quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Portugal | Paulo Portas e os caminhos da direita

Lourenço Pereira Coutinho | Expresso | opinião

Na semana passada, Paulo Portas suspendeu por instantes o silêncio parcial a que se remeteu desde 2015, e deu uma entrevista a Maria João Avillez, editada no Público deste domingo. O pretexto para a conversa foi a avaliação do mandato do presidente da República, mas a entrevista valeu sobretudo como prova da sagacidade de Paulo Portas, e como pista sobre o seu futuro político.

De forma surpreendente, ou talvez não, Paulo Portas analisou de forma positiva o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, ressalvando a importância do seu empenho na estabilidade política. Também, revelou que, atualmente, mantém uma relação cordial com o presidente, feita de algumas conversas, sobretudo sobre temas de política internacional. Curiosamente, algumas das características que Portas aponta a Marcelo aplicam-se-lhe também: inteligência superior, hiperatividade, pragmatismo. Contudo, e apesar de até parecer o contrário, o percurso ideológico de Marcelo Rebelo de Sousa é mais coerente que o de Paulo Portas. No início da década de 1990, este foi a “eminência parda” de um PP proto populista e anti tratado de Maastricht. Depois, a partir de meados da década de 1990, encarnou o “Paulinho das feiras”, o ombro amigo onde o interior podia chorar os desmandos de Lisboa, dando inicio à sua fase “popularucha”. Esta acabaria por fim em 2002, quando chegou a ministro da Defesa e passou a assumir uma pose de estado.

Durante a entrevista, Paulo Portas valorizou a capacidade do presidente da República saber distinguir o essencial do acessório. Paulo Portas também tem a capacidade de distinguir a forma do conteúdo, mas usou-a muitas vezes de forma questionável. Durante os anos de cavaquismo, dirigiu “O Independente”, de que fui leitor assíduo, um projeto inteligente e divertido, mas que não deixava de ser sensacionalista, até mesmo populista. O jornal tinha, também, um lado narcisista e soberbo, marcado pelo patético pretensiosismo social com que atacava o “homem de Boliqueime” e a sua entourage de wannabees.

Recentemente, o episódio da “demissão irrevogável” lembrou o pragmatismo desapegado de Paulo Portas, que tem uma capacidade notável de fazer esquecer o que não lhe interessa. Ele é um émulo contemporâneo de Charles de Talleyrand (1754-1838), o arguto político e diplomata francês que tinha uma notável capacidade de metamorfose, e serviu, sucessivamente, a revolução francesa antes da chegada do “terror”, o centralismo providencial de Napoleão Bonaparte, a restauração conservadora de Luís XVIII, e a monarquia liberal de Luís Filipe de Orleans.

Aparte as suas oscilações de percurso e o seu pragmatismo glaciar, Paulo Portas é o político de direita mais capaz e bem preparado da atualidade. Para além do mais, tal como reconheceu na entrevista, a experiência de vida ajudou-o a centrar-se. Paulo Portas parece ser hoje um homem mais equilibrado e previsível. Torna-se, por isso, indispensável a uma alternativa mobilizadora da direita portuguesa. E Paulo Portas sabe disso. Creio, no entanto, que nunca teve intenção de se voltar candidatar à Câmara de Lisboa. Os grandes municípios, como Lisboa ou o Porto, permitem fazer obra e alguma política, mas não a alta política, a de estado, que é a que Paulo Portas ambiciona. No entanto, este deve ter registado com agrado a forma como a proposta do seu nome foi informalmente acolhido pelas estruturas dos partidos tradicionais de direita e pelo seu eleitorado. Nas entrelinhas da entrevista, ficou bem claro o que ambiciona, nada menos que a presidência da república.

Como Paulo Portas deixou propositadamente escapar, a direita precisa de começar a preparar-se para o próximo ciclo político. E, escrevo eu, as atuais alternativas, ou são incompatíveis com os valores da direita democrática, ou, então, são pouco mobilizadoras. Rui Rio é um homem sério e empenhado, mas é demasiado rígido, pouco cosmopolita, e não tem um projeto galvanizador; Francisco Rodrigues dos Santos, o “Chicão”, até pode resultar como líder de uma juventude partidária mas, na liga principal, está claramente fora de pé; por sua vez, a Iniciativa Liberal tem um protagonista com um discurso sóbrio e estruturado, João Cotrim de Figueiredo. Contudo, se o liberalismo contemporâneo é basilar nos países anglo saxónicos, não me parece que consiga vingar na europa continental onde, felizmente, se valoriza a manutenção do estado social.

No espaço da direita, apenas o Chega tem crescido de forma evidente. Não me canso de escrever sobre os perigos da direita democrática transferir o seu voto para este partido, que integra ideias de extrema direita, e elementos radicalizados. Todas as sondagens sobre presidenciais atribuem mais de 5% de intenções de voto em André Ventura, e algumas aproximam-no, inclusive, dos dois dígitos. Ora, isto é preocupante. Não será relevante se André Ventura fica, ou não, à frente de Ana Gomes, mas sim a possibilidade de fixar o seu eleitorado das presidenciais. Caso tal acontecesse, o Chega ficaria após as legislativas com um grupo parlamentar com alguma dimensão. Este não seria mais que um inútil conjunto de meros figurantes, já que o partido não dá espaço ao aparecimento de valores políticos. Creio que o faz propositadamente. O Chega é um partido de “one man show”, e assim o deverá continuar, por entre a habitual demagogia e oportunismo.

Para além das atuais lideranças partidárias, a direita tem ainda uma segunda linha com figuras interessantes, como Paulo Rangel e Adolfo Mesquita Nunes. Contudo, embora por motivos diferentes, ambos têm demasiados anticorpos dentro do seu espaço político. Este tem ainda senadores no ativo, como Marques Mendes e Durão Barroso, os dois com vasta experiência. O primeiro, tem as ideias arrumadas, é “certinho”, mas é percepcionado como um quase clone de Marcelo Rebelo de Sousa, e a cópia resulta sempre pior que o original. O segundo, está há muito afastado da política nacional, e a sua passagem pela comissão europeia não lhe deu grandes créditos internos. É uma figura que não entusiasma.

Neste contexto, e para além de Paulo Portas, vejo apenas outra personalidade com capacidade para liderar um projeto alternativo de direita. Esta é Pedro Passos Coelho. O antigo primeiro ministro governou o país num contexto extraordinariamente difícil. Não o fez sempre de forma acertada, sobretudo pela teimosia de querer ir além da austeridade fiscal imposta pela troika, e pelos erros no campo económico (como a viabilização da venda do capital de empresas estruturantes como a TAP, feita de forma atabalhoada, e da EDP, esta aos chineses da Three Gorges), mas não teve grande margem para fazer melhor. Pedro Passos Coelho é um homem com um pensamento político estruturado, com experiência e coragem. Para além do mais, o que é relevante, demonstrou enquanto primeiro ministro uma elevação merecedora de respeito, sobretudo pelo exercício do cargo coincidir com circunstâncias difíceis da sua vida pessoal e, desde que abandonou funções, tem mantido um comportamento público correto e discreto.

Com a tranquilidade de quem não tem qualquer relação com os protagonistas aqui referidos, que nada tem para lhes dar, e nada de pessoal espera deles, creio que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, com as suas qualidades e defeitos, são os nomes melhor colocados para, num futuro sem data marcada, protagonizarem uma alternativa mobilizadora de direita. No fundo, tal não seria mais que dar, por fim, sequência ao projeto politico que, lembre-se, foi o mais votado nas legislativas de outubro de 2015.

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