Pela primeira vez,
países que comandaram, em rivalidade, desenvolvimento da América do Sul,
aliaram-se. Com qual sentido? Enfrentando que oposição de Washington?
José Luis
Fiori – Outras Palavras
A extensão da bacia
hidrográfica Rio do Prata, e a imensa fertilidade de suas terras, explicam, em
boa medida, a importância estratégica do Cone Sul, dentro do sistema
internacional. A Bacia do Prata, constitui uma região geoeconômica plana,
contínua e relativamente homogênea, que atravessa fronteiras e integra partes
importantes dos territórios argentino, uruguaio, paraguaio e boliviano, e do
próprio território brasileiro, banhado pelo Rio Paraná, e pelos seus afluentes,
Paranaíba, Grande, Tietê e Paranapanema. Essa região de enorme potencial
econômico, foi transformada num só tabuleiro geopolítico, pelas “guerras de
independência”, e pelas “guerras platinas”, que se sucederam até a segunda
metade do século XIX, culminado com a Guerra do Paraguai, que marca o início da
competição secular entre a Argentina e o Brasil, pelo controle do Cone Sul. Um
século, exatamente, em que a Argentina se transformou no primeiro grande
“milagre econômico” da América do Sul, entre 1870 e 1940; e em que o Brasil se
transformou no segundo grande “milagre econômico” do continente, entre 1937 e
1980, completando ao final, mais de cem anos de alto crescimento contínuo,
dentro de uma mesma região, algo absolutamente incomum na história do
desenvolvimento capitalista.
O take
off do “milagre econômico” argentino ocorreu logo depois da Guerra do
Paraguai, e da unificação definitiva do estado argentino, na década de 1860.
Obedeceu a uma estratégia geopolítica claramente expansiva e de disputa pela
hegemonia do Cone Sul, com o Brasil e o Chile. Essa estratégica orientou,
desde o início, as guerras argentinas de conquista territorial do oeste e do
sul, assim como seu desenvolvimento econômico e sua aliança quase incondicional
com a Inglaterra. Entre 1870 em 1930, a economia argentina cresceu a uma taxa
média anual de cerca de 6%, e no início do século XX, a Argentina havia se
transformado no país mais rico do continente sul-americano, e na sexta ou
sétima economia mais rica do mundo, com uma renda per capita que era quatro
vezes maior que a dos brasileiros, e quase o dobro da dos norte-americanos,
naquele momento. Nessa hora, a Argentina teve todas as condições para se
transformar na potência hegemônica da América do Sul, e numa importante
potência econômica mundial.
Mas não foi isto
que aconteceu, depois de 1940, quando a Argentina entrou num longo processo
entrópico de divisão social, e crise política crônica, ao não conseguir se unir
em torno de uma nova estratégia adequada ao contexto geopolítico e econômico
criado pelo fim da II Grande Guerra, pelo declínio da Inglaterra e pela nova
supremacia mundial dos Estados Unidos. Como se fosse uma sequência ou
consequência quase direta dessa desaceleração argentina, o Brasil viveu o seu
próprio “milagre econômico” – entre 1937 e 1980 – orientado por uma estratégia
igual e contrária, de resposta e superação do desafio argentino, através de uma
política de rearmamento das Forças Armadas e de desenvolvimento e
industrialização da economia brasileira. Essas ideias foram elaboradas e
amadurecidas durante as duas primeiras décadas do século XX, mas só foram
implementadas de forma sistemática e consistente a partir da década de 30,
quando a economia brasileira cresceu à uma taxa media anual de 7%,
ultrapassando a Argentina e transformando-se na principal economia da América
do Sul.
Mas esse quadro
favorável e de crescimento contínuo foi alterado pela crise econômica e pelas
mudanças geopolíticas da década de 70, quando o governo brasileiro foi obrigado
a redefinir sua estratégia de inserção internacional, e sua própria política de
desenvolvimento econômico. Foi nesse momento que governo militar do general
Geisel propôs a transformação do Brasil numa “potência intermediária”, e num
“capitalismo de estado”. Mas esse projeto dos militares brasileiros foi
atropelada pela politica externa, pela politica econômica internacional dos
Estados Unidos e pela oposição de uma parte das elites que haviam apoiado o
regime militar.
Nessa história, o
importante é entender que os “milagres econômicos” da Argentina e do Brasil,
nos séculos XIX e XX, foram orientados por duas estratégias opostas de
competição econômica e militar, pela hegemonia do Cone Sul. Essas estratégias
foram formuladas internamente, mas acabaram sendo estimuladas e
instrumentalizadas pela Inglaterra e pelos EUA, como forma de equilibrar as
forças e neutralizar o poder expansivo do próprio Cone Sul. Desse ponto de
vista, o novo projeto do Brasil e da Argentina — a construção de uma “zona
de co-prosperidade” e de um bloco de poder sul-americano — é, de fato, uma
revolução, na história do Cone Sul. Mas trata-se de uma estratégia que só
poderá ter sucesso no longo prazo, e que enfrentará uma oposição externa e
interna, ferrenha e permanente, dos EUA e dos partidários locais do “cosmopolitismo
de mercado”. Nesse ponto não há como enganar-se: todo e qualquer sucesso dessa
nova aliança, e dessa nova política do Brasil e da Argentina, será sempre
considerado como uma “linha vermelha”, para os interesses dos EUA e de sua rede
de apoios dentro continente, defensora da submissão estratégica e econômica da
América do Sul à politica internacional dos Estados Unidos.
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