverte a investigadora da HRW.

Ela diz que, do grupo de jornalistas angolanos que teve contato nos últimos dez anos, praticamente todos sofreram algum tipo de aliciamento. Quando um jornalista se torna incômodo, fato que acontece muito nas províncias do país, segundo Rimli, recebe avisos "amigáveis" através da família. "São coisas do tipo: seu parente está em perigo. Devia convencê-lo a deixar de fazer isto porque ele pode ser morto", exemplifica.

A pesquisadora notou que, com o passar dos anos, as práticas se tornaram tão comuns que ninguém mais fala sobre o assunto. "A maior parte das pressões sobre os jornalistas são informais e podem acontecer nas redações ou no terreno. É muito difícil tirar fotos em uma manifestação ou de relatar questões sensíveis de demolições, que afetam muitas pessoas", denuncia.

Mais liberdade nas rádios comunitárias?

Lisa Rimli diz que a legislação não apresenta restrições às rádios comunitárias e elas teoricamente não seriam proibidas porque a lei de imprensa garantiria estes direitos.
 
"A lei de imprensa diz que, para abrir o espaço radiofônico, tem de haver regulamento. Na teoria é possível, mas a regulamentação não é aprovada. Às vezes também é muito oneroso para os próprios requerentes", explica.

Ela considera o atraso na regulamentação da Lei de Imprensa uma grave omissão. "Há muitas idéias e projetos esperando esta legislação. No momento que ela for aprovada devem surgir muitas iniciativas de mídia privada no país", explica. A pesquisadora teme ainda alguma restrição as redes sociais mais populares como o Facebook, a exemplo do que já acontece através da intimidação de blogueiros e donos de sites informativos.

"No Facebook ainda não se sentiu nenhum condicionamento do espaço de internet em Angola. Existe investimentos na vigilância informática. Pela natureza confidencial não são conhecidos. “O patrulhamento do Facebook ainda não se constata neste momento, mas poderá ser o próximo passo", alerta Rimli.

Haveria saídas

Para a pesquisadora da HRW a saída é bastante difícil porque se trata de um conjunto de práticas instaladas.
 
Ela diz que os próprios jornalistas deveriam estar mais organizados. "Há um sindicado de jornalistas que nem sempre dá voz às preocupações dos jornalistas", critica.

Muitos jornalistas que trabalham para a mídia do Estado também podem sofrer pressões, segundo a pesquisadora, como a ameaça de perda do emprego. "Isto é bastante grave porque afeta a subsistência da família. Num ambiente como este, onde há pressões informais e autocensuras, nem sempre as próprias vítimas denunciam as práticas".

Lisa Rimli não quis dizer que o Sindicato dos Jornalistas Angolanos é condicionado, mas ela pensa que o sindicato poderia ser mais interventivo. "Por que não fazem é sujeito a especulação", diz.
 

ANGOLA PRECISA DE AGITAÇÃO SOCIAL, defende sociólogo

 

Coque Mukuta – Voz da América
 
Luanda — O Movimento dos Estudantes Angolanos, reuniu para reflectir sobre os problemas afectos aos estudantes angolanos, mais de duas centenas de estudantes, e na ocasião o Sociólogo João Paulo Ganga apelou aos angolanos pressão contra executivo para a resolução dos problemas sociais.

Angola precisa de uma agitação para a resolução imediata dos problemas sociais do País, afirmou o sociólogo e jornalista João Paulo Ganga.

Segundo o profissional que falava no encontro realizado com a juventude estudantil, defendeu que os estudantes saíssem mais vezes para pressionar o executivo angolano para a resolução dos problemas da sociedade.

Na ocasião Miguel Kimbenze membro do Movimento dos Estudantes Angolanos, disse estar no fim o prazo dado ao executivo para cumprir com as obrigações remetidas na presidência da República.

Os passes sociais para os estudantes e o saneamento básico nas unidades escolares estão entre as obrigações.

João Paulo Ganga disse ainda que o executivo angolano nunca tomou nenhuma medida que seja a favor das populações, sem qualquer pressão ou agitação social.
 

Angola: AMEAÇA DE DEMOLIÇÕES PROVOCA MANIFESTAÇÃO EM LUANDA

 

Manuel José – Voz da América
 
Milhares de famílias poderão ser "despejadas" do bairro Margoso Quarta-feira. Autoridades contradizem-se quanto ás demolições
 
Mais de três mil famílias do bairro Margoso, município da Maianga sentem-se ameaçadas pelo martelo demolidor do Governo da província de Luanda.

Os moradores receberam uma convocatória do governo de Luanda assinada pelo Engenheiro António Teixeira, para amanha a partir das 5 horas começarem abandonar as casas, para serem levadas para a zona do Zango 4.
 
O problema é que os moradores, depois de terem verificado as casas do bairro que os espera decidiram enfrentar o governo com uma manifestação de protesto, por alegada falta de condições de habitabilidade no bairro Zango 4.

"O que o governo quer fazer com o povo não está certo, é uma grande injustiça, onde nos querem meter no Zango 4 não há água, não há luz, não há escolas, não há creches, não há trabalho para nós que vamos sair daqui da cidade," disse Amândio Bernardo morador do bairro Margoso que existe desde antes da independência de Angola.

Outro morador Francisco Ricardo disse que mora no bairro "desde 1958, tinha 12 anos de idade, hoje tenho 67 anos de idade."

Decano do bairro Margoso, Ricardo que quer apenas uma transferência para um bairro com as mesmas ou melhor condições.

Um outro morador disse a Voz da América que o representante do governo de Luanda foi arrogante chegando a chamar nomes aos moradores.

"Dizem que vivemos aqui como ratazanas, se acham que somos ratazanas então tirem-nos daqui e ponham-nos em sitio que seja do nosso agrado" disse Amândio Bernardo

De acordo com o Documento do Governo provincial de Luanda o desalojamento está marcado para o dia 14 portanto amanha.

Só que uma outra autoridade da província, o presidente da Comissão Administrativa da cidade de Luanda José Tavares garantiu que não vai haver nenhum acto de desalojamento de populares no bairro Margoso.

"Quero dizer à população que se mantenha calma porque não vai haver nenhum realojamento amanhã, já que o órgão executivo de Luanda é a Comissão Administrativa da cidade e não temos conhecimento de nenhum acto de realojamento amanha, “ disse Tavares.

José Tavares descarta a existência de qualquer realojamento em Luanda que não passe pelas suas mãos.

"Não há realojamento enquanto não falarem comigo," disse

De qualquer forma a SOS Habitat por intermédio do seu coordenador Rafael Morais já considerou o cato de violação do direito dos cidadãos.

"São pessoas que já vivem aqui a bastante tempo caso tirem as pessoas para o Zango 4 para colocarem outras pessoas isto 'e uma violação dos Direitos das pessoas, " disse Rafael Morais.
 

Angola quer replicar "quanto antes" agilização de fronteiras existentes em Portugal

 

SK – PJA - Lusa
 
O ministro do Interior angolano afirmou hoje, em Lisboa, que Luanda "tudo fará" para implementar quanto antes os procedimentos necessários para que os portugueses também possam usufruir, em Angola, do novo sistema que agiliza o controlo nas fronteiras.
 
"Faremos tudo para corresponder às expectativas hoje criadas", afirmou aos jornalistas Ângelo de Barros Veiga Tavares, durante uma visita conjunta com o homólogo português, Miguel Macedo, à área internacional do Aeroporto de Lisboa, onde inauguraram um sistema de agilização de procedimento de controlo de fronteira entre Portugal e Angola.
 
O projeto-piloto, hoje inaugurado pelos ministros, está a ser desenvolvido entre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o Serviço de Migração e Estrangeiros de Angola, com o objetivo de "facilitar a circulação de cidadãos portugueses em Angola e angolanos em Portugal, em condições de segurança para os dois Estados", segundo o Ministério de Administração Interna (MAI).
 
O sistema, que inclui procedimentos técnicos mais rápidos para autorizar a circulação de passageiros, já funciona no aeroporto da Portela, em Lisboa, e será brevemente implementado também no aeroporto Sá Carneiro, no Porto.
 
No aeroporto internacional de Luanda, que ainda se encontra em obras, esse novo sistema será implementado o "quanto antes" para que "os cidadãos portugueses que entrem e saiam de Angola também possam usufruir das mesmas condições" que já existem em Portugal para os nacionais de ambos os países, vincou Ângelo de Barros Veiga Tavares.
 
O acordo que estabelece o Mecanismo de Agilização de Procedimentos de controlo de fronteira entre os dois países foi assinado hoje pelo diretor português do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Manuel Jarmela Palos, e o diretor angolano do Serviço de Migração e Estrangeiros e Fronteiras, Luis Gouveia.
 
Durante a visita, que foi precedida por uma reunião de trabalho, os governantes destacaram a "rapidez" e o "forte empenho" na concretização deste "ambicioso projeto" e adiantaram que o objetivo passa por, num futuro próximo, implementar esse tipo de sistema noutros países do bloco lusófono, sem, contudo, adiantar mais pormenores.
 
Depois de uma declaração conjunta, os governantes dirigiram-se à Loja do Passaporte do SEF, onde o ministro do Interior de Angola fez o pré-registo, uma obrigatoriedade para todos os cidadãos que queiram utilizar as ‘boxes’ de controlo automáticas de passageiros (RAPID) e beneficiar de uma das vertentes que este novo sistema de agilização de procedimento de controlo de fronteira permite.
 
Já na área internacional, Ângelo de Barros Veiga Tavares, munido do seu, passaporte testou o novo sistema, simulando a sua partida para Angola.
 
O governante angolano escusou-se a falar a comunicação social à margem da iniciativa.
 

Renamo reivindica morte de 36 efetivos das forças armadas moçambicanas no fim de semana

 


A Renamo, maior partido da oposição em Moçambique, reivindicou hoje a morte de 36 militares e polícias das forças de defesa e segurança moçambicanas, a 10 e 11 de agosto, numa "ação de autodefesa", no centro de Moçambique.
 
Falando em conferência de imprensa em Maputo, o porta-voz da Renamo, Fernando Mazanga, disse que "uma ação conjunta das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e da Força de Intervenção Rápida" sofreu 29 baixas mortais no dia 10 de agosto e sete no dia seguinte, "num ataque à segurança" do partido em Pandje, província de Sofala, centro do país.
 
Mazanga disse que não houve vítimas entre os homens da Renamo nem entre a população civil.
 
Ainda não houve qualquer reação oficial a este anúncio.
 
Lusa
 

Portugal: PORQUE SÃO OS POLÍTICOS CADA VEZ PIORES?

 


Pedro Tadeu – Diário de Notícias, opinião
 
António Guterres comparado com Durão Barroso, deixou saudades. Durão comparado com Santana Lopes, deixou saudades. Santana comparado com José Sócrates, deixou saudades (bom, talvez aqui haja uma excepção que confirme a regra...). Sócrates, comparado com Passos Coelho, deixou saudades. Antóno José Seguro, se tomar o poder, vai deixar-nos, quase de certeza, com saudades do Passos Coelho que hoje detestamos.
 
As teorias sobre as razões da continuada degradação da classe política podem somar-se: o carreirismo partidário clientelar; a fraca aprendizagem académica e profissional fora da vida política; a profissão política mal paga e exposta; um rotativismo partidário circular que, por isso, perde competência, imaginação e criatividade; o sistema eleitoral. Há quem alvitre isso, parte disso ou a soma total disso. Não chega.
 
Nenhuma daquelas hipóteses nos dá uma verdadeira resposta: esta degradação no tempo é contínua e linear e não corresponde ao valor individual, pessoal e profissional de cada uma das personagens envolvidas, cujo gráfico tem variações, para cima e para baixo, bem mais dinâmicas do que esta longa e constante linha descendente.
 
O valor das pessoas que entra na política está, portanto, a ser esmagado por outra coisa e a demonstração disso está em termos chegado ao ponto de ser impossível constituir um governo com homens e mulheres que tenham um passado insuspeito de captura pelo bloco central de interesses, que construiu uma teia de relações interdependentes entre o poder político e o poder financeiro, que produz a falsa harmonia do regime.
 
A resposta foi candidamente dada pelo Presidente da República. Para resolver a crise aberta pelas demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas, Cavaco Silva aceitou abrir a porta do poder, recorde-se, a quem formalmente cantasse obediência à União Europeia, ao BCE e ao FMI, o que incluía não haver eleições antes de 2014, a aceitação de cortes de despesas violentas no Estado e reduções rápidas e draconianas de défice e de dívida pública.
 
Isto não é novo. Desde 1986 a política portuguesa é, apenas e só, a entoação do canône europeu. Com a chegada do euro, entretanto, o poder central europeu cresceu demasiado e transformou o palácio de São Bento numa espécie de delegação de Bruxelas e Berlim.
 
Este é o verdadeiro motivo da degradação contínua do pessoal político: não interessa quem está lá, não interessa o nome do maestro. A pauta é única e até lhe chamam Hino à Alegria... Em cada mudança de Governo o novo boneco que lá põem a fingir que dirige a orquestra, que aceita limitar-se a macacaear o boneco anterior, faz sempre, é fatal, pior figura. Eis o problema.
 

Portugal: Palavras "fascista" e "assassino" pintadas na estátua ao cónego Melo em Braga

 

Jornal i - Lusa
 
Na contestação à estátua, têm tido particular protagonismo o PCP e o Bloco de Esquerda
 
A estátua ao cónego Melo, instalada no sábado na cidade de Braga, foi vandalizada durante a última noite, com as palavras "fascista" e "assassino" pintadas a vermelho no pedestal.

Além disso, foi ainda atirada tinta azul para o conjunto escultórico, que atingiu a própria estátua.
 
Na segunda-feira, uma centena de pessoas concentrou-se junto à estátua e exigiu a sua remoção, alegando que o homenageado era "um admirador confesso do Estado Novo e do ditador Oliveira Salazar".

Os manifestantes colaram no pedestal uma "biografia" do cónego Melo em que sublinham a alegada "simpatia" do sacerdote por movimentos de extrema-direita.
 
"[O cónego Melo] ficaria conhecido, após o 25 de Abril, por ter apoiado organizações de extrema-direita, apostadas no derrube do regime democrático, através de ações armadas que vieram a acontecer, com relevantes danos e vítimas humanas, e às quais deu cobertura moral e operacional", lê-se.
 
O documento refere ainda que o homenageado era "bem relacionado com os poderes económico e político locais", tendo primado a sua ação "como intermediário de interesses privados" e usado a sua "capacidade de influência em favor dos amigos e daqueles que lhe eram subservientes".
 
Carlos Silva, professor universitário e um dos rostos da contestação, acusou ainda o cónego Melo de ter orquestrado "ataques a sedes de partidos democráticos, como o PCP, de sindicatos e de outras organizações de esquerda".
 
O representante lançou o apelo aos que discordam da estátua para "cuspirem em sinal de desprezo, mesmo que seja com compreensíveis palavrões, à boa maneira minhota".
 
A estátua, que estava pronta há 10 anos, foi colocada no sábado numa rotunda da cidade de Braga, numa iniciativa de um grupo de cidadãos para homenagear aquele que foi vigário geral da arquidiocese durante mais de três décadas.
 
Na câmara, a instalação da peça foi aprovada com os votos favoráveis do PS e com a abstenção dos vereadores eleitos pela coligação Juntos por Braga.
 
Na contestação à estátua, têm tido particular protagonismo o PCP e o Bloco de Esquerda.
 

Brasil: AS FALANGES EM AÇÃO

 


A cobertura da mídia sobre os protestos no Rio e as ações do governo estadual revelam que eles parecem saudosos da ditadura. Mas a censura, agora, opera através dos próprios meios de comunicação, com a seletividade dos seus noticiários não só sobre as manifestações de rua, mas também diante de temas como a reforma política e a proposta do governo federal para ampliar o atendimento médico. Por Laurindo Lalo Leal Filho, para a Revista do Brasil
 
Laurindo Lalo Leal Filho* - Carta Maior
 
Final de tarde no Rio de Janeiro. Dia da chegada do Papa ao Brasil. No Largo do Machado, reduto histórico de manifestações políticas, entre o Catete e as Laranjeiras, o clima assemelha-se a um happening. Em cantos diferentes da praça reúnem-se jovens católicos de várias partes do mundo, militantes do PSTU, ativistas dos movimentos LGBTS (algumas moças com seios à mostra), outros com bandeiras anarquistas e, claro, os policiais em trajes de guerra. Mas fica cada um no seu canto, com suas armas, cartazes e palavras de ordem. Sem confrontos.

Caminho sem preocupações entre os grupos quando outro tipo de gente chama a minha atenção: homens fortes, com idades entre trinta e quarenta anos, trajando camisetas justas começam a circular pela praça. Um está de luvas, outro enrola-se na bandeira da CTB, uma das centrais sindicais brasileiras. Muito estranho.

Os jovens católicos continuam a cantar nas escadarias da igreja. O grupo com as bandeiras do movimento gay aproxima-se e depois segue com os demais manifestantes rumo ao Palácio Guanabara, onde o Papa é recebido. Perco-os de vista.

Mais tarde soube dos tumultos às portas do palácio. Uma bomba caseira foi atirada contra os policiais. Claro que a culpa é logo atribuída pela mídia conservadora aos manifestantes. O desmentido chega através de um vídeo postado na internet revelando a ação de agentes policiais à paisana provocando tumultos. A maior surpresa vem a seguir. Lá estava em frente ao palácio, sendo dobrada por um policial, a bandeira da CTB vista por mim horas antes no Largo do Machado.

A ação dos policiais infiltrados, os chamados P2, não aparece na TV que, além disso, dá proteção total aos fardados. A GloboNews afirmou que um repórter da agência de notícias France Presse, visto com a cabeça sangrando em frente ao Guanabara, havia sido atingido por um coquetel Molotov. A narrativa fazia crer que a bomba só poderia ter sido atirada pelos manifestantes. Na verdade o jornalista fora vítima de uma cacetada desferida por um policial. O canal reconheceu o erro muitas horas depois, quando o estrago já estava feito. Pude ouvir pessoas nas ruas atribuindo essa violência aos manifestantes, sem saber da verdade.

A reação do governo do Rio foi a pior possível. Por decreto instituiu uma Comissão Especial de Investigações de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas com poderes até para exigir das empresas de telefonia e de servidores da internet a entrega de dados das comunicações feitas por qualquer pessoa. Recuou um pouco diante das reações desfavoráveis. O advogado Técio Lins e Silva chegou a comparar o decreto com as comissões de inquérito criadas na ditadura. “Está entre o delírio e o abuso de poder. É caso de impeachment, há uma violação clara de direitos constitucionais”.

Driblando a inconstitucionalidade a comissão foi mantida e admite investigar a ação dos infiltrados. No entanto, dada a sua composição, fica difícil acreditar que a verdade venha à tona. Formam o grupo representantes do Ministério Público do Rio, da Secretaria de Segurança Pública e das polícias civil e militar.

Diante do histórico dessas polícias só resta chamar o ladrão, como dizia a música do Chico Buarque na época da ditadura.

Mídia e governo do Rio parecem saudosos daqueles tempos. A censura opera agora através dos próprios meios de comunicação com a seletividade dos seus noticiários não só sobre as manifestações de rua, mas também diante de temas como a reforma política, a proposta do governo para ampliar o atendimento médico, a denúncia de sonegação fiscal cometida pela Globo e o debate em torno da democratização da mídia, por exemplo. Temas que, quando não omitem, distorcem.

A desinformação associa-se ao autoritarismo do governo estadual fazendo lembrar - com um arrepio na espinha – do incêndio do Reichestag, o parlamento alemão, ocorrido há exatos 80 anos. Ação isolada de um individuo ou articulada por um grupo nazista serviu de pretexto para milhares de prisões garantindo apoio popular para um governo que levou a humanidade a um dos seus períodos históricos mais aterradores. Há seguidores por aqui.

*Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de agosto de 2013

Fotos: EBC

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Guiana Francesa: UMA LUTA QUE NÃO É DIVULGADA

 


Mário Augusto Jakobskind / Brecha, São Paulo – Opera Mundi
 
Na Guiana Francesa, foi criado comitê de solidariedade pela independência do conclave colonial da América do Sul
 
Enquanto a voz rouca das ruas tem provocado reuniões e mais reuniões dos representantes do povo, que parecem ainda perplexos com os acontecimentos, o mundo seguia girando com fatos silenciados pela mídia de mercado, que continua tentando incutir o medo na população na cobertura das manifestações.

Não por acaso também os meios de comunicação de mercado procuram incutir na população a ideia segundo a qual o financiamento público de campanha eleitoral é inviável e que serão retiradas verbas da saúde e educação para tal fim.

Não é por aí, porque se o Estado estiver disposto a acatar a voz rouca das ruas, pode perfeitamente dispor de verbas para tornar as campanhas eleitorais sem maiores influências do poder econômico. E não é por acaso também que no mundo político vozes contrárias se fazem ouvir, uma delas, no Estado do Rio de Janeiro, a do Senador Francisco Dornelles. Podem imaginar o motivo da contrariedade do referido político conservador.

Enquanto isso, na nossa vizinhança, mais precisamente na Guiana Francesa, foi criado um Comitê Internacional de Solidariedade pela independência do enclave colonial na América do Sul.

Assinam o manifesto de criação figuras expressivas do continente como Martin Almada, Prêmio Nobel da Paz Alternativo de 2002, a jornalista argentina Stella Calloni, entre outros. Eles explicam que “é necessário nos organizarmos para trabalhar pela total libertação de nossa Pátria Grande que é em primeiro lugar a América do Sul, e em termos mais gerais a América Latina e o Caribe”.

O manifesto assinala ainda que “enquanto grande parte da nossa Pátria Grande hoje está mobilizada na luta por sua segunda e definitiva independência, em algum ponto do caminho temos que retroceder 200 anos e voltar a lutar pela primeira independência, como fizeram Bolívar, Sucre, San Martín, Belgrano, Artigas, e tantos mais”.

Lembram ainda os subscritores do manifesto que “embora pareça mentira, o imperialismo mantém, entre suas varias faces, a do colonialismo direto. E na América do Sul o mantém com as Malvinas como colonia britânica e com a Guiana como colonia francesa”.
 
Nos últimos tempos, para justificar o domínio colonial não se pode esquecer que os britânicos, depois de invadirem as ilhas há exatamente 180 anos, expulsaram a população argentina e implantaram nessas terras uma população trazida de 12 mil quilômetros de distância.

Tais fatos precisam ser divulgados e impedir a persistência da arrogância colonial, não raramente com o apoio de setores cooptados pelas benesses do capital internacional ou mesmo por aqueles mentalmente colonizados.

No caso da Guiana Francesa, sob dominação há mais de quatro séculos, onde os europeus integram a classe privilegiada em detrimento de outras populações vindas forçadas da África e Ásia, ainda por cima lá funciona a base espacial de Kourou, onde são lançados foguetes que colocam em órbita os satélites dos projetos Arianne e Vega, da União Europeia e a Soyuz, da Rússia.

E isso para não falar das riquezas naturais da Guiana Francesa como o ouro, a bauxita, petróleo, reservas de água doce e a biodivesidade.

Sob total e absoluto silêncio da mídia de mercado, o poder colonial francês persegue os lutadores pela independência da Guiana, os líderes de movimentos sociais e sobretudo os militantes do Movimento de Descolonização e Emancipação Social (MDES).

Como se tudo isso não bastasse, os colonialistas franceses favorecem a ida de guianenses para a metrópole para exercerem empregos de segunda categoria, bem como trazem europeus para trabalharem em torno da base espacial com salários altos, enquanto a maioria da população vive em condições precárias.

Neste tempo em que se denunciam violações dos direitos humanos em várias partes do mundo, inclusive servindo de pretexto para intervenções criminosas de países ocidentais – a própria França recentemente em Mali – é preciso tornar público que no enclave colonial que faz fronteira com o Brasil muitos guianenses são vítimas de prisão e torturas.

Tais fatos remetem também à famigerada “Escola Francesa”, aquela que, com base nos crimes de lesa humanidade cometidas pelos serviços de segurança contra o povo argelino em sua luta de libertação nacional, instruiu as ditaduras brasileira e argentina a aplicarem métodos repressivos.

Diante de tais fatos, não se pode deixar de apoiar o manifesto pela independência da Guiana Francesa e exortar também as autoridades brasileiras a se manifestarem sobre os acontecimentos na área vizinha.

E ainda exortar algum editor internacional a não mais silenciar sobre os fatos que estão acontecendo na Guiana Francesa.

(*) Correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE
 

EXECUÇÕES E EXTRATIVISMO SÃO ROTINEIROS EM TERRITÓRIOS INDÍGENAS DA ÍNDIA

 


Luis A. Gómez, Calcutá – Opera Mundi
 
Nas operações policiais, povos originários do país são assassinados e depois acusados de serem guerrilheiros
 
Em 24 de maio deste ano, a guerrilha maoísta emboscou um comboio civil no estado de Chhattisgarh, em pleno centro da Índia. Era uma excursão política de dirigentes do Partido do Congresso, que governa o país: quase 60 pessoas, das quais morreram 24 civis e onze agentes especiais da polícia que vigiavam o comboio.

Segundo depoimento dos sobreviventes, o alvo era o deputado indígena Mahendra Karma, de 63 anos. As guerrilhas que participaram da ação identificaram Karma, dispararam no púbis dele e o apunhalaram 78 vezes, em turnos, até que ele sangrasse até morrer. Durante vários dias a imprensa local e altos funcionários do governo hindu ressaltaram o evento macabro, acusando os guerrilheiros de “atacar a democracia”, como expressou o primeiro-ministro Manmohan Singh.
 
Uma explicação possível para esta execução seria a Salwa Judum (Marcha da Paz), grupo paramilitar fundado por Karma em 2005, aparentemente para combater os maoístas. Desde então, mais de mil homens morreram assassinados em Chhattisgarh e centenas de mulheres foram estupradas pelos paramilitares.

Em conjunto com as forças policiais (que no estado operam sem uniformes), a Salwa Judum “limpou” comunidades inteiras a fogo e bala, forçando o deslocamento de mais de dois milhões de pessoas, em sua maioria indígenas. Até que, em 2011, o grupo paramilitar foi proibido e desmobilizado por ordem da Corte Suprema.

A maioria dos abusos aconteceu no distrito de Bastar, rico em jazidas de ferro, e onde operam, desde a aparição dos paramilitares e do início da triste cadeia de execuções civis, algumas corporações mineradoras, como Tata e Mittal. Por essa região, cruzava o comboio onde viajava Karma.

A morte como política nacional

Uma semana antes da morte de Karma, no dia 17 de maio, efetivos do grupo de elite contra insurgente da polícia entraram na aldeia indígena de Edsametta no distrito de Bijapur. Os habitantes celebravam a Festa das Sementes e foram interrompidos pela polícia, que matou oito rapazes, entre eles um menino de oito anos. Na primeira versão oficial, foi um confronto com guerrilheiros; na segunda, os maoístas usaram os mortos como escudos para escapar.
 
O Human Right Forum, uma organização independente, se mobilizou até o lugar e seu relatório diz que, em Edsametta, a polícia assassinou os indígenas. Desde então, ao menos cinco casos semelhantes aconteceram em Chhattisgarh, Orissa e Jharkhand, os estados com maior concentração de riqueza mineral e diversidade indígena (e parte do chamado “Corredor Vermelho” pela presença da guerrilha).

“O Estado da Índia quer tomar a terra, o território e os recursos naturais dos adivasis [indígenas], que não querem entregá-los, pelo que são declarados naxalitas [guerrilheiros], o que significa que a polícia tem licença para matá-los”, detalha Gladson Dungdung, defensor indígena de direitos humanos no estado de Jharkhand e parte do movimento nacional de defesa dos povos originários deste país.

Segundo Dungdung, somente em Jharkhand foram executados pela polícia 557 indígenas até agora, neste começo de século. Em toda a Índia, explica, “chegariam a mais de três mil” durante o mesmo período. Mas a estatística mais surpreendente é que foram e estão sendo feitas diversas investigações judiciais sobre estes massacres e até agora nenhum comandante policial foi detido.

Matar para saquear

No bosque de Saranda, no sul da Jharkhand, a polícia lançou em 2011 a maior operação contra insurgência, a chamada Operação Anaconda. “Saranda” significa “lugar das mil colinas” em idioma ho; é o lugar dos povos indígenas arborícolas e uma reserva natural que abriga tigres e elefantes selvagens. Durante a operação, dezenas de indígenas foram assassinados, a maioria à queima-roupa, que depois foram acusados de serem guerrilheiros.
 
As organizações de direitos humanos pressionaram o governo para investigar e castigar os responsáveis pelos massacres. Uma investigação judicial determinou a responsabilidade de Shamhu Kumar Biswas, comandante-assistente da Força da Polícia da Reserva Central, considerado culpado de assassinatos a sangue frio durante a operação. Ele ainda não foi preso.

Em março de 2012, o relator especial para execução extrajudiciais da ONU, Christof Heyns, apresentou um relatório de sua visita à Índia. Além da impunidade, Heyns identificou a demora judicial e a criminalização das vítimas como elementos para entender a situação geral deste país. Sua principal recomendação foi criar uma comissão crível e autônoma do governo central para investigar as execuções. O governo nem sequer respondeu ao informe.

E dois anos depois de executada a Operação Anaconda, “limpo” o bosque, se outorgaram “até 19 novas permissões de operação de mineração à Tata, Jindal, Mittal, Essar, Electrosteel e outros”, pontua Dungdung, para explorar as ricas jazidas de mineral de ferro e bauxita entre outras nas colinas. Para ele, este padrão é na realidade uma política de Estado de apoio às empresas extrativistas. “Que outra prova necessitamos para demonstrar que se trata de ‘interesses minerais’?”, insiste.

Em 24 de junho, a policia massacrou oito indígenas tharu no estado de Bihar. Os agentes abriram fogo contra uma multidão que protestava em frente a seus escritórios. Dois dos mortos eram crianças. Gladson Dungdung publicou uma carta ao presidente hindu, dando inclusive os nomes e cargos dos perpetradores, mas nenhum funcionário respondeu ao pedido de investigação e justiça.

“Por isso dizia que estes casos são ainda mais tristes”, lembra Dungdung. “Isso vai terminar somente quando os adivasis entreguem terras, territórios e recursos ao Estado para satisfazer a ambição corporativa.”
 
Foto Human Rights Forum/Divulgação
 
 
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Recusa de jovem israelense levanta discussão sobre serviço militar obrigatório

 


Guila Flint, Tel Aviv – Opera Mundi
 
Eyal Yablonko, de 18 anos, se negou a servir o exército por discordar da política de ocupação dos territórios palestinos
 
Quando completou 18 anos, idade com a qual os jovens israelenses abandonam suas casas para cumprir o serviço militar obrigatório, Eyal Yablonko se recusou a seguir a tradição e dessa forma se juntou a um pequeno grupo de cidadãos do país que se nega a ir para o exército. Há três semanas preso em uma cadeia militar como punição, o rapaz justificou a decisão declarando ser contra a ocupação dos territórios palestinos.
 
No momento, ele está incomunicável. De acordo com a advogada de Yablonko, Rawan Eghbariah, o jovem sustenta razões politicas e pacifistas. “Ele é contra o militarismo, em geral, e também contra a situação politica específica da ocupação", disse a Opera Mundi. Yablonko já foi julgado duas vezes por tribunais militares. Na primeira, foi condenado a 10 dias de prisão e na segunda, a 20.

De acordo com a linha adotada em outros casos como o dele, o Exército tenta pressionar os jovens que se recusam a prestar serviço militar por meio de sucessivos julgamentos. Em um episódio anterior ao de Yablonka, Natan Blanc ficou preso durante 6 meses e foi julgado 10 vezes. O israelense foi solto em junho deste ano após uma "comissão de incompatibilidade" o classificar como "inadequado" para servir o exército. Em Israel, já houve casos de jovens que se recusaram por razões politicas e passaram dois anos em prisões militares.
 
O pioneiro em recusar o serviço militar foi Giyora Neumann, em 1971. Ele era contra a ocupação. Desde então, houve casos isolados até a primeira Guerra do Líbano, em 1982, quando a recusa se tornou um fenômeno mais amplo, com a criação do movimento Yesh Gvul (em hebraico o termo tem dois significados – Existe uma Fronteira ou Existe um Limite). O grupo, fundado por soldados da reserva durante a guerra, incentivou soldados a se negarem a lutar no Líbano. Naquela época, cerca de dois mil reservistas não participaram da guerra – 200 foram presos.
 
Ishai Menuchin, de 55 anos, foi um dos fundadores do Yesh Gvul. "É difícil saber os números exatos daqueles que se recusaram ao longo dos anos", disse a Opera Mundi, "mas sabemos que foram milhares, centenas foram presos".
 
[Yeshayahu Leibowitz, intelectual israelense morto em 1994 que militou pela recusa do serviço militar]
Segundo ele, o exército não tem interesse em divulgar esses números e "podemos nos basear apenas nas informações que recebemos diretamente dos próprios soldados”. Ele atualmente é o diretor da Comissão contra a Tortura em Israel.

De acordo com Menuchin, as forças armadas tendem a libertar aqueles que se recusam alegando "incompatibilidade", preferindo não enviá-los para a prisão.
 
Histórico

As grandes ondas de recusa ocorreram em momentos especialmente dramáticos na história do país. Durante a primeira Intifada – levante palestino, em 1987 –, calcula-se que cerca de dois mil soldados se recusaram a servir nos territórios ocupados e na segunda Intifada (2000), o número foi semelhante.

De acordo com Menuchin, na primeira Intifada, 180 reservistas foram presos por se negarem a servir nos territórios ocupados e na segunda houve mais de 200 presos. "Desde a criação do Yesh Gvul, apoiamos todos aqueles que, por razões de consciência, decidiram não servir, tanto reservistas como soldados das forças regulares", disse.

Líder espiritual

Yeshayahu Leibowitz, um dos mais proeminentes intelectuais da história de Israel, é considerado o líder espiritual do movimento da recusa. Leibowitz, que morreu em 1994, lançou um apelo explícito aos jovens israelenses os convocando a se recusarem a prestar serviço militar. "A ocupação vai corromper a sociedade israelense", afirmou Leibowitz logo após a guerra de 1967, quando Israel ocupou a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental. "Se 500 soldados se recusarem a prestar serviço militar, a ocupação acabará", sugeriu na época.

No entanto, 46 anos depois e após milhares de soldados regulares e reservistas já terem se recusado, o cenário não foi alterado. "Devemos continuar trabalhando duro para acabar com a ocupação", sustentou Menuchin. “Constatamos que, nesse ponto, a avaliação de Leibowitz foi otimista demais. Não basta que haja 500 se recusando para pôr um fim à ela". No entanto, ele diz ter certeza “que a ocupação vai acabar, a situação atual não pode continuar por muito mais tempo. Não se pode manter tantas pessoas sob ocupação por tantos anos".
 
 

OS MILITARES DO FARAÓ

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - O exército egípcio sempre disfrutou de uma situação de grande autonomia que permite á componente militar um status privilegiado, afirmando-se na sociedade egípcia como um poder na sombra, permanentemente decisório nos bastidores. A corrupta elite política que governava o país contava com o respaldo militar e partilhava as benesses com os altos quadros militares. Muitos dos generais egípcios e oficiais superiores ingressaram na elite empresarial e dividem-se (para desprestigio da instituição militar) entre os negócios, onde passam a maior parte do tempo e os deveres de estado (que desprezam e onde passam o menor tempo possível).
 
Não tardou que a prestigiada instituição militar egípcia passasse a ser um bando de empresários fardados, associados aos corruptos empresários-políticos e políticos-empresários que ocupavam os ministérios, parlamento e tribunais, submetendo o Egipto a uma enorme e complexa teia de interesses, baseada nas complexas redes de corruptos e de corruptores, sempre escondidos por detrás dos slogans e da imagem da “livre iniciativa” e do “empreendedorismo”. A situação criada por esta rede de relacionamentos levou á necessidade de estabelecer novas regras institucionais, que reflictam as necessidades das novas camadas médias. Também as aspirações populares fizeram-se sentir no regime de Mubarak e foram decisivas na sua queda. As camadas populares urbanas e rurais rechaçavam o regime, assente nas teias da corrupção e que as lançava na miséria e no desemprego e assumiram a luta nas ruas.
 
Após a queda do regime de Mubarak, o povo egípcio participou em vários actos eleitorais: votou um referendo constitucional em Março de 2011; votou para as duas câmaras do parlamento, em 2011 e 2012; elegeu um presidente em 2012 e ratificou a nova constituição no mesmo ano. Em qualquer das ocasiões o eleitorado egípcio votou favoravelmente á Irmandade Muçulmana (IM) e para sua frustração, qualquer uma das suas vitórias eleitorais foram invalidadas pelo Tribunal Constitucional Supremo (TCS). A camara baixa do parlamento, onde a IM contava com 73% dos lugares, foi dissolvida pelo TCS, o presidente foi deposto e a nova constituição suspensa. 
 
Em 2013 a IM preparava umas novas eleições legislativas, que contava vencer, consistindo a sua estratégia em controlar as duas camaras do parlamento e executarem a reforma do poder judicial, para garantir um domínio mais sólido sobre o aparelho de Estado. Para evitar este cenário, a Frente de Salvação Nacional, a principal força da oposição, envia o seu coordenador, Dr. Mohammad El-Baradei, em Março, para os Emirados Árabes Unidos, onde este realiza uma reunião com o presidente do TCS, sendo o ponto único em discussão a destituição do presidente Mursi e o afastamento da IM.
 
Enquanto isso nas ruas os movimentos populares faziam sentir o seu descontentamento, sendo apoiados pela oposição e secundados pelos órgãos de comunicação social privados. As ruas foram tomadas e foram feitos apelos ao exército para intervir. O exército realizou contactos com a oposição e com vários governos, principalmente dos USA, que através do secretário da defesa Chuck Hagel e do chefe do Estado Maior, o general Martin Dempsey, fizeram sentir que os USA não iriam apoiar um golpe contra um governo eleito, mas apoiariam acções que levassem Mursi a demitir-se, ou a ser mantido, mas num cenário criado pelo exército e sob seu controlo. Apesar disso, o exército agiu e Mursi foi deposto. Os generais rodearam-se de diversos dirigentes religiosos e civis e aceitaram todas as exigências da oposição.
 
Apostando num compromisso com o exército, a IM assistiu aos acontecimentos, enquanto o novo regime iniciou uma ofensiva contra os meios de comunicação próximos á organização, suspendendo quatro canais televisivos e a cortando a emissão á Al-Jazera. Mursi e os seus colaboradores directos foram detidos. O presidente do Partido da Justiça e da Liberdade (PJL, braço político da IM) o Dr. Saad Katani e o dirigente da IM, Dr. Muhammad Badie, assim como os seus adjuntos foram aprisionados, sob a acusação de terem insultado o exército. Foram emitidas mais de 300 ordens de busca e captura contra a IM e seus seguidores, sendo confiscados edifícios e propriedade da IM e do PJL e congeladas as suas contas bancárias.  
 
II - Os motives dos militares não foram, nem agora com Mursi, nem quando depuseram Mubarak, devidos á sua preocupação com a democracia, tema pelo qual nunca demonstraram muito interesse. A sua determinação consiste em travar o caos politico e económico em que o país mergulha, não porque isso ponha em causa a soberania nacional e popular – outro factor que pouco lhes interessa - mas porque afecta e põe em causa a vastidão subterrânea do imenso Estado dentro do Estado, que ganhou raízes nas ultimas décadas e ampliou terreno nos últimos anos de presididos por Mubarak.
 
É evidente – e seria ingenuidade pensar – que o exército egípcio não é monolítico. Muitos dos seus oficiais provêm das camadas mais humildes da sociedade, assim como os soldados, praças e sargentos. O exército foi a forma de socializar as camadas proletárias e os sectores mais pobres da sociedade egípcia, inculcando-os um elevado sentido patriótico. Por outro lado a Constituição de 1971 sempre identificou o Exército como “pertença do povo”. É conhecido a recusa dos generais, em 1977, quando Sadat para fazer frente aos distúrbios populares iniciados contra o corte nos subsídios aos alimentos básicos, chamou o exército para pacificar as ruas. Os generais recusaram-se a enviar o exército para as ruas e exigiram que Sadat restabelecesse os subsídios, o que veio a acontecer. 
 
Mas as camadas superiores das forças armadas, quando agem desta forma, não é porque se considerem “filhos do povo” ou porque sejam partidários conscientes da tese do “povo em armas”, mas por uma questão de sobrevivência pessoal. Nas suas memórias residem as imagens ocorridas no Irão - durante a Revolução Islâmica - dos generais iranianos executados em público (os generais egípcios até têm no Cairo uma memoria residual desses tempos, pois o Xá encontra-se enterrado numa mesquita do Cairo). Eles sabem que uma transformação radical implica umas forças armadas radicalmente transformadas. E é isso que eles temem.
 
Seja a tomada do poder efectuada pelos islâmicos, seja a transformação do Egipto efectuada no sentido da via democrática participativa, implica o fim do sistema de corrupção e apadrinhamento controlado pelos militares, que reina desde á décadas e que se encontra enraizado no sistema. Terminaria com o seu controlo sobre a economia (40% da actividade económica do país é controlada, directa ou indirectamente pelos militares e pelas suas “parcerias”, segundo os mais diversos estudos efectuados pelas instituições financeiras e universidades, nacionais e estrangeiras) e com a sua existência mimada, consubstanciada nos luxuosos apartamentos e condomínios de Nasr City, a nova edilidade satélite do Cairo, onde a imundície da miséria não chega aos olhos e aos narizes dos soldadinhos de chumbo.
 
Carros novos – pagos com o erário público - cooperativas de consumo e lojas militares, onde os preços são bastantes inferiores, créditos especiais atribuídos pela banca privada com linhas de crédito do Estado, são uma pequena amostra dos privilégios dos militares e constituem o sonho da classe média egípcia (que não tem acesso a nenhuma destas benesses), despertam a desconfiança dos trabalhadores em relação aos militares (muitas das empresas onde os militares reinam não consentem os sindicatos e atropelam constantemente os direitos dos trabalhadores) e que representa o paraíso inalcançável para os mais pobres dos mais pobres.
 
Vastas áreas de terras militares são vendidas pelos generais (egípcios, é do Egipto que estamos a falar, não confundam com outros países no sudoeste do continente) para financiar grandes urbanizações em torno do Cairo, sem prestar contas a ninguém. Propriedades militares de primeira qualidade no Delta do Nilo e nas costas do Mar Vermelho são transformadas em luxuosas instâncias turísticas, sendo os seus accionistas os generais. E também são os mesmos accionistas que estão por detrás das empresas privadas a quem os terrenos foram entregues para exploração.
 
Esta nova camada militar-económica (haverá patentes para os “generais-empreendedores”?) dirige 16 enormes fábricas de produção de armamento, entregues á “iniciativa privada” dos generais de mercado, onde para além de armas e munições, fabricam-se máquinas de lavar pratos e roupa, ferros de engomar, microscópios, produtos farmacêuticos, vestuário e portas. Controlam a construção e as obras públicas, são proprietários de enormes fazendas, são sócios maioritários de grandes empresas agroindustriais e preparam-se, ansiosos, por penetrarem no agronegócio. Nem a pesca escapa e não pensem que este sector é um exclusivo para os oficias da marinha. Para os generais de mercado, os três ramos (marinha, exército e força aérea) são transformados num grande tronco: negócio. Nas suas actividades económicas empregam a mão-de-obra barata dos recrutas e os seus ganhos reais não aprecem na contabilidade da nação.
 
É esta camada de empresários fardados que domina o cenário de fundo do Egipto. Talvez seja por isso que os USA entreguem as volumosas ajudas de milhões de USD aos generais egípcios, directamente ao Estado-Maior, sem passar pelo controlo do Ministério da Defesa. Não são os USA os protectores dos empreendedores? E sob a protecção destes santos padroeiros, os generais de mercado têm um futuro resplandecente, no Egipto e no resto do mundo que já foi terceiro e é agora denominado “menos desenvolvido”, “em desenvolvimento” ou “emergente” (são muito mais requintados estes novos colonos da recolonização). Tantos nomes que dão á miséria…
 
III - A crise económica agrava-se dia após dia. A IM nada fez para combater a crise e deu as mesmas respostas que Mubarak. Vendeu activos públicos a preços irrisórios e prosseguiu com a política de privatizações fraudulentas, não tocou nos militares nem nas suas benesses e privilégios e acelerou a zona de comércio livre do Sinai, promovendo as relações com Israel e fortalecendo as pequenas máfias da região. Aprovou todas as resoluções do FMI e aplicou-as, destruindo por completo os recursos públicos. 
 
Após o derrube de Mursi as receitas vão continuar a ser as mesmas, ou seja, as politicas que conduziram o Egipto á crise económica, social e politica, vão ser mantidas, assim como a proximidade entre os exércitos dos USA e do Egipto. Segundo o Serviço de Investigação do Congresso dos USA, Washington gastou 68 mil milhões de USD, desde 1979, em ajuda militar ao Egipto. A formação de oficiais egípcios nas escolas norte-americanas é uma outra vertente desta ligação e abrange uma média de 100 oficiais por ano. O general Abdel Fattah al-Sissi, o actual homem forte do Cairo e o chefe do estado-maior do exército, Sedki Sobhi, passaram um ano, cada um, na US Army War College. São dois dos cerca de 1150 oficiais egípcios (2,5% dos corpo de oficiais) que passaram pelas escolas militares dos USA.
 
A ajuda ao exército egípcio, vigente desde a assinatura dos Acordos de Camp David, em 1978, é vista por Washington como uma forma de manter os seus interesses na região e de assegurar os interesses do seu principal aliado. A consolidação da paz entre Israel e o Egipto é um objectivo geoestratégico dos USA e passa pela manutenção da coluna vertebral do Egipto: as forças armadas. Sendo o Egipto um Estado-chave no mundo árabe, o mais prestigiado e o mais povoado, torna-se um ponto de referência em toda a estratégia dos USA para a região, mas a desestabilização da Líbia, a questão sudanesa, as tensões em Gaza e no Sinai e a frente interna, debilitaram o Egipto.       
 
O exército egípcio, que dependeu da União Soviética durante muitos anos, está agora equipado com 777 tanques Abrams e 220 aviões de combate F-16, entre outras armas, equipamentos e meios norte-americanos. Os responsáveis israelitas vêm com bons olhos esta cooperação, uma vez que recebem cerca de 3 mil milhões de USD/ano e mais uma ajuda complementar de 947 milhões para os programas de defesa antimíssil e antifoguete: Iron Dome, David´s Sling e Arrow.
 
Não só não temem, os israelitas, o actual exército do Faraó, como ainda agradecem a sua colaboração. É uma imagem bíblica, retirada do Antigo Testamento: Moisés e o Faraó passeando juntos, de mãos dadas, pelos prados verdejantes, sob o olhar atento do Senhor…
 
IV - O Egipto é um exemplo típico, uma matriz de estudo, da falência dos discursos pós-coloniais. Nacionalismo, pan-arabismo e islamismo (á imagem do que aconteceu com a “negritude” e a ”autenticidade” noutras áreas do continente) demonstraram a sua ineficácia e conduziram ao neocolonialismo. Cumpriram o seu papel de catalisadores discursivos, de germes ideológicos das novas elites condutoras dos processos de libertação nacional e serviram para a fase imediata pós-independência, o motor da acumulação de capital. Hoje, como estamos a falar de elites que não têm suas origens nos processos de mercado, mas sim nas máquinas administrativas (transportando todos os tiques da máquina administrativa colonial), não se conseguem renovar, arrastando-se e arrastando consigo os povos, num processo de dolorosa decadência.
 
As reformas estruturais que estes Estados ensaiaram, levaram a que a elite administrativa interagisse com o mercado (que em poucos países, caso do Egipto, mantinha ou recriava as suas elites, apresentando-se na grande maioria dos casos como gerador de elites emergentes) e nele se diluísse, formando uma estranha amálgama de cumplicidades e de interesses, apenas palpáveis através da corrupção. O discurso dominante nesta fase é o do Estado de Direito, que devido às incipientes estruturas democráticas e constitucionais, confunde-se com um mero Estado da Lei, á boa imagem prussiana, mas sem a sua tradicional disciplina, pelo contrário, geralmente no caos mais absoluto.
 
Os conflitos e as contradições inerentes às dinâmicas internas do Egipto cruzam-se com as dinâmicas externas, particularmente nos factores geoestratégicos, geoeconómicos e geopolíticos. Os militares são financiados pelos USA e estabelecem pactos com Israel, enquanto mantêm boas relações com a Arabia Saudita e os Emiratos Árabes Unidos e relações difíceis, mas obrigatórias (devido á sua aliança com os USA) com a Turquia e com o Qatar. A IM é financiada pela Turquia e pelo Qatar, tem as suas pontes com os USA (com o qual mantem uma relação secreta de longas décadas e que serviu de balão de ensaio ás aventuras islâmicas da CIA) e no âmbito do status quo islâmico mantem relações frias e cada vez mais difíceis com sauditas, EAU e palestinianos. 
 
Entre os militares e a IM existem muitos discursos ocultos. Ambos foram cautelosos e calculistas durante os acontecimentos que levaram á queda de Mubarak. Mantiveram essa postura durante o processo desencadeado por esses acontecimentos. O governo da IM, saída das eleições, manteve a sua cautela em relação aos militares e posições extremamente calculistas nas políticas internas e externas, acabando por enredar-se nas emaranhadas teias do Estado de Direito. Os militares, menos cautelosos ao verificarem que a IM não estava em posição de afectar os seus interesses e que se encontrava numa posição fragilizada ao assumir os compromissos inerentes á emergência do Estado de Direito, foram mais precisos nos seus cálculos.
 
V - Alguns transportam consigo o discurso lucrativo da catástrofe iminente sobre o Egipto e falam prolongadamente sobre os meios de a conjurar. São vendedores de banha da cobra e esquecem-se de um factor fundamental: o pragmatismo da IM e dos militares. Do pragmatismo dos militares já falámos e verificámos algumas das suas causas. Quanto á IM, com os seus 85 anos de existência, é portadora de um pragmatismo inerente aos que passaram grande parte da sua vida na clandestinidade. Se é certo que esse pragmatismo não lhe valeu no poder, em circunstancias e sob regras nas quais se havia movimentado, a IM retorna às suas águas a partir do momento em que os militares a afastaram do poder. 
 
Também por instinto, por pragmatismo e por indicação norte-americana, os militares rodearam-se de notáveis a quem pretendem entregar os assuntos da governação. Foram buscar a um comodo exilio na Arabia Saudita, Ahmed Sahfiq, homem de confiança dos militares, que recebera dias antes do golpe de estado o Prémio Nobel da Paz, Mohamed el-Baradei, por quem os norte-americanos nutrem uma especial afeição. Claro que os militares têm outras cartadas na manga, mas que giram em torno destas duas figuras.
 
O que a IM mais teme é que comecem a existir atentados ou ataques armados, por parte de grupos islâmicos mais radicais e que acusem a organização de estar envolvida nessas operações (já aconteceu mais do que uma vez, na monarquia, com Nasser, com Sadat e com Mubarak), mas nem mesmo nessa situação o espectro da guerra civil seria real. A guerra civil é um espectro, um papão, utilizado pelos militares para manterem o seu domínio e os seus privilégios. Com esse papão os militares conseguem a aliança com os liberais e com os mais diversos sectores da esquerda egípcia. Por sua vez estes sectores pintam os militares com as mais brilhantes cores, esquecendo-se ou tentando esconder, que foram eles, os militares, o suporte de Mubarak e que são eles, os militares, os que minam a sociedade egípcia por dentro, através da corrupção e da sua aliança com os USA.
 
Outro género de vendedores são os que falam de revolução, quando se referem aos acontecimentos no Egipto. Mas por muito que procuremos, entre Fevereiro de 2011 (queda de Mubarak) e Julho de 2013 (queda de Mursi) não existiu qualquer transferência de poder que realizasse ou que representasse uma transformação radical do panorama social egípcio. Mantem-se as classes e os grupos de interesses, mantem-se a mesma base produtiva (proprietários e proletários) mantem-se as mesmas correlações de mercado e não houve o aparecimento ou o derrube de qualquer elite ou grupo dominante. O Estado mantem-se inalterável e nem sequer novas instituições foram criadas. Ou seja de revolução nem o cheiro. Existiram quanto muito alguns progressos organizativos, principalmente no movimento sindical, incluindo a criação de novos sindicatos independentes.
 
Em 2011 as aspirações populares ultrapassavam em muito todo o actual panorama. Os anseios populares reviam-se numa profunda transformação social. Mas a sociedade egípcia tem dois remédios poderosos, dois ópios para acalmar as massas agitadas: o nacionalismo e o islamismo. Da sua mistura surgiu uma base alcalina que revelou ser a larva do Estado de Direito no Egipto. E terminou aí a transformação, a pequena metamorfose do Estado egípcio: a lagarta que nasceu da larva e que agora aguarda no casulo pela metamorfose em borboleta. Nessa metamorfose a IM jogou um papel crucial, mas de curto-prazo, que foi o de dar corpo á lagarta. Mas agora é necessário que os militares moldem a borboleta em estado latente, pois esta terá de ser liberal e ter uns laivos de esquerda.
 
Não se assustem no entanto as luminárias do Estado de Direito que os egípcios não irão criar nada de novo com o Direito do Estado. Será o Estado de direita sempre dentro dos limites da Direita do Estado, pois de outra forma não poderia ser o Estado de Direito. Estão lá todas as componentes necessárias para fazer o bolo- os militares, a segurança, a esquerda, a religião, o mercado devidamente controlado pelos ricos e uma imensa e miserável mão-de-obra - para que a Direita politica possa satisfazer todos os privilegiados da sua sagrada economia, respaldada pelos mandamentos do Direito.        
 
Guerra civil? Revolução? Não. Apenas e tão-somente a Lei. Para prender os pobres e ilibar os outros.
 
Fontes
Lazkanoiturburu, Dabid http://gara.naiz.info/paperezkoa/20130714/413269/es/Paradojas-interesantes-posibles-escenarios-Egipto-post-Morsi
Checola, Laurent e  Pflimlin, Edouard Israël se replie derrière un bouclier antimissile Le Monde Diplomatique, June, 2011
Lesnes, Corinne L´embarras du président Barack Obama Le Monde, 05/07/2013
La Tribune de Genève,  09 /07/2013
 

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