Em
Janeiro passado, o semanário português Expresso publicou uma ampla
reportagem acerca de Isabel dos Santos.
Trata-se
de um trabalho muito interessante, não pelo seu conteúdo, genericamente
conhecido, mas pelas várias mensagens mais ou menos subliminares que transmite.
Por um lado, aparece-nos uma Isabel glamorosa, Isabel em festas de jet-set,
Isabel a lavar o cabelo, Isabel com o cãozinho ao colo, Isabel em muitas e
variadas poses. Como já se referiu noutra peça no Maka Angola, esta exposição
deve fazer parte da estratégia de algum marqueteiro brasileiro ou seu aprendiz
português para lançar Isabel dos Santos para a presidência da República de
Angola, destacando a mulher moderna e cosmopolita, a empresária de sucesso que
vai guiar o país para o século XXII.
Contudo,
o ponto fulcral da reportagem é o retorno à velha questão da origem dos fundos
de Isabel dos Santos e da sua fortuna. Segundo os factos apresentados pelos
seus consultores e aliados, é tudo absolutamente legal e transparente, até
porque a sua estrutura societária foi elaborada por um dos maiores escritórios
de advogados ingleses, a Clifford Chance, e em Portugal os supervisores juram a
legalidade de todos os negócios e afirmam haver mecanismos de due dilligence em
acção que foram observados.
De
facto, perante a vastidão dos interesses e das actividades de Isabel – que
continuam em expansão acelerada, agora
em Luanda –, é impossível analisá-los todos de forma integrada.
Contudo, não há nada que o método cartesiano não permita, começando por
distinguir aspectos muitos simples e depois seguindo o rasto. Porque, e este é
um ponto essencial, face ao desenvolvimento de complexas estruturas jurídicas,
o direito tem-se adaptado, criando formulações várias que deitam abaixo as
tentativas de opacidade e permitem ir mais longe: por exemplo, figuras como a action
in concert, desenvolvida no Código da City londrina, a imputação de direitos de
voto consagrada nas directivas da União Europeia e vertida nas legislações
alemã, francesa ou portuguesa, ou a Durchgriff germânica, que serve para
desmascarar sociedades ou levantar a sua personalidade jurídica quando estas
apenas são máscaras escondendo o verdadeiro interessado e actuante.
Estas
considerações são importantes para se perceber que as várias sociedades que
surgem no universo de Isabel dos Santos não passam, na sua maioria, de conchas
vazias que apenas servem para a esconder, não tendo actividade real.
Estude-se
o caso da participação de Isabel dos Santos no BPI (banco português, dono do
BFA em Angola). A sociedade Santoro Finance – Prestação de Serviços SA tem uma
participação directa de 18,58% no BPI. Por sua vez, a Santoro Finance é detida
a 100% pela Santoro Financial Holdings SGPS. E a principal accionista desta
Santoro Financial Holdings SGPS é Isabel dos Santos. Portanto, e como refere o
Relatório e Contas do BPI, a participação no BPI é imputada, nos termos do
artigo 20.º do Código dos Valores Mobiliários, justamente a Isabel dos Santos.
Apesar de existirem duas Santoro, o facto é que a participação é claramente de
Isabel dos Santos, com as consequências daí advenientes. É ainda possível
verificar que a Santoro Financial Holdings é uma sociedade gestora de
participações sociais não financeiras, com sede na Avenida da Liberdade, 190,
1-B, Lisboa, enquanto a Santoro Finance tem como objecto a prestação de
serviços de consultadoria, designadamente de consultadoria económica,
contabilística, marketing, publicidade e de direcção de empresas, a supervisão
da prestação de serviços por terceiros e demais actividades conexas com tais
serviços, sendo que no exercício da sua actividade social a sociedade pode
participar no capital de outras sociedades, ainda que com natureza e objectos
diversos do seu. A sede é na mesma morada da Santoro Financial Holdings.
O
estranho aqui é que a SGPS mãe (Santoro Financial Holdings) é uma sociedade
dedicada às participações não financeiras, quando na realidade a sua grande
participação é numa empresa que detém… um banco. É contraditório. No mínimo,
isto deveria levantar o sobrolho às adormecidas autoridades portuguesas.
Note-se,
e aqui entramos no cerne da questão, que a compra da parcela do BPI ocorreu em
2008 e foi realizada ao Millennium BCP, que ao tempo vivia uma crise suscitada
em parte por interesses angolanos, que na mesma altura, através da Sonangol,
alcançavam 10%, tornando-se os maiores accionistas do próprio BCP. Repito: em
2008 Isabel dos Santos compra a parte do BCP no BPI, após a Sonangol se ter
tornado a maior accionista do BCP. Refira-se também que o valor pago por Isabel
dos Santos (embora acima do valor momentâneo de mercado) se traduziu numa menos-valia
para o BCP. Outro facto: o primeiro-ministro de Portugal era José Sócrates.
Então,
em 2008, o banco que acabava por estar controlado pelo pai, José Eduardo dos
Santos, através da Sonangol (BCP), vende à filha (com uma menos-valia) as
acções que tinha no banco BPI (aquele que domina o BFA em Angola), estando José
Sócrates no poder. Este é o retrato da operação, e não outro.
Coloca-se
então a pergunta: de onde veio o dinheiro da filha-princesa? Não foi certamente
das actividades das Santoro 1 e 2, que são meras sociedades de participação e
não tinham operações em curso de onde resultassem rendimentos regulares. Aliás,
as Santoro foram criadas na mesma época precisamente para servirem como
veículos de aquisição.
Que
supervisão existiu por parte das autoridades portuguesas? Nenhuma. O que
deveriam ter feito? Tudo. É que o argumento de que foi realizada a due
dilligence e de que não haveria qualquer suspeita não é válido: este foi o
tempo da Operação Furacão, que se deparou com fortes indícios de eventuais
práticas suspeitas por parte de elementos ligados a Isabel dos Santos, e tudo
isto foi amplamente noticiado na imprensa portuguesa. O problema terá sido
outro: a dependência portuguesa do dinheiro de Angola, que fez com que todas as
autoridades fechassem os olhos a estes movimentos.
Simultaneamente
com tudo isto, em Angola, a Unitel – empresa em que Isabel dos Santos exerce um
domínio de facto – adquiriu 49% do BFA, controlado pelo BPI.
Se
repararmos bem, é tudo muito simples: trata-se de um movimento em pinça com
vista ao controlo da banca portuguesa e angolana, que começou em 2008 com
fundos sem proveniência clarificada.
Rui
Verde* – Maka Angola
*Doutor
em direito
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