domingo, 3 de abril de 2022

Portugal | SÓCRATES VERSUS CARLOS ALEXANDRE

Cândida Almeida* | Jornal de Notícias | opinião

José Sócrates apresentou denúncia contra o juiz de instrução criminal, Carlos Alexandre, e uma funcionária judicial do Tribunal Central de Instrução Criminal, imputando-lhes a prática de um crime de abuso de poder e de um crime de falsificação de documento autêntico.

Em causa, de acordo com o denunciante, a decisão e a ordem dada por aquele juiz àquela funcionária para que, manualmente, lhe fosse distribuído o processo conhecido por Processo Marquês. Antes, por estes mesmos factos, o Conselho Superior da Magistratura instaurara um processo de averiguações, no âmbito disciplinar, entretanto arquivado com fundamento não totalmente esclarecedor no modo como foi noticiado pela Comunicação Social.

O processo-crime corre agora os seus termos no Tribunal da Relação de Lisboa, sendo minha intuição que a maior parte das pessoas não compreenderá a razão da competência daquele tribunal, normalmente publicitado como tribunal de recurso, nem tão-pouco a posição do MP, habitualmente conotada com a acusação. A competência dos tribunais da relação é muito mais abrangente do que a apreciação das decisões da primeira instância, mas para o que aqui interessa, determina a lei que as secções criminais das relações em matéria penal julgam os processos por crimes cometidos por juízes de direito e procuradores da República.

A prática dos actos jurisdicionais no inquérito, a direcção da instrução e o despacho de pronúncia ou não pronúncia são competências de um juiz sorteado de entre os desembargadores das secções criminais. A fase de inquérito, neste caso, correu termos na Procuradoria Distrital de Lisboa, presidida por um magistrado do MP ali em funções. Finda a fase de investigação, o MP proferiu despacho de arquivamento por inexistência de indícios suficientes para deduzir acusação.

No nosso sistema processual penal existe uma figura jurídica de tradição muito nossa: o/a assistente. A lei especifica rigorosamente quem pode constituir-se assistente e, entre eles, estão os ofendidos, como é evidente. Neste caso, o ofendido é José Sócrates, que se constituiu assistente. Não se conformando com o despacho de arquivamento requereu a abertura da instrução. Esta fase tem como objectivo confirmar ou infirmar o despacho proferido pelo MP.

Finda a produção de nova prova, em alegações, o MP, em conformidade com o juízo proferido no despacho de arquivamento e por entender que não foi produzida prova nova que levasse à alteração daquele, defendeu a não pronúncia do juiz de instrução e da funcionária judicial. A relevância da decisão a proferir advém das eventuais repercussões no próprio Processo Operação Marquês.

(A autora escreve segundo a antiga ortografia)

*Ex-diretora do DCIAP

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