sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Portugal: AS CONTAS DO BES - O PECADO ORIGINAL



Luís Rosa – jornal i, editorial

O caso BES não é o novo BPN. É bastante pior. Pela dimensão do buraco, pela gravidade e multiplicação das situações e pelos Espírito Santo

Tudo começa aqui: saber se as contas das sociedades luxemburguesas da família Espírito Santo que controlavam o BES foram falsificadas. Este é o centro de todo o caso BESgate, o que concentra as atenções do Ministério Público, do Banco de Portugal e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Este será o pecado original de Ricardo Salgado e da sua família.

Os dados que hoje revelamos, através de uma investigação da jornalista Sílvia Caneco, lançam uma nova luz sobre a situação. Em Dezembro de 2103, Ricardo Salgado viu-se obrigado a assumir perante a família que o grupo tinha um problema grave. Esta é a versão de “Houston, we have a problem” dos Espírito Santo: as contas da Espírito Santo International, a holding da família que controlava indirectamente a participação no BES, tinha um buraco de 1,3 mil milhões de euros. Em menos de nove meses, o endividamento da ESI duplicou: passou de uns já astronómicos 3,3 mil milhões de euros para uns inacreditáveis 6,3 mil milhões de euros. Repete-se: em menos de nove meses.

O que aconteceu em concreto e de forma pormenorizada está a ser apurado pelas autoridades, mas uma coisa é certa: o passivo daESI foi escondido de forma primária durante muitos anos. Segundo o controller financeiro do GES, José Castella, pelo menos desde 2009. Isto é, as contas da ESI terão sido falsificadas durante quatro anos e até 2013. Só uma análise especial do Banco de Portugal à área não financeira do GES detectaria esse endividamento que acabava por se reflectir nas contas do BES – a principal fonte de financiamento do grupo.

Não é de mais repetir a origem deste pecado: desde 2008 que o GES estava com dificuldades financeiras e pagava a sua dívida com a emissão de mais dívida. Com o resgate da República, os Espírito Santo deixaram de poder recorrer ao mercado e fizeram do BES o único financiador do grupo. Emprestando dinheiro sem garantias ou com garantias pouco credíveis, ou vendendo e garantindo o reembolso de papel comercial que começou por ser vendido aos clientes institucionais mas na fase de desespero envolveu os pequenos clientes, entre muitas outras situações ainda por apurar.

De quem é a responsabilidade? Ricardo Salgado, presidente executivo do BES e líder da família desde os anos 90, começou por sacudir a água do capote e disse à família em Dezembro de 2013 o que viria a repetir em público este ano: foi surpreendido e a culpa era do contabilista Machado da Cruz. Custa acreditar que um homem de inteligência superior, que geriu o banco e a família com mão de ferro e chegou a ser catalogado “Dono Disto Tudo”, tenha sido enganado por um simples contabilista. O futuro dirá se a sua versão é credível, mas uma coisa é certa: Ricardo Salgado foi um líder muito incompetente. No mínimo dos mínimos. Ser incompetente e levar toda uma família à desgraça não é um bom cartão-de-visita para ninguém. Ontem foi declarada a insolvência da Espírito Financial Group e da Espírito Santo Financière. Outras se seguirão.

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