As cimeiras da NATO, em Londres,
e do clima, em Madrid, que decorreram quase em paralelo, passaram pelas
consequências da guerra no meio ambiente «como cão por vinha vindimada».
Inês Pereira | AbrilAbril | opinião
Se o ambiente é a vítima
silenciosa da guerra, a luta pela paz e contra a guerra é o elefante silencioso
nas salas onde hoje tanto se fala de defesa do ambiente ou de emergência
climática.
Nos ecrãs continuam a surgir
novos protagonistas pseudo-ambientalistas ou pseudo-ecologistas, como é o caso
dos líderes da União Europeia (UE). Apresentam-se como grandes defensores do
ambiente, ao mesmo tempo que investem milhões e milhões de euros em Defesa e
Segurança, protagonizam políticas militaristas, promovem a corrida aos
armamentos e deixam para as calendas gregas a proibição das armas nucleares.
São terríveis as consequências
ambientais da guerra, como a história do século XX tem demonstrado, e permanecem
por anos os efeitos da mesma quer nas populações, quer nos ecossistemas. O
sistema capitalista, da Primeira Guerra Mundial às guerras que hoje se travam
no Médio Oriente, tem sérias responsabilidades na degradação do ambiente, na
contaminação da terra e dos recursos aquíferos, na extinção de espécies de
animais, na destruição das florestas e na pilhagem de recursos naturais.
No final da Segunda Guerra
Mundial, em Agosto de 1945, quando o Japão já estava derrotado, os EUA
decidiram bombardear as cidades de Hiroxima e Nagasaki com bombas nucleares.
Além de ambas as cidades terem sido arrasadas e de centenas de milhar dos seus
habitantes terem morrido aquando do bombardeamento e nos meses que se seguiram,
sob o efeito letal da radioactividade, ainda hoje os descendentes dos
sobreviventes à tragédia – a quem o sistema de saúde japonês continua a ter de
priorizar na assistência médica – carregam consigo as duras consequências da
exposição à radiação nuclear.
Na Guerra do Vietname é bem
conhecida a utilização, pelo exército norte-americano, de bombas de napalm e de
herbicidas – em particular do desfolhante agente
laranja. Esta actuação deliberada causou uma forte desflorestação, a
extinção de espécies animais, a contaminação de habitats, e a proliferação de
doenças irreversíveis como malformações congénitas, cancro e síndromes
neurológicos, por milhões de vietnamitas. Cinquenta anos depois, há ainda no Vietname locais onde a pesca em rios e lagos
continua proibida e o agente laranja ainda chega aos humanos a partir
de sedimentos de rios e lagos, acabando este por entrar na cadeia alimentar1.
Durante a primeira Guerra do
Golfo (1990-1991), os EUA bombardearam o Iraque com 340 toneladas de mísseis
contendo urânio empobrecido. Investigações denunciaram, desde 19982,
que a radiação dessas armas envenenou o solo e a água do Iraque, tornando o
ambiente cancerígeno e contribuindo para o aumento dos casos de cancro entre os
iraquianos no pós-guerra, nomeadamente entre as crianças. A destruição da
infra-estrutura iraquiana pelo exército dos EUA e os seus aliados da NATO, em
bombardeamentos sucessivos, teve como consequência o vazamento dos esgotos para
as ruas e para os rios, bem como o despejo de óleos das refinarias e oleodutos
no solo e, consequentemente, o envenenamento de terras e cidades3.
ação, é vista como estando na origem do aumento de cancros
entre a população civil. Têm sido detectados cancros, em crianças sérvias
com menos de 15 anos de idade, com uma frequência três vezes mais elevada do
que em qualquer país europeu.
Entretanto, nas cimeiras da NATO
em Londres e do clima em Madrid, que decorreram quase em paralelo, responsáveis
políticos e ambientalistas, nomeadamente as novas figuras mediaticamente
emergentes, passaram pelas consequências da guerra no meio ambiente «como cão
por vinha vindimada»!
Uns e outros parecem mais
preocupados em taxar cápsulas de café e a roupa que vestimos, ou fazer-nos
regressar aos tempos do transporte por barco a remos e por burro, do que em dar
combate ao todo-poderoso complexo militar-industrial e denunciar as
consequências ambientais da utilização, por exemplo, de porta-aviões, submarinos,
tanques e outros veículos de guerra ou os efeitos de testes nucleares em
diversos pontos do globo.
A defesa da paz está fora das
prioridades dos dirigentes da UE, ao mesmo tempo que os media tendem a esconder
e a silenciar a luta contra a guerra. O investimento na guerra terá duras
consequências para o Homem e para a Natureza. Por isso, o reforço da luta
anti-imperialista e pela Paz é cada vez mais uma emergência. Também climática.
Na imagem:
A vietnamita Nguyen Thi Thuy, nascida em 1961, cuida do seu filho Tran Thi Hong
desde que este nasceu, paralisado, em 1993. São duas das mais de três milhões
de vítimas, distribuídas por quatro gerações, do agente laranja, desfolhante
lançado pelas tropas norte-americanas durante a Guerra do Vietname, entre 1955
e 1975. CréditosKhairul Anwar / South China Morning Post
1. Segundo
cálculos efectuados por ambientalistas, «seis a doze gerações» de vietnamitas
serão afectadas por doenças e malformações congénitas causadas pelo agente
laranja. Ver «Vietnam war: 44 years on, birth defects from America’s Agent
Orange are increasing», no South China Morning Post, em 8 de Junho de
2019.
2. Ver
«The evidence is there - we caused cancer in the Gulf», de
Robert Fisk, no The Independent, em 16 de Outubro de 1998, e «Depleted
Uranium and the “Liberation” of Iraq: A Report from Hiroshima», de
Christian Scherrer, investigador do Instituto da Paz de Hiroxima, na
revista The Asia-Pacific Journal, volume 2, número 2, de 28 de Fevereiro
de 2004. Um «estudo conclusivo» sobre o tema, segundo o Global Research
Network, foi publicado em 22 de Agosto de 2017 pelo Prof. Souad N. Al-Azzawi,
ver «Depleted Uranium and Radioactive Contamination in Iraq: An
Overview», em 25 de Novembro de 2019.
3. Ver
mais em «What's the environmental impact of modern war?», de Karl
Mathiesen, no The Guardian, em 6 de Novembro de 2014.
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