Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
À
volta do voto. Basta olhar os dias que correm em paralelo na televisão para
perceber que a influência das sondagens é muito maior no comentário político do
que na decisão dos eleitores. Vivemos na bolsa das sondagens, no tempo em que
não há um dia em que não sejamos bombardeados por números e percentagens,
cenários à lupa e amostragens, certezas poucas e tantas dúvidas. À excepção da
SIC, as estações televisivas de largo espectro optaram pela "tracking
poll", método com menos tradição e, consequentemente, com menores
evidências de fiabilidade. Nesta lógica de inquéritos diários em que todos os
dias a amostra é alargada a mais umas centenas de pessoas, o jornalismo procura
alimentar a informação com notícias por arredondamento quando a lógica da
informação aconselharia algo diferente. Ao veicular números diários sobre a
realidade de forma a ilustrar notícias, a informação não corre o risco de
influenciar maquiavelicamente a realidade (o eleitor, maioritariamente, já
decidiu e quem ainda não decidiu dificilmente irá votar no domingo). O maior
risco que a informação corre é a de deixar de fazer informação, vendo-a
substituída por infografia a metro para os quadros partidários, a troco de
audiências e curiosidade mórbida alimentada por décimas diárias.
O
actual contexto é grave porque estamos a falar de política e não de carrosséis.
Na política, grande parte dos protagonistas já se encarregaram de a pôr a girar
incessantemente a troco de umas quantas fichas, às voltas e com tonturas,
vulgarizando-a diariamente pela sua acção e omissão. Substituindo o primado da
política pela especulativa genica do poder financeiro. Optando pela lógica dos
interesses em detrimento do interesse por alguma lógica que se entenda.
Escolhendo o populismo, a demagogia e, tantas vezes, a mentira como prato forte
da acção política que - no respeito pelas amplas diferenças - se pretenderia
nobre, verdadeira e séria. De que nos serve a informação se ela se fideliza a
uma espécie de bolsa dia-a-dia, de discutível fiabilidade, algo especulativa,
num método diário que convoca mais o voyeurismo do espectador do que as dúvidas
do eleitor?
Se
perguntarmos todos os dias a alguém como se sente pela manhã durante duas
semanas seguidas - e salvo algum cataclismo - obteremos respostas semelhantes
com as quais só compreenderemos a evolução do humor. O que, de alguma forma,
tem a sua piada. A evolução das tendências de subida e descida das intenções de
voto é uma forma de "fotografar o movimento". Dir-me-ão que são os
sinais dos dias e que a política espectáculo à americana chegou para ficar. Em
última análise, todas as "tracking poll" até podem bater certo,
crivando as tradicionais sondagens com o cunho da morte. Talvez. Mas não são os
números que estão em causa. Não duvido que os movimentos sejam aqueles que nos
são apresentados, apontando para a subida do BE, a resistência da Coligação de
direita e da CDU, o movimento de descida do PS e a progressiva irrelevância
eleitoral dos partidos sem representação parlamentar. O problema é que as bases
de que partem podem ser absolutamente falíveis e erróneas. Mas como grande
parte dos indecisos não vão votar, limitando-se a carregar a abstenção com
números assustadores, a "tracking poll" são sobretudo mais um
elemento de venda ao público em mercado aberto, com os olhos fixos nas
audiências, médias e "shares".
Proibir
não é solução enquanto não estivermos no campo das sondagens encomendadas e
veiculadas com destino. Importa, antes, distinguir as sondagens e diferenciar o
que é distinto. O que não desobriga os órgãos de informação de perceberem o
perigo que adensam: o de transformarem os seus espectadores, ouvintes ou
leitores em apostadores viciados no resultado diário, como se destinados a
salivar todos os dias pela evolução das cotações das suas acções em bolsa.
A
poucos dias do fim da campanha, Bruno Nogueira e João Quadros sintetizavam a
campanha da Coligação de direita no excepcional "Tubo de ensaio" da
TSF: no passado, os partidos da Coligação dava-nos autocolantes de campanha; no
presente, distribuem o medo pelas pessoas. Na linha do horizonte do espectro
político, com tanto passado lá atrás a dizer-nos o mesmo sobre os mesmos
políticos de plástico ou de borracha de sempre que geriram a nossa liberdade
desde que a nossa liberdade existe, o verdadeiro voto útil só pode ser na
coragem de quem quer fazer diferente. E essa vontade também convoca a nossa
coragem. Não podemos ter medo de gente de verdade.
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
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