Depois do escândalo que acabou
forçando a dissolução da coalizão ÖVP-FPÖ, liderada por Sebastian Kurz,
pesquisas mostram eleitorado austríaco disposto a perdoar os pecados dos
antigos governantes e apostar no conhecido.
Poucos dias antes das eleições
antecipadas para o Conselho Nacional da Áustria, neste domingo (29/09), o órgão
declarou estado de emergência – não política, mas sim climática. Com essa ação
simbólica, todas as siglas – exceto o populista de direita Partido da Liberdade
da Áustria (FPÖ) – pretendiam dar um realce a um pleito antes desinteressante.
A luta contra o aquecimento do
planeta está na moda: também Sebastian Kurz, o candidato a chanceler federal do
conservador Partido Popular Austríaco (ÖVP), se apoderou do tema. Afinal de
contas, o ex-premiê de 33 anos – derrubado em maio por um voto de desconfiança
– não pode ficar só falando em como sustar a imigração na república alpina.
Os populistas de direita são os
únicos que classificam a limitação das emissões de CO2 uma histeria. Assim como
seu modelo, o presidente americano Donald Trump, ou os colegas da Alternativa
para a Alemanha (AfD), Norbert Hofer, a nova cara da direita austríaca,
considera a mudança climática um trote inflacionado.
O escândalo que causou a queda do
ex-presidente do FPÖ Heinz-Christian Strache só desempenhou um papel secundário
nesta campanha eleitoral. Num vídeo rodado secretamente na ilha de Ibiza, ele
aparecia oferecendo, a uma suposta fila de oligarca russo, favores políticos em
troca de doações ilegais para seu partido.
A revelação pública forçou a
dissolução da coalizão de governo conservadora-populista encabeçada por Kurz.
Devido à prevaricação descarada de seu vice-chanceler federal Strache, Kurz
encerrou a colaboração em maio, demitindo, de quebra, o ministro do Interior
Herbert Kickl, do FPÖ.
O partido de extrema direita
vingou-se, catapultando o premiê de seu cargo através de um voto de
desconfiança, o que tornou necessário novas eleições. Kurz, que se apresenta
como vítima, alega nada ter sabido das falcatruas de Strache. O FPÖ, por sua
vez se vê como vítima de uma "quadrilha criminosa" que teria
divulgado o vídeo ilicitamente. Diversas teorias de conspiração circulam a
respeito.
Quase ilesos
Contrariando as expectativas de
muitos, contudo, o inglório fim da coalizão pouco prejudicou os parceiros ÖVP e
FPÖ. Nas mais recentes pesquisas de intenção de voto, Sebastian Kurz está à
frente, com 33% a 35% da preferência, podendo até angariar ainda mais votos do
que no último pleito, e consagrando seu Partido Popular, de longe, como a
principal força política do país.
Por sua vez, o populista Partido
da Liberdade, que ainda não conseguiu se decidir se expulsa ou não a ovelha
negra Strache, vai possivelmente se safar com poucas perdas, a julgar pelas
enquetes. Apresentando entre 21% e 23% das intenções de voto, ele perde de 5% a
7% de seu eleitorado, mas continua competindo pelo segundo lugar com o Partido
Social-Democrata (SPÖ), que circula entre 23% e 25%.
Entre os partidos menores, Os
Verdes provavelmente terão motivo para se alegrar, conseguindo desta vez
ultrapassar a barreira dos 4%, porcentagem mínima dos votos para voltar ocupar
um assento no Conselho Nacional em Viena – como faziam até 2017. Tudo graças à
mudança climática global, comentou o líder verde Werner Kogler.
Kurz, antes e depois
Os debates televisivos durante a
campanha transcorreram relativamente pacíficos. Sebastian Kurz apresentou-se em
sua nova imagem de rapaz do interior, lembrando como gostava de acariciar as
cabras na casa dos avós, na região rural de Waldviertel, no estado da Baixa
Áustria – antes, ele enfatizava ter crescido num bairro operário de Viena.
Ainda assim, o slogan de campanha
do ÖVP é "Queremos nosso premiê de volta!": a Áustria quer o
conhecido, nada de experimentos.
No cara a cara com Kurz, a
candidata dos social-democratas, Pamela Rendi-Wagner, zombou da mudança de
imagem de seu oponente. Kurz rebateu que é possível crescer em dois lugares. Em
sua campanha, Rendi-Wagner aposta no otimismo, mesmo sabendo que é impossível
ela ultrapassar o ex-premiê nas urnas. Seu slogan: "Yes, we Pam!"
O FPÖ mostra em sua propaganda o
ideólogo-chefe radical Herbert Kickl, com a afirmativa: "Nós impedimos que
Kurz caia para a esquerda". Trata-se de uma oferta aberta para que se
repita a coalizão conservadora-ultradireitista. E a oferta é levada ao grotesco
num spot de TV.
No clip, vê-se o líder do FPÖ,
Norbert Hofer, e um ator representando Sebastian Kurz numa sessão de
aconselhamento conjugal. "Vocês querem mesmo jogar tudo para o alto por
causa de Ibiza?", pergunta a terapeuta. Conclusão do spot de campanha: os
populistas de direita e o ÖVP nasceram um para o outro.
De volta à vida real, enquanto
Hofer propõe passar a borracha por cima dos pecadilhos do FPÖ, Kurz se mostra
arredio quanto à retomada da cooperação. Segundo fontes próximas, ele está
pessoalmente decepcionado e se sente traído.
Em termos de políticas concretas,
Kurz não teria grandes problemas em voltar a governar com os ultradireitistas.
Sobre a imigração, ambas as legendas estão de acordo: cerceá-la é uma questão de
amor à pátria, de identidade austríaca. Ambas chegam a usar exatamente a mesma
frase em seus cartazes eleitorais, com Kurz e Kickl, respectivamente:
"Alguém que fala a nossa língua".
No entanto, Kurz vê uma
proximidade excessiva entre partes do FPÖ e grupos extremistas de direita como
o Movimento Identitário – ligações que a liderança populista nega ou minimiza.
Outra pedra no sapato do conservador é o radical ministro do Interior demitido
por ele. "O senhor se coligaria com o FPÖ, se não houvesse o Herbert
Kickl?", perguntou a apresentadora do programa de TV Puls. A resposta foi
privada de sentido. Com um amplo sorriso, o político de 33 anos replicou:
"Primeiro se vota, depois vamos ver."
Bernd Riegert (av) | Deutsche
Welle
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