Pedro
Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
A
triste novela de um grupo económico que vive, claramente, muito acima das suas
possibilidades tem revelado muitos aspetos semiescondidos da nossa comunidade e
algumas das razões do nosso atávico atraso.
O
episódio que envolve o Grupo Espírito Santo e a PT é absolutamente exemplar.
Nele, a empresa de telecomunicações empresta dinheiro a uma companhia
propriedade de um seu acionista ou, com resultados idênticos, investe, a
curtíssimo prazo, num conglomerado de empresas com interesses na agropecuária,
turismo e afins.
A
simples enunciação do negócio - um empréstimo direto ou indireto a um acionista
- já é, para usar simpatiquíssimas palavras, de um comportamento
ético-empresarial muito duvidoso. Juntemos agora o facto de a PT ter aplicado
um montante, 897 milhões de euros, que está muito próximo de metade da sua
capitalização bolsista e que representa aproximadamente os seus lucros de três
anos, numa única empresa... Espantosamente, uma decisão desta importância é
tomada sem ir a discussão no conselho de administração e, mais tarde, é dito
que seria uma medida de gestão corrente. Agora, recordemos ser do conhecimento
geral que a empresa onde a PT colocou o dinheiro, a Rio- forte, está, para
todos os efeitos, praticamente falida - aliás, pelas últimas notícias, a PT já
se está a preparar para o calote.
Consequências
diretas: as ações da PT caíram vertiginosamente - uma aplicação destas, mesmo
numa empresa com uma saúde de ferro, seria sempre considerado pelo mercado como
um ato de gestão incompreensível - e a fusão em curso com a Oi brasileira posta
em causa ou, no mínimo, ficará um negócio muito pior para os acionistas da PT.
Temos
então um presidente do conselho de administração e um administrador que
praticam um ato de gestão, a todos os títulos, incompetente e altamente lesivo
para os acionistas. O que os levaria a cometer semelhante monstruosidade? Não
vale a pena tentar encontrar qualquer racionalidade de gestão: estamos na
presença de um comportamento eticamente deplorável, perante uma daquelas trocas
de favores que não constituem ilícito penal, mas que fazem abanar pilares da
comunidade e a confiança dos cidadãos em regras que se dão como adquiridas mais
do que muitos crimes.
Henrique
Granadeiro e Pacheco de Melo são gestores experientes e vistos como
competentes, em caso algum poderiam praticar um ato de gestão como aquele
convencidos de que estavam a tomar a atitude certa para a empresa que gerem.
Digamos
que esses gestores estariam a ajudar um amigo, que é também acionista da
empresa que gerem. Um acionista que, muito provavelmente, os indicou para os
cargos que agora ocupam. Talvez, num momento de necessidade, estes gestores
possam ser ajudados pelo acionista; talvez, até, já tenham sido ajudados;
talvez todos tenham sido ajudados por outros senhores que os ajudarão no
momento apropriado.
O
facto é que olhamos para muitos dos grupos económicos portugueses, sobretudo os
que mais relações têm com o Estado, e vemos um conjunto de pessoas que vão
circulando de empresa em empresa e do Estado para as empresas. Não se pede
competência, ou melhor, a competência é secundária, o que conta é saber que se
pode contar com os amigos quando necessário. Se a coisa correr mal, um amigo
encarregar-se-á da colocação noutra empresa ou, se for caso disso, numa
secretaria de Estado ou numa empresa pública. E os favores pagam-se sempre.
A
perceção de que a competência não é, nas empresas e no Estado, o principal
requisito para atingir os melhores salários, os mais elevados cargos, é
especialmente danosa para a comunidade. A ideia de que é mais importante ter
uns amigos com quem se trocam favores do que trabalhar arduamente é
potencialmente destruidora dos mais sagrados valores da vida em sociedade, da
mais básica e mínima noção de igualdade de oportunidades. A noção de que uns
senhores que aparecem como muito sabedores, muito capazes de dizer o que é
melhor para nós, que são apresentados como a nossa elite, fogem ao pagamento de
impostos, aldrabam contas de empresas, não hesitam em cometer atos de gestão
vergonhosos para ajudar amigos, é potencialmente desagregadora da comunidade
porque destrói os laços de confiança entre cidadãos.
O
estertor do Grupo Espírito Santo está a exibir, para quem ignorava, muitos dos
males da nossa comunidade. A questão é se se vai conseguir realmente mudar
alguma coisa ou se se vai mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.
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