sexta-feira, 9 de outubro de 2020

O novo velho continente e suas contradições: A crise da Europa

#Publicado em português do Brasil

Em um mundo dominado pelos avanços tecnológicos, a Europa não tem conseguido acompanhar o desenvolvimento dos Estados Unidos e da China, cujos projetos geopolíticos, acompanhados de perto pelos da Rússia, pretendem a hegemonia global. A solidariedade entre os países diminui e a economia mostra sinais de enfraquecimento. E já não é o mesmo o desejo das populações de integrarem uma Europa única

Celso Japiassu | Carta Maior

O grande projeto da União Europeia está em crise e mesmo a sua sobrevivência encontra-se ameaçada. Sua existência é fruto de um processo histórico e do idealismo de alguns políticos dos principais países, a se destacar a França e a Alemanha. Foi uma ideia que se destinava antes de tudo a assegurar a paz num continente cansado de tantas guerras. Sua criação é fruto da experiência vivida com os constantes conflitos que levaram a duas guerras mundiais. E também das contradições geopolíticas que conduziram a uma infinidade de choques entre as nações da Europa. Os princípios que lhe foram definidos são os de cooperação, não discriminação, solidariedade e democracia. Esses valores são questionados hoje pelos partidos da direita e da extrema direita que exploram as insatisfações populares para retomar os discursos nacionalistas, de controle das fronteiras e de protecionismo econômico.

As grandes esperanças defrontam-se com a grande crise do capitalismo que eclodiu em 2008 somada ao afluxo de imigrantes vindos do Oriente e da África a fugir das guerras e da miséria, às ameaças do terrorismo, aos ataques do ante-europeísmo cultivado pela extrema direita, à crise econômica e ao ataque do coronavírus que trouxe nesses tempos novas preocupações e mais uma forte crise anunciada. O Brexit, montado numa fortíssima campanha de notícias falsas, foi também um sinal de alerta para a União Europeia, que deixou de contar com uma grande economia. A ação dos partidos da direita em todos os países pressiona no mesmo sentido de esfacelamento, ao mesmo tempo em que difunde o racismo, o ódio e a intolerância.

Nas eleições presidenciais de 2017, em importantes países como a França, a Alemanha e a Holanda, os partidos de extrema direita foram derrotados, mas apresentaram expressivo crescimento. Marine Le Pen, a candidata à presidência da França pelo neofascista Rassemblement National, que ficou em segundo lugar, faz parte do movimento anti-União Europeia. Na Alemanha, o partido Alternativa para Alemanha tornou-se a terceira maior força política no Bundestag, o parlamento alemão. E, na Holanda, o Partido para a Liberdade ficou em segundo lugar.

Cresce o consenso de que se encontra em perigo o grande projeto político, econômico e social que, inaugurado há sessenta anos, pretendia assegurar uma Europa aberta ao mundo, democrática e livre.


Os riscos

Em um mundo dominado pelos avanços tecnológicos, a Europa não tem conseguido acompanhar o desenvolvimento dos Estados Unidos e da China, cujos projetos geopolíticos, acompanhados de perto pelos da Rússia, pretendem a hegemonia global. A solidariedade entre os países diminui e a economia mostra sinais de enfraquecimento. E já não é o mesmo o desejo das populações de integrarem uma Europa única.

O desemprego, outra causa de preocupações, está em 7,4% da população de trabalhadores na União Europeia, o que significa um total de 15,6 milhões de pessoas, sendo 3 milhões de jovens. O percentual sobe para 8,1% considerada apenas a zona do euro, composta por 19 dos 27 países pertencentes à União Europeia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Zona_Euro). Para efeito de comparação, no Brasil o desemprego é de 14,1%, segundo o IBGE, o que corresponde a 13,5% milhões de pessoas em busca de emprego. Com a crise do coronavírus, 59 milhões de postos de trabalho estão ameaçados de desaparecer na Europa.

Há também o endividamento elevado, principalmente de países como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda. Observadores também chamam a atenção para o que consideram falta de coordenação política da União Europeia para resolver questões de endividamento público das nações do bloco.

As consequências são a fuga de capitais de investidores, escassez de crédito para as empresas e aumento do desemprego. As medidas adotadas para a redução de gastos provoca descontentamento popular e baixo crescimento das economias. Este quadro contamina países fora do bloco que têm relações comerciais com a União Europeia, como é o caso do Brasil. Uma crise da Europa, dizem alguns economistas, pode causar uma recessão econômica mundial.

Os eurocéticos

Existem ainda os partidos eurocéticos que ameaçam a unidade do continente. Eles estão presentes e com voz ativa nos parlamentos, nos governos ou próximos do poder na Hungria, Polônia, República Tcheca, Romênia, Itália, Áustria, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Suécia e Holanda. Na Grã Bretanha eles venceram e conseguiram o Brexit.

Todos os partidos eurocéticos defendem a saída ou o fim da União Europeia, o controle das fronteiras, barreiras contra a imigração e protecionismo na economia. São contra a globalização e a integração econômica dos países. Dizem querer fortalecer a identidade nacional. Eles representam também uma ameaça às instituições democráticas, aos direitos humanos e favorecem o crescimento da xenofobia, do racismo e da intolerância religiosa. Pregam soluções simplistas para problemas que são por natureza complexos.

Vinte e sete países com vinte e quatro diferentes idiomas formam hoje a União Europeia. Em março de 2019, havia seis países candidatos a dela fazer parte: Albânia, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia, Bósnia e Herzegovina e Turquia. Para integrar União Europeia existem várias exigências. Além de estar com as contas públicas em ordem e equilibradas, os países que desejam candidatar-se devem ser politicamente democráticos e com um Estado de direito em vigor.

Nos primeiros meses de 2020 os países da Europa estavam a apresentar índices econômicos considerados ótimos mas a pandemia do coronavírus veio inesperadamente e liquidou o otimismo que começava a se manifestar. O crescimento pode, talvez, retornar em 2021.

Sem comentários:

Mais lidas da semana