Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
O
mandato do Governo está a chegar ao fim e a pré--campanha para as eleições
legislativas que terão lugar no próximo ano tornou-se a sua única preocupação.
Nem de outra forma se explica a precipitação desastrosa que ditou a extinção do
BES e a demissão do Conselho de Administração recém-nomeado para o novo banco
que o substituiu, seguida da nomeação de novo administrador com perfil mais
adequado à urgência da sua alienação a qualquer preço. Não importa que os
custos desta criminosa leviandade fiquem a cargo, como hipocritamente gosta de
dizer, dos contribuintes e das gerações futuras, desde que se arrume este
empecilho antes do início da próxima campanha eleitoral. Mais um episódio,
enfim, a confirmar que este Governo não tem projeto, para além da sua própria
sobrevivência, nem prossegue qualquer intuito reformador, ao contrário das
promessas demagógicas que lhe valeram uma vitória eleitoral nas legislativas de
2011. Para além da degradação das condições de trabalho, da rotura dos serviços
públicos, da falência das empresas, do desemprego, do empobrecimento
generalizado e do agravamento da dívida, qual é a herança que nos lega Pedro
Passos Coelho? Que reformas levou a cabo na Administração Pública, no aparelho
de Estado, no sistema político, para eliminar os tão deplorados desperdícios e
garantir a sustentabilidade dos encargos públicos?
Em
primeiro lugar, o primeiro-ministro pretendeu responsabilizar exclusivamente a
anterior governação socialista pelo descalabro financeiro do país.
Evidentemente, a teimosia de José Sócrates em prosseguir, embora com a
solidariedade do diretório europeu, a missão impossível de governar em
condições extremas sem o respaldo de uma maioria parlamentar, facilitou os
planos da Oposição, como se viu. Sócrates desperdiçou a derradeira oportunidade
de se demitir, oferecida pelo discurso agressivo do Presidente da República
eleito, no ato de tomada de posse. As consequências nunca teriam tido tão
perversas como aquelas que amargamente experimentamos nestes últimos três anos.
Acresce que a nova direção socialista de António José Seguro, na tentativa de
alijar a herança do antecessor, contribuiu objetivamente para dar algum crédito
à justificação míope e interesseira invocada pela nova maioria, dispensando a
busca das razões mais profundas da crise e de outros responsáveis óbvios.
Em
segundo lugar, Passos Coelho alegava que o memorando de entendimento com os
credores da nossa dívida soberana esgotava outras alternativas políticas e que
ele até pretendia levar mais longe a austeridade imposta por Bruxelas. Tais
propósitos, se excluíam de facto a ponderação de outros caminhos, não
prejudicavam fatalmente algum rasgo imaginativo no sentido de transformar os
riscos presentes em oportunidades virtuais, por exemplo, lançando um ambicioso
processo de reforma do Estado e do sistema político. Bem melhor que a proposta
de revisão constitucional precocemente abandonada ou a persistência na violação
da Constituição que conduziu ao inevitável braço de ferro com o Tribunal
Constitucional, o Governo teria conseguido mais sucesso se tivesse procurado
envolver a Oposição e a sociedade civil num amplo processo de reformas,
construindo consensos que duradouramente permitissem responder aos
bloqueamentos estruturais que denunciava. Só que isso não lhe interessava pela
simples razão de que os resultados que por essa via pudesse obter ficariam
sempre muito aquém dos verdadeiros objetivos políticos que pretendia atingir, à
sombra da ortodoxia orçamental de Berlim, de uma soberania limitada pela
permanente ingerência dos agentes dos credores e pelo fantasma da bancarrota.
Mas
não foi capaz de desmantelar o "Estado de direito democrático", nem
sequer a diminuição sustentável da despesa! Limitou-se ao agrupamento de
algumas freguesias, à extinção de tribunais, ao encerramento de escolas e à
dispensa dos trabalhadores indispensáveis ao regular funcionamento dos serviços
- no ensino, na ciência, na saúde e até na defesa, na justiça e na segurança.
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