Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião, ontem
O conselheiro de
Estado Vítor Bento escreveu esta semana no Público um texto imperdível sobre o
Tribunal Constitucional. Neste, começa por lamentar que a oposição tenha "judicializado
o processo legislativo". Distraído, o economista não reparou ser único
propósito da existência do tribunal o de fiscalizar a concordância da lei com a
Constituição. E que o PR que o convidou para o aconselhar é um dos fautores
dessa suposta "judicialização", ao requisitar ao TC o exame e várias
normas do OE 2013 (como aliás, muitas outras leis, da do Estatuto dos Açores à
do casamento das pessoas do mesmo sexo). Bento pode, claro, ser contra a
existência do TC; mas em existindo o dito achar que não deve ser usado, fazendo
de conta que só a "oposição política" faz dele uso - ou será que quis
chamar oposição ao PR? - é pouco, digamos, sério. Mas o que são factos quando
queremos provar uma tese? Nas decisões do TC, diz Bento, "acabam demasiado
misturadas considerações jurídicas e políticas". Prova: se fossem
"apenas objetivamente jurídicas não teria havido opiniões divididas quer
no tribunal quer entre os mais reputados constitucionalistas". Suspeita-se
que para o ilustre economista "objetivamente jurídico" será o mesmo
que "objetivamente económico": aquilo com que concorda. Mas podia
ainda assim revelar às massas ignaras onde, para além da Coreia do Norte
(haverá lá tribunais?) e no Vaticano viu decisões jurídicas gerarem unanimidade
absoluta, seja sobre homicídios, contratos de arrendamento ou poder paternal -
quanto mais as constitucionais. E, manifestando-se tão preocupado com "a
execução do programa de ajustamento acordado com os credores oficiais", é
lastimável não ter anotado as vezes que o TC deixou passar normas orçamentais
que a esmagadora maioria dos "reputados constitucionalistas"
reprovava sem hesitações, como a contribuição especial de solidariedade e os
cortes salariais que vigoraram de 2011 a 2013. Chegou até a declarar
inconstitucional o corte dos subsídios de 2012 não obrigando à sua devolução, o
que lhe valeu o escândalo generalizado dos especialistas. Nada que impeça Bento
de o acusar de "estreitamento da amplitude interpretativa" e até
"condicionamento do processo democrático". E denuncia: os seus
pronunciamentos baseiam-se não em "normas positivamente prescritas na
Constituição e muito mais em princípios de natureza filosófica - igualdade,
proporcionalidade, proteção da confiança, etc".
Nunca tendo ouvido
falar de Constitucionais ou Supremos que façam a fiscalização da
constitucionalidade (como o dos EUA) a basear decisões em princípios tais, o
conselheiro termina aconselhando. Bom senso, diz ele. Porque assim "a
comunidade internacional" vê-nos como "uma aldeia gaulesa, ainda que
sem a poção mágica". Há em compensação quem tenha caído na BD em pequenino
e insista em impingir-nos bonecos.
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