Maria Inês Nassif – Carta Maior
A resposta é: pela
capacidade que dispõe de comprar aliados. O poder de chantagem é uma teia que
se estende de baixo para cima, chegando até a Presidência.
É quase um dèjá
vu a grave crise que sacode a base aliada do governo da presidenta Dilma
Rousseff. A forma como o sistema político brasileiro tende tradicionalmente a
fragmentar a representação parlamentar, e também a incentivar uma luta
fratricida entre candidatos do mesmo partido ou da mesma coligação nas eleições
para a Câmara dos Deputados, fatalmente leva a atritos semelhantes no início
das articulações para a composição de chapas e coligações. São as movimentações
feitas a partir de agora que definirão as posições de cada um no cenário
eleitoral que será oficializado em junho, nas convenções partidárias, e
definido em outubro, nas eleições do dia 4 de outubro.
Os candidatos a presidente têm direito a um segundo turno. Os que disputam as
eleições parlamentares, não. O destino deles é selado na primeira eleição (que
ocorrerá este ano em 5 de outubro). A vantagem que eles têm sobre os candidatos
a cargos executivos são os 21 dias entre a sua eleição e a do presidente da
República, se a decisão sobre o mandato presidencial for para um segundo turno.
É tempo suficiente para um deputado eleito se redimir com o candidato a
presidente com mais chances de vitória e se aliar a ele, não sem antes garantir
posições que permitam a ele manter uma máquina de captar apoios à eleição
seguinte.
É lógico que a regra se aplica aos eleitos pela política tradicional, que
dependem de uma cadeia de favores para manter o fluxo de dinheiro para
campanhas caras e alianças igualmente onerosas no âmbito municipal. O apoio a
grupos políticos no interior do Estado é fundamental para esses parlamentares.
É também importante o acesso a bunkers urbanos – periferias dominadas por
grupos criminosos, ou comunidades religiosas com acesso a grande número de
pessoas. Para tudo isso, é preciso ter poder econômico.
É preciso saber como isso acontece para entender, por exemplo, o poder de que
dispõe o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), e os interesses
que o movem no papel de deflagrador permanente de crises – pelo menos nos
últimos meses.
Existe uma discussão sobre a legitimidade das emendas parlamentares – aquelas
definidas por deputados e senadores, aprovadas no Orçamento e que devem ser
liberadas pelo presidente da República para chegar ao seu destino.
Teoricamente, nada há de errado no fato de o deputado ou senador levar uma
melhoria para o município que o apoia – uma ponte, uma estrada, um açude ou
qualquer obra que resulte num benefício para a população local. Existem
indícios contundentes, todavia, de que as emendas são o principal combustível,
e a principal fonte de corrupção, de um bom número de parlamentares que rezam
pela cartilha da política tradicional.
Entenda-se como político tradicional aquele cujos interesses eleitorais e
particulares se sobrepõem aos interesses públicos, e com isso substituem um
vínculo orgânico, político e ideológico, com partidos e eleitores, por
negociações privadas de coisa públicas (como emendas parlamentares) para
conseguir dinheiro para comprar apoios e votos.
Falamos aqui em tese, não de deputados específicos. A investigação de como
agem, e dos limites legais da ação política desses parlamentares, compete ao
Ministério Público, à Polícia Federal – e, depois de uma denúncia formal, à
Justiça.
Vamos, por suposição, pegar o caso do deputado X. Ele é eleito por um partido
forte nacionalmente, mas fraco regionalmente, com dinheiro trazido de esquemas
mais diretos de corrupção – por exemplo, o obtido em cargos executivos. O fato
de ter dinheiro – de preferência para se eleger e fazer esse favor a mais
alguns de sua chapa – o credenciam a ser escolhido na convenção. Uma vez
eleito, organiza-se para garantir a eleição para o mandato seguinte.
O esquema do deputado X é o trivial. Como este parlamentar não tem grande
acesso ao partido nacional, nem muitos parlamentares que beneficiem de seu
jogo, negocia emendas. Os projetos das obras vêm prontos, de empresas
interessadas em fazê-los. Essas empresas destinam parte do dinheiro auferido
pela obra (ou serviço) para a campanha seguinte do deputado X, que ao final de
seu mandato terá dinheiro suficiente para enfrentar novas eleições. Garantiu o
seu.
O deputado Y, no entanto, é mais ambicioso. Com um esquema quase profissional
de negociação de emendas e favores, tem um caixa que permite a ele financiar a
sua eleição, a eleição de prefeitos na sua base e de muitos parlamentares,
tanto de seu Estado como de outros, de seu partido e dos demais. A sua máquina
de captação permite, além de simplesmente arrecadar e distribuir dinheiro para
eleição de terceiros, agenciar relações entre políticos e empresas.
Depois de algum tempo operando dessa forma, o deputado Y conhece as
necessidades mais primitivas dos políticos a que serve e ter a liderança sobre
eles, não apenas porque seus interesses coincidem, como pelo fato de saber dos
mais escusos segredos de um número considerável deles.
Esse deputado Y tem o poder de mobilizar grande número de parlamentares e
provocar crises. E este é o seu segredo para conseguir levar tanta gente num
jogo de chantagem que atende principalmente a seus interesses privados.
É uma descrição grosseira de como homens públicos se rendem tão facilmente a
interesses privados, mas não está nem um pouco longe da realidade da política
tradicional brasileira. A descrição desse mecanismo de financiamento político
do Legislativo, contudo, explica por que pessoas com tão pouco senso público
conseguem credenciais para nomear ministros ou diretores de estatais. O poder
de chantagem é uma teia que se estende de baixo, da base de apoio parlamentar
de um governo, para cima, até a Presidência da República. Não é apenas da
presidenta Dilma Rousseff, mas de todos os eleitores do país que têm o poder de
seu voto relativizado pelo poder econômico desses parlamentares.
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