Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Espalhados por
Lisboa, andam cartazes com dois olhos vigilantes. Só graficamente, a coisa já é
sinistra. Mas faz justiça ao que nos pede: que ajudemos a combater a fraude.
Como o apelo não se resume ao pagamento do nossos bilhetes, o que se pede é que
sejamos bufos. E explica-se porquê. Porque menos gente a pagar é menos
carreiras e pior qualidade no serviço. Na realidade, fico espantado. Os preços
dos títulos de transporte subiram exponencialmente nos últimos anos, por
decisão dos mesmos senhores que fizeram estes cartazes. As carreiras
diminuíram. O serviço degradou-se. E, ao que parece, os serviços da Carris e do
Metro até vão ser concessionados a privados, até junho, o que torna este
anúncio ainda mais absurdo. Foi por causa das fraudes que tudo isto aconteceu?
Só se nela se incluírem os swaps. E nem todos os olhos bem abertos para as
responsabilidades passadas e presentes da ministra das Finanças, enterrada na
coisa até às orelhas, a tiraram do lugar.
Mas o que mais me
perturbou foi ver aqueles olhos azuis esbugalhados a apelarem à delação
enquanto lia, nas capas dos jornais, que Jardim Gonçalves se tinha safado de
uma multa de um milhão de euros, por prescrição. É ver que Oliveira e Costa e
Rendeiro podem ir pelo mesmo caminho. E que é mais fácil um banqueiro manipular
o mercado de ações e enganar o Estado e os depositantes em milhões do que um
desgraçado andar no metro à borla.
Sim, a fraude ajuda
a que haja menos autocarros, menos escolas, menos hospitais. Que os títulos de
transporte, as propinas ou as taxas moderadoras pesem mais nas nossas
carteiras. Que os serviços públicos percam qualidade. A fraude do BPN, que nos
está a levar milhares de milhões de euros que ninguém parece querer cobrar a
ninguém. Mas não apenas ela. A fraude em que se transformou o sistema
financeiro, onde enterramos dinheiro em resgates e juros e que, em Portugal e
por todo o mundo, é hoje sinónimo de abuso, escândalo e amoralidade. E nem
quando as comadres se zangam e uma delas põe a boca no trombone, como aconteceu
com Joe Berardo, alguma coisa acontece. Esta é a fraude que me interessa.
Se não querem mobilizar a coragem dos políticos, os recursos do Estado e o
empenho dos cidadãos contra ela, como têm o atrevimento de apelar à bufaria nos
transportes públicos?
Um desempregado
anda nos transportes que o senhor Sérgio Monteiro se prepara para privatizar?
Comigo, pode estar descansado. O máximo que farei será empatar algum tempo o
fiscal para lhe dar tempo para escapar. Faço mal? Não farei nem mais nem menos
do que o Banco de Portugal e o Ministério Público fizeram com Jardim Gonçalves.
E sempre ajudo alguém que precisa.
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