Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Desfez-se,
aos poucos, o sentimento de que vivemos em democracia. E quando
isso acontece todas as alternativas, mesmo as providências, são aceitáveis
Parafraseando
George Orwell", todas as eleições são iguais, mas algumas são mais iguais
do que outras. Dito de outra maneira: todas as eleições são importantes, mas
algumas são mais importantes do que outras. As próximas eleições legislativas,
em 2015, a
quarenta anos de distância das primeiras eleições depois da queda da ditadura,
vão ter uma importância igual às eleições que fundaram o regime democrático.
Nas eleições de há quarenta anos, de onde resultou a aprovação da Constituição
que o actual governo tanto vilipendia, votaram mais de 90% dos portugueses. Nas
próximas eleições, em 2015, quebrados por tantas desilusões, e tantas ofensas,
votarão muito menos portugueses, mas isso não retirará aos resultados a
importância decisiva para o futuro do nosso regime democrático.
Os
partidos do "arco parlamentar" atravessam uma profunda crise de
credibilidade aos olhos dos eleitores. Esta leitura, que é óbvia em relação aos
partidos da coligação que sustenta ao governo - o PSD e o CDS-PP -, ao maior
partido da oposição, o PS, e ao Bloco de Esquerda, que começou a lutar pela
sobrevivência, não deixa de atingir igualmente o PCP, apesar de este celebrar
em todas as eleições a "derrota da direita". É só lembrar que os
comunistas já obtiveram em eleições legislativas o dobro da votação que
alcançaram em 2011.
Os
eleitores já deram um forte sinal, nas eleições europeias, quer quem votou,
quer quem se absteve (ou votou branco ou nulo), da sua relutância em dar mais
esmola neste peditório bipartidarista à portuguesa. Nestes anos, aumentou o
sentimento de que não vale a pena votar porque não há diferenças, são todos
iguais; perdeu-se o sentimento de soberania popular: o voto não serve para
nada, eles dizem uma coisa para chegarem ao poleiro, e fazem outra quando lá
estão. Desfez-se, aos poucos, o sentimento de que vivemos em democracia. E quando
isso acontece todas as alternativas, mesmo as providências, são aceitáveis.
Os
dados para as próximas eleições estão lançados. No Pontal, através do seu
presidente, Passos Coelho, apresentou-se um PSD (que levará a reboque o
fragilizado CDS-PP) ressabiado pela incapacidade de governar no quadro da
jurisprudência constitucional vigente; cada vez mais populista, querendo
representar "maiorias silenciosas" à moda salazarista dos anos 30
(não há que ter receio de chamar os bois pelos nomes); atiçando ódios sociais,
culpando os reformados pelo desemprego dos jovens e apelando à participação dos
socialistas nesta tramoia, com o cinismo e a hipocrisia de quem fala, agora,
por razões apenas eleitorais, na "separação da política dos
negócios". Passos Coelho, na ausência de resultados na economia, com o
furacão BES a cair-lhe em cima, cujas consequências ainda não estão todas em
cima da mesa, tendo às costas o empobrecimento da maioria dos portugueses, vai
encetar, até às legislativas, uma fuga para a frente, radicalizando o discurso
político populista e amaldiçoando o tribunal constitucional e, nas entrelinhas,
a democracia.
O
maior partido da oposição atravessa um período interno doloroso, cujas
consequências, independentemente de quem ganhar a liderança, não deixarão de
produzir um enorme desgaste. A opção de António José Seguro em prolongar esta
dor interna durante meses, até finais de Setembro, pelo menos, poderá desgastar
a imagem de António Costa, mas vai arrastando o PS para o pântano da
"politiquice" de que os portugueses estão fartos. O resultado final
não vai ser animador para os socialistas.
É
neste quadro de desgaste dos partidos do "arco parlamentar",
sobretudo do PSD e do PS, que pode entrar nas contas, não um novo partido, mas
uma pessoa: Marinho e Pinto. É por aqui que, nas próximas eleições legislativas,
se pode romper com a "tranquilidade" do bipartidarismo que moldou o
regime nas últimas décadas. Se tal acontecer, se um homem só absorver uma parte
importante do descontentamento, e com isso alterar a "paz do bloco central",
o PCP (e o BE, também) deviam perceber que são tão responsáveis pela situação
em que vivemos como os partidos que nos têm governado.
Jurista,
escreve à segunda-feira
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