Inês
Cardoso – Jornal de Notícias, opinião
O
tempo da política é sempre imediato. E abusa o mais que consegue das acrobacias
permitidas pela memória curta. Mas há piruetas que, de tão rebuscadas, não
enganam nem sequer o mais distraído dos portugueses que tem assistido à forma
agressiva de bater bolas com que os políticos, mais bipolarizados que nunca, se
têm entretido nas últimas semanas.
Marco
António Costa, vice-presidente do PSD, assumiu ontem que é tempo de ser
oposição, fiscalizando a "defesa do interesse nacional". Esta
declaração seria responsável e séria, se não estivesse armadilhada no que a
antecedeu e no que lhe sucedeu. Em ambos os casos, pelo meio das habituais
expressões de que o poder foi tomado "de assalto", Marco António
Costa referiu-se a contas.
Lembrou
os cofres cheios e a dotação previsional de 62 milhões disponíveis para fazer
face a imprevistos em dezembro (a tal almofada que não está tão macia como os
recheados cofres). E voltou a garantir que os três por cento de défice serão
atingidos "sem grande dificuldade", desde que António Costa e
restante equipa "não estraguem", em 29 dias, o que PSD e CDS tão
esforçadamente conseguiram em "1610 dias de trabalho".
O
programa do PS foi aprovado no Parlamento há cinco dias, a 2 de dezembro. O
país está a ser conduzido com base no Orçamento deixado pela coligação e
começará 2016 a ser gerido em duodécimos. Por muito que o PS e a Esquerda sejam
gastadores e responsáveis por nos deixar a troika à perna, é preciso ter esta
cantiga entranhada no ouvido para acreditar que, se falharmos a meta do défice,
a culpa só poderá ser destes terríveis assaltantes ilegítimos do poder.
Mas
como a lógica não basta, olhemos então para as contas divulgadas, a fechar a
semana, pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental. Nos primeiros nove meses do
ano, o Estado terá tido um défice de 3,7%, o que torna "exigente e de
difícil concretização" a meta estipulada por Passos Coelho para o ano -
exatamente um ponto abaixo. Mas se há derrapagem nas metas, esqueça-se quem
esteve no poder 336 dias. A culpa será sempre dos últimos 29. Estranha
matemática.
Marco
António Costa tem razão: é tempo de PSD e CDS serem oposição. E para isso têm
de deixar o PS governar. A fiscalização é uma missão política tão nobre como a
governação. Mas nós, os que somos governados, estamos fartos que Esquerda e
Direita andem a apontar o dedo uma à outra. E, sobretudo, que nos tentem
baralhar quanto a quem é responsável por quê. A nossa memória é curta, mas nem
tanto.
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